Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2882/21.3T8STB-B.E1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
AÇÃO EXECUTIVA
INCIDENTE INOMINADO
CONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO RECURSO
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
DESPACHO DO RELATOR
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
A existência de limites ao direito de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça não constitui violação do princípio constitucional de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º da CRP.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça



AA e mulher BB, recorrentes nos autos à margem identificados, vêm, nos termos do art. 652º, nº3, ex vi do art. 643º, nº4 do CPC, requerer a prolação de acórdão sobre a matéria do despacho do relator que indeferiu a reclamação que apresentaram do despacho do Desembargador Relator que não admitiu o recurso de revista por eles interposto.


Os Recorrentes rematam o seu requerimento com as seguintes conclusões:


A


Os ora requerentes apresentaram Reclamação do M.D. Despacho (Ref.a Citius ...61 de 02-08-2022) de não admissão do Recurso de Revista impetrado no p.p. dia 09-09-2022.

B


Tal despacho de não admissão do recurso de revista tem o seguinte teor:

"Cremos que o nosso acórdão não comporta recurso de revista já que confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença de l.a instância (art.° 671.°, n.° 3 do CPC).

Ademais, não se verifica nenhuma das situações versadas nas diversas alíneas do n.°2, do art.° 629.° do CPC.

Termos em que não se admite o recurso interposto por AA (art.° 641.°, n.° 2, ai. a) do CPC.

Notifique."


C


Os ora requerentes, porque não se conformaram com o doutamente decidido no despacho de não admissão do recurso, dele reclamaram, porquanto.

D


A sentença de l.a instância, indeferiu a sua pretensão, que consistia na suspensão dos actos tendentes à entrega da sua Casa de Morada de Família ao Exequente, uma vez que a Agente de Execução, no acto, violou a Lei, in casu, o disposto na al. b), do n.° 7, do art.° 6.°-E, da Lei n.° l-A/2020, de 19 de Março, (aditado pela Lei n.° 13-B/2021, de 05 de Abril), uma vez que não suspendeu a diligência, executando a sentença e, que, por essa via, lhe fosse determinado à que repusesse a situação, restituindo aos requerentes a sua casa de morada de família.

E


A fundamentação para tal indeferimento foi no sentido de que, uma vez que a diligência já se encontrava realizada, não podia a l.a instância ordenar tal reposição, o que só seria possível por via da procedência dos embargos de executado a deduzir na execução para entrega de coisa certa.

F

O Tribunal da Relação de Évora, veio a confirmar a sentença, fundamentando o Acórdão em termos de não se poder acompanhar a asseveração de que o imóvel dos autos constituía "Casa de morada de família" dos reclamantes.

G

Assim, com o devido respeito, crêem que o fundamento do Acórdão da Relação é substancialmente diverso do fundamento da sentença da 1 .a instância.

H


Nestas circunstâncias, deve ser admitido o interposto recurso de revista.

I


(…) o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator, indeferiu a pretensão dos ora requerentes, vertida em H.

J


A fundamentação para tal indeferimento assenta na interpretação de que ao caso ora trazido à Conferência para prolação de Acórdão, rege o art.° 854.° do CPC, sendo que a  decisão impugnada não foi proferida num dos procedimentos a que alude o art.° 854.° e também não cabe em qualquer das hipóteses previstas nos art.°s 629/2 e 671/2, b), que nem invocados foram.

K

Sempre se tratou de recurso de revista normal, invocando-se a falta de dupla conforme, julgando ainda o Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Relator que a decisão impugnada não tem cabimento na previsão do n.° 1, do art.° 671.° do CPC.

L


É desta interpretação que se discorda, salvo o devido respeito, porquanto, o caso dos autos, tem por objecto a suspensão do exequatur estabelecido na sentença título executivo, por via de legislação especial, que, como tal, deu origem a uma discussão com se de uma causa principal se tratasse, adentro da execução, de pendor meramente declarativo, e que, não podendo sequer ser considerada procedimento ou incidente anómalo, deverá ser considerada como questão ou "causa prejudicial" e, por este motivo, deverá considerar-se o seu cabimento na previsão do n.° 1, do art.° 671.° do CPC.

M


Assim, pese embora a questão prejudicial se encontre inserida num processo executivo, não deixa de ser uma questão prejudicial, afora dos actos típicos executivos, pelo que, não deve a reclamação deduzida ser apreciada à luz dos normativos invocados na Muita Douta Decisão Singular, sob pena de a norma dever ser declarada inconstitucional quando assim interpretada e aplicada, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art° 20.°, n.° 1 da CRP.


No que à questão em apreço diz respeito, submetida à apreciação desse Supremo Tribunal, deve, pois, considerar-se que a questão prejudicial pode ser objecto de recurso de revista, in casu, "normal", porquanto, cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª. instância, que conheceu do mérito da causa |prejudicial| e que lhe pôs termo, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art.° 20.°, n.° 1 da CRP.”


Não foi apresentada resposta.


///


Cumpre decidir em conferência (art. 652º, nº 3 do CPCivil).

A decisão singular teve em conta os seguintes factos:

“I - CC instaurou contra os ora Reclamantes execução para entrega de coisa certa, com base em sentença, com o seguinte dispositivo:

a) Declara-se que o A. é proprietário do prédio composto por moradia de 3 pisos e logradouro, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., a favor do Autor, sob o nº ...16;

b) Reconhece-se que está definitivamente incumprido, por desrespeito pelo prazo essencial acordado, o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes;

c) Determina-se a restituição imediata ao A., do prédio anteriormente identificado, livre e devoluto de pessoas e de bens;”


II – O Senhor Agente de Execução procedeu à entrega do imóvel ao Exequente no dia 02.11.2021;

III – Os Executados deduziram incidente em que peticionaram que lhes fosse restituído o imóvel, que alegam ser a sua casa de morada de família;

IV – Foi proferido despacho que indeferiu tal pretensão;

V – Deste despacho apelaram os Executados, visando a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que determine a restituição do imóvel; 

VI – A Relação de Évora, por acórdão de 28.04.2022, negou provimento à apelação e confirmou a decisão recorrida.”


Os Executados vieram interpor recurso de revista do acórdão da Relação de Évora referido em VI.

A revista não foi admitida.

Do despacho de indeferimento os Executados apresentaram reclamação nos termos do art. 643º do CPC.

A reclamação foi julgada improcedente e confirmado o despacho de indeferimento, decisão assim justificada:

“O acórdão que os Reclamantes pretendem impugnar com a revista foi proferida no âmbito de uma execução para entrega de coisa certa.

O art. 854º do CPCivil rege sobre o recurso de revista nas execuções dizendo o seguinte: “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e de oposição deduzida contra a execução.”

A norma citada restringe a revista aos acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos ali previstos. Não cabe revista nos demais incidentes, “ressalvados os casos em que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, o que remete para o disposto nos arts. 629º, nº 2 e 671º, nº 2, al. b) do CPCivil.    

A decisão impugnada não foi proferida num dos procedimentos a que alude o art. 854º, e também não cabe em qualquer das hipóteses previstas nos art.s 629º/2 e 671º/2, b), que nem invocados foram.

Não cabe também manifestamente na previsão do nº1 do art. 671º, pois que o acórdão recorrido não foi proferido sobre “decisão de 1ª instância que tenha conhecido do mérito da causa ou posto fim ao processo”.           

A invocação de falta de conformidade das decisões das instâncias, com que os Reclamantes pretendem justificar a revista, só teria relevo para a admissão da revista normal, se a decisão impugnada coubesse na previsão do nº1 do art. 671º, o que não sucede.

Pelas razões expostas, o despacho de indeferimento da revista não merece censura.”

Na reclamação para a conferência, os Recorrentes sustentam que o acórdão da Relação de Évora – que confirmou a decisão de 1ª instância que indeferiu o pedido que deduziram para lhes ser restituído um imóvel que alegam ser a sua casa de morada de família, no âmbito de uma execução para entrega de coisa certa contra eles instaurada -  constitui uma questão prejudicial, inserida no processo executivo, recorrível nos termos do art. 671º, nº1 do CPCivil.

Não lhes assiste razão.

          

Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou razão de ser da segunda (cf. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, III vol. Pp 268 a 285).


Não é causa prejudicial da execução para entrega de coisa certa o incidente em que o executado vem requerer que a coisa lhe seja restituída, quando o bem já foi entregue ao exequente.

O acórdão da Relação proferida sobre decisão da 1ª instância que apreciou um incidente suscitado no âmbito de uma execução para entrega de coisa certa não cabe na previsão do nº1 do art. 671º do CPC, uma vez que tal acórdão não conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo.  


A recorribilidade do acórdão da Relação proferido neste incidente, e uma vez que foi deduzido no âmbito de uma execução, deve ser aferido à luz do art. 854º do CPCivil, do qual resulta, como referido na decisão impugnada, que da mesma não cabe recurso de revista.


A invocação de inconstitucionalidade, por pretensa violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art° 20.°, n.°1 da CRP, depois de dois tribunais terem apreciado a pretensão dos Recorrentes, não tem, com o devido respeito, qualquer consistência.


Como referido por Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pag. 25, “é pacífico o entendimento na jurisprudência constitucional de que os limites ao direito de recorrer (…) não consubstanciam restrições a um direito fundamental – o direito ao recurso – incompatível com a Constituição, já que desta não resulta a existência de um direito irrestrito a impugnar todas as decisões judiciais, não podendo inferir-se dos princípios constitucionais a existência de um duplo ou triplo grau de jurisdição (entre outros, os Acórdãos do Trib. Const., de 06.04.99, BMJ 486/44 e de 11.02.98, BMJ 474/85).”


Nestes termos, a conferência delibera confirmar o despacho singular do relator.

           

Decisão.

Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se o despacho de não admissão da revista.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 10.01.2023


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva