Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2079/19.2T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURADORA
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
TOMADOR
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
VALIDADE
INTEGRAÇÃO DO NEGÓCIO
BOA -FÉ
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Os artigos 4º e 5 do D.L. 446/85 de 25.10 e artigo 18º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro impõem ao segurador os deveres de comunicação e informação ao tomador do seguro de todas as cláusulas contratuais, incluindo as condições gerais, em ordem a permitir a este uma compreensão adequada das condições do contrato antes de este se vincular.

II. Ao tomador do seguro incumbe alegar a omissão dos deveres de comunicação e informação pela seguradora e a não entrega de cópia das cláusulas contratuais, incumbindo à seguradora ré a prova de ter cumprido integral e devidamente tal obrigação.

III. Não provando a seguradora o cumprimento de tais deveres, com a consequência da exclusão das mesmas do contrato, nos termos do artº 8º, do DL 446/85, e não se pondo em causa a validade do mesmo, não sendo a situação dos autos reconduzível à nulidade prevista no artº 9º, nº 2, do DL nº 446/85, por não ocorrer uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé, subsiste o contrato de seguro, de acordo com o artº 9º, do mesmo diploma, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (arts 10º do mesmo diploma e º 236º a 239º do Código Civil).

IV. Face aos princípios gerais de boa fé e ao disposto no artº 239º do Código Civil, tal exclusão opera tão só relativamente aos segmentos das cláusulas contratuais que consubstanciam uma especialidade relativamente ao significado que um declaratário normal atribui às mesmas (artº 236º, nº1, do Código Civil).

V. Excluindo-se do contrato de seguro por falta de comunicação ao tomador a cláusula constante das condições gerais que definia a cobertura “Tempestades”, tal cobertura mantém-se com o sentido comum do termo tempestade.

VI. Para o declaratário normal a tempestade inclua a queda de neve em condições de abundância mesmo que não associada a ventos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. FLAVIARTE – INDÚSTRIA FLAVIENSE DE ARTEFACTOS DE CIMENTO, S.A., propôs a presente acção de condenação com processo comum contra AGE PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., formulando o seguinte pedido:

a) Ser a ré condenada a reconhecer que celebrou com a autora o contrato de seguro identificado no presente articulado;

b) Ser a ré condenada a reconhecer que o identificado contrato de seguro se encontrava plenamente válido e eficaz na data da ocorrência do sinistro;

c) Ser a ré condenada a reconhecer que no dia 28 de fevereiro de 2018 ocorreu no complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de Chaves, o sinistro descrito na presente peça processual em consequência de um fenómeno atmosférico adverso “tempestade” que se abateu sobre o concelho de Chaves;

d) Ser a ré condenada a reconhecer que o referido sinistro provocou os danos elencados nos artigos 19.º e 20.º da petição inicial, cujo prejuízo patrimonial ascendeu a € 739 949,05 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos);

e) Ser a ré condenada a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indeminização a quantia pecuniária de € 702.951,59 (setecentos e dois mil novecentos e cinquenta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), calculada de acordo com o vertido no artigo 43.º do presente articulado;

f) Ser a ré condenada a pagar à autora os juros moratórios vencidos e vincendos calculados sobre o capital em dívida até efetivo e integral pagamento;

g) Ser a ré condenada no pagamento de custas processuais e procuradoria condigna.


2. A fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que:

- Celebrou com a ré um contrato de seguro Multirriscos Empresas, titulado pela apólice que identifica, o qual teve por objeto os edifícios, escritórios e estaleiros fabris propriedade da autora, sitos em ... e em ..., e os bens móveis que compunham o recheio dos escritórios e estaleiros;

- Pagou atempadamente todos os prémios do seguro, pelo que o mesmo se encontrava válido e eficaz na data do sinistro em causa nos autos;

- No final do mês de fevereiro de 2018, ocorreu uma forte tempestade de neve, acompanhada de chuva, vento forte e temperaturas negativas, que assolou também o concelho de Chaves;

- No dia 28 de fevereiro de 2018, em consequência da referida tempestade de neve, a cobertura da nave/pavilhão dos estaleiros da autora, em ..., colapsou parcialmente;

- Parte dessa cobertura ruiu, caiu para o interior do pavilhão, onde se encontrava a máquina afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão, e provocou, ainda, o alagamento do interior do pavilhão;

- Em consequência do sinistro, a autora sofreu danos que descreve e quantifica;

- Participou o sinistro à ré, no próprio dia da ocorrência, forneceu toda a documentação solicitada, mas a ré declinou a sua responsabilidade.


3. Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual confirmou a celebração do contrato de seguro, mas alijou a sua responsabilidade, alegando que o sinistro não se enquadra nas garantias da apólice, porque entende que o evento que causou o sinistro não integra a cláusula “tempestades”, nos termos em que é definida pela apólice do contrato de seguro.

Impugnou também a factualidade alegada pela autora quanto aos danos e acrescentou que a considerar-se que o contrato de seguro garante o sinistro, deverá ter-se em consideração a cláusula de subseguro que consta desse contrato.


4. Foi proferido despacho saneador e fixado o objeto do litígio e os temas de prova.


5. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte Dispositivo:

Por tudo o exposto, na improcedência da matéria excecional alegada pela ré, julgo a presente ação parcialmente procedente, pelo que:

a) Condeno a a reconhecer que celebrou com a autora o contrato de seguro identificado na petição inicial.

b) Condeno a a reconhecer que o identificado contrato de seguro se encontrava plenamente válido e eficaz na data da ocorrência do sinistro.

c) Condeno a a reconhecer que no dia 28 de fevereiro de 2018 ocorreu no complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de Chaves, o sinistro descrito na petição inicial, em consequência de um fenómeno atmosférico adverso “tempestade” que se abateu sobre o concelho de Chaves.

d) Condeno a a reconhecer que o referido sinistro provocou danos à autora, cujo prejuízo patrimonial ascendeu a 363 378,90 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor;

e) Condeno a a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indeminização a quantia pecuniária de 345 209,96 (trezentos e quarenta e cinco mil e duzentos e nove euros e noventa e seis cêntimos), quantia sobre a qual acresce IVA à taxa legal em vigor na data do pagamento.

f) Condeno a a pagar à autora juros moratórios à taxa legal, calculados sobre o capital em dívida, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

g) Absolvo a do restante peticionado.

h) Custas a cargo da autora a da na proporção do decaimento.

i) Registe e notifique.”


6. Inconformada com o decidido, a R. apresentou recurso de apelação, conhecido pelo Tribunal da Relação, tendo havido impugnação da matéria de facto.

O objecto do recurso foi assim delimitado:

“Assim, as questões a decidir são:

1ª -       apurar da correção da fixação da matéria de facto provada e não provada e eventual modificação da mesma;

2ª - apurar se a recorrente cumpriu o dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais pela seguradora à autora;

3ª - apurar as consequências decorrentes da eventual violação do referido dever, nomeadamente sobre o contrato celebrado e extensão dos respetivos efeitos;

4ª - apurar se o evento ocorrido está coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes.

5ª- caso se conclua que à A. assiste o direito à indemnização dos danos sofridos, apurar se esta deve ou não incluir o valor do IVA.

6ª - apreciar a excepção de abuso de direito invocada pela R.”


O tribunal recorrido decidiu:

Pelo exposto, os Juízes desta ... Secção Cível da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente a apelação e, em consequência, alterando-se a sentença recorrida, absolve-se a R. dos pedidos mencionados das alíneas c), d) e) f) e h) do dispositivo da mesma.”


7. Não se conformando com o acórdão, veio apresentado recurso de revista pela A., no qual constam as seguintes conclusões (transcrição):

“I. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no qual, a final, acordaram os Venerandos Juízes Desembargadores da ... Secção Cível, em julgar procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida, absolvendo a Ré, aí recorrente, dos pedidos mencionados nas alíneas c) d) e f) e h) da mesma (os quais se dão aqui por reproduzidos, mas não se transcrevem por “brevitas causa”).

II. Cientes de que a revista é essencialmente um recurso destinado ao combate, unicamente do erro de direito, impõe-se aferir se no caso “sub iudice” a lei substantiva foi em concreto devidamente interpretada e aplicada pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do conteúdo vertido no Douto Acórdão recorrido.

III. Na essência do que se pretende ver discutido e colocado ao superior escrutínio por via da presente Revista estão essencialmente duas questões que nos parecem indissociáveis:

PRIMUS, tendo sido provado de que a Recorrente (seguradora) (aqui recorrida) não comunicou e explicou aos administradores da aqui recorrente (Autora-Flaviarte) as cláusulas e coberturas contratuais designadamente da cobertura complementar “Tempestades”, cabe verificar se o Douto Tribunal da Relação, neste seguimento aplicou validamente o direito no que tange às regras interpretativas previstas nos artigos 236º a 238º do Código Civil (teoria da impressão do destinatário), tal como dispõe o artigo 10.º do RJCCG (Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais - Dec. Lei 446/85, de 25 de outubro) e ainda as regras especiais previstas no RJCCG (Dec. Lei  446/85, de 25 de outubro), mais concretamente o artigo 11.º, n.º 2, devendo, na dúvida, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (princípio do in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem).

SEGUNDUS et ad ultimum, se o sinistro ocorrido nos autos principais, e discutido na apelação ora em Revista se enquadra, ou não, no âmbito dos riscos cobertos pelo contrato de seguro celebrado entre aqui recorrente e recorrida mormente na cláusula contratual “tempestades”.

IV. Assim, cumpre em primeiro lugar, sem descurar a delimitação da presente revista e os respectivos fundamentos, abordar a questão nuclear de todo o processo, e a única de fundo que foi decidida pela Relação, que é a de saber se o sinistro ocorrido, tal como descrito nos factos provados, se integra, ou não, na cobertura “Tempestades”, tendo a este propósito o Tribunal da Relação considerado que o fenómeno atmosférico ocorrido, pese embora pouco frequente e adverso, não pode ser classificado como tempestade, pois não se provou a ocorrência de vento forte tendo os seus efeitos destrutivos resultado das baixas temperaturas que causaram a congelação da neve e da chuva, e não da ação do vento que considera como elemento denominador do conceito tempestade, alicerçando tal entendimento nas definições que verte no Douto Acórdão recorrido.

V. Ora, com o mais elevado respeito que é muito, entendemos que em nenhuma das definições de que se socorrera a Douta Relação se menciona objetivamente que o conceito de tempestade compreende forçosamente a correlação ventos fortes associados a outro fenómeno climatérico, sendo certo que em lugar algum inferimos que, para se considerar a existência de uma tempestade, tem de haver sempre vento forte.

VI. Na ótica da ora recorrente, para se definir uma Tempestade os ventos fortes não têm de andar de “mão dada”, nem com chuvas, nem com trovoada, nem com neve ou granizo, uma tempestade mais não é do que qualquer um destes fenómenos atmosféricos, individual e isoladamente considerados, ou não, até conjuntamente, que se manifestem de forma desmesurada, abrupta, intensa, imprevisível e em grandes quantidades na sequência de uma agitação atmosférica associada, não podendo o vento ser o elemento, que por si só defina o conceito de tempestade, razão pela qual, se entende que errou a Douta Relação ao considerar que a ocorrência de ventos fortes é um dos elementos essenciais para que se possa afirmar a ocorrência de uma tempestade.

VIII. Abordado que está o conceito de tempestade e cientes que a índole da presente revista é apenas sindicar questões de direito, impõe-se aferir se face à matéria fáctica dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância e que foi corroborada pelo próprio Tribunal da Relação (com exceção da matéria factual constante no ponto 32.) o risco decorrente do sinistro ocorrido se encontra coberto pelo contrato de seguro, mormente pela cobertura complementar “Tempestades”, não descorando para o efeito a aplicabilidade das regras interpretativas previstas nos artigos 236º a 238º do Código Civil (teoria da impressão do destinatário), tal como dispõe o artigo 10.º do RJCCG (Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais - Dec. Lei 446/85, de 25 de outubro) e ainda as regras especiais previstas no RJCCG (Dec. Lei 446/85, de 25 de outubro), mais concretamente o artigo 11.º, n.º 2, devendo, na dúvida, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (princípio do in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem).

IX. Nesse sentido, pese embora a recorrente acompanhe o entendimento do Tribunal da Relação no que concerne à aplicabilidade ao contrato de seguro dos presentes autos, enquanto contrato de adesão, do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro e bem assim das regras interpretativas previstas nos artigos 236º a 238º do Código Civil (teoria da impressão do destinatário), entendemos salvo o devido respeito, que incorre o Douto Acórdão recorrido em manifesto erro na aplicação do direito, decidindo em manifesto erro júris, porquanto desconsidera as regras especiais previstas no citado RJCCG, regras essas, aplicáveis aos contratos de adesão e por inerência ao contrato de seguro identificado nos presentes autos.

X. Com efeito, o Tribunal da Relação não observou no caso “sub iudice” e desconsiderou a aplicação do preceituado nos Artigos 10.º e 11.º n.º 1 e 2 do Regime Jurídico da Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), preceitos legais, dos quais se infere que deve, na dúvida, prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (princípio do in dubio contra proferentem ou contra stipulatorem).

XI. Assim, como resultado final da interpretação deve sempre prevalecer o sentido objetivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, sendo que o sentido objetivo do ponto de vista do declaratário concreto, neste caso da Recorrente, resulta da leitura do único facto provado alterado pelo Douto Tribunal da Relação-Vide ponto 32. na sua nova redação “Os administradores da R. celebraram o contrato de seguro referido em 3. convictos de que a cobertura “Tempestades”, abrangia também temporais de neve e gelo ( granizo).”

XII. ORA, conceito de tempestade, conforme já mencionado, e nunca é demais recordar, são todos os fenómenos atmosféricos, individual e isoladamente considerados, ou não, até conjuntamente, que se manifestem de forma desmesurada, abrupta, intensa, imprevisível e em grandes quantidades na sequência de uma perturbação atmosférica associada, onde se deverá incluir o sinistro dos presentes autos autos e deveria ter sido neste sentido a interpretação do Douto Tribunal da Relação de Guimarães, seguindo a interpretação da Douta Sentença proferida em Primeira Instância.

XIII. A este propósito, como refere Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2008, págs. 36 e 37)

-“a interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais é sujeita a regras especiais, desfavoráveis a quem as predispõe, já que embora lhes sejam aplicáveis as regras gerais relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, a lei determina que a sua interpretação e integração tem de ocorrer no contexto de cada contrato singular em que se incluam (…), o qual pode alterar o objectivo de quem procedeu à sua preparação.

-Por outro lado, para a interpretação das cláusulas contratuais gerais é irrelevante a intenção do seu predisponente, já que o seu conteúdo é determinado com base no critério do contraente indeterminado que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real (…)”.

-Prevalece, assim, na interpretação, a realização de uma justiça individualizadora face ao dever de observar o contexto de cada contrato singular, ali se incluindo as circunstâncias da sua celebração.

Em situações de ambiguidade, as cláusulas gerais têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.

E, na dúvida, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente (citado art.º 11º).”

XIV. Acresce que, sendo controvertido esse sentido – como se vê com a divergência entre as instâncias, relativamente a este concreto contrato de seguro, mais concretamente quanto à interpretação a ser dada ao conceito de Tempestade –, sempre deveria o Douto Tribunal da Relação ter recorrido ao disposto no artigo 11.º n.º 2 do RJCCG e chegar à regra de que “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente”.

In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça-processo 898/19.9T8PTL.G1.S1 7.ª SECÇÃO, datado de 31-03-2022.

XV. Em suma, na dúvida, deveria o Douto Tribunal da Relação ter concluído como o fez a Primeira Instância de que o sinistro dos presentes autos se enquadrava no âmbito dos riscos cobertos pela apólice (atendendo à situação atípica e imprevisível do sinistro dos autos-neve com congelação) na cobertura Tempestade e assim e por conseguinte deveria ter mantido a douta decisão recorrida, por aplicação da (regra especial) contida no Artigo 11.º n.º 2 do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, o que concretamente se requer, e assim caberá a este Egrégio Supremo Tribunal de Justiça alterar o Douto Acórdão Recorrido substituindo-o por outro nos concretos termos requeridos.”


8. Foram apresentadas contra-alegações onde não constam conclusões, mas se defende a improcedência do recurso.

A recorrida também pretende que o Tribunal conheça de uma questão, que vem assim expressa[1]:

Sem prescindir, por mera cautela e para a hipótese de revogação da decisão recorrida acrescenta-se o seguinte:

Sendo o seguro dos autos um seguro de danos, “a prestação devida pelo segurador est limitada ao dano decorrente do sinistro” (artigo 128º do RJCS).

O artigo 19º, nº 1 do CIVA determina que para apuramento do imposto devido os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços de outros sujeitos passivos.

Por isso, sendo a recorrente sujeito passivo do IVA e sendo-lhe possível deduzir esse imposto não suporta qualquer dano a esse título. Na verdade, o IVA só constitui um prejuízo para efeito indemnização nos casos em que o lesado seja consumidor final, o verdadeiro contribuinte de facto desse imposto “é o consumidor final quem suporta o tributo (contribuinte de facto)”

E, de facto, dado que a recorrente tem por objeto a venda e distribuição de artefactos de betão afetos ao sector civil, pode deduzir o IVA que paga nas suas operações (incluindo o que terá d despender com a reconstrução do imóvel e dos demais bens seguros), pelo que não terá de suporta qualquer prejuízo decorrente do pagamento desse imposto cujo valor não constitui um dano que tenha de suportar.

Nesse pressuposto, e caso venha a ser julgado que a recorrida tem a obrigação de pagar à recorrente o prejuízo decorrente do virtual sinistro, deve ser excluído o pagamento de qualquer valor reclamado a título de IVA por não constituir um prejuízo para a autora e, como tal, um dano indemnizável por via do contrato de seguro.”


II. Fundamentação

De Facto

9. Factos Provados na 1ª e 2ª instâncias (Tribunal da Relação apenas alterou o facto 32):

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico, venda e distribuição de artefactos de betão, afetos ao sector da construção civil.

2. É proprietária de dois estaleiros fabris, sitos no Lugar de ..., concelho de Chaves e no Lugar ..., concelho de Vila Real, nos quais se encontram instalados escritórios e as suas linhas de produção e/ou fabrico.

3. Autora e ré celebraram um contrato de seguro denominado de “Multirriscos Empresas”, com a apólice n.º ...58, com produção de efeitos a partir do dia 08 de novembro de 2012, com duração de um ano e renovação automática por iguais e sucessivos períodos de um ano, na ausência de oposição à sua renovação.

4. Conforme resulta do clausulado nas denominadas condições particulares, documento intitulado de “Dados da Apólice”, o capital da apólice ascendia a € ...81, ...5 (três milhões duzentos e quatro mil e duzentos e oitenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), tendo como objeto do seguro:

a) Os edifícios, ou seja, escritórios e estaleiros fabris, propriedade da autora, sitos na localidade de ..., concelho de Chaves, e na localidade do ..., concelho de Vila Real;

b) Os bens móveis, que compunham o recheio dos escritórios e dos estaleiros fabris identificados na alínea anterior.

5. O contrato de seguro, tinha as seguintes coberturas e/ou garantias:

Edifício:

COBERTURA/GARANTIA CAPITAL

Cobertura Base 896.633,12 €

Atos de Vandalismo, Maliciosos ou de Sabotagem 896.633,12€

Danos Estéticos 2.500,00€

Danos por Água 896.633,12€

Derrame de Sistemas de H.P.C.I. 896.633,12€

Furto ou Roubo 896.633,12€

Greves, Tumultos e Alteração Ordem Pública 896.633,12€

Perda de Rendas 20.000,00€

Pesquisa de Avarias 5.000,00€

Quebra de Vidros e Pedras Ornamentais 2.000,00€

Quebra ou Queda de Antenas 2.000,00€

Quebra ou Queda de Anúncios e Letreiros Luminosos 2.000,00€

Quebra ou Queda de Painéis solares 2.500,00€

Riscos Elétricos 44.831,65€

RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante 126.262,50€

Inundações 896.633,12€

Tempestades 896.633,12€

Recheio:

COBERTURA/GARANTIA CAPITAL

Cobertura Base 2.036.534,75€

Atos de Vandalismo, Maliciosos ou de Sabotagem 2.036.534,75€

Danos em Bens de Empregados 3.151,88€

Danos em Bens do Senhorio 2.500,00€

Danos por Água 2.036.534,75€

Derrame de Sistemas de H.P.C.I. 2.036.534,75€

Desenhos e Documentos 7.500,00€

Deterioração do Imóvel 2.500,00€

Furto ou Roubo 2.036.534,75€

Greves, Tumultos e Alteração Ordem Pública 2.036.534,75€

Privação do Uso do Local Arrendado ou Ocupado 35.000,00€

Resp. Civil Administradores /D&O) 52.531,25€

Resp. Civil por Poluição Acidental 105.062,50€

Responsabilidade Civil Exploração 150.000,00€

Riscos Elétricos 56.570,41€

Transporte de Valores 7.500,00€

RC Proprietário, Inquilino ou Ocupante 131.328,12€

Avaria de Máquinas 169.711,23€

Inundações 2.036.534,75€

Tempestades 2.036.534,75 €.

6. A autora, através da celebração do aludido contrato de seguro, transferiu para a titularidade da ré a título oneroso, mediante o pagamento do respetivo prémio, o risco e bem assim a responsabilidade de reparar os danos e/ou prejuízos patrimoniais sofridos pela autora nos edifícios (escritórios e estaleiros fabris) e respetivo recheio ocasionados por algum dos eventos elencados no artigo 5º da petição inicial.

7. Ficou a ré adstrita e obrigada a garantir o ressarcimento dos prejuízos causados à autora, resultantes daqueles eventos, até ao capital máximo assegurado constante para cada uma das coberturas e/ou garantias especificadas.

8. A autora pagou de forma pontual e cabal todos os prémios de seguro, encontrando-se o contrato de seguro inteiramente válido e eficaz aquando da ocorrência do sinistro.

9. Nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2018 verificou-se no Distrito de Vila Real uma forte queda de neve, acompanhada de chuva e temperaturas negativas.

10. Nesses dias nevou com intensidade e durante horas consecutivas no concelho de Chaves, fenómeno atmosférico pouco frequente em Portugal.

11. A queda de neve ocorrida nos diais 27 e 28 de fevereiro de 2018, foi considerada como o maior nevão da última década, pelos diversos meios de comunicação nacionais, com divulgação e registo dos danos causados em várias localidades do nordeste transmontano.

12. A neve acumulada, bem como a chuva que caiu naqueles dias, transformou-se em gelo, ficando as estruturas dos edifícios, mormente as coberturas, sujeitas e expostas a um peso excessivo, provocando o colapso e/ou derrocada de coberturas de edifícios, bem como a queda de árvores e postes elétricos.

13. No dia 28 de fevereiro, em consequência de tal queda de neve e do fenómeno natural de “chuva com congelação” que também assolou de forma significativa o concelho de Chaves, a cobertura da nave/pavilhão dos estaleiros fabris da autora, com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, sita em ..., concelho de Chaves, não suportou o excessivo peso provocado pela neve e gelo acumulado e colapsou e/ou ruiu parcialmente.

14. Parte dessa cobertura, com uma área de 2.500,00 metros quadrados ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão fabril, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão.

15. Tal derrocada provocou ainda o alagamento do interior do pavilhão, em consequência da neve e gelo que se encontrava acumulado na sua cobertura.

16. Em consequência da situação descrita, o complexo industrial da autora, sito em ..., concelho de Chaves, sofreu os seguintes danos:

a) Toda a cobertura de uma das naves/pavilhão com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, a mais extensa do complexo industrial, ficou danificada;

b) Parte dessa cobertura ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão;

c) A derrocada da cobertura foi parcial, em cerca de 2.500,00 metros quadrados, tendo a restante área da cobertura ficado com danos comprometedores ao nível da estabilidade e segurança;

d) As estruturas de apoio da cobertura ficaram também danificadas, mormente a treliça, os pilares de apoio e/ou sustentação da treliça e o sistema de escoamento das águas pluviais.

17. Ainda em consequência do sinistro ocorrido, vários equipamentos que se encontravam no interior do estaleiro fabril ficaram também danificados, de entre os quais:

a) Sistema de videovigilância, com danificação de câmara e lente varifocal.

b) Danificação dos cabos de alimentação das máquinas e calhas elétricas.

18. Tais equipamentos ficaram danificados não só pela queda da cobertura (estrutura metálica) mas também pela neve, gelo e água que penetrou e alagou o interior do pavilhão fabril.

19. As máquinas que se encontravam instaladas no interior do pavilhão ficaram completamente desprotegidas, à mercê das intempéries que também se verificaram nos dias posteriores.

20. Tais danos, identificados nos precedentes artigos, importam um prejuízo patrimonial para a autora de, pelo menos, € 363 378,90 (trezentos e sessenta e três mil e trezentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), sem IVA, assim discriminado:

a) € 346 950,00 (trezentos e quarenta e seis mil e novecentos e cinquenta euros) para substituição da cobertura da nave/pavilhão, tendo em consideração a inviabilidade e impossibilidade da sua reparação face aos danos registados nas suas estruturas de betão e metálica;

b) € 1 271,10 (mil duzentos e setenta e um euros e dez cêntimos) para reparação do sistema de videovigilância;

c) € 10 215,80 (dez mil duzentos e quinze euros e oitenta cêntimos) para reposição de cabos elétricos;

d) € 4 942,00 (quatro mil novecentos e quarenta e dois euros) para reparação de calhas elétricas.

21. O sinistro ocorrido no dia 28 de fevereiro de 2018, foi pontual e cabalmente comunicado à ré.

22. No próprio dia da ocorrência do sinistro deslocou-se ao local um mediador de seguros da ré responsável pelo balcão da AGEAS de ....

23. Só após decorrerem doze dias da data da ocorrência do sinistro a ré fez deslocar ao local um perito para elaborar relatório de peritagem, avaliar a causa do sinistro e identificar os danos causados.

24. O perito que se deslocou ao local, comunicou à administração da autora e aos seus funcionários que se encontravam a realizar trabalhos de limpeza, para não mexerem na estrutura metálica que ruiu, sem antes se deslocar ao local um outro perito.

25. A ré solicitou à autora diversa documentação, mormente orçamentos de reparação e/ou substituição da cobertura da nave/pavilhão, orçamentos para reparação e/ou substituição dos equipamentos danificados e ainda cadernetas prediais dos prédios rústicos que compõem o complexo industrial da autora.

26. No seguimento de tal pedido, a autora remeteu à ré toda a documentação e informação que lhe foi solicitada.

27. Decorridos aproximadamente quatro meses desde a data do sinistro, face à ausência de comunicação de decisão, a autora endereçou à ré carta registada subscrita pelo seu mandatário judicial, através da qual solicitou a conclusão da análise da participação efetivada pela autora e a inerente comunicação decisória concludente à resolução da referida situação.

28. A autora, por carta datada de 28 de junho de 2018, solicitou à ré, uma resolução urgente da participação que lhe foi apresentada.

29. Por carta datada de 20 de julho de 2018, a ré comunicou à autora que de acordo com o relatório pericial, a cobertura colapsou devido ao peso da neve, reconhecendo a existência de danos nessa mesma cobertura e na maquinaria instalada no interior do pavilhão.

30. Contudo, comunicou ainda que o sinistro não possuía enquadramento na cobertura “Tempestades e/ou Inundações” ou em qualquer outra da apólice subscrita, de acordo com o clausulado nas condições gerais do contrato de seguro.

31. Entende a ré que tais danos “não encontram amparo nas aludidas coberturas, nomeadamente a cobertura Tempestades garante prejuízos causados pela ação de ventos fortes e não pela ação da neve avolumada sobre a cobertura das edificações (…), declinando assim toda e qualquer responsabilidade no sinistro ocorrido, suas despesas e consequências.

32. Os administradores da R. celebraram o contrato de seguro referido em 3. convictos de que a cobertura “tempestades”, abrangia também temporais de neve e gelo (granizo) – conforme alterado pelo TR

33. A ré em momento algum comunicou e/ou explicou aos administradores da autora, qual o verdadeiro sentido que pretendia dar ao termo “Tempestade”, assim como não lhes comunicou que aquela cobertura e/ou garantia apenas era suscetível de ressarcir os danos ocasionados por tufões, ciclones, tornados ou ventos fortes, não abrangendo as tempestades de neve e gelo.

34. No dia 08/11/2012, junto do mediador de seguros da ré, a CM – Sociedade de Mediação de Seguros, Lda., a autora subscreveu uma proposta escrita para celebração de um contrato de seguro multirrisco.

35. Nessa proposta, a autora fez constar o seguinte:

- Local do risco: EN ..., ..., Chaves e Lugar ..., Vila Real;

- Objeto e valor a segurar: Edifício/parte do edifício/benfeitorias: € 890.000,00 (valor da reconstrução);

- Coberturas complementares e valores a segurar: Tempestades - Edifício: € 890.000,00 / Recheio: € 1.800.000,00.

36. O legal representante da autora assinou essa proposta de seguro nessa mesma qualidade.

37. Nessa proposta contratual, o legal representante da autora declarou o seguinte:

“Tomei conhecimento das condições do contrato de seguro e foram-me prestados todos os esclarecimentos necessários e legalmente exigíveis”.

38. A ré aceitou aquela proposta de seguro, com efeitos a partir de 08/11/2012, ficando o contrato de seguro titulado pela apólice nº ...58.

39. A cobertura complementar 002 “Tempestades”, de acordo com as condições gerais do contrato, garante ao segurado o pagamento de uma indemnização por danos causados aos bens seguros em consequência direta de:

a) tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes, bem como o choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros; em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade excecional — velocidade superior a 100 km/hora;

b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:

- que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;

- que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou destruição parcial do edifício”.

40. À data do sinistro, os capitais em vigor para a cobertura complementar “Tempestades” eram de € 887.667,68 para o edifício, e de € 1.938403,13 para o recheio.

41. Esta cobertura ficou sujeita a uma franquia de 5% do valor da indemnização, com o mínimo de € 250,00.

42. A autora nunca solicitou à ré nem ao seu mediador qualquer informação, esclarecimento ou explicação sobre as cláusulas do contrato de seguro, designadamente, sobre a cláusula complementar “Tempestades”.

43. Os legais representantes da autora são letrados, sabem ler e escrever.

44. São empresários e sócios gerentes de várias empresas de sucesso há mais de 20 anos, a Flaviarte ..., a Flaviarte ..., a B... e a T... de Chaves, e no exercício dessa sua atividade de gerentes e empresários fazem múltiplos negócios e celebram contratos de elevados montantes.

45. A autora foi fundada em 1976, e tem um historial empresarial de sucesso, como ela própria publicita, sendo que a esse sucesso não pode ser alheio as capacidades intelectuais e conhecimentos dos seus gestores.

46. A cláusula complementar 002 “Tempestades” não tem conteúdo técnico, e está redigida em linguagem simples e facilmente entendida por qualquer cidadão comum.

47. Os orçamentos apresentados na petição inicial relativos aos equipamentos danificados, incluem melhorias e adição de novas características aos mesmos, que vão além da mera reposição do seu estado anterior ao sinistro.

48. Consta das condições gerais do contrato de seguro celebrado entre autora e ré que “se o capital seguro pelo presente contrato, na data do sinistro, for inferior ao valor dos bens ou interesses seguros”, a ré só responde pelo dano na respetiva proporção, respondendo o segurado pela restante parte dos prejuízos (artigo 61º das Condições Gerais).

49. O objeto imóvel seguro era composto por várias naves/pavilhões industriais, com a área total de 11.000 m2.

50. À data do sinistro essas instalações tinham o valor de e 2.750.000,00, sendo certo que o capital de seguro em vigor nessa mesma data para a cobertura complementar “Tempestades” e para esse edifício, era de apenas € 887.667,68.

51. Os salvados foram avaliados em € 3.000,00, e ficaram em posse da autora.


10. Factos não provados nas instâncias:

a) A queda de neve e chuva foi acompanhada de vento forte.

b) A produção de blocos e vigas de betão representa mais de 50% da produção da empresa.

c) Ocorreram ainda danos na estrutura da nave e/ou pavilhão confinante, afeta ao fabrico de pré-esforço.

d) Ainda em consequência do sinistro ocorrido, ficaram também danificados:

- Linha de produção de blocos de betão da marca “Balbinot” modelo “1750”, com danificação do seu software e equipamento hidráulico e elétrico do respetivo automatismo;

- Centrais de betão instaladas no sector de fabrico de blocos de betão, com danificação das sondas de humidade;

- Duas pontes rolantes instaladas no sector de fabrico de vigas de betão, com danificação dos rádios comandos, variador, “software” elétrico e sistema de alimentação elétrica em toda a extensão (170 metros) de ambas as pontes rolantes;

- Placa de servidor do sistema de videovigilância.

e) Os danos sofridos em consequência do sinistro, importam um prejuízo patrimonial para a autora de € 739 949,05 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos), quantia pecuniária na qual já se encontra refletido o respetivo I.V.A., conforme infra se discrimina:

- € 516 477,00 (quinhentos e dezasseis mil quatrocentos e setenta e sete euros) para substituição da cobertura da nave/pavilhão, tendo em consideração a inviabilidade e impossibilidade da sua reparação face aos danos registados nas suas estruturas de betão e metálica;

- € 184 500,00 (cento e oitenta e quatro mil e quinhentos euros) para substituição e montagem de parte da linha de produção de blocos de betão, face à impossibilidade de reparação da linha existente, considerando que a marca e modelo da linha que se encontrava instalada e respetivas peças deixaram de ser fabricadas, inexistindo oferta no mercado;

- € 7 250,00 (sete mil duzentos e cinquenta euros) para reparação das sondas de humidade nas centrais de betão instaladas no sector de fabrico de blocos de betão;

- € 9 977,62 (nove mil novecentos e setenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos) para reparação das pontes rolantes instaladas no setor de fabrico de vigas de betão;

- € 3 793, 32 (três mil setecentos e noventa e três euros e trinta e dois cêntimos) para reparação do sistema de videovigilância:

- € 17 951,11 (dezassete mil novecentos e cinquenta e um euros e onze cêntimos) para reparação dos cabos de alimentação das máquinas de produção pré-esforço.

f) Antes de a autora subscrever a proposta do seguro foram-lhe entregues as respetivas condições gerais.

g) E a autora foi também devidamente informada e esclarecida do teor das coberturas que pretendia subscrever junto da ré, nomeadamente, as coberturas complementares.

h) A autora foi informada e esclarecida das condições contratuais.


De Direito

11. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

No presente recurso esse objecto consiste em saber se o sinistro ocorrido se enquadra no âmbito dos riscos cobertos pelo contrato de seguro celebrado, relativo a um seguro denominado “Multirisco Empresas”.


12. A seguradora sustentou (na apelação) que o evento que causou o sinistro não estaria coberto pela cláusula contratual “Tempestades” tal como está definida nas condições gerais do contrato, pois de acordo com tal definição     tal cláusula     apenas contempla o risco associado à ocorrência de tufões, tornados, ciclones e ventos fortes e no caso concreto a queda parcial da cobertura da nave/ pavilhão ficou a dever-se exclusivamente à acumulação de neve e gelo, por isso, o contrato de seguro não garante o ressarcimento dos danos pela A.

12.1. Esta posição não convenceu o Tribunal da Relação, que seguiu o mesmo entendimento firmado na sentença, na parte em que se considerou a referida clausula contratual excluída do concreto contrato de seguro celebrado.

Mas a posição do Tribunal da Relação já divergiu da sentença sobre o sentido de tempestade para efeito do contrato, a partir do sentido comum da palavra.

O Tribunal da Relação adoptou o seguinte raciocínio:

- o seguro em causa integrar-se-ia nos seguros facultativos, cabendo na autonomia das partes a definição do âmbito de cobertura, ressalvadas as normas imperativas aplicáveis;

- as diversas coberturas e respectivos capitais constam das condições particulares da apólice, sendo nestas referido que o contrato de seguro é constituído pelas condições particulares e pelas condições gerais e especiais anexas, bem como demais documentação que lhe serviu de base;

- o contrato de seguro dos autos é um contrato de adesão;

- por força do regime das CCG a “real integração dessas cláusulas nos contratos singulares pressupõe que o proponente cumpra os deveres de comunicação e de informação previstos nos arts 5º e 6º do RGCCG”;

- há ainda um dever de comunicação das cláusulas, que tem de ser realizado de adequado e com a antecedência necessária para que tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade do clausulado, se torne possível o seu completo e efectivo conhecimento pelo aderente que use de comum diligência;

- o dever de comunicação deve ser observado na fase de negociação ou pré-contratual, pois visa possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-lhe, para esse efeito, também a ele, um comportamento diligente;

- há ainda um dever de informar de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (nº1), bem como de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados;

- o dever de informação está expressamente previsto no art. 18º do RJCS que preceitua: “Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente: (…) b) Do âmbito do risco que se propõe cobrir; c) Das exclusões e limitações de cobertura; (…);

- Nos contratos de seguro concluídos com intervenção de mediador de seguros acrescem, nos termos do artº 29º do RJCS, os deveres de informação específicos estabelecidos no regime jurídico de acesso e de exercício da atividade de mediação de seguros;

- Tais informações “devem ser prestadas em papel ou qualquer outro suporte duradouro acessível ao cliente, de forma clara, exata e compreensível e em língua portuguesa no caso de se tratar de cliente residente habitualmente em Portugal, ou, sendo pessoa coletiva, no caso de o estabelecimento a que o contrato respeita estar situado em Portugal, exceto se as partes convencionarem outra língua para a prestação das informações-(artº 33º, nº1, do RJMS). Se o cliente o solicitar ou quando seja necessária uma cobertura imediata as informações podem ser prestadas oralmente devendo, no entanto, ser fornecidas em papel ou outro suporte duradouro, imediatamente após à celebração do contrato de seguro – nº3 do mesmo preceito legal (artº 33º, nº3, do RJMSA);

-  a apólice deve ser entregue ao tomador do seguro aquando da celebração do contrato ou ser-lhe enviada no prazo de 14 dias nos seguros de riscos de massa, salvo se houver motivo justificado, ou no prazo que seja acordado nos seguros de grandes riscos.”;

- quer por via das normas dos arts 5º e 6º do RJCCG, quer por via das normas que disciplinam o contrato de seguro, a R. seguradora estava obrigada    a comunicar à A. a apólice completa do contrato de seguro, incluindo as condições gerais do contrato;

- “o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”;

- não tendo a R. cumprido o dever de comunicação imposto pelo art. 5º, o art. 8º, al. a) sanciona a não comunicação adequada e efectiva com a exclusão da cláusula do contrato, tal como foi decidido na sentença recorrida;

- o contrato de seguro, de acordo com o artº 9º do DL 446/85 subsiste, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (arts 10º do mesmo diploma e º 236º a 239º do Código Civil)

 - mas tal cobertura mantém-se, pois consta na proposta contratual aceite pela R. e nas condições particulares da apólice, com o sentido que um declaratário normal atribuiria ao termo “tempestades” aí utilizado em singelo.

- estando abarcado o fenómeno tempestade, importa definir o seu sentido – art.º 236.º e ss do CC.


12.2. Em síntese:

i) As instâncias estão de acordo com a exclusão da cláusula relativa à “Cobertura 002 – TEMPESTADES” do concreto contrato de seguro celebrado entre as partes, onde se estipulava:

“1. o Segurador, nos termos desta cobertura, garante ao Segurado o pagamento de uma indemnização por danos causados aos bens seguros em consequência direta de:

a) tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes, bem como o choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, desde que a sua violência destrua ou danifique instalações, objetos ou árvores num raio de 5 km, tendo como centro a localização dos bens seguros; em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, mediante documento da estação meteorológica mais próxima, que, no momento do sinistro, os ventos atingiram intensidade excecional — velocidade superior a 100 km/hora;

b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que se verifiquem conjuntamente as seguintes condições:

— que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos referidos na alínea anterior;

— que os danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento em que ocorreu a danificação ou destruição parcial do edifício.”


ii) As instâncias têm um entendimento diverso sobre o que deve considerar-se- “tempestade”, nos termos dos art.º 236.º e ss do CC:

- o Tribunal da Relação entende que as quedas de neve por si só não integram o conceito de tempestade, se não estiverem acompanhadas de ventos fortes. Socorre-se das noções comuns (Para a generalidade das pessoas uma tempestade é uma agitação atmosférica violenta que            surge   com vento forte e chuva intensa, por vezes, sob a forma de granizo ou neve, com trovão e relâmpagos, e que pode ter efeitos destrutivos), e das constantes dos dicionários (“Dicionário Priberam da Língua Portuguesa online define tempestade como agitação violenta do ar acompanhada geralmente de chuva e trovões. Semelhante definição encontramos no Dicionário Pático Ilustrado Lello segundo o qual Tempestade é uma violenta perturbação da atmosfera, acompanhada geralmente de chuva relâmpagos, trovões, etc, A Enciclopédia Verbo, Edição Século XXI, indica temporal como sinónimo de tempestade e diz-nos que é uma perturbação do estado da atmosfera implicando condições meteorológicas fortemente destrutivas que fazem perigar as vidas, bens e haveres em terra, mar e no mar. E descreve tempestade de neve como vento forte e turbulento, que transporta partículas de neve levantadas do solo, tão finas e em quantidades tais que dão a aparência de nevoeiro. A sua formação depende da velocidade do vento, da turbulência do ar e do estado e idade da neve que cobre o solo. Na região da antárctida têm-se observado tempestades de neve com velocidades do vento entre 110 e 160 Km/h, mas considera-se      que, para velocidades do vento superiores a 50Km/h e temperaturas inferiores a – 20ºC este fenómeno pode observar-se.”) para sustentar a sua posição e ainda na aproximação entre a linguagem comum e a linguagem técnica neste particular, onde identifica haver muita precisão (“E o conceito científico/meteorológico elementar pouco difere do sentido corrente ou comum. Segundo o do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, https://www.google.com/search?q=IPMA++o+que+caracteriza+uma+tempestade+ou+temporal Uma tempestade ou um temporal são acontecimentos meteorológicos de grau severo ou adverso. São marcados por ventos fortes e com rajadas muito fortes, trovoadas e precipitação forte (geralmente de chuva, ou granizo ou de neve, recebendo neste último caso o nome de nevão). Na verdade, atenta a divulgação diária nos meios de comunicação social das informações meteorológicas, o sentido comum dos fenómenos atmosféricos ligados ao estado do tempo aproxima-se    cada vez mais dos conceitos científicos. Mas, na linguagem comum um nevão é entendido como  queda abundante de neve que            se acumula no solo ainda que não seja acompanhada de ventos fortes.”); o que em conclusão significaria “Assim sendo, cremos, que a ocorrência de ventos fortes é um dos elementos essenciais para que se afirmar a ocorrência de uma tempestade. Se chover ou nevar intensamente, mas a precipitação não for acompanhada de vento forte, não estamos perante     uma    tempestade     ou temporal na acepção      comum do termo para a generalidade das pessoas, ainda que possam ter lugar fenómenos destrutivos, como deslizamentos de terras e cheias.Por conseguinte, um declaratário medianamente diligente e sagaz colocado na situação dos legais representantes da A., desconhecendo teor da cláusula contratual, entenderia que ficava coberto pelo seguro qualquer tempestade / temporal de chuva, granizo ou neve com o sentido corrente que vimos expondo.”

Para melhor fundamentar a sua opção o Tribunal socorre-se igualmente da jurisprudência onde encontra respaldo em dois arestos que cita (E a verificação de ventos fortes e chuva intensa, com efeitos destrutivos na natureza e nas construções, tem sido o critério jurisprudencial seguido para aferir da ocorrência de uma tempestade, nomeadamente em sede de interpretação de cláusulas de contratos de seguro multiriscos com tal cobertura. Vejam-se, entre outros, o Ac. do STJ de 26-01-2021, Proc. 296/19.4YRPRT.S1 (Relatora Maria Clara Sottomayor relatora) in dgsi.pt, no qual se decidiu: Enquadra-se na cobertura “Tempestade” de um contrato de seguro multirriscos habitação, o sinistro que, segundo os factos provados, consistiu em ventos fortes e chuvas torrenciais, que provocaram levantamento de telhas do telhado da habitação, entrada de água no interior da mesma, e danificação de tetos, paredes, portas e estores elétricos, tendo-se verificado nas proximidades inundações e quedas de árvores, bem como tendo o vento arrancado um pinheiro existente no terreno vizinho do reclamante.” E o Ac. do STJ de 14-12-1988, Proc. 076501 (Relator Gama Prazeres), com o seguinte sumário, disponível in dgsi.pt : I - Dado que o contrato de seguro e um contrato de adesão, em que o segundo aceita sem discutir o modelo oferecido, apesar de na maioria dos casos não chegar a tomar conhecimento efectivo das inúmeras condições gerais, sobretudo com o sentido que o declarante diz ter-lhe infundido, o que impede que essas declarações valham nos termos do n. 2 do artigo 236 do Código Civil. II - Assim, há que procurar determinar qual o sentido juridicamente relevante dessa declaração, em conformidade com critérios legais, designadamente do n. 1 do artigo 236 do Código Civil doutrina da compressão do declaratário expresso na apólice que titula o seguro. III - Deste modo, prevalecera o sentido que um declaratário razoável, mediamente instruído diligente e sagaz colocado na posição do real declaratario, deduziria considerando todas as circunstancias atendíveis do caso concreto. IV - Assim, as expressões "temporal" e "tempestade", no sentido concreto em que devem ser entendidas, designam chuva e vento anormais, agitação violenta de ar, acompanhado de chuva e trovões, ora na noite dos autos desabou sobre o gorgulhão bastante chuva e rajadas de vento, e em consequência dessa anormalidade e que ocorreram os desabamentos e os danos pedidos. Houve, assim chuva que se precipitou de forma anormal, aliada a ventos fora dos cânones da habitualidade ou seja aconteceu "tempestade"), dando conta da existência de jurisprudência em sentido diverso (“Não se ignora também o decidido pelo STJ no já citado acórdão de 11-04-2000( Relator Lopes Pinto)in CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, p.152 a 158, e no acórdão de 26-11-2002( Relator Ponce Leão) proc. 02A3560, disponível in www.dgsi.pt, nos quais apreciando dois casos com algumas semelhanças ao aqui em apreço, e entendendo igualmente não ser aplicável a cláusula contratual que definia a cobertura “ Tempestades”, valendo esta cobertura com o sentido corrente de violenta agitação atmosférica, muitas vezes acompanhada de chuvas, granizos, trovões, relâmpagos e ventos violentos, depois mitigam esta noção, decidindo que os sinistros em análise provocados essencialmente pela acumulação de neve eram abrangidos pela cobertura “ Tempestades”. Para tal, no primeiro aresto, considerou-se que no aspecto científico (meteorológico) tempestade é qualquer estado perturbado da atmosfera, especialmente o que afecta a superfície da Terra e que provoca efeitos destrutivos e desagradáveis. E admitindo-se que os outorgantes do contrato podiam ter confiado nesse sentido, face à informação meteorológica emitida nas notícias, tomando como tempestade qualquer estado perturbado da atmosfera com efeitos destrutivos, considerou-se que a factualidade provada integrava tal noção de tempestade.”) e justificando o afastamento da orientação do tribunal face a esta por “a referida noção científica de  tempestade não é a que se encontra no site do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) afigurando-se-nos discutível e, como dissemos, nem todos os fenómenos atmosféricos adversos e destrutivos podem ser classificados como tempestade, sendo um elemento essencial desta a acção dos ventos fortes, que potenciam os seus efeitos destrutivos”.

E assim se justifica que tenha considerado:

“… dos factos provados resulta que nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2018 se verificou no Distrito de Vila Real, designadamente no concelho de Chaves, uma forte queda de neve, acompanhada de chuva e temperaturas negativas. E a neve acumulada, bem como a chuva que caiu naqueles dias, transformou-se em gelo, ficando as estruturas dos edifícios, mormente as coberturas, sujeitas e expostas a um peso excessivo, tendo  ocorrido o colapso e/ou derrocada de coberturas em diversos edifícios, nomeadamente da cobertura das instalações fabris da A., bem como a queda de árvores e postes elétricos. Em suma, ocorreu de facto um fenómeno atmosférico pouco frequente e adverso, mas, em nosso entender, não pode ser classificado como tempestade, designadamente de neve, pois não se provou a ocorrência de vento forte, tendo os seus efeitos destrutivos resultado das baixas temperaturas que causaram a congelação da neve e da chuva e não da acção do vento.


Os factos provados e não provados relativamente ao fenómeno meteorológico ocorrido foram os seguintes:

“9. Nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2018 verificou-se no Distrito de Vila Real uma forte queda de neve, acompanhada de chuva e temperaturas negativas.

10. Nesses dias nevou com intensidade e durante horas consecutivas no concelho de Chaves, fenómeno atmosférico pouco frequente em Portugal.

11. A queda de neve ocorrida nos diais 27 e 28 de fevereiro de 2018, foi considerada como o maior nevão da última década, pelos diversos meios de comunicação nacionais, com divulgação e registo dos danos causados em várias localidades do nordeste transmontano.

12. A neve acumulada, bem como a chuva que caiu naqueles dias, transformou-se e gelo, ficando as estruturas dos edifícios, mormente as coberturas, sujeitas e expostas a um peso excessivo, provocando o colapso e/ou derrocada de coberturas de edifícios, bem como a queda de árvores e postes elétricos.

13. No dia 28 de fevereiro, em consequência de tal queda de neve e do fenómeno natural de “chuva com congelação” que também assolou de forma significativa o concelho de Chaves, a cobertura da nave/pavilhão dos estaleiros fabris da autora, com a área aproximada de 4.100,00 metros quadrados, sita em ..., concelho de Chaves, não suportou o excessivo peso provocado pela neve e gelo acumulado e colapsou e/ou ruiu parcialmente.

14. Parte dessa cobertura, com uma área de 2.500,00 metros quadrados ruiu, colapsou e caiu para o interior do pavilhão fabril, local onde se encontrava a maquinaria afeta à linha de produção de blocos e vigas de betão.

15. Tal derrocada provocou ainda o alagamento do interior do pavilhão, em consequência da neve e gelo que se encontrava acumulado na sua cobertura.”

 - Também releva que não se provou (apesar de alegado no art.11º da petição inicial) que a queda de neve e chuva tivesse sido acompanhada de vento forte.


-  a 1ª instância incluiu a queda de neve no conceito comum de tempestade (“Acresce que, a cláusula em si, ao prever a cobertura em caso de tempestade, inclui para qualquer contratante com um entendimento normal e que use de comum diligência, uma tempestade provocada pela queda de neve. Entende-se que qualquer pessoa com um entendimento comum, a quem não for expressamente explicado que está excluída do conceito de tempestade, a tempestade de neve , vai considerar que não existe diferença tratar-se de uma tempestade de neve ou de chuva para efeitos de cobertura no contrato, com a cobertura complementar Tempestade”. Não temos, assim dúvidas de que no caso está em causa uma tempestade de neve, de acordo com o significado corrente, percetível de acordo com um declaratário normal, na situação de segurada.)


12.3. Analisando

Estando em causa no presente recurso o apuramento do que seja o conceito de tempestade para o homem médio, nos termos dos art.º 236.º e ss do CC, não pode deixar de se atender a um padrão menos exigente do que o relativo aos critérios científicos, não se tornando razoável exigir ao comum do cidadão que forme a sua convicção sobre o que é uma tempestade a partir da consulta do site do IPMA e da noção que aí é apresentada, quando no dia a dia, nos meios de comunicação social e na vida, a ideia de tempestade não corresponde a essa definição mais restrita.

Cremos assim que a noção de tempestade não pode deixar de estar associada a um conceito mais vasto de fenómeno meteorológico com efeitos perturbadores ao qual podem estar associados ventos fortes, chuvas intensas, quedas de neve de volume significativo, ainda que as três manifestações não se apresentem como cumulativas.

E a tal não obsta o facto de os dicionários mais usados poderem associar o conceito de tempestade a ventos fortes, pois é de admitir que os autores procuram uma aproximação ao critério científico, o que se compreende atendendo ao intuito da obra em causa.

Na realidade da vida não se pode assumir que a noção de tempestade que as pessoas comuns formaram na sua mente resulte da consulta de obras deste tipo, as quais pressupõem já um esforço informativo acrescido de quem a elas recorre, ainda que a A. seja uma empresa de sucesso e os seus dirigentes pessoas habilitadas a celebrar negócios de valor elevado.

Assim, pensamos que conceito de tempestade, à luz dos critérios que decorrem do art.º 236.º do CC, deve assim ser determinado:

- como ficou dito no acórdão do STJ de 26-11-2002, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo 02A3560 (disponível em http://www.dgsi.pt), o conceito de “tempestade” para o cidadão comum não tem de coincidir com o conceito de tempestade que uma clausula contratual de seguro excluída do contrato por falta de comunicação definia; nesta pode aceitar-se uma definição mais técnica e científica, associada a fenómenos que envolvem ventos fortes (necessariamente), se assim vier negociado pelos interessados; naquela, não tendo a seguradora cumprido com os seus deveres legais relativos à formação do contrato, a situação estará condicionada pela concepção generalizada do comum do cidadão, apenas se podendo introduzir uma exigência acrescida se o concreto contraente a quem a cláusula é oposta reunir requisitos muito particulares que permitam inequivocamente concluir que a sua convicção era mais exigente do que a do cidadão médio, quer por força de experiências anteriores, quer por força da sua formação e qualificações, nomeadamente profissionais (afastando-se assim do declaratário normal).

Na falta desses elementos, e tratando-se de um “declaratário normal” o conceito de tempestade deve ser entendido pela definição vulgar, incluindo-se na tempestade um fenómero meteorológico extremo de queda de neve mesmo não acompanhado de ventos, ou de ventos fortes, pois um “nevão terá o sentido de tempestade de neve”, em que “o termo corrente e usual de "tempestade" será o de agitação violenta do ar acompanhada de ventos fortes, chuvas, granizos, trovões, com efeitos destrutivos.” (conforme STJ de 26-11-2002): “Na verdade, considerando, como deveremos considerar, os AA. como declaratários normais, temos como adequado que, na outorga do presente contrato de seguro, o termo "tempestade" foi querido no seu sentido corrente (grande agitação atmosférica, com chuvas, ventos, granizos, trovões, etc...). E mais. Sendo a região da Guarda, uma região de grandes nevões, em especial no Inverno, é igualmente adequado entender-se que os contratantes, qual declaratários normais, tivessem dado como assente que o conceito de "tempestade" abrangesse a "tempestade de neve"... expressão esta perfeitamente comum para a generalidade das pessoas, em especial daquela região.”

A esta orientação não se opõe a decisão constante do Ac do STJ de 26-01-2021, Proc. 296/19.4YRPRT.S1 in dgsi.pt, no qual se decidiu:

Enquadra-se na cobertura “Tempestade” de um contrato de seguro multirriscos habitação, o sinistro que, segundo os factos provados, consistiu em ventos fortes e chuvas torrenciais, que provocaram levantamento de telhas do telhado da habitação, entrada de água no interior da mesma, e danificação de tetos, paredes, portas e estores elétricos, tendo-se verificado nas proximidades inundações e quedas de árvores, bem como tendo o vento arrancado um pinheiro existente no terreno vizinho do reclamante.”

No processo em caus os factos relevantes e o enquadramento jurídico são totalmente diversos do que se apresenta na situação dos presentes autos – não só não estava em causa o conceito de tempestade reportado a queda de neve como também a situação foi decidida em face da cláusula contratual do seguro multirriscos acordada pelas partes, tratando-se aí de distinguir os factos que se integrariam na cláusula relativa à “tempestade” e os que seriam  integrados nos “danos por água”.

Ao invés, a situação dos autos é mais próxima da situação objecto do Ac. do STJ de 11/04/2000 (disponível in C.J, Acs, do S.T.J., VIII, tomo I, págs.152-158, Relator Lopes Pinto) onde se decidiu que “se num contrato em que segura o risco “tempestade” e em que a seguradora não prova ter satisfeito tal dever de comunicação a respeito da “definição de tempestade”, constante nas Condições Gerais da Apólice, deve ter-se tal definição de tempestade excluída do contrato continuando, porém, o risco “tempestade” coberto, mas com o sentido que vulgar e correntemente lhe é atribuído”, não obstante o fenómeno meteorológico apreciado nesse processo ter vários momentos temporais relevantes, uns com ventos e outros sem ventos, associados a queda de neve de montante significativo.

No mesmo sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 07 de Dezembro de 2017, proferido no âmbito do processo judicial n.º 1715/15.4T8URL.G1, veio a dizer-se:

Conforme se refere na Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XXI, Volume 27ª páginas 1243, tempestade é o mesmo que temporal, ou seja, uma “perturbação do estado da atmosfera, implicando condições meteorológicas fortemente destrutivas, que fazem perigar as vidas, bens e haveres em terra, no mar e no ar…. Do ponto de vista local ou de actividades específicas (agrícolas, hidrológicas, industriais, etc.) uma tempestade é identificada pelos seus aspectos destrutivos ou espectaculares, como sejam ventos tempestuosos, integrados em movimentos de ar de maior escala, que por influência da situação geográfica e topográfica local adquirem características especiais, como os ventos fortes, tempestades de neve, de areia, etc.
Não pode, assim, haver dúvidas que o que está em causa é a existência de uma tempestade de neve, de acordo com o significado corrente, percetível de acordo com um declaratário normal, na situação do segurado, pelo que o ocorrido terá de ser ressarcido pela ré, pelos prejuízos sofridos.”


Em face do exposto, a posição que deve vingar é a decidida na sentença, cuja decisão deve ser repristinada, revogando-se o acórdão recorrido quando considera que o sinistro em causa não se integrava no conceito comum de tempestade, à luz do art.º 236.º do CC.


13. Conforme se disse no ponto 6 do relatório (supra), na apelação haviam sido colocadas várias questões, entre as quais a de saber se a indemnização devida pela Ré, caso viesse a ser confirmada a sua obrigação de indemnizar, estaria sujeita a IVA.

No acórdão recorrido a questão não foi tratada, o que se justifica pelo facto de se ter entendido que não era devida a indemnização, conduzindo a que a questão ficasse prejudicada.

A entender-se que a indemnização é devida – e a revogar-se a decisão recorrida na parte em que esta entende não ser devida a indemnização – é necessário que os tribunais analisem as questões suscitadas pelos recorrentes e que haviam ficado prejudicadas.

No entanto, o STJ não se pode substituir ao Tribunal da Relação na análise e decisão da questão, por a lei não permitir a substituição, sendo forçoso que seja o Tribunal recorrido a, no quadro da decisão deste STJ, a tomar posição sobre a questão que lhe foi suscitada na apelação, retornando os autos ao tribunal recorrido para esse efeito – art.º 679.º do CPC, que determina não se aplicar a regra do art.º 665.º  ao STJ, onde se inclui o n.º2.

III. Decisão

1. Pelos fundamentos indicados é concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença na parte em que julga que o sinistro dos autos se encontra coberto pelo contrato de seguro, conferindo ao A. direito a ser indemnizado nos termos anteriormente definidos, com a ressalva constante do ponto 2.:

“d) Condeno a ré a reconhecer que o referido sinistro provocou danos à autora, cujo prejuízo patrimonial ascendeu a € 363 378,90 (setecentos e trinta e nove mil novecentos e quarenta e nove euros e cinco cêntimos, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor

e) Condeno a ré a ressarcir a autora dos danos patrimoniais sofridos, pagando a título de indeminização a quantia pecuniária de € 345 209,96 (trezentos e quarenta e cinco mil e duzentos e nove euros e noventa e seis cêntimos).

f) Condeno a ré a pagar à autora juros moratórios à taxa legal, calculados sobre o capital em dívida, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”

2. Determina-se baixa dos autos ao TR para se pronunciar sobre a questão de saber se o valor da condenação indicado em e) deve ser acrescido de IVA.


Custas da revista pela Ré, vencida.


Lisboa, 7 de Março de 2023


Fátima Gomes (Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira

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[1] Sendo que na sentença a condenação no pagamento do Iva foi questão afrontada, tendo-se entendido que o IVA era devido.