Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
049140
Nº Convencional: JSTJ00012703
Relator: COSTA SANTOS
Descritores: TUMULOS
POSSE
DEFESA DA POSSE
ACÇÃO POSSESSORIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19371214049140X
Data do Acordão: 12/14/1937
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 128-12-1937; COL OF ANO36,414; RLJ ANO 70,267
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 5/1937
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC876 ARTIGO 1176.
PORT DE 1865/09/26.
PORT DE 1868/04/13.
PORT DE 1868/11/21.
PORT DE 1881/03/19.
L 621 DE 1916/06/23 ARTIGO 18 PAR1.
D DE 1899/12/23 ARTIGO 1 ARTIGO 2 N1.
CCIV867 ARTIGO 370 ARTIGO 479 ARTIGO 2359.
CADM36 ARTIGO 569 PAR1 N4 ARTIGO 620 N1.
CADM896 ARTIGO 68 N8.
L DE 1916/08/07 ARTIGO 108 N7.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1936/05/05.
ACÓRDÃO STJ DE 1936/10/21.
ACÓRDÃO STJ DE 1933/06/30 IN COL OF ANO32 PAG174.
ACÓRDÃO STJ DE 1920/01/13 IN COL OF.
ACÓRDÃO STJ DE 1914/08/14 IN COL OF.
Sumário :
Os tumulos construidos em cemiterios municipais ou paroquiais são susceptiveis de posse, a qual os concessionarios e seus sucessores podem defender pelos respectivos meios.
Decisão Texto Integral: Acordam os do Supremo Tribunal de Justiça:

A, esposa e outros interpuseram, nos termos do artigo 1176 do Codigo do Processo Civil, recurso para o tribunal pleno dos acordãos de 5 de Maio e 21 de Outubro de 1936, este de declaração do primeiro, respectivamente a folhas..., por estarem em oposição directa sobre o mesmo ponto de direito com o de 30 de Junho de 1933, publicado na Colecção Oficial a pagina 174 do volume 32, o qual confirmou o despacho que julgara inviavel a acção de restituição de posse sobre jazigo por os tumulos não serem susceptiveis de posse civil, com o de 13 de Janeiro de 1920 e o de 14 de Agosto de 1914, ambos tambem publicados na Colecção Oficial.


O primeiro destes diz que sobre terrenos publicos nenhuma posse manutenivel se pode legalmente reconhecer e o segundo que em acções possessorias e defeso aos tribunais questionar sobre a propriedade, não lhes sendo, porem vedado apreciar e discutir a natureza juridica do terreno ou terrenos a que se refere a prestação, principalmente se tal houver sido alegado por alguma das partes. Os acordãos em recurso confirmaram a sentença da 1 instancia, que tinha julgado procedente a acção, condenando os reus, ora recorrentes, a restituir aos autores o terreno e tumulo de que os haviam esbulhado e a pagarem-lhes as perdas e danos que em exução de sentença se liquidassem. E a seguinte a conclusão da minuta de recurso:
Deveriam os arestos em recurso ser anulados por terem admitido uma acção de restituição de posse sobre uma cousa fora do comercio e julgar-se a acção improcedente, se não houvesse lugar a o tribunal se declarar incompetente, bem como os de instancia, para conhecer desta acção, que visa a opor-se a um acto praticado por um corpo administrativo, chamando-se a juizo as pessoas que o compõem sem se mostrar que não houvera deliberação sobre o assunto.


Na contraminuta diz-se: Não e a ocasião de se discutir a competencia do tribunal. Os recorridos, que exerceram sempre todos os direitos inerentes a posse e propriedade do jazigo, tem o direito de usar de acções possessorias, pelo menos contra particulares aos quais os não liga nenhuma razão de dependencia juridica.


A lei portuguesa, permitindo o uso e fruição do jazigo, reconhece a posse sobre ele exercida e tambem concede o direito de propriedade porque permite a sua venda.


Consequentemente admite as acções possessorias como meio de defesa contra a perturbação e esbulho dessa posse e propriedade, que reconhece.
Tudo devidamente ponderado:


Quanto a competencia do tribunal não e ela de discutir neste recurso, restrito a oposição directa de acordãos sobre o mesmo ponto de direito. O que ha a discutir e se uma sepultura, tumulo ou jazigo são susceptiveis de posse e, consequentemente, se se pode usar de acções possessorias contra a turbação ou esbulho. Os cemiterios, quer os municipais, quer os paroquiais, são cousas publicas sendo permitido a todos utilizarem-se deles para o fim a que são destinados com as restrições impostas pela lei e regulamentos administrativos.


Mas tanto as camaras como as juntas de freguesia sempre puderam e podem ainda fazer nesses cemiterios concessões temporarias ou perpetuas para sepulturas ou jazigos.


Sobre a natureza de tais concessões e que as opiniões divergem.
Vejamos o que dizem os textos legais sobre o assunto:
Na portaria de 26 de Setembro de 1866 le-se:


Considerando que ainda nos cemiterios legalmente autorizados a propriedade que neles se adquire não pode deixar de reputar-se sui generis e sujeita as disposições policiais que o Governo entender convenientes a bem da saude dos povos... As portarias de 13 de Abril e 21 de Novembro de 1868 sustentam que a aquisição de terrenos para sepulturas e um contrato sui generis que não transfere para o adquirente, como a venda, o pleno dominio do terreno cedido e so a faculdade de o usar para um fim certo e determinado. Não ha, pois, aquisição de propriedade ou dominio, que não pode transmitir-se por contrato de venda. A portaria, porem, de 19 de Março de 1881 volta a doutrina seguida na de 1866, pois diz: e com efeito especial a propriedade dos jazigos, o que quer dizer que não podem em relação a ela exercer-se todos os direitos que resultam do dominio, mas simplesmente aqueles que a natureza especial dessa propriedade permite. As questões, porem, que sem implicarem com a natureza especial dessa propriedade e sem a modificarem ou alterarem digam respeito ao dominio e a posse dos jazigos e ao facto de se permitir a estranhos o uso da cousa comum com consentimento de um dos comproprietarios sem o assentimento dos outros, sendo, como são, questões de puro direito civil, que nada influem na natureza e aplicação especial dessa propriedade sui generis, são da exclusiva competencia dos tribunais de justiça, as quais e e deve ser inteiramente estranha a autoridade administrativa.
O paragrafo 1 do artigo 18 da Lei n. 621, de 23 de Junho de 1916, dispõe o seguinte: Na alienação dos bens imobiliarios referidos no n. 2 do artigo 94 da lei n. 88 não se incluem as vendas e trocas de terrenos destinados a construção e alinhamento de edificações junto das ruas, avenidas e estradas de valor inferior a 1000 escudos em Lisboa e Porto e a
300 escudos nos outros municipios, bem como as vendas de terrenos dos cemiterios para a construção de jazigos, podendo quaisquer das alienações referidas ser deliberadas pelas comissões administrativas. O regulamento para a liquidação e cobrança da contribuição de registo (hoje sisa),,aprovado por decreto de 23 de Dezembro de 1899, diz no seu artigo 1: A contribuição de registo em geral incide sobre todos os actos que importam transmissão perpetua ou temporaria de propriedade de qualquer valor, especie e natureza por titulo gratuito ou oneroso, qualquer que seja a denominação ou forma do titulo; e no seu artigo 2: Compreendem-se na disposição do artigo antecedente, n.1, os contratos de compra e venda, escambo ou troca, constituição de enfiteuse e censo consignativo, e bem assim as alienações perpetuas ou temporarias, quer dos terrenos para construção de jazigos, quer dos proprios jazigos.


Temos, pois que, segundo a portaria de 1866, os terrenos concedidos nos cemiterios constituem uma propriedade sui generis; que nos termos da de 1881 os jazigos constituem uma propriedade especial em relação a qual se exercem os direitos de dominio, que a sua natureza especial permite. A Lei n. 621, seguindo a mesma orientação, fala-nos na venda e alienação de terrenos dos cemiterios para a construção de jazigos. Onde se dão estes factos ha transferencia ? Do uso ou da propriedade? Da propriedade, por nela se compreender a alienação.


Diz o artigo 2359 do Codigo Civil: O direito de alienação e inerente a propriedade.
O simples uso de cousas publicas não e susceptivel de alienação. Pela alienação ou venda constitue-se uma propriedade particular. E que de propriedade se trata resulta ainda do citado regulamento de contribuição de registo, contribuição esta que incide sobre os actos de transmissão de propriedade. Entre esses actos contam-se as alienações perpetuas ou temporarias, quer dos terrenos para a construção dos jazigos, quer dos proprios jazigos.


Portanto as concessões referidas constituem uma propriedade privada, sui generis, especial, com restrições impostas pelas leis e regulamentos administrativos e resoluvel em virtude do seu destino, pois que não impede a mudança dos cemiterios para outro local.


Dado este caracter das concessões, como a propriedade se manifesta pela posse, evidente e que o seu objecto ou as cousas sobre que se exercem são susceptiveis de posse, e consequentemente e legal o emprego das acções possessorias contra os particulares que perturbarem ou esbulharem a referida posse; e este e o caso dos autos.


Bem se julgou, portanto, nos acordão recorridos, em que os reus foram condenados a restituir aos autores o terreno e tumulo de que os haviam esbulhado e de que os autores se achavam de posse havia mais de trinta anos e nos quais estavam sepultadas pessoas de sua familia.
Pelo que negam provimento ao recurso, condenam os recorrentes nas custas e firmam o seguinte assento:


Os tumulos construidos em cemiterios municipais ou paroquiais são susceptiveis de posse, a qual os concessionarios e seus sucessores podem defender pelos respectivos meios.



Lisboa, 14 de Dezembro de 1937

Costa Santos - E. Santos - J. Soares - Lopes Cardoso -
- Sampaio Duarte - Alberto Placido - Abilio de Andrade -
- Luiz Osorio - Afonso de Albuquerque - Adriano Fernandes - Avelino Leite - Magalhães Barros-
- Carlos Alves - Cesar A. Santos (vencido. So podem ser objecto de posse as cousas e direitos que sejam susceptiveis de apropriação (Codigo Civil, artigo 479) e so podem ser objecto de apropriação as que estiverem em comercio (artigo 370).
Não se mostra que o terreno sobre que assenta o tumulo tenha sido desamortizado e posto em comercio, e, portanto, não podia recair sobre ele qualquer especie de posse). - Ramiro Ferreira (vencido. Parece assente - o assunto esta proficientemente tratado na Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 58, pagina 392 - que o terreno dos cemiterios, no todo e em cada uma das suas partes, tem de considerar-se como cousa publica, exclusivamente destinada ao enterramento dos mortos.
E de ver que, assim sendo, não e susceptivel de propriedade privada, enquanto daquele serviço não for desafectado.


A concessão de terreno para tumulos e jazigos, embora não escape a acção do fisco, não e uma alienação, e o que por ela cobra o corpo administrativo não pode haver-se como preço de venda. E uma taxa constituindo receita ordinaria artigos 569, paragrafo 1, n. 4, e 620, n. 1, do actual Codigo Administrativo - e pelo Codigo de 1896, artigo 68, n. 8, e lei de 7 de Agosto de 1916, artigo 108, n. 7, era um imposto directo municipal.
Ora, como as cousas publicas e as nelas encorporadas estão fora do comercio, e sabido e que, por isso não podem ser objecto de posse, e vidente que vedado fica exercer a respeito delas qualquer dos meios possessorios regulados no Codigo do Processo Civil.

Contra os desacatos praticados nos tumulos e jazigos encontrarão os interessados a necessaria defesa em preceitos penais e nas leis e regulamentos administrativos).