Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09P316
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
NOVA REVISÃO
LEGITIMIDADE
MESMO FUNDAMENTO
Nº do Documento: SJ20090312000316
Apenso:
Data do Acordão: 03/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA
Decisão: DEVOLVIDO À 1ª INSTÂNCIA PARA NOVAS DILIGÊNCIAS
Sumário :
1 – O recurso extraordinário de revisão é, como o nome indica, um expediente extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado, visando obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada a condenação ou absolvição ou arquivamento (em casos menos frequentes) através de um novo julgamento.

2 – Comporta duas fases: (i) uma fase rescidente, em que o requerente procura convencer o Supremo Tribunal de Justiça da justeza e legalidade da sua posição e obter a autorização de revisão da decisão impugnada; e (ii) uma fase rescisória em que é realizada essa revisão. Na fase ou juízo rescidente, parte do processo tem lugar no Tribunal da decisão (de facto) impugnada, mas outra parte ocorre já no Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Assim, o pedido de revisão é apresentado no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista (n.º 1 do art. 451.º do CPP), sendo o respectivo requerimento sempre motivado e com a indicação dos meios de prova (n.º 2) e juntas a certidão da decisão de que se pede a revisão e do seu trânsito em julgado bem como os documentos necessários à instrução do pedido (n.º 3).

4 – Abre-se, então, um apenso aos autos onde se proferiu a decisão a rever, onde é a revisão processada (art. 452.º do CPP) e se a revisão se fundar na descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1 do art. 453.º do CPP), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2). Nos 8 dias seguintes ao termo do prazo de resposta ou depois de completadas as diligências a realizar, o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido (art. 454.º).

5 – Uma vez apresentado o requerimento no Tribunal que proferiu a decisão a rever, o juiz num despacho inicial admite-o, providenciando para que, a seu tempo, seja remetido ao seu destino, pois de outra forma se estará a colocar na mão do Juiz da decisão a rever, a apreciação detalhada da admissibilidade da impugnação extraordinária, quando é certo que a nova redacção dada ao art. 40.º do CPP, pela Lei n.º 48/2007, alargou os impedimentos de juiz na revisão.

6 – Mesmo tratando-se de nova revisão, em que o art. 465.º na redacção da Lei n.º 48/2007, já referida, veio alargar a legitimidade (para novo pedido de revisão), mas subordinando-a a um requisito que já respeita também ao fundo da pretensão: «não ser o mesmo [da(s) outra(s) revisão(ões)] o fundamento do pedido», o exame do pedido não é um mero exame perfunctório acessível ao Juiz da decisão a rever, pois impõe um conhecimento mais detalhado que se aproxima do conhecimento de fundo da pretensão e que tem de estar reservado ao tribunal ad quem, ao Supremo Tribunal de Justiça.

7 – No caso de o juiz da decisão a rever não admitir ou rejeitar o recurso extraordinário de revisão, a Relação, como foi entendido na decisão sumária ali tomada, não é competente para apreciar essa decisão de não admissão ou de rejeição, pois é alheia à tramitação da fase rescidente do recurso extraordinário de revisão que corre exclusivamente no tribunal da decisão a rever e no Supremo Tribunal de Justiça, que a pode sindicar.

8 – A al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP também consente a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova.

9 – O “mesmo fundamento”, a que alude o art. 465.º, refere-se ao complexo concretos novos factos e/ou novos meios de prova. Só se estaria perante o mesmo fundamento quando se verificasse a coincidência do fundamento “normativo” (por referência à mesma alínea) e a coincidência dos fundamentos concretos, coincidência nos novos factos e/ou as novas provas.

10 – Também está aqui presente a tensão que se viu existir, em geral, no recurso de revisão entre a segurança jurídica e a justiça. Se se compreende a necessidade de prevenir uma sucessão inesgotável de recursos de revisão, como se de recursos ordinários se tratasse, a fim de fazer vingar a tese do recorrente, como génese da introdução do limite especial à admissibilidade de nova revisão, pela Lei n.º 48/2007, alargada a todos aqueles que podiam formular o primeiro pedido (e já não só o Procurador-Geral da República, sem limitações de fundamento, o que era anteriormente à vigência daquela lei), a negação da admissibilidade de nova revisão, com base em elementos concretos em tudo diferentes dos anteriormente invocados, salvo a alocação à mesma alínea, pode ferir inadequadamente a justiça.

11 – Assim, considera-se que a mera invocação da mesma alínea não permite afirmar, por si, só que se trata do “mesmo fundamento” inviabilizando nova revisão. Para que tal sucede importa ainda que seja o mesmo o fundamento concreto em ambos casos, elemento a avaliar com rigor, por forma a prevenir evitável e indesejável transtorno da segurança jurídica que o caso julgado deve garantir, através de perpetuação de sucessivos pedidos de revisão com pequenas variações do mesmo fundamento.

Decisão Texto Integral:


1.

O Tribunal do Júri da Comarca da Ilha do Pico condenou, em 14-7-2005, AA, como co-autor da prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado dos art.ºs 131° e 132° n.ºs 1 e 2, als. f), g) e 1), um crime de profanação de cadáver do art. 254° n.º 1, a) do C. Penal, e cúmplice de um crime de burla informática dos art.ºs 221° n.º 5, a), 27° e 73°, n.º 1, a) e b), nas penas parcelares de 17 (dezassete) anos de prisão, 14 (catorze) meses de prisão e 2 (dois) meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 (dezoito) anos e 4 (quatro) meses de prisão (fls. 2-52).

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão do de 7-12-2005, negou provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, confirmando-se integralmente aquela decisão (fls. 58-87).

Por decisão sumária, de 17-1-2006, o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pelo arguido AA, tendo o acórdão condenatório transitado em julgado.

Em 14-9-2006, o Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Angra do Heroísmo efectuou o cúmulo jurídico da pena já referida, com a pena de um outro processo, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 18 (dezoito) anos e 4 (quatro) meses de prisão e (cento e vinte) 120 dias de multa, à taxa diária de €3,00 (fls. 88-92).

Os co-arguidos, identificados a fls. 4, foram condenados.

O condenado AA interpôs, a 6-2-2006, recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório, com os fundamentos constantes de fls. 113-115.

O Supremo Tribunal de Justiça entendeu, por acórdão de 1-3-2007, que a factualidade então indicada pelo requerente não era caracterizável como um facto novo ou novo meio de prova, e também que a mesma, de per si ou combinados com os demais factos que foram apreciados no processo, não suscitava graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e decidiu negar a revisão pretendida (fls. 125-140), e indeferiu, a 19-4-2007 (fls. 149-150), o pedido de aclaração formulado pelo condenado (fls. 141-146), tendo sido interposto em 4-05-2007 recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 151-154).

Em 23-4-2008, o mesmo condenado AA interpôs, segundo recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório, com os fundamentos, constantes de fls. 93-94 (e invocação de uma carta do co-arguido BB). Esse pedido foi reformulado, a convite (fls. 95-96), mas o Tribunal de 1.ª Instância não o admitiu, por despacho de 19-5-2008, por o ter por legalmente inadmissível – art.ºs 414° n° 2 e 465° do CPP (fls. 98-100).

O requerente não reagiu a esta decisão, mas interpôs depois terceiro recurso extraordinário de revisão da decisão condenatório, com os fundamentos seguintes:

1 – No dia 22 de Julho de 2008, o seu mandatário judicial recebeu um sobrescrito modelo correio azul, o qual foi remetido por CC, co-arguido no processo supra mencionado e a cumprir pena no Estabelecimento Prisional do Linhó (doc. 1).

2 – Tal sobrescrito continha 1 carta não datada, assinada por CC, que se supõe ter sido manuscrita pelo próprio e dirigida ao ora exponente.

3 – Do conteúdo de tal carta resulta que o referido CC pretende mudar as declarações que prestou no âmbito do processo, frisando agora, entre outras afirmações, que o ora exponente nunca esteve no local do crime e nunca recebeu dinheiro pelo crime (doc. 3).

4 – O mesmo sobrescrito, também continha uma outra carta não datada e não dirigida expressamente ao ora exponente e assinada pelo co-arguido DD.

5 – Do conteúdo desta última carta resulta que o DD assume que mentiu em tribunal sic “...sabendo que nunca tiveste lá connosco e nem recebeste dinheiro ...“ (doc. 2).

6 – Tais documentos constituem, do ponto de vista do exponente, novos meios de prova que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do ora exponente.

7 – Sucede que o exponente foi condenado essencialmente pela prova resultante das declarações prestadas pelos co-intervenientes no homicídio, também condenados no processo.

8 – Sendo as declarações prestadas pelo CC, designadamente em sede de instrução, inequivocamente incriminatórias do ora exponente.

9 Ora, passado todo este tempo, vêm os 2 arguidos, por sinal irmãos, desdizerem-se e, de modo solene, afirmar que mentiram em tribunal ao envolver o exponente no assassínio.

10 – Acresce que a co-arguida EE reafirmou à Polícia Judiciária que tinha recebido telefonicamente urna recomendação de um dos irmãos para envolver o AA, visando a obtenção de uma pena mais pequena.

Pelo exposto, vem o condenado, ora exponente, requerer a V Exa, a revisão da sentença já transitada em julgado, o que faz ao abrigo dos arts° 449°, n° 1 – al. d) e 450.º, n.º 1, al. e), ambos do C.P.P.

Mas o Tribunal de 1.ª Instância, em despacho de 10-10-2008, teve este recurso por legalmente inadmissível – art.ºs 414°, n° 2 e 465°do CPP, não o admitindo, pois (fls. 105-110), nos termos seguintes:

«Cumpre apreciar e decidir (…)

Ora, no que respeita à legitimidade para interpor recurso de revisão, dispõe o artigo 450.º do Código de Processo Penal que esta cabe ao Ministério Público, ao assistente (em caso de decisão absolutória ou a despachos de não pronúncia), o condenado ou o seu defensor (no que respeita a decisões condenatórias), ou ainda as pessoas mencionadas no n.° 2 do preceito acima citado.

Por seu turno, o artigo 453° do Código de Processo Penal dispõe que “se o fundamento de revisão for o previsto na alínea d) do n.°1 do artigo 449º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução e escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas”, sendo que “c requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não sei justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”.

Ora, foi este o fundamento invocado pelo requerente para apoiar o recurso de revisão.

Analisado o requerimento em apreço constata-se que aí foi alegado o envio de duas cartas (com um teor em tudo semelhante) pelos co-arguidos CC e DD, onde consta sumariamente que, ao serem-lhes tomadas declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, faltaram ambos à verdade ao imputarem-lhe a co-autoria dos factos que integram a prática de um crime de homicídio e manifestam que ao prestarem declarações o fizeram sem pensar (cfr. fls. 4432 e 4433).

Compulsados os autos, constata-se que AA já interpôs recurso de revisão da sentença proferida nos autos, o qual foi apreciado e decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão datado de 01 de Março de 2003.

No referido acórdão concluiu-se que “a factualidade indiciada pelo requerente AA não é caracterizável como facto novo ou novo meio de prova, a que acresce que, nem de per si nem combinados com os demais factos que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, já que se relacionam directamente com meios de prova que não serviram de fundamento à condenação” e, nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em denegar a pretendida revisão.

Posteriormente AA interpôs novo recurso de revisão reproduzindo os fundamentos do recurso de revisão primeiramente interposto — falsidade das declarações do co-arguido FF e da co-arguida GG -‘ e que foi negado por legalmente inadmissível (fls.

Diferentemente vem agora AA alegar a falsidade das declarações dos restantes co-arguidos.

Na esteira do acima se deixou exposto, o legislador processual penal português ao fazer o contraponto entre o interesse de estabilidade das decisões judiciais e o interesse de que não prevaleçam sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, optou por consagrar a possibilidade de rever as sentenças.

Porém, estabeleceu limites, os quais se encontram consagrados no artigo 465° do Código de Processo Penal, por “tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento”, visando evitar um segundo pedido de revisão sem fundamento (face à falência do primeiro), mas sem negar em absoluto a possibilidade do segundo pedido ser formulado.

Tendo em consideração todo o supra exposto, vejamos se se trata do mesmo fundamento.

Cotejando os vários requerimentos constata-se que são similares, de novo cartas que atestam a inocência do arguido, mas agora subscritas por co-arguidos diferentes.

Tal diferença não tem relevo no contexto que se discute, uma vez que é invocada a mesma alínea do n.°1 do artigo 449° do Código de Processo Penal como fundamento e indicados novos co-arguidos como tendo prestado declarações falsas em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que são, no essencial, os mesmos factos que são invocados no segundo pedido de revisão.

Por outro lado, o “novo” meio de prova em que AA se fundamenta apenas poderia ser confirmado com a audição de CC e de DD, os quais por se revestirem da qualidade de co-arguidos não podem ser ouvidos na qualidade de testemunhas (artigo 133°, n.°1, alínea a) do Código de Processo Penal), para além de que o teor das suas declarações já foi devidamente valorado em sede de análise crítica e ponderada aquando da prolação de sentença. Ora, “os factos ou meios de prova referidos na al. d) do n.° 1 do art. 449 do CPP devem ser novos no sentido de não terem sido apresentados no processo que conduziu à acusação se bem que não fossem ignorados pelo arguido, aqueles que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido na ocasião em que teve lugar o julgamento” (Acórdão do STJ, de 14-05-2005, disponível para consulta in dgsi.pt) fundamento, ou ambas, o fundamento é o mesmo em ambos os pedidos de revisão.

E sendo assim, como é, não é admissível o presente recurso extraordinário.»

Em 3-11-2008, o mesmo condenado recorreu novamente para este Supremo Tribunal invocando o art. 401° n° 1, b) e 400° a contrario, do CPP, e com os fundamentos constantes de fls. 155-160, instruindo o recurso com cartas dos co-arguidos BB, CC (e DD — fls. 160 e 161-165), assim procurando reagir contra o despacho que não admitira o recurso extraordinário de revisão de sentença (fls. 158-159)

Tal recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo e os autos foram remetidos à Relação de Lisboa (fls. 111), mas esse Tribunal Superior, por decisão sumária de 14-1-2009, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça (fls. 171-172), entendendo que o condenado reagira contra o despacho que não admitira o terceiro recurso de revisão (105 e ss), apresentando um requerimento e motivação que apelidou de recurso para o STJ (fls. 155 e ss).

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que se pronunciou detalhadamente sobre as vicissitudes do processo, concluindo:

1. O arguido AA foi condenado, por acórdão do Tribunal do Júri de S. Roque do Pico, de 14-07-2005, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 anos e 4 meses de prisão, acórdão esse que foi confirmado, por Acórdão do S.T.J., de 7-12-2005, transitado em julgado.

II. O arguido interpôs recurso extraordinário de revisão, nos termos do artigo 449° n° 1, d) do C. P. Penal – lº recurso de revisão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1-03-2007, transitado em julgado, denegado a revisão pretendida.

III. Em 23-04-2008 e 6-08-2008, o arguido apresentou o 2° e 3º recursos de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449° n° 1, d) do C. P. Penal, recursos esses que foram rejeitados, por despachos de 19-05-2008 e 10-10-2008, respectivamente, da M Juiz do Tribunal Judicial de S. Roque do Pico, por os considerar legalmente inadmissíveis, nos termos do artigo 465° do C.P. Penal.

IV. O arguido interpôs recurso do referido despacho de 10-10-2008, o qual foi admitido e subiu, em separado e com efeito devolutivo, ao Tribunal da Relação de Lisboa.

V. Por decisão sumária, de 14-01-2009, o Tribunal da Relação de Lisboa, ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por entender que, independentemente da denominação atribuída pelo arguido, deveria ser o Exmo. Presidente a apreciar o que o arguido, embora erradamente, apelida de recurso.

VI. Tendo a parte impugnado o despacho de rejeição do recurso de revisão, de 10-10-2008, em lugar de reclamar do mesmo, deveria a M Juiz a quo ter mandado seguir os termos próprios da reclamação – artigo 668° n° 5 do C. P. Civil, aplicável por força do disposto no art° 4° do C. P. Penal.

VII. No condicionalismo criado, não se justifica, salvo melhor entendimento que os autos sejam remetidos a Sua Excelência o Conselheiro Presidente do S. T. J., impondo-se antes que esta Secção Criminal conheça do recurso extraordinário de revisão interposto em 6-08-2008, uma vez que o despacho de 10-10-2008, que o considerou legalmente inadmissível, enferma de nulidade — artigos 119°, e), 110 n°4, d) e 454° do C. P. Penal.

VIII. O recurso de revisão de fls. 101 recurso de revisão deverá ser rejeitado, nos termos do artigo 465° do C. P. Penal, uma vez que o mesmo repete os mesmos fundamentos que serviram de base ao 1° recurso de revisão, revisão que foi negada por Acórdão do S. T. J., de 1-03-2007, transitado em julgado – supra, II.

IX. Na eventualidade de se vir a entender que as cartas subscritas pelos co-arguidos, e que instruíram o 3° e o 2° recurso de revisão e o recurso ora em apreço, trazem elementos novos, que não foram apreciados no Acórdão do S.T.J., de 1-03-2007, o pedido de revisão deverá ser negado e considerado manifestamente infundado, nos termos do artigo 456° do C. P. Penal, uma vez que tais declarações de favor não poderão ser considerados novos elementos de prova, nem das mesmas resultam quaisquer novos factos susceptíveis de suscitar dúvidas, e muito menos sérias, sobre a justiça da condenação.

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP e o recorrente veio sustentar a procedência do recurso extraordinário de revisão, nos seguintes termos:

4 – Não está em causa a sindicância de qualquer tipo de erro judiciário praticado pelo Tribunal do Júri de S. Roque do Pico, constituído por um Colectivo de Júri de inegável competência técnica e assessorados por idóneos Jurados, tribunal este que decidiu em consciência.

5 – Só que os pressupostos da condenação basearam-se num conjunto de provas directas e indirectas, sendo que algumas delas já não têm agora correspondência com aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento.

6 – Acresce que o arguido CC foi ouvido em sede de instrução, tendo este afirmado à Juíza de Instrução e referindo-se ao AA que (sic)”... ele também atirou pedras”

7 – Sublinhando-se mais uma vez que a arguida GG declarou em tribunal e em 20 inquirição da Polícia Judiciária que “ recebido uma chamada de um dos “pretos” para envolver o AA e que assim teriam uma pena mais pequena”

11 – Sendo que o tribunal sabe que o arguido não tem eira nem beira, nem qualquer poder de interferência num desagravamento da expiação das penas dos co-arguidos que quiseram livremente modificar o seu depoimento, mormente os 2 irmãos CC e DD, condenados a pesadíssima pena de prisão.

12 – Do ponto de vista do ora recorrente, sustentar que as primeiras declarações prestadas em sede do primeiro interrogatório, porque mais frescas, são suficientes para afastar toda a dúvida razoável de incriminação do arguido, apesar da negação peremptória do arguido AA da prática do crime, da tergiversação dos diferentes depoimentos sempre invocável a favor do arguido, da ausência de prova testemunhal presencial, da inexistência de prova de recebimento pós-crime de dinheiro da conta da infeliz vítima, e da actual alteração da prova que fez vencimento e para a qual decididamente contribuíram as declarações dos co-arguidos salvo o devido respeito que é muito, pelo Douto Parecer que ora se responde, é entendimento que viola direitos constitucionais, designadamente os que estão consagrados no art. 32.º da Constituição da República Portuguesa e que devem prevalecer sobre a justiça formal do caso migado

8 – No entanto, o Douto Parecer relativiza os “depoimentos modificados”, classificando as cartas remetidas como declarações de favor subscritas pelos arguidos com o intuito de aliviar a responsabilidade do arguido AA.

9 – É contra este douto entendimento que reage o ora recorrente lembrando que, desde a 1ª hora e até à presente data, sempre manteve coerentemente a sua versão de que não participou no crime, e já passaram alguns anos, tendo desabafado com os guardas prisionais no corredor do tribunal e na prisão, protestando a sua inocência, facto este confirmado em sede de pedido de revisão de sentença.

10 – Ora, salvo o devido respeito, a uma declaração de favor subjaz uma contrapartida compensatória de cariz monetário ou de outra natureza.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir.

2.

E conhecendo.

A primeira questão a apreciar prende-se com a reacção, em recurso da decisão da 1.ª Instância que não admitira o recurso extraordinário de revisão, por entender que o mesmo era legalmente inadmissível, nos termos conjugados dos art.ºs 414°, n° 2 e 465°do CPP.

Vem, a propósito, equacionadas as questões da intervenção da Relação, e do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A que deve acrescentar-se a dos poderes do Tribunal de 1.ª Instância.

Vejamos, muito brevemente.

O recurso extraordinário e revisão é, como o nome indica, um expediente extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado, visando obter autorização do Supremo Tribunal de Justiça para que seja novamente apreciada a condenação ou absolvição ou arquivamento (em casos menos frequentes) através de um novo julgamento.

Temos, assim, que este expediente impugnatório excepcional comporta duas fases: (i) uma fase rescidente, em que o requerente procura convencer o Supremo Tribunal de Justiça da justeza e legalidade da sua posição e obter a autorização de revisão da decisão impugnada; e (ii) uma fase rescisória em que é realizada essa revisão, com os resultados e consequências previstas nos art.ºs

Na fase ou juízo rescidente, que é a que nos ocupa aqui, parte do processo tem lugar no Tribunal da decisão (de facto) impugnada, mas outra parte ocorre já no Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, o pedido de revisão é apresentado no tribunal onde se proferiu a sentença que deve ser revista (n.º 1 do art. 451.º do CPP), sendo o respectivo requerimento sempre motivado e com a indicação dos meios de prova (n.º 2) e juntas a certidão da decisão de que se pede a revisão e do seu trânsito em julgado bem como os documentos necessários à instrução do pedido (n.º 3).

Abre-se, então, um apenso aos autos onde se proferiu a decisão a rever, onde é a revisão processada (art. 452.º do CPP) e se a revisão se fundar na descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1 do art. 453.º do CPP), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2).

Nos 8 dias seguintes ao termo do prazo de resposta ou depois de completadas as diligências a realizar, o juiz remete o processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido (art. 454.º).

Esta disciplina parece apontar para sentidos diversos quanto à amplitude dos poderes do Juiz do Tribunal da condenação.

Com efeito, diz-se que o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, (n.º 1 do art. 453.º) e que o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2). Estas disposições aponta do sentido de que o juiz que recebe o requerimento do recurso de revisão não está obrigado a realizar todas as diligências requeridas, mas só as que repute de “indispensáveis para a descoberta da verdade” e que poderá deixar de ouvir a prova testemunhal que não foi ouvida no processo, salvo se isso se mostrar justificados nos termos do n.º 2 do art. 3~453.º.

Já a disposição do art. 454.º, parece destinar o juiz da decisão impugnada a uma posição de intermediário que recolhe a prova, dada a natureza de tribunal de revista do Supremo Tribunal de Justiça e oportunamente remete o processo a este último Tribunal com informação sobre o mérito do pedido.

Pronunciando-se sobre esta questão, dizem Simas Santos e Leal-Henriques (Recursos em Processo Penal, 7.ª Edição, págs. 223 e 224):

«3.7.1. – Fase rescindente preliminar

A fase rescindente preliminar inicia-se com o respectivo requerimento, que será motivado, indicará os meios de prova e virá instruído com determinados documentos.

E se o requerente não respeitar estas obrigações legais, quid juris?

As saídas possíveis têm que ver com os poderes de que dispõe o juiz do tribunal a quem foi apresentado o requerimento e que proferiu a decisão a rever.

Assim:

— Se se entender que o magistrado em causa tem jurisdição sobre a tramitação do pedido (embora a não tenha sobre o pedido em si), parece que, de harmonia com o disposto no art.° 420.°, n.° 1, lhe é possível rejeitar o pedido quando faltar a motivação, podendo-o igualmente fazer quando o requerente, não indicando inicialmente os meios de prova nem juntando os documentos indispensáveis, persistir na recusa quando convidado para o fazer.

Esta solução teria a vantagem de impedir que chegassem ao Supremo expedientes desprovidos dos necessários requisitos legais e por isso condenados ao malogro e ao mesmo tempo evitaria que o juiz receptor se transformasse numa figura quase decorativa neste processo.

À sombra do ordenamento jurídico anterior assim propugnava LUÍS OSÓRIO, quando defendia que a falta de documentação indispensável acarretava o não recebimento do requerimento.

Enveredando-se por este caminho ter-se-á necessariamente que facultar ao requerente a possibilidade de reagir ao despacho de rejeição, o que poderia ser feito através da reclamação contemplada no art.° 405.°.

— Se se considerar, ao contrário, que o juiz do tribunal que proferiu a decisão a rever não tem aqui outros poderes que não sejam o de receber o requerimento, proceder à instrução (quando for caso disso) e encaminhar o pedido para o legal destino (o STJ), surgindo assim como uma mera instância intermédia, de passagem, e nada mais, então temos que aceitar que só lhe restará dar andamento ao expediente tal qual o requerente lho apresentou, fazendo-o chegar ao Supremo com a sua informação sobre a viabilidade do pedido (cfr. art.° 454.°).

Cada um dos sistemas é defensável e configura vantagens e inconvenientes.

Por uma questão de celeridade processual — regra de ouro que subjaz ao novo ordenamento processual — parece claro que a segunda solução satisfaz mais amplamente aquele desígnio.

Uma vez apresentado o requerimento, parece-nos que sobre ele terá que recair um despacho.

Nesse despacho inicial o magistrado, consoante se entenda que tem competência para controlar o requerimento de interposição ou que constitui apenas uma instância intermédia (meramente receptora), assim actuará face a tal requerimento (ou seja: rejeita-o, se for caso disso, ou manda completá-lo ou aperfeiçoá-lo, ou simplesmente admite-o, providenciando para que, a seu tempo, seja remetido ao seu destino).

Em qualquer caso, porém, os restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso devem ser notificados da sua interposição e da motivação em que se abona, para responderem querendo (art.ºs 454.°, 411.°, n.° 4 e 413.°).»

Também nos inclinamos para esta última solução, pois que, de outra forma se estará a colocar na mão do Juiz da decisão a rever, a apreciação detalhada da admissibilidade da impugnação extraordinária, quando é certo que a nova redacção dada ao art. 40.º do CPP, pela Lei n.º 48/2007, alargou os impedimentos de juiz na revisão.

Por outro lado, não se pode esquecer que se trata não de um primeiro pedido de revisão, mas de um terceiro, em que o art. 465.º na redacção da Lei n.º 48/2007, já referida, veio alargar a legitimidade (para novo pedido de revisão), mas subordinando-a a um requisito que já respeita também ao fundo da pretensão: «não ser o mesmo [da(s) outra(s) revisão(ões)] o fundamento do pedido».

Ora, esse exame não é um mero exame perfunctório acessível ao Juiz da decisão a rever, pois impõe um conhecimento mais detalhado que se aproxima do conhecimento de fundo da pretensão e que tem de estar reservado ao tribunal ad quem, ao Supremo Tribunal de Justiça.

No caso de o juiz da decisão a rever não admitir ou rejeitar o recurso extraordinário de revisão, a Relação, como foi entendido na decisão sumária ali tomada, não é competente para apreciar essa decisão de não admissão ou de rejeição, pois é alheia à tramitação da fase rescidente do recurso extraordinário de revisão que corre exclusivamente no tribunal da decisão a rever e no Supremo Tribunal de Justiça.

Em decisão (AcSTJ de 1.3.2007, proc. n.º 2677/06) proferida no primeiro recurso de revisão interposto por este condenado, no âmbito do mesmo processo, já o Supremo entendeu que: «conforme resulta do art. 453.º, n.º 1, do CPP, “o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade”, pelo que não tem de proceder obrigatoriamente a todas as diligências de recolha que foram indicadas pelo requerente; todavia, esta decisão está sujeita à sindicância do STJ, uma vez que, sendo a este Tribunal que incumbe autorizar a revisão, compete-lhe ajuizar da necessidade de produção de prova, bem como acerca das provas que devem ser produzidas (art. 455.º, n.º 4, do CPP).»
E entendendo-se, como se entende que, no caso, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância exorbitou os seus poderes ao rejeitar o terceiro pedido de revisão, por ter o mesmo fundamento dos anteriores, porque entrou na apreciação de fundo do pedido, uma vez que aqui a questão da legitimidade impõe uma indagação que já não é meramente formal.

E sendo assim, considera-se o recurso para este Tribunal como que desencadeando a apreciação da admissibilidade do pedido de revisão e não como reclamação dirigida ao Presidente, pelo que se conhecerá dela.

2.3.

Assim, apreciar-se-á a questão da admissibilidade do terceiro pedido de revisão.

Mas vejamos mais de perto a natureza e estrutura do recurso de revisão, tendo presente que nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado.

Foi escolhida uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais, que foi entre nós consagrada.

A segurança é seguramente um dos fins do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça.

Aliás, o recurso de revisão inscreve-se também, parcialmente, nas garantias constitucionais de defesa, no princípio da revisão consagrado no n.º 6 do art. 29.º da Constituição: os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

Essas condições da lei encontram-se nos art.ºs 449.º a 466.º do Código de Processo Penal (CPP), admitindo-se a revisão das decisões penais, não só a favor da defesa, mas igualmente da acusação.

São, em síntese, os seguintes os fundamentos e condições de admissibilidade da revisão:

— Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever [art. 449.º, n.º 1, al. a)];

— Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];

— Inconciabilidade de decisões: entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. c)];

— Descoberta de novos factos ou meios de prova, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].

— Descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º [art. 449.º, n.º 1, al. e)].

— Declaração, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação [art. 449.º, n.º 1, al. f)].

— Prolação, por uma instância internacional, de sentença vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [art. 449.º, n.º 1, al. g)].

O legislador ordinário não se limitou, pois, a consagrar a possibilidade de revisão das sentenças condenatórias, mas visou igualmente as decisões penais favoráveis ao arguido.

Porém, também ponderou, neste último domínio, o princípio constitucional de que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (n.º 5 do art. 29.º da CRP), que não inviabiliza, mas limita fortemente a possibilidade de revisão contra o arguido e previu, para este último caso, dois fundamentos de revisão contra os quatro previstos para as decisões condenatórias.

Com efeito, dos fundamentos já enunciados só os dois primeiros, em que está em causa genuinidade da decisão, em que esta está afectada no seu nascimento (por uso de meios de prova falsos ou de intervenção de membro de tribunal suspeito, com toda a quebra de confiança geral no sistema) é que podem fundar o pedido de revisão contra a defesa.

Já os restantes fundamentos, designadamente a inconciabilidade de decisões [art. 449.º, n.º 1, al. c)] e descoberta de novos factos ou meios de prova [art. 449.º, n.º 1, al. d)] só operam, como resulta do uso ali feito da expressão "graves dúvidas graves sobre a justiça da condenação", em relação a decisões condenatórias.

De assinalar que, de acordo com o n.º 3 do art. 449.º do CPP, com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

Foi invocado, como fundamento da presente revisão, o disposto no art. 449.º, n.º 1, al. d): descoberta de novos meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.

Mas tratando-se de um terceiro pedido de revisão, importa ponderar mais detalhadamente a questão da admissibilidade do recurso.

Assente que ele é formulado por quem tem legitimidade, uma vez que se trata do condenado − art.ºs 450.º e 465.º do CPP, necessário se torna determinar se o fundamento agora indicado é o mesmo anteriormente apresentado, caso em que a nova revisão não será possível.

Com efeito, como já decidiu este Supremo Tribunal de Justiça (AcSTJ de 03/07/2008, proc. n.º 2036/08-5), em caso idêntico:

«(I) – O arguido veio, uma vez mais, interpor recurso extraordinário de revisão alegando que, no primeiro dos recursos, foi negada a revisão por inexistência dos respectivos pressupostos e que, o segundo, foi indeferido liminarmente, por o Tribunal considerar que o mesmo não dispunha de legitimidade. (II) – Determina o art. 465.º do CPP que "Tendo sido negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo fundamento". (III) - Apreciadas as conclusões deste novo recurso apura-se que as sete primeiras são idênticas às apresentadas no primeiro recurso e a oitava, alusiva a "novos factos", é omissa quanto à identificação destes. (IV) – Daí que este novo recurso – na medida em que mantém o mesmo fundamento do recurso já oportunamente improvido –, não seja, sequer, de admitir.»

Vejamos, pois.

E vamos atender ao recurso (3.º) de revisão tal como interposto e não com os acrescentos que resultam do “recurso” do despacho de não admissão.

Dá-se conta no requerimento-motivação do recurso que a 22.7.2008, o advogado do requerente uma carta em correio azul remetida pelo co-arguido CC, a cumprir pena no Linhó, não datada, assinada pelo remetente, manuscrita e dirigida ao requerente, da qual resulta que o seu autor pretende mudar as declarações que prestara no âmbito do processo, frisando agora, além do mais, que o requerente nunca esteve no local do crime e nunca recebeu dinheiro pelo crime.

Refere-se que o mesmo sobrescrito, também continha uma outra carta não datada e não dirigida expressamente ao ora exponente e assinada pelo co-arguido DD da qual resulta que este assume que mentiu em tribunal escrevendo “...sabendo que nunca tiveste lá connosco e nem recebeste dinheiro ...“. Estes documentos constituiriam novos meios de prova que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do requerente que foi condenado essencialmente pela prova resultante das declarações prestadas pelos co-intervenientes no homicídio, também condenados no processo, designadamente as declarações prestadas pelo CC, em sede de instrução.

Os 2 arguidos, irmãos, desdizem-se solenemente, afirmando que mentiram em tribunal ao envolver o exponente no assassínio e a co-arguida EE reafirmou à Polícia Judiciária que tinha recebido telefonicamente uma recomendação de um dos irmãos para envolver o AA, visando a obtenção de uma pena mais pequena.

Estar-se-ia, pois, perante novos meios de prova que, no entender do recorrente, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação” – art. 449° n° 1, al. d) do CPP.

Este recurso considera, pois, a carta do co-arguido BB emitida em 30-10-2008, e as cartas dos co-arguidos CC e DD remetidas num mesmo sobrescrito que tem como remetente o CC (a carta de fls. 164 é assinada por Manuel ..., mas o arguido atribui essas cartas, subscritas pelos co-arguidos, ao BB, CC e DD).

Já no segundo recurso de revisão se baseara o recorrente na mesma norma, invocando a carta do co-arguido BB de 11-04-2008, como “facto novo” que suscita graves dúvidas sobre a sua condenação.

No primeiro recurso de revisão, o Supremo Tribunal de Justiça, como se disse, por acórdão de 1.3.2007 (proc. n.º 267706-5), não autorizou tal revisão:

Escreveu-se, além do mais, nesse aresto:

«O tribunal procedeu ao exame crítico da prova nos seguintes termos:

Da versão dos factos relatada por cada um dos arguidos, quando versando a sua própria situação, resulta que nenhum deles matou o HH pois:

- o DDdisse que só lhe tinha dado um murro e com uma garrafa;

- o CC, que só lhe tinha dado um pontapé

- o BB, que apenas tinha assistido;

- o AA, que nem esteve no local e

- a GG, que estava a dormir

Certo é, porém, que o HH foi morto de forma violenta.

É também certo que todos os arguidos, nas suas diversas versões, acabam por imputar aos demais (embora de forma parcelar) a prática daqueles factos:

- a arguida GG imputa-os aos arguidos DD, CC e BB;

- os arguidos DD e CC imputa-os aos arguidos BB e AA (GG estava a assistir);

- o arguido. BB imputa-os aos arguidos DDe CC (os arguidos GG e AA estavam a assistir)

- o arguido AA imputa-os aos arguidos DDe BB (embora só como suspeita, pois não estava presente) atenta a confissão que lhe havia sido feita pelo arguido CC.

Das declarações prestadas pelos arguidos resultam várias contradições mas também alguns pontos comuns.

Na realidade, tal como resulta do documento de fis. 1599, as festas na Madalena, no ano de 2003, ocorreram entre os dias 18 e 22 de Julho, tendo sido neste último dia, pelas 24.00 horas, que ocorreu o fogo de artifício.

Com exclusão do arguido AA, que não esteve presente no jantar, como foi referido. unanimemente, todos os restantes arguidos afirmam que, no dia dos factos, foram jantar com a vítima ao restaurante “O Luís”, tendo a conta sido paga com o seu cartão multibanco, o que se confirma através da análise da listagem dos movimentos do cartão - vd. fis. 675 -, onde aparece um pagamento efectuado pelas 00.19 horas, do dia 25 de Julho de 2003 , no referido restaurante

Daqui há que concluir que a morte ocorreu na madrugada deste dia, entre a referida hora e as 04.11 horas, momento em que foram iniciadas as operações de levantamento de dinheiro, que são também referidas pelos arguidos DD, CC e BB como tendo acontecido após a morte do HH.

Relativamente a saber quem estaria presente junto à tenda quando os factos ocorreram, apenas se poderiam suscitar dúvidas relativamente ao arguido AA, pois todos os restantes arguidos confirmam a sua presença no local

O arguido AA nega ter ali estado naquela noite, o que foi corroborado pelas declarações da arguida GG em audiência de julgamento

Contudo, esta arguida, aquando do seu interrogatório judicial, afirmou que o AA tinha ido ter com eles junto à tenda depois do jantar, se bem que se tivesse retirado antes dos- factos.

Os outros arguidos são peremptórios em afirmar que o AA estava presente, e não só.

Na verdade, relativamente à agressão de que resultou a morte do HH, os arguidos DDe CC confirmaram tê-lo agredido, a arguida GG afirmou sempre ter estado no interior da tenda a dormir, enquanto o arguido BB afirmou em audiência que tinha visto os dois irmãos a agredir o HH mas que não tinha participado em tal agressão, bem como o AA, que estaria sentado junto de si e da GG.

Porém, no decurso do primeiro interrogatório judicial, o BB afirmou que tinha visto o AA, juntamente com o DDe o CC a agredir o HH e que depois os acompanhou à caixa Multibanco.

Instado para esclarecer da razão de ser da divergência das versões, recusou-se a fazê-lo.

Não deixa de ser curioso que dois dos arguidos - o DD e o CC - desde início tenham referido que o AA participou na agressão e que outros dois - o BB e a GG -, tenham vindo a alterar as suas versões, o primeiro ainda o colocando no local, mas sem participar na agressão e, a segunda, retirando completamente o AA do local, sendo que anteriormente tinha afirmado que ele se tinha retirado antes da agressão mas que, ainda assim, estava convicta que ele tinha participado.

Instado o arguido AA para esclarecer se, em sua opinião, existia algum motivo que os levasse a fazer tal afirmação, disse que tinha já tido uma zanga com cada um deles e que lhes tinha batido, sendo que relativamente ao CC já tinha sido havia muito tempo e que, relativamente ao DD, tinha ocorrido durante o período das festas, numa altura em que. o DDestava a bater na GG, tendo o arguido intervindo para por cobro à situação.

Entendeu o tribunal que as razões apontadas pelo arguido AA não são suficientes para justificar afirmações de tal modo graves, tanto mais que o AA, o DDe o CC se continuaram a relacionar, tendo até sido através do CC que se passou a relacionar com o DDe o HH.

Na realidade, a existir alguma animosidade do CC relativamente ao AA, para além de que este certamente se teria apercebido de alguma coisa o que não sucedeu, também não faz qualquer sentido que tenha sido através dele que o AA passou a confraternizar com as restantes pessoas, nomeadamente junto à tenda.

Por outro lado, há que atentar na mudança das versões dos arguidos BB e GG, sendo que os dois se recusaram a esclarecer da razão de ser da mudança, pese embora o BB tenha dito que tinha sido alvo de ameaças, se bem que sem as especificar, não se podendo deixar de realçar as declarações prestadas pela arguida GG no primeiro interrogatório judicial que “ficou com a ideia” que o AA também tinha participado na morte do HH.

Finalmente, e ainda relativamente ao arguido AA, não faz qualquer sentido a versão que apresentou para ter tido conhecimento dos factos, ou seja, que tinha sido o CC quem lho tinha contado algumas semanas depois, dizendo-lhe ainda que o DD e o BB estavam a pensar responsabilzá-lo.

Ora, se o arguido nada tivesse a temer, só lucraria em, de imediato, relatar às autoridades policiais a “cabala” de que estava a ser alvo, o que não fez, antes preferindo “investigar” por conta própria.

Na realidade, disse o arguido AA a este propósito que, face ao relato do CC, se deslocou à “Mata do Hospital”, acompanhado de dois amigos e do seu cão, para confirmar se ali se encontrava, ou não, algum corpo enterrado.

Disse que os amigos se deslocaram ao local a seu pedido mas não sabiam o que iam à procura pois apenas lhes disse que queria investigar “algo de estranho” que lhe tinha parecido ter visto numa altura que ali tinha passado à noite, o que foi confirmado pelo depoimento da testemunha JJ. Disse esta testemunha que, em Outubro de 2003, a pedido do AA e na companhia de outra pessoa amiga, se tinham deslocado à dita “Mata do Hospital”, à procura de não sabe o quê, pois o AA nunca disso nada de concreto, tendo o AA levado o cão consigo.

Pararam o carro mais de vinte metros do local onde depois foram encontradas as ossadas, o arguido AA saiu com o cão e afastou-se poucos metros, enquanto a testemunha ficou sempre junto da viatura, bem como a outra pessoa que foi, tendo ali todos permanecido por poucos minutos, pois estava com pressa, o que o AA sabia. Foram-se embora sem nada terem encontrado, se bem que também não tivessem procurado de forma empenhada.

Deste relato pode-se concluir que o arguido AA tentou construir um alibi à posteriori, através de duas testemunhas que fez deslocar ao local a fim de que, posteriormente, pudessem atestar que ele desconhecia o sucedido, pois até os tinha levado lá, o que não faria se soubesse que o corpo estava ali enterrado.

Tanto mais que até não tinham encontrado nada, pese embora tivessem levado um cão.

Contudo, como acima foi referido, a “vestoria” efectuada foi muito superficial e não foi no local onde estava o corpo pois que, se assim fosse, certamente o cão teria dado pelo cheiro do corpo em decomposição, o que nos leva a concluir que foi tudo encenado pelo arguido para o caso de vir a necessitar apresentar alguma explicação.

Acresce ainda que, pese embora o arguido o tenha negado, certo é que, à data dos factos, tinha problemas financeiros pois tinha letras para pagar, tal como resulta de fls. 1719 e as prestações de outros bens que adquirira para pagar, sendo que algumas delas estavam em atraso, como nos referiu a testemunha AX, comerciante de electrodomésticos, que esclareceu que, em 30.06.03, o AA comprou equipamento para o seu carro no valor de € 583, tendo ficado combinado que o pagamento seria efectuado em duas ou três prestações.

Contudo, o AA atrasou-se nos pagamentos e a testemunha chegou a mandar-lhe algumas cartas tendo em vista ele regularizar a dívida, o que ele só veio a fazer em 03.11.03.

Ora, no decurso da audiência de julgamento os arguidos DDe CC foram peremptórios em afirmar que o arguido AA também agrediu o HH, sem que se tivesse percebido da razão de ser de tal afirmação, se não fosse verdade. Também os arguidos DDe CC afirmaram que o AA esteve no cais da Madalena na manhã a seguir aos factos.

Isto foi também afirmado pelo arguido BB no decurso do primeiro interrogatório judicial e negado em audiência de julgamento.

Também a arguida GG no primeiro interrogatório judicial, afirmou que o arguido AA tinha estado no cais da lancha na manhã seguinte dos factos e disse até que ameaçara de morte os restantes arguidos caso eles contassem que ele estava envolvido na morte do HH.

Todas estas afirmações não teriam sido produzidas caso não fosse verdade, tanto mais que, mais uma vez, não foi apresentada qualquer explicação para estas “mentiras” serem, pelo menos por alguns dos arguidos, reafirmadas.

Resulta também das declarações do arguido AA que ele esteve, por várias vezes, no local onde os factos ocorreram - antes dos factos para ouvir música e, depois dos factos, para dar banho ao cão -, sendo certo que, como foi afirmado pela testemunha que ali se deslocou a pedido deste arguido, aquele local é mal afamado por estar conotado como sendo um lugar frequentado por drogados, pelo que se não percebe que o arguido para ali vá dar banho ao cão.

Ponderados todos estes elementos e tendo ainda em consideração que, diz-nos a experiência, as declarações prestadas aquando do primeiro interrogatório são, em regra, mais próximas da realidade pois os arguidos não tiveram ainda a calma, a serenidade e o tempo suficiente para “construírem” as suas versões dos acontecimentos, concluiu o tribunal que o AA também estava presente e participou na agressão, tal como resulta da factualidade provada.

E prosseguiu:

«7. As transcrições a que se procedeu foram propositadamente longas, porque não vão permitir aferir, com maior segurança e com mais clareza, acerca da justeza da pretensão do recorrente.

O pedido formulado pelo condenado AA assenta, fundamentalmente, em dois aspectos:

1. a co-arguida GG teria afirmado falsamente que o ora recorrente tinha estado junto da tenda na “mata do hospital” na noite em que a vítima HH foi morta, tendo uma irmã dos arguidos CC e DD, a testemunha II, afirmado, dirigindo-se à arguida GG — “tu não tens o direito de dizer que o AA tinha estado lá naquela noite, porque ele não tinha estado”- o que foi ouvido pelo guarda prisional Avelino..

2. o co-arguido BB , disse perante dois guardas-prisionais, respondendo a uma pergunta do AA — “eu disse isso em tribunal porque os outros (os co-arguidos CC e DD, me ameaçaram”.

Ora, da fundamentação da decisão, na parte em que foram extractadas as declarações dos arguidos, e bem assim da análise crítica a prova, colhe-se que a convicção do tribunal relativa ao ora recorrente AA não se alicerçou nas declarações prestadas em audiência por nenhum dos dois referidos co-arguidos.

Relembremos. Afirma-se no acórdão: “Face às declarações agora referidas e perante a manifesta oposição relativamente às declarações que havia prestado aquando do primeiro interrogatório judicial, a arguida GG apenas reafirmou que o arguido AA de nada sabia pois nem tinha estado na tenda na noite dos factos. E confrontada com o concreto teor das declarações por si prestadas no primeiro interrogatório judicial e com os estratos do pagamento efectuado no referido hotel, escudou-se na versão do esquecimento causado pela reclusão para depois, face às insistências perante as contradições e omissões, recusou-se a continuar a prestar declarações. E, na análise critica da prova, afirma-se: O arguido AA nega ter ali estado naquela noite, o que foi corroborado pelas declarações da arguida GG em audiência de julgamento

Resulta, assim, do exposto que a arguida GG não afirmou em audiência o que a testemunha II lhe imputa. Fê-lo, sim, no primeiro interrogatório judicial, o qual, todavia, foi julgado pelo tribunal merecedor de maior crédito que o seu depoimento em sede de audiência, conforme se disse no acórdão.

Assim, independentemente das razões que levaram o juiz de P instância a não tomar declarações ao guarda prisional Avelino, por considerar que “não é líquido que o Guarda Principal Avelino ....não pudesse ter sido ouvido em audiência de julgamento em U instância”, o certo é que a afirmação da testemunha II não tem características suficientes para poder ser considerado um novo meio de prova, capaz de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

E a idêntica conclusão se chega quando se aprecia o fundamento do pedido de revisão que respeita ao co-arguido BB .

Na verdade, sendo “facto novo” aquele que, no entender deste Supremo Tribunal, não tenha sido apreciado no processo que levou à condenação, a sua afirmação de que agiu assim sob ameaça não é um facto novo, uma vez que, no acórdão cuja revisão se pretende, já era feita referência a que “o BB tinha dito que tinha sido alvo de ameaças, se bem que sem as especificar”. De resto, o depoimento dos dois guardas prisionais indicados como testemunhas no requerimento de recurso de revisão também não é esclarecedor do pensamento do BB . À afirmação proferida pelo aqui requerente AA “tu sabes que não tenho nada a ver com isso”, o BB respondeu “Pois sei, mas estou a ser ameaçado pelos outros e tenho uma irmãzinha, não sei o quê”, ao que o AA contrapôs “Ó BB então tu dizes que estás a ser ameaçado, dizes que eu (es)tive lá e não (es)tive ...“ e a conversa terminou aqui.

Por outro lado, não foi com base nas declarações prestadas pelo referido BB em audiência que o ora requerente foi condenado. Na verdade, refere-se na motivação da decisão, por referência ao que foi declarado pelo BB, que “enquanto tudo isto [agressão e a ocultação do cadáver] aconteceu, o arguido [BB], o AA e a GG, esta com o filho ao colo, assistiram a tudo pois estavam a cerca de 5/6 metros do local”. Também o referido BB que, no decurso do primeiro interrogatório judicial, afirmara “que tinha visto o AA, juntamente com o DDe o CC a agredir o HH e que depois os acompanhou à caixa Multibanco, instado para esclarecer da razão de ser da divergência de versões, recusou-se a fazê-lo”.

Daí que o tribunal, face às disparidades existentes entre o interrogatório judicial e as declarações em audiência, tenha optado pelas maior veracidade das primeiras declarações para concluir que o AA também esteve presente e participou na agressão, justificando-o do seguinte modo: Ponderados todos estes elementos e tendo ainda em consideração que, diz-nos a experiência, as declarações prestadas aquando do primeiro interrogatório são, em regra, mais próximas da realidade pois os arguidos não tiveram ainda a calma, a serenidade e o tempo suficiente para “construírem” as suas versões dos acontecimentos,

Poder-se-á, portanto, concluir que a factualidade indicada pelo requerente AA não é caracterizável como facto novo ou novo meio de prova, a que acresce que, nem de per si, nem combinados com os demais factos que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, já que se relacionam directamente com meios de prova que não serviram de fundamento à condenação.

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em denegar a pretendida revisão.»

Sustenta o recorrente que existem novos meios de prova: as mencionadas cartas de retratação.

Como se viu, pode fundamentar o recurso extraordinário de revisão, além do mais, a descoberta de «novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» [al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP].

Ou seja, pode distinguir-se, neste fundamento, os “novos factos” dos “novos meios de prova”, por forma a poder-se afirmar que o fundamento pode consistir na descoberta de factos desconhecidos anteriormente e por tal não ponderados na decisão cuja revisão se pretende e que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (factos novos), ou na descoberta de novas provas da ocorrência de factos já conhecidos e ponderados, ou de factos também eles novos na acepção acima referida (novos meios de prova).

Pode, assim, afirmar-se que a al. d) do n.º 1 do art. 449.º consente a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova.

Encontra, assim, apoio formal a pretensão do requerente de obter a revisão com base somente na descoberta de novos meios de prova.

Mas, tratando-se de um terceiro recurso extraordinário de revisão, face ao art. 465.º do CPP, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, importa ponderar o que se entende por “mesmo fundamento”, enquanto elemento que obsta à dedução de novo pedido de revisão.

É defensável, face à actual redacção do art. 465.º do CPP, que “o mesmo fundamento”, que inviabiliza um novo pedido de revisão, se refira ao “fundamento”, por referência às diversas alíneas do n.º 1 do art. 449.º do CPP. Significaria esse entendimento que, uma vez interposto o recurso de revisão com base no fundamento previsto numa determinada alínea [v.g., da al. d)] já não poderia ser interposto novo recurso com fundamento na mesma alínea.

Mas também se pode entender que o “mesmo fundamento” se refere ao complexo concretos novos factos e/ou novos meios de prova. Só se estaria perante o mesmo fundamento quando se verificasse a coincidência do fundamento “normativo” (por referência à mesma alínea) e a coincidência dos fundamentos concretos, coincidência nos novos factos e/ou as novas provas.

Também está aqui presente a tensão que se viu existir, em geral, no recurso de revisão entre a segurança jurídica e a justiça. Se se compreende a necessidade de prevenir uma sucessão inesgotável de recursos de revisão, como se de recursos ordinários se tratasse, a fim de fazer vingar a tese do recorrente, como génese da introdução do limite especial à admissibilidade de nova revisão, pela Lei n.º 48/2007, alargada a todos aqueles que podiam formular o primeiro pedido (e já não só o Procurador-Geral da República, sem limitações de fundamento, o que era anteriormente à vigência daquela lei), a negação da admissibilidade de nova revisão, com base em elementos concretos em tudo diferentes dos anteriormente invocados, salvo a alocação à mesma alínea, pode ferir inadequadamente a justiça.

Assim, considera-se que a mera invocação da mesma alínea não permite afirmar, por si, só que se trata do “mesmo fundamento” inviabilizando nova revisão. Para que tal sucede importa ainda que seja o mesmo o fundamento concreto em ambos casos, elemento a avaliar com rigor, por forma a prevenir evitável e indesejável transtorno da segurança jurídica que o caso julgado deve garantir, através de perpetuação de sucessivos pedidos de revisão com pequenas variações do mesmo fundamento.

Ora, no caso sujeito os “factos” sustentados pelo recorrente, e a que se referem os meios de prova agora apresentados, não são novos e são os mesmos que vem já do julgamento em 1.ª instância: ele não praticou os crimes pelos quais foi condenado e os co-arguidos mentiram quando lhe imputaram comparticipação em tais crimes.

Os meios de prova agora apresentados são também da mesma natureza dos apresentados em anteriores pedidos de revisão: cartas de co-arguidos confessando que mentiram quando incriminaram o requerente.

Mas provem de co-arguidos diferentes, por forma a cobrirem agora todo o leque de co-arguidos.

O que vale por dizer que da perspectiva que se adoptou, se não trata do mesmo fundamento, por forma a inviabilizar liminarmente o presente pedido.

2.4.

Isto posto, deve referir-se que a apreciação do mérito da revisão supõe a tomada de declarações aos subscritores da cartas apresentadas como novos meios de prova, para que:

− confirmem ou infirmem o seu conteúdo e significado;

− expliquem as razões pelas quais decidiram incriminar logo na hora o requerente;

− quando e como combinaram entre eles que o fariam;

− como conseguiram conjugar logo as sua versões no interrogatório perante o juiz;

− se ameaçaram a co-arguida GG para que incriminasse o requerente e porquê?

− a razão pela qual decidiram escrever as cartas em causa;

− se o requerente ou alguém a seu mando os contactou para tal;

− Como obtiveram o endereço para o qual mandaram a carta;

− como se conjugaram para mandar as cartas no mesmo subscrito;

− como é que o requerente não participou nos crimes, quando na altura andavam todos sempre juntos em grupo.

Como se decidiu já, este Supremo Tribunal de Justiça pode (e deve se necessário) mandar proceder à realização de diligências que, dentro dos limites do pedido de revisão, ou das que aqueles possam impor.

3.

Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em ordem a remessa dos autos à 1.ª Instância para que sejam tomadas as declarações aos autores das cartas que fundam o presente pedido de revisão, nos termos já referidos, prestando depois e em conformidade o Senhor Juiz a informação a que alude o art. 453.º do CPP e não fora prestada, dado se ter então tido por inadmissível o presente recurso de revisão.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2009

Simas Santos (Relator)

Santos Carvalho

Carmona da Mota