Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
54/14.2TBCMN-B.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA CONTAGEM (ART. 498º
Nº 1
DO CC)
CONHECIMENTO DO DIREITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2.ª ed., I vol., 503 a 505; “Código Civil” Anotado, vol. I, 438.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, 430.
- Revista dos Tribunais, ano 86.º, 159.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. II, 299.
- Vaz Serra, no B.M.J. 87.º, 38.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 268.º, 306.º, 309.º, 321.º, 498.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 27-11-73, B.M.J. 231.º/162, E DE 6-10-83, B.M.J. 330.º/495.
-DE 18-4-02, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 3-11-05, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 22-9-09, NA C.J./ S.T.J., TOMO III, 71.
-DE 20-3-14, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. O prazo de prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual inicia-se com o conhecimento pelo lesado do direito que lhe pertence (art. 498º, nº 1, do CC).

2. O conhecimento do direito de indemnização deduzido pelo proprietário contra o procurador que, carecendo de poderes, procedeu à venda de um bem imóvel daquele não depende da declaração judicial da invalidade ou da ineficácia do contrato celebrado.

3. O prazo de prescrição inicia-se com o conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização.

Decisão Texto Integral:
I - AA e BB propuseram acção com processo comum contra CC, DD, EE e FF, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegam ter sofrido em consequência da venda de um imóvel propriedade dos Autores efectuada pelo 1ª R. a terceiros, em 9-8-05, a coberto de uma procuração datada de 8-10-84, e da ocupação do mesmo imóvel no período de 5-11 a 12-12-05, em consequência da venda.

A venda do referido imóvel foi declarada ineficaz por decisão judicial proferida na acção instaurada pelos AA. e na qual veio a ser proferido o acórdão do STJ de 16-10-12, transitado em julgado.

Na sua contestação os RR. invocaram a prescrição do direito de indemnização pelo decurso do prazo de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1, do CC, pois que os AA. tiveram conhecimento do seu direito no dia 4-11-05, tal como admitem na petição inicial.

Os AA. responderam sustentando que a contagem do prazo especial de 3 anos apenas teve início a 1-11-13, como o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que declarou ineficaz a aludida venda, uma vez que apenas naquele momento tomaram conhecimento da titularidade do direito de indemnização sobre os RR.

No despacho saneador a excepção foi julgada improcedente.

Os RR. interpuseram recurso e a Relação revogou aquele despacho, julgando verificada a excepção da prescrição e absolveu os RR. do pedido.

Os AA. não se conformaram e interpuseram recurso de revista para este Supremo em que:

- Impugnam o entendimento de que o início do prazo de prescrição do direito de indemnização se conta a partir do conhecimento da celebração do contrato de compra e venda cuja eficácia foi declarada - 4-11-05 - concluindo que tal apenas ocorreu com o trânsito em julgado do acórdão deste Supremo que confirmou a invalidade, por ineficácia, do contrato de compra e venda outorgado ao abrigo da procuração, ou seja, em 1-11-13, data em que ficaram cientes do direito que lhes competia.

Os RR apresentaram contra-alegações.

Cumpre decidir, tendo em conta a posição que obteve vencimento no seio do presente colectivo.


II – Factos provados:

1. No dia 9-8-05, a coberto de uma procuração de 8-10-84, o 1º R. vendeu a terceiro o imóvel descrito no art. 5º da petição, propriedade dos AA.;

2. Os AA. tomaram conhecimento dessa venda em 4-11-05;

3. Em 16-2-06, os AA. intentaram acção em que pediram a declaração de nulidade ou de ineficácia dessa compra e venda (Proc. nº 338/06.3TBCMN);

4. Por acórdão do STJ, transitado em julgado em 1-11-13, aquela venda veio a ser declarada inválida, por ineficaz em relação aos AA.

5. A presente acção foi proposta em 6-2-14.


III – Decidindo:

1. A presente acção encontra-se sustentada na responsabilidade civil extracontratual, pretendendo os AA. que os RR. sejam condenados no pagamento dos prejuízos que resultaram da sua actuação concertada no sentido de, através da procuração que haviam emitido a favor do 1º R., consumarem a venda de um imóvel que pertencia aos AA.

A questão verdadeiramente essencial que se coloca reporta-se à interpretação do art. 498º, nº 1, do CC, no sentido de apurar se o início do prazo de prescrição do direito de indemnização se deu com o conhecimento por parte dos AA. de que o 1º R. celebrara, a coberto da procuração, o contrato de compra e venda do seu prédio ou se, ao invés, tal prazo apenas se iniciou na data em que transitou em julgado o acórdão deste Supremo proferido no âmbito da acção que os AA. interpuseram e na qual veio a ser declarada a ineficácia de tal contrato.

Atenta a especificidade das normas, em lugar do recurso ao disposto no art. 306º do CC (norma segundo a qual o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito puder ser exercido), é de aplicar o art. 498º, nº 1.

Assim, sem prejuízo do prazo de prescrição ordinária (e também dos casos em que exista concorrência entre responsabilidade civil e criminal), o direito de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (expressão normativa que também foi utilizada para regular a prescrição no enriquecimento sem causa - art. 482º do CC).


2. Em lugar da aplicação do prazo geral de prescrição previsto no art. 309º do CC para os direitos de crédito em geral, o legislador optou por fixar um prazo reduzido para o direito de indemnização sustentado na responsabilidade civil extracontratual.

O objectivo de tal opção foi o de impulsionar uma rápida resolução do conflito que envolve uma complexa articulação de factos, por seu lado reconduzidos a uma série de pressupostos normativos: para além do evento, o direito de indemnização supõe a verificação da ilicitude, da culpa ou do risco, dos danos e do nexo de causalidade entre o evento e os danos.

Ora, qualquer destes pressupostos, com especial realce para a ilicitude e os danos, frequentemente carentes de prova testemunhal, pode ser diluído na névoa do tempo se, entre a data da verificação do evento e o momento em que o Tribunal se pronuncia, decorrer um período temporal excessivo.

O sistema jurídico, quando impõe regras como as referentes ao prazo prescricional postula uma correcta e justa composição de interesses contrapostos, procurando satisfazer o direito de crédito do lesado e acautelar o agente relativamente a situações de arrastamento excessivo geradoras de insegurança ou do maior risco de decisões materialmente injustas provocadas pelo funcionamento dos mecanismos probatórios.

Como é explicado por Vaz Serra, no BMJ 87º, pág. 38, o regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual procura compatibilizar os interesses do credor da indemnização e os do devedor, dando prevalência, através da redução do prazo normal, ao factor da segurança jurídica.

Também Menezes Cordeiro afirma que o prazo especialmente curto visa, por um lado, pôr rapidamente cobro a situações de insegurança que é representado pela existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se encontra em dúvidas quanto à realização e, por outro, incitar os lesados à realização pronta dos seus direitos (Direito das Obrigações, vol. II, pág. 430).

Por isso, sem embargo das ocorrências que podem ser determinantes da suspensão ou mesmo da interrupção do prazo de prescrição, dilatando no tempo a extinção prescricional dos direitos de crédito, o lesado tem o ónus de agir judicialmente a partir da sua percepção dos pressupostos da responsabilidade civil.

Nada permite afirmar que a contagem do prazo pode ser diferida para o momento em que for judicialmente reconhecida a existência da ilicitude da conduta do agente. A ilicitude do agente constitui um dos diversos pressupostos do direito de indemnização e, por isso, faz todo o sentido que seja apreciado no âmbito da acção em que seja reclamado o ressarcimento dos danos imputados a uma conduta ilícita do agente.

Esta clara vontade do legislador que foi implantada no direito substantivo encontra os necessários desenvolvimentos no direito adjectivo, assomando designadamente na viabilidade (ou na conveniência) de serem deduzidos pedidos cumulados (art. 555º do CPC), ainda que porventura a procedência de algum deles possa ficar dependente da procedência de outro pedido ou, com o mesmo significado, ainda que a improcedência do pedido principal leve a considerar prejudicado o pedido secundário.

É a mesma razão que explica que, não estando o exercício do direito de acção dependente nem da identificação segura da pessoa do responsável (art. 498º, nº 1, do CC), nem da delimitação e quantificação exacta dos danos, seja admissível a dedução de pedidos genéricos sujeitos a posterior liquidação (art. 556º, nº 1, al. b), do CPC).

Para que aqueles objectivos sejam alcançados, o legislador consignou que o início de contagem do prazo apenas exige do lesado o conhecimento do direito de indemnização, ou seja a percepção da titularidade do direito de ser indemnizado pelos danos que sofreu (Rev. dos Trib., ano 86º, pág. 159), reportando esse conhecimento não tanto à consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem à comprovação da ilicitude da actuação, mas ao conhecimento da generalidade dos pressupostos de facto do direito de indemnização (Acs. do STJ, de 27-11-73, BMJ 231º/162, e de 6-10-83, BMJ 330º/495).

É assim que conclui Antunes Varela quando, em torno da desconsideração da delimitação e quantificação do dano, afirma que o prazo se inicia a partir da data em que o lesado, “conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”, reservando a dilação do início de contagem para situações em que ocorra um “qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos 3 anos anteriores” (Das Obrigações em Geral, 2ª ed., I vol., págs. 503 a 505, e CC anot., vol. I, pág. 438).

Numa abordagem que se reporta a todos os pressupostos do direito de indemnização, Rodrigues Bastos refere que o prazo de prescrição se inicia “com o conhecimento, por parte do lesado … da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir”, concluindo que “o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele” (Notas ao CC, vol. II, pág. 299).


3. Nada impede que se prevejam casos em que o início do prazo de prescrição ocorra a partir de outro evento. Assim será, porventura, quando se invoque a responsabilidade civil do Estado decorrente da função jurisdicional, dependente da revogação da decisão judicial (art. 13º da Lei nº 67/07, de 31-12), ou a responsabilidade do Estado por omissão legislativa, dependente da declaração de inconstitucionalidade por omissão, nos termos do art. 15º, nº 5, da mesma Lei.

Já no Ac. deste STJ, de 20-3-14 (www.dgsi.pt), se defendeu que o início do prazo de prescrição de uma acção de indemnização decorrente de erro judiciário relacionado com danos decorrentes de apreensões que foram realizadas no âmbito de um inquérito criminal se conta a partir do despacho de arquivamento desse inquérito.

A dilação do início do prazo de prescrição pode ainda conjecturar-se em situações em que o direito violado esteja dependente de reconhecimento judicial, através de sentença proferida em acção de natureza constitutiva.

Além disso, é ainda possível contar com a possibilidade de suspensão do decurso do prazo de prescrição para casos de força maior, nos termos do art. 321º do CC.

No caso presente, porém, os AA., logo que tomaram conhecimento da celebração da escritura de compra e venda, depararam-se com todos os pressupostos necessários ao exercício do direito de acção ressarcitória, posto que ainda não conhecessem a amplitude total dos danos, que a sua produção se protelasse no tempo ou que o reconhecimento do direito de indemnização exigisse a demonstração da ineficácia da compra e venda por terem sido excedidos os poderes conferidos através da procuração.

A simples eventualidade de, porventura, não vir a ser reconhecida na acção declarativa que instauraram a ineficácia da conduta da 1ª R. ou a ilicitude da actuação concertada dessa R. com os demais RR. não permite que se conclua, como pretendem os recorrentes e defendeu a 1ª instância, que o início do prazo prescricional foi diferido para a data do trânsito em julgado da sentença.  Tal facto apenas se repercutiria na improcedência do pedido de indemnização que deveria (poderia) ter sido deduzido cumulativamente ou em acção autónoma, mas interposta dentro do prazo de 3 anos previsto no art. 498º, nº 1, do CC, assente no pressuposto da demonstração de todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual.

É o que sucede quotidianamente nas acções para defesa da propriedade, maxime nas acções de reivindicação ou nas acções possessória. Perante a coexistência de factos ilícitos e causadores de danos, é comum que as pretensões para defesa da propriedade ou da posse surjam cumuladas com as pretensões indemnizatórias, sem que obviamente o exercício do direito de indemnização fique condicionado pelo reconhecimento do direito de propriedade ou da posse e, portanto, sem que o interessado possa invocar que apenas “teve conhecimento do direito de indemnização” com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito de propriedade ou a posse.

O mesmo se passa quando está em causa a tutela de direitos de personalidade quando, em simultâneo, haja motivos para a dedução de pretensão indemnizatória que obviamente não pode ficar dependente do prévio reconhecimento daquele direito absoluto (art. 70º do CC).

Na verdade, a pretensão no sentido de ser declarada a ineficácia de um contrato de compra e venda outorgado pelo procurador, desviando-se do âmbito dos poderes de representação conferidos através de uma procuração, nos termos do art. 268º do CC, corresponde a uma acção de simples apreciação positiva, cujo resultado favorável ao A. não pode condicionar o início do prazo de prescrição para o exercício do correlativo direito de indemnização.

Mais incisivamente, o “conhecimento do direito” de indemnização que competia aos AA. não dependia da prévia confirmação judicial da existência do facto ilícito ou praticado à revelia dos poderes de representação (ineficaz), revelando-se logo que os AA. puderam configurar a existência daquele direito, na conjugação dos diversos pressupostos: evento, ilicitude, culpa, danos e nexo de causalidade.


4. É isto o que resulta dos arestos citados no acórdão recorrido, ainda que relativamente a situações que não são totalmente equiparadas, em torno da violação de direitos reais:

- O Ac. do STJ, 18-4-02 (www.dgsi.pt), concluiu que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento.

- Também no Ac. do STJ de 3-11-05 (www.dgsi.pt), se afirma que se alguém adquire a propriedade de um determinado imóvel e outrem ilicitamente o ocupa, é a partir do conhecimento dessa situação e não da sentença proferida no âmbito de acção de posse judicial avulsa que visou tutelar o direito de propriedade.

- Por seu lado, no Ac. do STJ, de 22-9-09, na CJSTJ, tomo III, pág. 71, defende-se que “o lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”.


IV – Em face do exposto, acorda-se em julgar a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas da revista e nas instâncias a cargo dos AA.

Notifique.

Lisboa, 23-6-16


Abrantes Geraldes (relator por vencimento)

Tomé Gomes

Tavares de Paiva (vencido nos termos da declaração de voto que junto)

________________

Declaração de voto de vencido


AA e BB propuseram acção com processo comum contra CC, DD, EE e FF, pedindo a condenação destes no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegam ter sofrido em consequência da venda do imóvel descrito no artigo 5º da petição inicial, propriedade dos Autores, efectuada pelo 1ª Réu a terceiros em 9/08/ 2005 a coberto de uma procuração de 08 /10/1984 (venda que por Acórdão do STJ de 16/10/2012, veio a ser declarada ineficaz em relação aos Autores, tendo sido também no mesmo acórdão declarado nulo e de nenhum efeito o negócio consubstanciado naquela procuração) e da ocupação do mesmo imóvel, no período de 05/11 a 12/12/2005 por terceiros em consequência dessa venda.


      A presente acção tem como fundamento que consubstancia a causa de pedir, nos prejuízos que os Autores dizem ter tido em consequência da venda do imóvel descrito no artigo 5º da petição inicial, propriedade dos AA, efectuado pelo 1º R a terceiros em 9.08.2005, a coberto de uma procuração de 8.10.1984 e da ocupação do mesmo imóvel, no período de 5.11.a 12/12/2005 por terceiros em consequência dessa venda.

      Neste particular não se pode esquecer a acção que os AA intentaram em 16.02.2006 uma acção correspondente ao proc. nº 338/06.3TBCMN em que pediram a declaração de nulidade ou de ineficácia dessa compra e venda, acção que, pelo acórdão do STJ, veio a ser declarada ineficaz em relação aos AA, tendo sido no mesmo declarado nulo e de nenhum efeito o negócio consubstanciado na procuração, acórdão esse que transitou em julgado 1.11.2013.


      Fazendo o confronto com a causa de pedir na presente acção parece não haver dúvidas que a presente acção tem efectivamente uma relação causal com a identificada acção que culminou com o Acórdão do STJ, o qual declarou nulo e ineficaz relativamente aos AA a compra e venda e de nenhum efeito o negócio consubstanciado na procuração.

      E sendo assim e no que toca á contagem do prazo da prescrição do art. 498 nº1 do C Civil acolhe-se a posição da 1ª instância quando concluiu que esse prazo apenas começou a correr com o trânsito em julgado do acórdão do STJ 01.11.2013.

      Note-se também que incumbe aos AA nesta acção fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art. 342 nº1 do C. Civil).

E segundo o art. 498 nº1 do C Civil “ o direito de indemnização prescreve no prazo três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

      Como se diz no Acórdão deste STJ de 18.04.2002 acessível via www.dgsi.pt “Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência, da possibilidade legal do ressarcimento (cfr. também A. Varela in “Das obrigações em geral“ Vol. I, 6ª ed. Coimbra 1989 pag. 596).

O que é necessário para começo da contagem do prazo é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete (cfr. P. Lima e A. Varela in C. Civil Anotado 2ª ed. pag.437).

Ainda sobre esta problemática Vaz Serra in RLJ 107 pag. 296 em anotação ao Acórdão deste Supremo de 27.11.1973 , segundo o qual também “ o prazo de prescrição a que se refere o nº1 do art. 498 do C Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respectivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento “refere “não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei : se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição de curto prazo. E mais adianta o citado Autor diz: “ Se ele (lesado) tendo embora conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, ignora o seu direito de indemnização, seria violento que a lei estabelecesse um prazo curto para exercício desse direito e declarasse este prescrito com o decurso de tal prazo”.

 

Ora, se fizermos o confronto com a causa de pedir da presente acção, parece não haver dúvidas que o direito dos AA estava de facto condicionado pelo resultado daquela acção em que os AA pediam precisamente a declaração de nulidade da compra e venda ou a sua ineficácia em relação aos Autores.

      Temos de reconhecer que só com o resultado definitivo dessa acção, os AA tiveram conhecimento efectivo e sustentado do direito que lhes competia, sendo certo que até podiam ter expectativas nesse sentido, mas para efeitos de contagem do prazo de prescrição, a que alude o nº1 do art. 498 do C Civil, não se pode esquecer que a lei neste domínio é expressa no sentido que o prazo de três anos começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. (cfr. também os citados Autores in C. Civil Anotado 2ªed. pag. 437)

      Efectivamente, só passaram a saber que a venda era nula e ilegal com o trânsito em julgado do identificado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e, por conseguinte, só a partir dessa data tiveram consciência sustentada e segura de que podiam exercer o seu direito à indemnização em consequência dessa venda.

      Ou seja, só com a nulidade da venda os AA (facto ilícito) os AA tiveram conhecimento do direito que lhes assistia.

    

    Não se acolhe, assim, o entendimento do Acórdão recorrido quando considera como um desses pressupostos do direito dos AA apenas a venda ocorrida em 4/11/ 2005, desvalorizando a acção que visava precisamente escrutinar precisamente a legalidade dessa venda que os AA colocavam em causa.


      Portanto, acolhendo a posição da 1ª instância, o prazo do art. 498 nº1 do C. Civil apenas começou a correr com o trânsito em julgado do acórdão do STJ ou seja, em 1.11.2013 e apenas se completaria em 1.11.2016.

      E considerando a data da propositura da presente acção 6.02.2014 não se verificava a suscitada prescrição e consequentemente mantinha a decisão da 1ª instância.