Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05P2932
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SORETO DE BARROS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
FACTOS GENÉRICOS
DIREITOS DE DEFESA
CONSTITUCIONALIDADE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ200604050029323
Data do Acordão: 04/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário : I - O STJ tem vindo a decidir que não são factos susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ["procediam à venda de estupefacientes"; "essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos"; "a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína"; "utilizavam também correios"; "utilizavam também crianças"].

II - As afirmações genéricas contidas no elenco desses "factos" provados não são susceptíveis de impugnação, pois não se sabe em que locais os arguidos venderam estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína.

III - A aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos arguidos assiste, constituindo grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32.º da CRP.

IV - Pratica o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, e não o ilícito previsto no art. 21.º, n.º 1, do referido diploma, o arguido, consumidor de estupefacientes, que, durante pouco mais de um mês, vendeu estupefacientes a consumidores que o abordavam na rua, e que, na sequência de vigilância, foi interceptado por elementos da GNR, lançando ao chão três saquetas contendo heroína

com o peso total de 3,06 g, tendo, ainda, na sua posse 70,1 (60 em notas e 10,1 em moedas), produto da venda, um canivete, utilizado para manusear e dosear o estupefaciente de modo a prepará-lo em doses individuais para venda aos consumidores, e uma folha de papel com um número de contacto telefónico.

V - Perante estes factos, mostra-se adequada a pena de 4 anos de prisão.

VI - Já o arguido que vendeu estupefacientes durante o mesmo período, foi encontrado com quatro saquetas de heroína, com o peso total de 2,96 g, e tinha na sua residência três maços de notas de 20, com cintas da Caixa Geral de Depósitos, num total de 4.060, um maço de notas contendo uma nota de 100 e noventa e uma de 50, num total de 4.650, um relógio imitação Burberrys, uma pulseira em metal dourado e um anel em ouro, tudo produto daquela actividade, bem como três sacos plásticos, de cor branca, de onde foram retiradas várias rodelas, e uma rodela, em plástico, de cor branca, utilizados para proceder à embalagem das doses individuais de produto estupefaciente, deve ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.

VII - E sendo este arguido reincidente, como se demonstrou, considera-se adequada a fixação da pena em 8 anos de prisão. *

* Sumário elaborado pelo Relator.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça


1. "AA", BB e CC, identificados nos autos, foram julgados no Tribunal da Comarca de Albufeira, no âmbito do proc. n.º 330/04, tendo sido condenados (para o que, agora, importa):

- AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como autor material e reincidente, p. e p. pelo artigo 21°, n° 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa, e 75°, n° 1 e 76°, n° 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) anos de prisão;
- BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como autor material, p. e p. pelo artigo 21°, n° 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
- CC pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como autor material, p. e p. pelo artigo 21°, n° 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão .

1.1 Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora, fechando com as seguintes conclusões :
a) CC

A factualidade apurada é manifestamente insuficiente para uma condenação tão severa . (22º)

É incontestável que o recorrente é toxico dependente, qualquer outra conclusão seria por em causa toda a credibilidade de um organismo público, neste caso o CAT de Olhão. (23º)

É inconcebível que os agentes do NIC da GNR de Albufeira, não tivessem conhecimento da condição de dependência do recorrente e nem tivessem o cuidado de se informar da mesma, especialmente por (?) do Soldado Dias Fernandes com os seus 13 anos de experiência neste tipo de situações, significa isto que não pretendendo por em causa as declarações e a actuação da referida autoridade só resta uma palavra para qualificar a actuação da mesma, incompetência . (24º)

Relativamente ao direito é claro que a conduta do arguido pode ser quando muito enquadrável no nº 1 do art. 26 do decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, nunca no art. 21 do mesmo diploma . (25º)

Por último resulta das estatísticas que 80% da população prisional em Portugal consome estupefacientes, pelo que a aplicação da pena de prisão em que o recorrente foi condenado, seria simultaneamente impedi-lo do tratamento que tem sido seguido por profissionais competentes, ou melhor condená-lo a continuar adicto ao uso de heroína . (26º)

Nestes termos e nos melhores de Direito, com o suprimento de V. Exas. deve o recurso do arguido ser julgado procedente, fazendo-se assim a costumada justiça .' (fls. 815 a 819)

b) AA

1 - O Douto Acórdão que ora se recorre, condenou o arguido na pena de 10 (dez) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

2 - Na nossa modesta opinião, entendemos que a pena aplicada ao arguido ora recorrente é manifestamente exagerada.

3 - Resulta por outro lado, do disposto nos artigos 71° e 72° do Código Penal, que a culpa é a culpa do facto, sem deixar de se atender à personalidade e às perspectivas de socialização do agente.

4 - Segundo o Prof. Figueiredo Dias, são três as fases para a estruturação do pensamento determinativo da pena: uma investigação e determinação da moldura penal abstracta, o enquadramento do caso concreto na moldura penal encontrada procurando graduar a pena com a culpa, a ilicitude e a personalidade do agente, uma escolha da pena, indagando da proporcionalidade e da adequação às exigências de punição e prevenção.

5 - A favor do arguido, militam diversas atenuantes, que salvo o devido respeito, não foram devidamente ponderadas, nomeadamente:
a) Não ficou provado há quanto tempo o arguido se dedicava a tal actividade;
b) As várias testemunhas apenas confirmaram que o arguido costumava permanecer no local referenciado;
c) A quantidade apreendida era diminuta;
d) O Tribunal a quo não teve em consideração o facto do arguido ser consumidor de heroína;
e) Não teve em consideração o facto do arguido ter tido até Janeiro de 2004 uma ocupação profissional auferindo rendimentos;
f) O arguido residia até à data da sua detenção com os seus pais, pessoas que sempre o apoiaram, e tentaram ao longo dos anos fazê-lo ultrapassar esta fase de toxicodependência;
g) Não ficou demonstrado que o ora recorrente procurasse obter avultada compensação monetária;

6 - As penas de prisão, mesmo elevadas, têm de conter um elemento ressocializador e não estigmatizante.

7 - A decisão recorrida violou o disposto no artigo 71° do C.P., por ter feito prevalecer o elemento retributivo da pena em detrimento do elemento ressocializador.

8 - Violou ainda, o disposto no artigo 76° C.P..

9 - Com o merecido respeito que o Tribunal a quo nos merece, ao condenar o arguido na pena de dez anos de prisão, fê-lo como se de um grande traficante se tratasse.

10 - Comparando alguns acórdãos e as medidas das penas aí aplicadas, atenta as quantidades e período de transacção de substâncias estupefacientes, verifica-se um verdadeiro desfasamento e desproporção na medida da pena ora aplicada : Acórdão STJ de 20-02-2004, Acórdão STJ de 18-02-204, Acórdão do TRL de 03-05-2001, Acórdão do TRL de 15-07-2001, Acórdão do TRL de 05-12-2001.

11 - O recorrente não passa do que se pode designar por um mero "vendedor de rua", que venderia directamente aos consumidores, sendo o lucro obtido pela venda para comprar para o seu próprio consumo, tratando-se do último elo da cadeia, que fica mais exposto à actuação policial.

12 - A ilicitude do facto mostra-se diminuta, os meios utilizados pelo arguido, a forma e as circunstâncias da sua acção, a quantidade de droga apreendida - 2,96 gramas de heroína - e o período de tempo em que exerceu o tráfico - de Maio a Junho de 2004.

13 - Na nossa modesta opinião, uma pena de 7 (sete) anos de prisão é mais ajustada e equilibrada, dando deste modo resposta às necessidades de prevenção geral e às exigências de prevenção especial ressocializadora.

14 - As necessidades de reintegração do arguido, que o cumprimento de uma pena muito longa comprometem, justificam uma pena inferior à aplicada, sem que a mesma possa desvirtuar a finalidade da pena, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

15 - O facto de não se provar há quanto tempo o arguido se dedicava a tal ilícito, releva ponderar na emissão de um juízo de prognose favorável na prevenção da sucumbência ao crime.

16 - A pena que exceda a necessidade de prevenção é uma pena desnecessária .

17 - Salvo melhor opinião, fez-se errada aplicação do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, artigo 71° a 76° do Código Penal.

Pelo que, nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o Acórdão que condenou o arguido numa pena de prisão de dez anos, sendo este substituído por outro que aplique ao arguido uma pena de sete anos de prisão por considerar suficiente e adequada nos termos acima expostos, com o que se fará a Costumada Justiça! '

C - BB

1 - O Douto Acórdão que ora se recorre, condenou o arguido na pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

2 - Na nossa modesta opinião, entendemos que a pena aplicada ao arguido ora recorrente é manifestamente exagerada.

3 - Resulta por outro lado, do disposto nos artigos 71° e 72° do Código Penal, que a culpa é a culpa do facto, sem deixar de se atender à personalidade e às perspectivas de socialização do agente.

4 - Segundo o Prof. Figueiredo Dias, são três as fases para a estruturação do pensamento determinativo da pena: uma investigação e determinação da moldura penal abstracta, o enquadramento do caso concreto na moldura penal encontrada procurando graduar a pena com a culpa, a ilicitude e a personalidade do agente, uma escolha da pena, indagando da proporcionalidade e da adequação às exigências de punição e prevenção.

5 - A favor do arguido, militam diversas atenuantes, que salvo o devido respeito, não foram devidamente ponderadas, nomeadamente:
a) Não ficou provado há quanto tempo o arguido se dedicava a tal actividade;
b) As várias testemunhas apenas confirmaram que o arguido costumava permanecer no local referenciado;
c) Somente uma testemunha, DD foi visto pelo agente da GNR EE a comprar produto estupefaciente ao arguido;
d) A quantidade apreendida era diminuta;
e) O Tribunal a quo não teve em consideração o facto do arguido ser consumidor de heroína;
f) Não ficou demonstrado que o ora recorrente tivesse obtido ou procurasse obter avultada compensação monetária;

6 - As penas de prisão, mesmo elevadas, têm de conter um elemento ressocializador e não estigmatizante.

7 - A decisão recorrida violou o disposto no artigo 71° do C.P., por ter feito prevalecer o elemento retributivo da pena em detrimento do elemento ressocializador.

8 - Com o merecido respeito que o Tribunal a quo nos merece, ao condenar o arguido na pena de seis anos de prisão, fê-lo como se de um grande traficante se tratasse.

9 - Comparando alguns acórdãos a as medidas das penas aí aplicadas, atenta as quantidades e período de transacção de substâncias estupefacientes, verifica-se um verdadeiro desfasamento e desproporção na medida da pena ora aplicada: Acórdão STJ de 20-02-2004, Acórdão STJ de 18-02-204, Acórdão do TRL de 03-05-2001, Acórdão do TRL de 15-07-2001, Acórdão do TRL de 05-12-2001.

10 - O recorrente não passa do que se pode designar por um mero e solitário "vendedor de rua", que venderia directamente aos consumidores, sendo o lucro obtido pela venda para comprar para o seu próprio consumo, tratando-se do último elo da cadeia, que fica mais exposto à actuação policial.

11 - A ilicitude do facto mostra-se diminuta, os meios utilizados pelo arguido, a forma e as circunstâncias da sua acção, a quantidade de droga apreendida - 3,06 gramas de heroína - e o período de tempo em que exerceu o tráfico - de Maio a Junho de 2004.
12 - Na nossa modesta opinião, uma pena de 4 (quatro) anos de prisão é mais ajustada e equilibrada, dando deste modo resposta às necessidades de prevenção geral e às exigências de prevenção especial ressocilizadora.

13 - As necessidades de reintegração do arguido, que o cumprimento de uma pena muito longa comprometem, justificam uma pena inferior à aplicada, sem que a mesma possa desvirtuar a finalidade da pena, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

14 - O facto de não se provar há quanto tempo o arguido se dedicava a tal ilícito, releva ponderar na emissão de um juízo de prognose favorável na prevenção da sucumbência ao crime.

15 - A pena que exceda a necessidade de prevenção é uma pena desnecessária.

16 - Salvo melhor opinião, fez-se errada aplicação do artigo 21.° do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 71° do Código Penal.

Pelo que, nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o Acórdão que condenou o arguido numa pena de prisão de seis anos, sendo este substituído por outro que aplique ao arguido uma pena de quatro anos de prisão por considerar suficiente e adequada nos termos acima expostos, com o que se fará a Costumada Justiça! "

1.2 Os recursos foram admitidos para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo. (fls. 899)
1.2

1.3 Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, defendendo o 'improvimento dos recursos e a confirmação da decisão recorrida .' (fls. 913 a 919)

1.4 Como os recorrentes AA e BB haviam requerido que as alegações fossem produzidas por escrito, foi fixado prazo para esse efeito, mas nada vieram dizer .

2. O Exmo. Procurador Geral Adjunto, nas suas alegações escritas, produziu a seguinte argumentação :

" Os arguidos AA e BB foram condenados, por um crime do art. 21° do DL n° 15/93, de 22-1, nas penas de 10 anos e 6 anos de prisão, respectivamente, sendo o primeiro como reincidente.
Recorrem desta condenação, impugnando somente a medida das penas, que pretendem que sejam reduzidas a 6 e 4 anos de prisão, respectivamente. Para tanto, e em síntese, invocam o facto de serem meros vendedores de rua, também eles consumidores, e serem diminutas as quantidades detidas e por eles vendidas.
Numa primeira análise, diga-se que a matéria de facto se apresenta algo imprecisa, senão obscura e contraditória. Na verdade, não foi apurado com um mínimo de rigor se os arguidos eram consumidores regulares e se destinavam parte das substâncias detidas e dos lucros obtidos com as vendas ao seu consumo pessoal. É que consta dos factos provados que os arguidos consumiram estupefacientes durante o período em que traficaram e daí que ao tribunal incumbisse esclarecer devidamente esse ponto, em ordem à eventual qualificação dos factos em algum dos crimes privilegiados de tráfico. Acresce que consta dos autos que os arguidos, aquando do interrogatório judicial como detidos, estavam «a ressacar» e que tiveram de receber assistência hospitalar (fls. 138). Tudo converge, pois, no sentido de os arguidos serem consumidores regulares e mesmo eventualmente dependentes de estupefacientes, conclusão que no entanto é expressamente afastada quanto ao primeiro arguido no acórdão a fls. 796, não se pronunciando expressamente o acórdão quanto ao segundo arguido, que aliás já foi condenado pelo crime de consumo de estupefacientes do revogado art. 40° do DL n° 15/93.
Tudo isto para dizer que o acórdão recorrido é de facto insuficiente quanto à matéria de facto e consequentemente nulo, nos termos do art. 410°, n° 2, a) do CPP.
Ainda que assim não seja entendido, o acórdão merece também censura quanto à qualificação dos factos. É que o quadro circunstancial referido, carac­terizado por um tipo de tráfico de pequenas quantidades a consumidores oca­sionalmente encontrados na rua e por um período que não chegou a um mês e meio, acrescendo a referida circunstância de os arguidos serem consumidores, e portanto necessariamente afectarem, segundo as regras da experiência comum, uma parte das substâncias e/ou dos lucros ao seu próprio consumo pessoal, esse quadro circunstancial sugere irresistivelmente a sua subsunção ao art. 25° do citado diploma, por se tratar inequivocamente de uma situação, globalmente considerada, de menor gravidade.
E ainda que, por absurdo, assim também se não entendesse, sempre have­ria que considerar de um rigor completamente desproporcionado a medida das penas fixadas, pelas razões acabadas de referir .
Assim sendo, os recursos merecem provimento, nos termos atrás referidos. "

3. Teve lugar a audiência, por via do recurso do arguido CC .

3.1 Cumpre decidir, abordando em primeiro lugar, naturalmente, as questões suscitadas pelo Exmo. Procurador Geral Adjunto .
3.2 Para esse efeito, é necessário ter presente a matéria que o Tribunal da Comarca de Albufeira deu como assente :

1.1 Desde, pelo menos, 13 de Maio de 2004 e até 24 de Junho de 2004, nas Ferreiras, área desta comarca de Albufeira, nomeadamente nas imediações do "Café ..." (também conhecido por "Café ...."), os arguidos AA, BB e CC deslocavam-se para esse local onde, numa paragem de autocarros ali existente ou nas imediações desta, aguardavam por consumidores que ali se deslocavam.
1.2 De seguida, os arguidos eram abordados por tais consumidores aos quais vendiam produtos de natureza estupefaciente, nomeadamente heroína, a troco de dinheiro ou objectos com valor comercial.
1.3 Os arguidos conheciam bem as características dos produtos que vendiam, nomeadamente da heroína, designadamente a sua natureza estupefaciente.
1.4 Sabiam que não lhes era permitido, ainda que para consumo próprio, deter, ceder, vender ou comprar tais produtos.
1.5 Na sequência de tais actos e da vigilância da GNR, em 24 de Junho de 2004, pelas 18 horas, foi o arguido BB interceptado e, ao aperceber-se da presença dos militares, lançou ao chão três saquetas contendo heroína com o peso total de 3,06 gramas.
1.6 Da revista efectuada ao arguido BB foram encontrados na sua posse e apreendidos: €60 em notas; €10,91 em moedas; um canivete; uma folha de papel com um número de contacto telefónico.
1.7 O dinheiro apreendido era produto da actividade de venda de produtos estupefacientes a que o arguido BB se dedicava e o canivete era pelo mesmo utilizado para manusear e dosear o produto estupefaciente de modo a prepará-lo em doses individuais para venda aos consumidores.
1.8 No mesmo dia 24 de Junho de 2004, pelas 18 horas e 40 minutos, a GNR interceptou o arguido AA, o qual tinha na sua posse, no interior das cuecas, quatro saquetas contendo heroína, com o peso total de 2,96 gramas.
1.9 Da revista efectuada ao arguido AA foram encontrados, na sua posse, e apreendidos: a quantia de €260 em notas; um canivete; uma folha de papel com diversos números de contactos telefónicos.
1.10 O dinheiro apreendido era produto da actividade de venda de produtos estupefacientes a que o arguido AA se dedicava e o canivete era pelo mesmo utilizado para manusear e dosear o produto estupefaciente de modo a prepará-lo em doses individuais para venda aos consumidores.
1.11 No mesmo dia, a GNR procedeu a busca à residência que o arguido AA habitava antes da sua detenção, tendo o arguido na sua posse: três maços de notas de €20, com cintas da Caixa Geral de Depósitos, num total de €4.060; um maço de notas contendo uma nota de €100 e 91 de €50, no total de €4.650; três sacos plásticos, de cor branca, de onde foram retiradas várias rodelas; uma rodela, em plástico, de cor branca; um relógio imitação "Burberrys", com mostrador azul e bracelete metálica; uma pulseira, em metal dourado; um anel em ouro.
1.12 O numerário apreendido, o relógio, a pulseira e o anel eram produto da actividade de venda de produtos estupefacientes a que o arguido AA se dedicava.
1.13 E os sacos plásticos e a rodela em plástico eram utilizados, pelo arguido AA, para proceder a embalagem das doses individuais de produto estupefaciente que, posteriormente, vendia aos consumidores.
1.14 Os produtos estupefacientes apreendidos eram pertença, respectivamente, dos arguidos BB e AA, que os destinavam a revenda ou cedência a terceiros.
1.15 Os arguidos conheciam bem as características da heroína, designadamente, a sua natureza estupefaciente.
1.16 Sabiam que não lhes era permitido, ainda que para consumo próprio, deter, ceder, vender ou comprar tais produtos.

Acresce que:
1.17 O arguido AA foi condenado, por acórdão de 2/06/1998 do Tribunal de Círculo de Portimão, transitado em julgado, proferido no processo comum 91/99.5TBABF (ex-processo 11/98), que correu termos neste 2° Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21°, n° 1, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.
1.18 Esteve preso desde 18 de Outubro de 1997 até 20 de Março de 2002, altura em que foi colocado em liberdade condicional.
1.19 Não obstante a sua anterior condenação em pena de prisão efectiva superior a 6 meses de prisão, a qual cumpriu parcialmente, não se coibiu de praticar os factos supra narrados, sendo certo que a anterior condenação não foi suficiente para o advertir contra o crime e o inibir da prática de actos semelhantes.

Mais se provou que:
1.20 O arguido AA, durante o período acima indicado e para além da actividade referida, não tinha qualquer actividade profissional remunerada e vivia com os seus pais e consumiu produtos estupefacientes
1.21 Para além da condenação acima referida, do certificado do registo criminal do arguido AA resulta, ainda, que foi condenado, em 22/01/1993 pelo Tribunal de Círculo de Portimão, pela prática, em 10/04/92, de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 4 anos de prisão em 50.000$00 de multa;
1.22 O arguido BB, durante o período acima indicado e para além da actividade referida, não tinha actividade profissional remunerada e vivia sozinho e consumiu produtos estupefacientes.
1.23 Do certificado do registo criminal do arguido BB resulta que foi condenado:
- em 10/04/2000, no Tribunal de Albufeira pela prática, em 7/09/99 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 45 dias de prisão;
- em 2/07/2002, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 18/06/2002, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €4 (pena que cumpriu);
- em 22/10/2003, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 10/10/2003, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €4 (cumprindo prisão subsidiária);
- em 14/06/2004, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 24/05/1998, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão suspensa por 4 anos;
1.24 O arguido CC, durante o período acima indicado e para além da actividade referida, não tinha actividade profissional remunerada e vivia com os seus pais e consumiu produtos estupefacientes.
1.25 Do certificado do registo criminal do arguido CC resulta que foi condenado:
- em 13/07/1994, no Tribunal de Círculo de Portimão pela prática, em 20/11/91 de crime e de furto qualificado e introdução em domicílio, na pena de 2 anos de prisão substituída por multa à razão de 500$00;
- em 12/06/1996, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 2/07/95, de um crime de consumo de estupefacientes, na pena na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 450$00;
- em 9/02/98, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 4/04/95, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 18 meses de prisão suspensa por 4 anos;
- em 19/07/99, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 25/11/98, de um crime de tráfico para consumo na pena de 1 ano de prisão, suspensa por 2 anos;
- em 4/05/2000, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 17/06/1999, de um crime de detenção de estupefaciente, na pena de 2 meses de prisão;
- em 17/11/2000, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 14/10/1999, de um crime de consumo de estupefaciente, na pena de 45 dias de multa a taxa diária de 500$00;
- em 19/02/2001, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 24/02/1999, de um crime de ofensa à integridade física, tendo sido dispensado de pena;
- em 8/07/2004, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 27/08/2003, de crimes de ameaça e violação de domicílio, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de €4.

2. Factos não provados:
Não existem factos não provados (os relatos dos meios de prova e dos meios de obtenção de prova utilizados pela força policial que investigou o caso e que constavam da acusação não se podem considerar como factos relevantes, tendo em conta o objecto do processo). " (fim de transcrição)

3.3 Perante esta factualidade, o Tribunal elaborou o seguinte processo de subsunção:

'Prescreve o artigo 21°, n° 1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro:
"Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos ".

Assim, para que se mostre preenchido este tipo legal, basta que o agente, sem para tal estar habilitado, compre, venda, transporte ou apenas detenha um produto estupefaciente (constante das tabelas I a III anexas a tal diploma).
O crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública, na dupla modalidade física e moral) - neste sentido, ver Ac. STJ de 10/02/1999, processo n° 1381/98 (sumariado na internet).
Ora, tendo em conta o que resultou provado, verifica-se que os arguidos destinavam os estupefacientes a venda a terceiros, como efectivamente o fizeram ao longo do período indicado na acusação.
Perante uma tal factualidade, forçoso é concluir que o elemento objectivo da supracitada tipologia legal se mostra preenchido por todos os arguidos.
E, por outro lado, face aos factos provados, terá de entender-se como preenchido o elemento subjectivo do tipo, na vertente de dolo directo por parte de todos os arguidos (artigo 14° do Código Penal).
Assim sendo, deverão ser os arguidos condenados pela prática deste tipo de crime.'

4. A primeira questão suscitada pelo Exmo. Procurador Geral Adjunto tem a ver com a circunstância de o Tribunal, tendo considerado provado que todos os arguidos consumiram estupefacientes durante o período em que também traficaram, não ter esclarecido devidamente esse ponto, em ordem à eventual qualificação dos factos em algum dos crimes privilegiados de tráfico . E, acentua, tal diligência impunha-se tanto mais quanto é certo que 'consta dos autos que os arguidos, aquando do primeiro interrogatório judicial como detidos, estavam a "ressacar", e que tiveram de receber assistência hospitalar (fls. 138), tudo convergindo no sentido de os arguidos serem consumidores regulares e mesmo eventualmente dependentes de estupefacientes .
Conclui que o acórdão é insuficiente quanto à matéria de facto e consequentemente nulo, nos termos do artigo.º 410.º, nº 2, a), do CPP .

4.1 'A anomalia da insuficiência da matéria de facto para a decisão respeita a uma investigação lacunar dos factos : o colectivo actuou deficitariamente a sua função de indagação da verdade dos factos, sendo-lhe possível ultrapassá-la, colocando o tribunal na impossibilidade e decidir correctamente, tanto no plano objectivo como subjectivo, sendo visível do texto da decisão recorrida a violação do dever derivado do artigo.º 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal .' (Ac. STJ de 24.11.04, proc. n.º 2495/04)

4.1.1 Está em causa, pois, saber se o Tribunal de Albufeira, perante a possibilidade de subsunção aos crimes de tráfico de menor gravidade (art.º 25.º) ou de traficante- consumidor (art.º 26.º), 'ordenou a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa . (art.º 340.º, do C.P.P.)

Na verdade, o Dec. Lei n.º 15/93, para além do tipo matricial previsto no art.º 21.º, contém a previsão daqueles crimes privilegiados : 'se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III ' (art.º 25.º) . Por outro lado, 'quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de (...) ' (n.º 1., do art.º 26.º) (...) 'não sendo aplicável o disposto no n.º 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias (1) ' (n.º 3.)

Quanto ao enquadramento do caso na previsão do crime do art.º 26.º, afigura-se que a matéria apurada, conjugada com a motivação da decisão, fornece elementos para que se descarte tal hipótese: na fundamentação, depois de esclarecer que 'a prova dos factos constantes da acusação foi segura e abundante', afirma-se que (...) 'da conjugação de todos estes depoimentos, com as fotografias juntas aos autos, tudo aliado às regras da experiência comum, extrai-se a prova segura de toda a matéria em discussão (nomeadamente a origem de todo o dinheiro apreendido - face à ausência de trabalho remunerado, não poderia resultar senão da única actividade que, naquele período, se conhecia aos arguidos' ) .
E acrescenta-se que 'os próprios arguidos AA e BB admitiram vender estupefacientes, embora a sua versão (principalmente a de AA) não resulte minimamente provada . Na verdade, AA disse só vender para consumo, mas a veracidade de tal afirmação foi, claramente, afastada até pelas contradições do arguido (não soube responder a uma questão que qualquer consumidor sabe responder, que era a relacionada com a quantidade consumida diariamente, que o afastou de uma qualquer dependência) .'
E tal afirmação há-de ser lida no quadro, também tido como assente, de que os arguidos não tinham 'qualquer actividade profissional remunerada' (1) [subentendendo que seria o produto da venda de estupefacientes que supriria os demais gastos pessoais, (no que não seja contraditório com a afirmação de que os arguidos AA e CC 'viviam com os seus pais'), sendo ainda certo que ao arguido AA foram apreendidos € 8.870, não destináveis, segundo as regras da experiência, a conseguir estupefacientes, para exclusivo uso pessoal] . (pontos 1.20, 1.22 e 1.24)

Isto é : embora sem expressão inequívoca a nível da decisão, pode concluir-se que o Tribunal - perante a 'prova', já tida como assente, de que os arguidos venderam estupefacientes, e a 'prova', também segura, de que, naquele período de tempo, todos haviam também consumido estupefacientes - teve presente e curou das hipóteses probatórias de que os arguidos tivessem tido 'por finalidade exclusiva' conseguir estupefacientes 'para uso pessoal' . Mas, no apuramento final do resultado de tais diligências de prova, ponderou que essa realidade [ter o agente por finalidade exclusiva conseguir substâncias para uso pessoal] não logrou provar-se .

É o que se pode concluir da economia da decisão, sem embargo da deficiência da sua expressão formal .

Nesta medida - embora com as reservas expostas - considera-se que a matéria de facto, permitindo a presente decisão, não incorre no vício previsto na al. a), do n.º 2., do art.º 410.º, do Código de Processo Penal .
5. O recorrente CC abre as conclusões do recurso com a afirmação de que 'a factualidade apurada é manifestamente insuficiente para uma condenação tão pesada' e que, 'relativamente ao direito, é claro que que a conduta do arguido pode ser quando muito enquadrável no nº 1 do art. 26 do decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, nunca no art. 21 do mesmo diploma' .

5.1 A matéria respeitante a este arguido encontra-se explicitada nos n.ºs 1.1 a 1.4, 1.25 e 1.26 dos factos provados [1.1 Desde, pelo menos, 13 de Maio de 2004 e até 24 de Junho de 2004, nas Ferreiras, área desta comarca de Albufeira, nomeadamente nas imediações do "Café ..." (também conhecido por "Café..."), os arguidos AA, BB e CC deslocavam-se para esse local onde, numa paragem de autocarros ali existente ou nas imediações desta, aguardavam por consumidores que ali se deslocavam.
1.2 De seguida, os arguidos eram abordados por tais consumidores aos quais vendiam produtos de natureza estupefaciente, nomeadamente heroína, a troco de dinheiro ou objectos com valor comercial.
1.3 Os arguidos conheciam bem as características dos produtos que vendiam, nomeadamente da heroína, designadamente a sua natureza estupefaciente.
1.4 Sabiam que não lhes era permitido, ainda que para consumo próprio, deter, ceder, vender ou comprar tais produtos .
1.24 O arguido CC, durante o período acima indicado e para além da actividade referida, não tinha actividade profissional remunerada e vivia com os seus pais e consumiu produtos estupefacientes.
1.25 Do certificado do registo criminal do arguido CC resulta que foi condenado:(...)] .

5.2 A primeira nota que ressalta desta descrição (e é esta a matéria de facto definitivamente assente) é a de que ao arguido CC - ao contrário do sucedido quanto aos outros arguidos - não foi apreendida qualquer substância estupefaciente, nem qualquer quantia em dinheiro proveniente da respectiva venda, nem qualquer objecto que directamente o pudesse relacionar com tal actividade . E, para lá da ausência de qualquer facto concreto de detenção, venda ou cedência, pessoalmente imputado (ou de qualquer outra conduta tipificada no art.º 21.º, do Dec. Lei n.º 15/93), também ali se não desenha qualquer acordo, ou decisão conjunta, entre este e os demais arguidos, para cometimento do crime .

Resta uma genérica referência temporal e espacial (... pelo menos desde 13.05.04 e até 24.06.04, nomeadamente nas imediações do 'Café ...'), e uma genérica alusão a venda de produtos estupefacientes (nomeadamente, heroína), mas sem qualquer hipótese de apuramento de quantidades, de efectiva determinação de natureza dos 'estupefacientes' e, menos ainda, de identificação ou, sequer, de quantificação de adquirentes, bem como do respectivo resultado económico (para lá da afirmação - neste contexto, inócua - de que o arguido, durante aquele período de tempo, 'consumiu produtos estupefacientes') .

Ora, já a acusação deve conter, sob pena de nulidade, 'a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada' . (art.º 283.º, n.º 3., do C.P.P.) (2)
Em consonância, o art.º 374.º, n.º 2., do mesmo diploma, impõe, como requisito da sentença, 'a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.'
E o art.º 1.º do Código Penal, afirmando o princípio da legalidade, estabelece que 'só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática .'

Aliás, 'se há princípio hoje indiscutivelmente aceite em matéria de dogmática jurídico-penal e de construção do conceito de crime, esse é o de que todo o direito penal é direito penal do facto, não do direito penal do agente . E num duplo sentido : no de que toda a regulamentação jurídico-penal liga a punibilidade a tipos de factos singulares e à sua natureza, não a tipos de agentes e às características da sua personalidade; e também no de que as sanções aplicadas ao agente constituem resposta àqueles factos singulares e neles se fundamentam, não são formas de reacção directa contra uma certa personalidade ou tipo de personalidade . (3) '

Por seu turno, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir que "não são 'factos' susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ('procediam à venda de estupefacientes', 'essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos', 'a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína', 'utilizavam também 'correios', 'utilizavam também crianças', etc.) .
As afirmações genéricas, contidas no elenco desses 'factos' provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como 'factos' inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição ." (Ac. STJ de 06.05.04, proc. 908/04)
A esta luz, há-de concluir-se que, na descrição da matéria de facto - definitivamente assente - a decisão sob recurso não identifica comportamentos suficientemente ancorados em factos concretizados, imputados ao arguido CC, que permitam o juízo de se terem por verificadas as condutas ilícitas tipificadas no art.º 21.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro .

Impõe-se, perante tal constatação, a absolvição de CC .
6. O recorrente BB defende que a pena que lhe foi imposta 'é manifestamente exagerada'. Alega que 'não foram devidamente ponderadas' diversas atenuantes que militam a seu favor : 'a quantidade apreendida era diminuta (3,06 g.)'; não ficou provado há quanto tempo se dedicava a tal actividade; apenas uma pessoa foi vista a comprar-lhe estupefaciente ; o Tribunal não teve em consideração o facto de ser consumidor de heroína; não ficou demonstrado que tivesse obtido ou procurasse obter avultada compensação monetária; que não passa de um 'mero e solitário vendedor de rua', que venderia directamente aos consumidores, sendo o lucro assim obtido pela venda para comprar para o seu próprio consumo' .

6.1 É necessário, antes de mais, revisitar os factos directamente imputados a este arguido (tendo já em conta a situação de enquadramento descrita sob os n.ºs 1.1 a 1.4) :

1.5 Na sequência de tais actos e da vigilância da GNR, em 24 de Junho de 2004, pelas 18 horas, foi o arguido BB interceptado e, ao aperceber-se da presença dos militares, lançou ao chão três saquetas contendo heroína com o peso total de 3,06 gramas.
1.6 Da revista efectuada ao arguido BB foram encontrados na sua posse e apreendidos: €60 em notas; €10,91 em moedas; um canivete; uma folha de papel com um número de contacto telefónico.
1.7 O dinheiro apreendido era produto da actividade de venda de produtos estupefacientes a que o arguido BB se dedicava e o canivete era pelo mesmo utilizado para manusear e dosear o produto estupefaciente de modo a prepará-lo em doses individuais para venda aos consumidores.
1.14 Os produtos estupefacientes apreendidos eram pertença, respectivamente, dos arguidos BB e AA, que os destinavam a revenda ou cedência a terceiros.
1.15 Os arguidos conheciam bem as características da heroína, designadamente, a sua natureza estupefaciente.
1.16 Sabiam que não lhes era permitido, ainda que para consumo próprio, deter, ceder, vender ou comprar tais produtos.
1.22 O arguido BB, durante o período acima indicado e para além da actividade referida, não tinha actividade profissional remunerada, vivia sozinho e consumiu produtos estupefacientes.
1.23 Do certificado do registo criminal do arguido BB resulta que foi condenado:
- em 10/04/2000, no Tribunal de Albufeira pela prática, em 7/09/99 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 45 dias de prisão;
- (...)
- em 14/06/2004, no Tribunal de Albufeira, pela prática, em 24/05/1998, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão suspensa por 4 anos . "

6.1.1 A primeira questão a abordar é a da correcção da subsunção operada pelo Tribunal de Albufeira .

Ora, da ponderação global da situação, o que imediatamente resulta é que o arguido, também ele consumidor (1.22), vendeu estupefacientes durante pouco mais de mês, a consumidores que o abordavam na rua (1.1 e 1.2), e que, na sequência de vigilância, foi interceptado por elementos da GNR, tendo lançado ao chão três saquetas contendo heroína com o peso total de 3,06 gramas (1.5) e, revistado, foram encontrados na sua posse € 60 em notas, € 10,1 em moedas, um canivete, uma folha de papel com um número de contacto telefónico (1.6), sendo o dinheiro apreendido produto de venda e o canivete utilizado para manusear e dosear o estupefaciente de modo a prepará-lo em doses individuais para venda aos consumidores (1.7) .

Tem, assim, perfeito cabimento, quanto a este arguido, a reflexão do Exmo. Procurador Geral Adjunto :

(...) 'É que o quadro circunstancial referido, carac­terizado por um tipo de tráfico de pequenas quantidades a consumidores ocasionalmente encontrados na rua e por um período que não chegou a um mês e meio, acrescendo a referida circunstância de os arguidos serem consumidores, e portanto necessariamente afectarem, segundo as regras da experiência comum, uma parte das substâncias e/ou dos lucros ao seu próprio consumo pessoal, esse quadro circunstancial sugere irresistivelmente a sua subsunção ao art. 25° do citado diploma, por se tratar inequivocamente de uma situação, globalmente considerada, de menor gravidade.'
Na verdade, o art.º 25.º, do Dec. Lei n.º 15/93, prescreve que 'se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III .'

E o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir que :
I- 'o tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º do Dec. Lei nº15/93, constitui um tipo privilegiado em relação ao tipo do art.º 21º, do mesmo diploma, e pressupõe, por referência ao tipo principal, que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, em razão de circunstâncias específicas, objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade e os termos da acção e a qualidade e a quantidade dos produtos .
II- Os critérios de proporcionalidade que devem estar presentes na definição dos crimes e das penas constituem também padrão de referência na integração da noção de 'considerável diminuição da ilicitude' usada no artigoº 25.º .
III- Estando provado que o arguido ao aperceber-se da presença policial se afastou do local, e que no momento em que os agentes se preparavam para o interceptar lançou ao solo um saco de plástico que tinha no seu interior 26 embalagens com o peso de 6,886 gramas de heroína, configura-se uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, a integrar o crime de tráfico de menor gravidade .' (Ac. STJ de 14.05.03, proc. 1215/03)

Ou, nos termos do ac. de Ac. STJ de 04.12.02: 'a conclusão da diminuição considerável da ilicitude há-de resultar dessa apreciação complexiva, em que assumem relevo os 'meios utilizados' - ou seja, a organização e logística demonstradas - a 'modalidade ou circunstâncias da acção' - isto é, o grau de perigosidade para a difusão da droga - a 'qualidade' das substâncias ou preparações - aferida em termos de danosidade tal como é indiciada pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Decreto Lei n.º 15/93 - enfim, a quantidade, não apenas da droga detida no momento da intervenção policial, mas a que o agente tenha 'manipulado' em alguma das operações enunciadas no art 21.º
A sua teleologia última apresenta-se vocacionada para se aplicar a situações que estejam num ponto intermédio entre o tráfico e o tráfico-consumo, concebido para alargar a paleta das hipóteses colocadas à disposição do julgador para vivências pluriformes. ' (Ac. STJ de 04.12.02, citando ac. de 7.12.99 - P.º n.º 955/99; ac. de 7.07.99 - P.º n.º418/99; acs., º n.º 269/99 e n.º 1665/2000; de 10.05.00 - p.º n.º 59/00, e de 31.05.00 - p.º n.º 186/00, no BMJ n.º 497/pp. 144 e 167, respectivamente; de 27.09.00 - P.º n.º 1651/2000, de 15.10.00 - P.º n.º 2737/2000, de 25.10.00 - P.º n.º 2542/2000, de 14.02.01 - P.º n.º 4120/2000; e de 3.10.01 - P.º n.º 2446/01)

Em suma : à luz destes ensinamentos, a conduta do arguido BB integra a previsão do art.º 25.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punível, nos termos da respectiva al. a), com pena de prisão de um a cinco anos (e não a do art.º 21.º, como vinha decidido) .

É, pois, dentro desta moldura legal que há-de ser determinada a medida da pena a aplicar, segundo os critérios do art.º 71.º, do Código Penal, tendo em vista os fins e limites da aplicação das penas, enunciados no art.º 40.º, daquele diploma .

E, tendo presentes as considerações que, a este propósito, foram expostos pela 1.ª Instância - salvo, evidentemente no que se reporta à ilicitude - tem-se por necessária à protecção dos bens jurídicos, adequada à reintegração do agente na sociedade [relembra-se que o arguido já averba duas condenações, por consumo e por tráfico de menor gravidade, esta, em pena de prisão com execução suspensa (sentença proferida em 14.06.04, dias antes, portanto, da detenção à ordem dos presentes autos)] e, em todo o caso, respeitadora dos limites da medida da culpa, a pena quatro anos de prisão .

7. O recorrente AA entende que a pena aplicada é 'manifestamente exagerada' . Alega que não ficou provado há quanto tempo se dedicava ao tráfico de estupefacientes; que a quantidade apreendida era diminuta (2,96 g. de heroína), não passando de 'um mero vendedor de rua'; que o Tribunal não teve em conta que era consumidor de heroína, nem que teve 'ocupação laboral até Janeiro de 2004', e que não ficou demonstrado que procurasse obter avultada compensação monetária . Pede, a final, como mais 'ajustada e equilibrada, dando resposta às necessidades de prevenção geral e às exigências de prevenção especial ressocializadora', uma pena de sete anos de prisão .

7.1 Há que dizer, em primeiro lugar, que as considerações expostas quanto ao arguido BB, no tocante à caracterização da ilicitude, não têm aplicação neste caso. A isso se opõe, desde logo, a valoração do âmbito do 'negócio', directamente resultante dos materiais apreendidos, que eram sua pertença [1.11 No mesmo dia, a GNR procedeu a busca à residência que o arguido AA habitava antes da sua detenção, tendo o arguido na sua posse: três maços de notas de €20, com cintas da Caixa Geral de Depósitos, num total de €4.060; um maço de notas contendo uma nota de €100 e 91 de €50, no total de €4.650; três sacos plásticos, de cor branca, de onde foram retiradas várias rodelas; uma rodela, em plástico, de cor branca; um relógio imitação "Burberrys", com mostrador azul e bracelete metálica; uma pulseira, em metal dourado; um anel em ouro.
1.12 O numerário apreendido, o relógio, a pulseira e o anel eram produto da actividade de venda de produtos estupefacientes a que o arguido AA se dedicava.
1.13 E os sacos plásticos e a rodela em plástico eram utilizados, pelo arguido AA, para proceder a embalagem das doses individuais de produto estupefaciente que, posteriormente, vendia aos consumidores ] .

Os oito mil setecentos e dez euros, mais os duzentos e sessenta euros que, na revista, lhe foram apreendidos (e que 'eram produto da actividade de venda de estupefacientes - 1.14), bem como os três sacos de plástico de onde eram retiradas as 'rodelas' para a embalagem da droga, revelam, por si, uma dimensão de transacções incompatível com o tráfico de menor gravidade (nos termos acima definidos) .

7.2 O Tribunal de Albufeira explicou a determinação da pena nos seguintes termos :
(...) "Ora, o arguido AA foi condenado em pena de prisão efectiva muito superior a seis meses por crime de tráfico de estupefacientes, tendo estado detido desde 18/10/1997 até 20/03/2002. Os factos em causa nestes autos ocorreram entre 13/05/2004 a 24/06/2004 (ou seja, passados cerca de 2 anos depois de ter deixado de cumprir pena à ordem da anterior condenação por factos semelhantes).
Nos termos do artigo 75°, n°1, "é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com
prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime".
No n° 2 do mesmo artigo estabelece-se que "o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade".
Verificados o crime e a pena objecto de condenação anterior, bem como a medida concreta da pena que ao presente caso deve ser aplicada, e ao facto de a anterior condenação não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, verificam-se os pressupostos da reincidência relativamente ao arguido AA.
Assim, verificada a reincidência, haverá que determinar a medida concreta da pena cabida ao facto dentro da moldura penal da reincidência, de acordo com os critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 71° do Código Penal e acima expostos (neste sentido ver Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 272; Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1° Vol., 1995, pág. 606) .
No entanto, a moldura ficará "estreitada" por efeito da elevação do limite mínimo em um terço, ou seja e tendo em conta as molduras abstractas aplicáveis a este crime e o disposto no artigo 76°, n° 1, do Código Penal, ficará entre os 5 anos e 4 meses e os 12 anos.
Por outro lado, para além de todos os elementos que determinaram a aplicação de uma pena concreta e que acima se explanaram, haverá que valorar negativamente, a título de culpa e de prevenção especial e de prevenção geral positiva, a intensidade da censura ao arguido por não se ter deixado motivar pela advertência resultante da condenação anterior pelo mesmo tipo de crime, sendo que as expectativas comunitárias na validade da norma violada se revela mais difícil de alcançar, pelo que a pena concreta de reincidência não poderá deixar de ser mais elevada.
Valorar-se-á as quantidades e qualidade do produto estupefaciente apreendido e o período de actividade.
Relativamente ao arguido AA, atender-se-á que, com esta, é a terceira condenação por tráfico de estupefacientes em penas de prisão.
(...)
Atender-se-á à ausência de mínima integração profissional dos arguidos.

Tudo visto e ponderado, julga-se adequada a fixação de medida concreta da pena em:
- para o arguido AA: 10 (dez) anos de prisão" . (...)

7.3 Mostram-se adequadas as considerações expendidas sobre a verificação da reincidência, bem como sobre 'as elevadas necessidades de prevenção geral positiva (ou de reintegração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito)' . Do mesmo modo, quanto às 'necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre os delinquentes)', 'tratando-se, neste âmbito, de considerar a personalidade do agente no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre a sua vida futura na comunidade' .

Mas o recorrente opõe à decisão o não ter ponderado devidamente que 'a quantidade apreendida era diminuta', de não ter tido 'em consideração o facto de ser consumidor de heroína' e de não ter considerado que, até Janeiro de 2004, teve uma ocupação profissional auferindo rendimentos .
Ora, quanto a essa 'ocupação profissional', não existe, na matéria assente, qualquer referência . E, quanto às quantidades apreendidas e 'período de actividade', a decisão faz-lhes expressa menção, embora sem as qualificar ['Valorar-se-á as quantidades e qualidade do produto estupefaciente apreendido e o período de actividade'].
Já quanto ao consumo de heroína a decisão é, neste segmento, omissa, sendo que tal situação consta da matéria de facto provada : 'o arguido AA, durante o período acima indicado e para além da actividade referida, não tinha qualquer actividade profissional remunerada e vivia com os seus pais e consumiu produtos estupefacientes' (1.20) . E essa particularidade assume relevo na economia dos factos sob julgamento, já que, assim, o tráfico surge conexionado com o consumo - situação condicionante ou pressionante, como é sabido, de tal comportamento (uma vez que, 'segundo as regras da experiência comum, afectam uma parte das substâncias e/ou dos lucros ao seu próprio consumo pessoal')

Tudo reponderado, afigura-se que a pena de oito anos de prisão - que não ultrapassa a medida da culpa do arguido - ainda é suficiente para assegurar a protecção dos bens jurídicos, mostrando-se mais adequada à reintegração do agente em sociedade .

8. Nos termos antes expostos, acorda-se em :
- absolver o arguido CC ;
- condenar o arguido BB, por autoria do crime p. e p. pelo art.º 25.º, de Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de quatro anos de prisão ;
- condenar o arguido AA, por autoria do crime p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1., do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como reincidente, na pena de oito anos de prisão ;
- manter, no mais, o decidido em 1.ª Instância .

8.1 Passe mandado de soltura a favor de CC .

Custas pelo recorrente AA, com três UCs. de taxa de justiça .
Honorários, segundo tabela.

Lisboa, 5 de Abril de 2006

Soreto de Barros (relator)

Armindo Monteiro

Oliveira Mendes

Sousa Fonte.

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(1) 'Por coerência do sistema (n.º 2., do art.º 7.º, do Código Civil), deve entender-se que o n.º 3., do art.º 26., do D.L. n.º 15/93, passou a referir-se ao período de 10 dias, só a partir daí sendo configurável uma situação de tráfico normal, pelo que se verifica uma derrogação parcial do mencionado n.º 3. V. art.º 41.º, da Lei n.º 30/2000, de 29.11' . (Ac. STJ de 20.03.02, Acs. STJ X, 1, 243).
(2) Devem ser descritos na acusação, e aí devidamente discriminados, todos os factos relevantes, inclusivamente os atinentes ao modo de execução do crime, não sendo lícito, por desrespeito das garantias de defesa e dos princípios do acusatório e do contraditório, que a acusação remeta, quanto a tais factos, para outros elementos constantes do processo . Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado .
(3) Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 189 .