Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9055/15.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
SINDICATO
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DA NULIDADE DO ACÓRDÃO INVOCADA. NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO PROCESSO DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / SENTENÇA / ARGUIÇÃO DE NULIDADES DA SENTENÇA.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / HORÁRIO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume III, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 238;
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18ª edição, Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, Almedina, p. 399 e 663;
- José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 29, 30 e 31;
- Marques Antunes, Direito de Acão Popular no Contencioso Administrativo, p. 36-37;
- Nicolau Santos Silva, citado por Guilherme da Fonseca, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, p. 29.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º 1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 215.º E 216.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º E 344.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 417.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 666.º, N.º 1 E 679.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 52.º, N.º 3, ALÍNEA A) E 56.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 22-04-1999, PROCESSO N.º 98S005;
- DE 01-03-2007, PROCESSO N.º 06S3210;
-DE 22-04-2009, PROCESSO N.º 08P3040, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-05-2009, PROCESSO N.º 08S3441;
- DE 12-10-2011, PROCESSO N.º 343/04.4TTBCL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-12-2013, PROCESSO N.º 248/10.9TTBRG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-04-2015, PROCESSO N.º 729/13.3TTVNG.P1.S1;
- DE 03-03-2016, PROCESSO N.º 3704/12.1TTLSB.L1. S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-09-2016, PROCESSO N.º 291/12.4TTLRA.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 598/13.3TTSTB.E3.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2018, PROCESSO N.º 8948/15.1T8CBR.C1.S1.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 439/03, DE 30-09-2003, PROCESSO N.º 186/03, IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :

1. Sendo o requerimento de interposição do recurso omisso quanto às nulidades do acórdão, constando apenas a sua invocação e fundamentação na atinente alegação de recurso, a arguição não é atendível, por incumprimento do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.

2. São interesses coletivos os interesses organizados de modo a adquirirem uma estabilidade unitária e organizada, de tal forma que se agregam a um determinado grupo ou categoria de indivíduos relacionados com um determinado bem jurídico.

3. Peticionando o Sindicato, Autor, o pagamento de trabalho suplementar prestado por todos os motoristas seus associados, trabalhadores da Ré, incumbia-lhe, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, a alegação e a prova dos factos constitutivos daquele direito, ou seja, a prova de que todos, ou, pelo menos alguns, por serem individualizáveis, prestaram trabalho para além do seu horário normal de trabalho, podendo ficar a sua quantificação para o incidente de liquidação.

4. A inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.º do Código Civil, para que remete o n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Civil, pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 9055/15.2T8LSB.L1.S1 – (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

            -Relatório[2]:

              “Sindicato Nacional AA” interpôs, em 30 de março de 2015, a presente ação declarativa, com processo comum, contra “BB, Lda.”, na Comarca de Lisboa – Instância Central – Secção do Trabalho, pedindo que esta seja condenada a:

a. Pagar, com acréscimo de 100%, a cada um dos associados do Autor que detêm vínculo laboral com a Ré, o descanso compensatório remunerado correspondente ao trabalho suplementar prestado por cada um deles em dias úteis, feriados e dias de descanso semanal complementar desde 1.12.2003 até 31.07.2012, que se apurar em sede de execução de sentença.

b. A repor a todos os seus motoristas e associados do A. os descansos semanais acordados individualmente.

c. A ser impedida de proceder a alterações futuras aos descansos semanais sem a autorização dos motoristas ao serviço da R. e associados no A.

d. Ao pagamento sob cominação compulsória de € 100,00 (cem euros) ao A. por cada dia de atraso, após o trânsito em julgado, até ao integral pagamento das diferenças devidas aos representados do A.

e. A elaborar o mapa de horário de trabalho, em conformidade com o disposto no art.º 215º do CT.

f. A afixar a mapa de horário de trabalho, em conformidade com o disposto no nº 1 do art.º 216º do CT.

               Alegou para tanto, e em síntese, que representa cerca de 40 motoristas afetos ao serviço público que desempenham as suas funções nos vários horários implementados pela Ré.

               Para além do serviço que prestam normalmente, no horário normal de trabalho, a Ré recorre à utilização de trabalho suplementar.

               Sempre que um motorista prestou trabalho suplementar nos dias úteis, feriados e em dia de descanso semanal complementar, a Ré não concedeu o descanso compensatório nem procedeu ao seu pagamento.

                Ultrapassado o prazo de 90 dias é devido aos trabalhadores o pagamento do descanso compensatório vencido, com acréscimo de 100% sobre a sua retribuição normal, sendo certo que tal prestação é devida pelo menos, desde 01.12.2003 até 31.07.2012.

               Não sendo possível identificar e quantificar o trabalho suplementar prestado por cada um dos associados do Autor, deverá a liquidação efetuar-se em execução de sentença.

                Ao longo dos anos, a Ré, por conveniência do serviço, tem vindo a proceder unilateralmente a alterações ao horário de trabalho de Motoristas, associados do Autor, nomeadamente no que diz respeito à alteração dos descansos semanais.

            Foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível obter a conciliação das partes.

               A Ré contestou, por exceção, invocando a incompetência territorial da Secção do Trabalho da Instância Central, da Comarca de Lisboa e a ilegitimidade do Autor  

               Por impugnação, sustentou que não há lugar a descanso compensatório sobre o trabalho suplementar, em virtude do mesmo não poder ser considerado tempo efetivo de trabalho, mas antes tempo de disponibilidade e ainda que não ocorreu qualquer alteração irregular dos horários de trabalho.

               Concluiu, no sentido da procedência das exceções e, de qualquer forma, na improcedência da ação com a sua consequente absolvição dos pedidos contra si formulados.

               Foi proferido despacho que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência territorial, com a consequente remessa dos presentes autos para a Secção do Trabalho, da Instância Central, da Comarca da ....

               Foi, também, proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade deduzida pela Ré, tendo sido dispensada a identificação do objeto do litígio e a enumeração dos temas de prova.

               Realizada a audiência de julgamento, foi, em 15.01.2017, proferida sentença na qual se julgou a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, se condenou a Ré:

1) […] A pagar com acréscimo de 100%, conforme a alínea b), do n.º 1, do artigo 268º do Código do Trabalho de 2009[3], a cada um dos associados do A. que detêm o vínculo laboral com a R. o descanso compensatório remunerado correspondente ao trabalho suplementar prestado por cada um deles em dias úteis, feriados e dias de descanso complementar desde 31.03.2010 até 31.07.2012, que se apurar em sede de execução de sentença.
2) […] A afixar os mapas de horários, em conformidade com o disposto nos artigos 215º e 216º do CT.”

Quanto ao demais, foi a Ré absolvida dos restantes pedidos.”


II

   Inconformado com o seu teor, recorreu o Autor, impugnando a decisão proferida sobe a matéria de facto e pedindo a condenação da Ré na parte em que foi absolvida dos pedidos, e recorreu, também, a Ré, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto e pedindo a sua absolvição do pagamento de quaisquer quantias, aos associados do Autor, a título de descanso compensatório.

   Por acórdão de 11 de julho de 2018, foi julgado improcedente o recurso do Autor e procedente a apelação da Ré, e, em consequência revogou-se o n.º 1 da sentença, mantendo-se, no mais, o aí decidido.


III

  Novamente inconformado recorreu, agora, o Autor de revista.

                Apresentando a sua alegação, conclui do seguinte modo:


1) O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que decide pela improcedência do Recurso do Autor da sentença proferida em 1ª instância, na parte em que este pede a condenação da Ré:
a. À reposição dos dias de descanso semanal acordados individualmente com os seus trabalhadores, e que foram unilateralmente alterados por esta;
b. No pagamento da compensação devida aos trabalhadores pelo não gozo dos descansos compensatórios vencidos e não gozados relativo ao trabalho suplementar prestado entre 01/12/2003 e 31/07/2012, dando total procedência ao Recurso da Ré quanto a esta matéria, ao revogar a parte da douta sentença da 1ª Instância que havia condenado a Ré àquele pagamento apenas no período entre 31/03/2010 e 31/07/2012.
2) O presente Recurso tem por fundamento o artigo 674º, n.º 2, alínea a), do CPC, na modalidade de violação de lei substantiva por erro de interpretação e aplicação, bem como o artigo 674º, n.º 2, alínea c), do CPC, por omissão de pronúncia previsto no artigo 615º, alínea d), também do CPC, que importa o vício de nulidade do Acórdão recorrido.
3) Foi violada a cláusula 32.ª do CCT celebrado entre a CC e o Sindicato BB (atualmente designado de Sindicato BB), publicado no JORAM, 3.ª série, n.º 6, de 16/05/1984.
4) Isto porque, embora dando por provado que a Ré altera unilateralmente os horários dos trabalhadores, nomeadamente os dias de descanso semanal, considera que a Ré o pode fazer, não obstante a existência daquela cláusula no CCT.
5) Quanto aos descansos compensatórios vencidos e não gozados pelos trabalhadores no período de 01/12/2003 a 31/07/2012, cujo pagamento se reclama, ao considerar o Acórdão recorrido que este não é devido, foram violados os artigos 222º, do Código de Trabalho de 2003 (Lei n.º 99/2003) e 229º, do Código de Trabalho de 2009 (de 27/08, Lei n.º 7/2009), aplicáveis à data, apesar da existência do CCT, por serem mais favoráveis aos trabalhadores (tudo conforme se desenvolve no supra capítulo B.II - Da violação dos artigos 222º, do CT2003, e 229º, do CT2009).
6) Foram igualmente violados os Princípios Constitucionais da Igualdade e de "A trabalho igual, salário igual" (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), princípios fundamentais e estruturantes de qualquer Estado de Direito Democrático (artigo 2.º, da Lei Fundamental), já que são muitas as decisões judiciais que vão no sentido da condenação da entidade empregadora ao pagamento dos descansos compensatórios vencidos e não gozados dos seus trabalhadores (tudo conforme se desenvolve no supra capítulo B.lll - Da violação dos Princípios Constitucionais da Igualdade e de "A trabalho igual, salário igual").
7) Foi violação o Direito ao Repouso, que emana do direito fundamental à integridade física e moral da pessoa humana (artigo 25.º, n.º 2, da CRP), já que o regime instituído para os descansos compensatórios visa assegurar aos trabalhadores este direito, e negando provimento ao peticionado pagamento dos mesmos, o Tribunal recorrido ignora este Direito Fundamental.
8) No Acórdão recorrido são violados os Direitos das Associações Sindicais (artigo 56º, n.º 1, da CRP) de fazer valer interesses coletivos, reclamados pelo Autor/Recorrente, negando o reconhecimento do direito em geral e abstrato, antes se pronunciando sobre a aplicação do mesmo a cada um dos trabalhadores associados do Autor, face à concreta prova produzida por cada um deles (conforme se desenvolve no supra capítulo B.V-I - Do reconhecimento de interesses coletivos).
9) Acresce que, conforme o Douto Acórdão do STJ de 26/01/2017:
"Os pontos da matéria de facto fixada pela 1ª instância que tenham uma base objetiva que permita a sua valoração jurídica não podem ser eliminados pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 607º. do CPC e deixar de ser ponderados no contexto da restante factualidade dada como provada em sede de fundamentação jurídica da decisão."
10) Assim, recorre-se também da decisão errada do Acórdão Recorrido quanto à alteração da matéria de facto assente na 1ª instância (conforme se desenvolve no supra capítulo B.V-II - Da errada alteração da matéria de facto assente na 1ª Instância).
11) O regime do tempo de disponibilidade previsto no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/06 não tem aplicabilidade no caso em apreço (conforme se desenvolve no supra capítulo C.II - Do regime do tempo de disponibilidade).
12) Ao não apreciar a questão suscitada pela Ré no seu Recurso de Apelação, de saber se o tempo de disponibilidade pode ser considerado tempo de trabalho ou não, o douto Acórdão recorrido sofre do vício de omissão de pronúncia previsto no artigo 615º, n.º 1, alínea d), aplicável por força dos artigos 679.º e 666.º, n.º 1, todos do CPC.
13) Termos em que deve o Venerando Supremo Tribunal de Justiça mandar baixar o processo, a fim de ser feita a reforma da decisão anulada, nos termos do artigo 684.º, n.º 2, do CPC.

  Termina pedindo que seja concedida a revista e, consequentemente, seja o acórdão recorrido revogado.

                A Ré contra-alegou, dizendo que:
- É extemporânea a arguição das nulidades, dado o disposto no artigo 77º, n.º 1, do Código do Processo do Trabalho[4];
- A questão da prevalência do CT sobre os IRC’S – Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho é uma questão nova pelo que este Supremo Tribunal dela não pode conhecer;
- A Cláusula 32ª, do CCT, é aplicável porque não proíbe a alteração do horário de trabalho, mas, somente, que o dia de descanso semanal obrigatório deixe de ser (não coincida) tendencialmente, com o domingo;
- O Autor não fez prova, como era seu ónus, de que os seus associados efetuaram trabalho suplementar, não havendo, por consequência violação dos artigos 222º, do CT/2003 e 229º, do CT/2009;
- O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, pressupõe uma igualdade material;
- O direito ao repouso, também constitucionalmente consagrado, não se mostra violado porque o Autor não provou que os seus associados tivessem efetuado trabalho suplementar;
- Não foi violado qualquer direito das associações sindicais porque, apesar de o Autor ser um sindicato, não está dispensado de alegar e de provar, nos termos do artigo 342º, do Código Civil, os factos constitutivos do direito invocado para os seus associados;
- A alteração da decisão sobre a matéria de facto não pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça;
- A questão tempo de trabalho/tempo de disponibilidade não pode ser apreciada ou, melhor, “não tem sentido lógico a sua apreciação” por o Autor não ter provado a prestação de qualquer trabalho suplementar pelos seus associados.

Parecer do Ministério Público:

  Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de não se conhecer da nulidade, por inobservância do disposto no artigo 77º, n.º 1, do CPT, e de ser negada a revista.

                Notificado às partes, nada disseram.


IV

        - Da revista:
        Enquadramento jurídico adjetivo:
         Tendo a ação sido proposta em 30 de março de 2015 e o acórdão recorrido sido proferido em 11 de julho de 2018, são aqui aplicáveis os Código de Processo Civil [CPC] e de Processo do Trabalho [CPT], nas suas versões atuais.

                Questões colocadas:

1. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), aplicável por força dos artigos 679º e 666º, n.º 1, todos do CPC [omissão de pronúncia quanto ao tempo de disponibilidade];

2. Violação da cláusula 32ª, do CCT celebrado entre a “CC - Associação Comercial e Industrial do ...” e o “Sindicato BB”, atualmente, “Sindicato BB”;

3. Violação dos artigos 222º, do CT/2006, e 229ª, do CT/2009 – pagamento aos associados do Autor de uma compensação pecuniária correspondente aos descansos compensatórios vencidos e não gozados;

4. Prevalência do Código do Trabalho sobre o Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho;

5. Violação dos princípios constitucionais da “igualdade” e de “a trabalho igual salário igual”, estabelecidos nos artigos 13º e 59º, n.º 1, ambos da CRP;

6. Violação do direito ao repouso, estabelecido no artigo 25º, n.º 1, da CRP;

7. Violação dos direitos das associações sindicais – artigo 56º, n.º 1, da CRP;

8. Alteração errada da matéria de facto assente na 1ª instância.


V

                - Fundamentação:

      - Da matéria de facto:

        As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

1.1. «“O Sindicato Nacional AA - ...” é uma associação sindical representativa da classe de motoristas, que prossegue a defesa e promoção dos interesses sócio profissionais dos seus associados.
1.2. Desde sempre que a R. nos recibos mensais de vencimento dos trabalhadores, discrimina o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um deles e o correspondente valor remuneratório.
1.3. O A. tem implementado no seu sistema de informações um registo documental do trabalho prestado, incluindo o suplementar, para cada um dos seus motoristas, ao longo dos anos.
1.4. O A. requereu que a R. junte aos autos relação nominal dos associados do A. que prestaram [trabalho] suplementar no período de 01.12.2003 até 31.12.2012, com discriminação do número de horas prestada por cada um deles.
1.5. A R. juntou aos autos a relação nominal dos associados do A., admitindo que o mesmo possa ter prestado algum tipo de trabalho suplementar no período compreendido entre 1.12.2003 até 31.12.2012.
1.6. [Eliminado pelo Tribunal da Relação].
1.7. "A Ré não concede aos seus motoristas o gozo de descanso compensatório quando é prestado trabalho fora do seu horário normal[5].
1.8. [Eliminado pelo Tribunal da Relação].
1.9. A R. é uma sociedade que se dedica ao transporte público de passageiros, nomeadamente em áreas rurais e interurbanas para a cidade do ....
1.10. Em virtude da sua atividade, a R. apresenta uma concentração de viagens/passageiros às primeiras horas da manhã (entre por volta das 6h00 e as 10h00), correspondente ao fluxo diário de passageiros de centros rurais/interurbanos, onde residem, para a cidade do ..., de modo a dar inicio às respetivas jornadas de trabalho, e vice-versa, com o regresso dos passageiros aos centros onde habitam, no final do dia (entre por volta das 17h00 e das 20h30).
1.11. Desta forma os motoristas da R. iniciam o dia de trabalho em locais relativamente distantes, como a ...o ou o ...z, o que invalida o regresso diário ao ... ou a concentração dos autocarros necessários para assegurar os respetivos transportes num só ponto.
1.12. Os motoristas da R. encontram-se inativos por períodos de tempo, que normalmente correspondem a toda a parte intermédia do dia que fruto da pendularidade da atividade da R. não apresenta volume de atividade que justifique a prestação de trabalho nesse período.
1.13. A R. remunera aos seus motoristas todas as horas compreendidas entre o início e o termo dos respetivos horários de trabalho, ressalvados os tempos de refeição e intervalo de descanso, quer se trate de tempo durante o qual eles exercem efetivamente a atividade de motorista, quer se trate de tempo durante o qual nenhum trabalho de condução ou de outra natureza lhes é solicitado.
1.14. As primeiras 8 horas de trabalho são remunerados ao valor normal da hora, sem qualquer acréscimo, e as horas seguintes com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar, mesmo que tenham ocorrido períodos durante os quais os trabalhadores não exerceram nem lhes foi solicitada a prestação de qualquer atividade.
1.15. A R. não procede à elaboração e afixação do mapa de horário.
1.16. As escalas de serviços são comunicadas verbalmente aos motoristas.
1.17. Os colaboradores da R., nomeadamente os motoristas, ficam a saber a que hora se inicia e termina o seu trabalho diário, os seus intervalos de descanso, assim como os períodos de tempo [sic].
1.18. Ao longo dos anos a R. por conveniência do serviço, tem vindo a propor individualmente a cada um dos seus motoristas, associados do A. alterações ao seu horário de trabalho, nomeadamente no que diz respeito à alteração dos descansos semanais.
1.19.A R. tem vindo a alterar unilateralmente o horário de trabalho de alguns motoristas, quanto aos descansos semanais, sem a autorização destes[6]


VI

Do Direito:

1) - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), aplicável por força dos artigos 679º e 666º, n.º 1, todos do CPC:

               Diz o Autor que o acórdão recorrido padece do vício da nulidade, por omissão de pronúncia quanto ao tempo de disponibilidade.

               Estipula o artigo 77º, n.º 1, do CPT, que a arguição de nulidades quer da sentença quer dos acórdãos é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, sob pena delas não se conhecer.

               É jurisprudência consolidada desta Secção Social e Supremo Tribunal que “[s]endo o requerimento de interposição do recurso de revista omisso quanto às nulidades do acórdão, constando apenas a sua invocação e fundamentação na alegação de recurso, a arguição não é atendível, por incumprimento do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do CPT[7].

               

                Esta norma não é inconstitucional.

Na verdade, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a mesma, no Acórdão n.º 439/03, de 2003.09.30, proferido no Processo n.º 186/03 – 2ª secção[8], no sentido de:

- "Não julgar inconstitucional, face ao disposto nos artigos 2º, 20º, 205º, e 207º da Constituição da República Portuguesa, e ao princípio da proporcionalidade, a norma constante do art.º 77º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de agravo ser logo acompanhado das respetivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo Tribunal Superior, caso tenham sido apenas arguidas, expressa e separadamente, na parte das alegações e não na parte do requerimento de interposição do recurso."

      No caso em apreço, a arguição da nulidade feita, apenas, na peça única [de alegação/arguição], sem haver, no requerimento de interposição do recurso, qualquer referência à sua invocação, não está feita com nominação expressa e de modo distinto e separado das alegações.

    Não se mostram, deste modo, efetuadas de forma explícita, declarada e isoladamente, a concretização da nulidade e a da alegação do recurso.

   Assim sendo, não se toma conhecimento da nulidade invocada, uma vez que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no artigo 77º, n.º 1, do CPT, a sua arguição é inatendível, por extemporaneidade.

///


2) - Violação dos direitos das associações sindicais (artigo 56º, n.º 1, da CRP):

- Da nota preliminar e do reconhecimento de interesses coletivos:

O Autor começa as suas alegações dizendo que “” [p]reliminarmente sempre se dirá que, sendo o Autor uma Associação Sindical, a relação material controvertida centra-se no reconhecimento dos direitos coletivos dos seus Associados quanto às questões em apreço, para que estes possam fazer valer os seus direitos, em momento ulterior e individualmente, e aqui sim mediante prova do que vierem a reclamar por si.”
Esta “nota” está ligada à questão “do reconhecimento de interesses coletivos”.
Pelo que serão ambas conhecidas conjuntamente.

Alega o Autor o seguinte:

“[I]mporta aqui frisar que a ação em crise é de reconhecimento de interesses coletivos, atenta a qualidade em que o Autor intervém e o seu pedido inicial.
Com efeito, o pedido formulado pelo ora recorrente é que seja reconhecido o direito dos trabalhadores a uma compensação pelos descansos compensatórios não gozados, desde que seja produzida a devida prova em concreto por cada um deles, em eventuais ações individuais futuras.
Sendo certo que o Acórdão em crise prefere ignorar este facto, antes se pronunciando sobre a aplicação desse direito a cada um dos trabalhadores associados do Autor, face à concreta prova produzida para cada um deles.
Com o que não se pode concordar.
O ora recorrente é uma Associação Sindical.
Na presente ação, o ora recorrente representa os trabalhadores que exercem a sua atividade profissional remunerada, por conta e sob a direção e fiscalização da ora recorrida, que são seus associados.
A recorrida tem ao seu serviço diversos trabalhadores, nomeadamente motoristas, que são associados do ora recorrente.
Do disposto no artigo 56.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o disposto no artigo 5. ° do CPT, resulta a legitimidade do Recorrente em exercer o direito de ação no que respeita aos interesses coletivos que representa bem como à violação de direitos individuais, mas como carácter de generalidade, ou seja, que respeitam à maioria dos trabalhadores seus associados.
O Pedido do A., formulado na sua Petição Inicial, é que a Ré seja condenada a pagar os descansos compensatórios vencidos e não gozados dos seus trabalhadores, bem como a não proceder à alteração unilateral dos horários e dias de descanso obrigatório e complementar daqueles.
Resulta ainda do artigo 5º, n.º 1, do CPT que a legitimidade das associações sindicais para instaurar ações decorre da verificação cumulativa de dois requisitos:
a). Que se trate de ações respeitantes à defesa de interesses coletivos;
b). Que essa defesa se inscreva no âmbito da representação do sindicato.
O conceito de interesse coletivo assenta numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido.
O interesse coletivo surge assim não como uma mera soma de interesses individuais, mas como o conjunto de uma pluralidade de interesses idênticos, ou de igual sentido, cujos titulares estão reunidos por uma organização, ainda que precária, que permita ou facilite a sua prossecução.
Faz-se notar que a existência de um interesse coletivo não elimina nem ofusca os interesses (individuais) de cada um dos interessados, antes lhes confere mais força, uma maior importância, que em muitos casos, poderá justificar a sua tutela por uma entidade distinta.”
               
Mais à frente aduz que “[t]endo em conta que o que se peticiona é um direito de interesse coletivo, não devia o Acórdão recorrido fazer depender a matéria de fato dada como assente da prova produzida individualmente por cada um dos trabalhadores associados do recorrente.”

Vejamos:               

O acórdão recorrido não coloca em crise a legitimidade própria do Autor, sendo um Sindicato, para intentar a presente ação.

Nem a poderia pôr, pois, no despacho saneador foi proferida decisão que julgou improcedente a exceção dilatória da sua ilegitimidade, deduzida pela Ré, decisão que havia transitado em julgado antes de ter sido proferido o acórdão recorrido.

Tal legitimidade advém-lhe do disposto no artigo 56º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa[9] [“compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”], do disposto no artigo 5º, n.º 1, do CPT [“as associações sindicais (…) são parte legítima como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam”] e do artigo 443º, n.º 1, alínea d), do CT/2009 [“as associações sindicais (,,,) têm, nomeadamente, direito de iniciar e intervir em processos judiciais  (….) quanto a interesses dos seus associados nos termos da lei”].


Acresce que o acórdão recorrido, também, não viola os direitos das associações sindicais, consagrados no artigo 56º, n.º 1, da CRP.

Ora, interesses difusos são aqueles que correspondem a interesses jurídicos reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a uma pluralidade de sujeitos, tendencialmente indeterminados, não sendo suscetíveis de apropriação individual.

De acordo com o artigo 52ºº, n.º 3, alínea a), da Constituição, os interesses difusos são aqueles que se referem à saúde pública, aos direitos dos consumidores, à qualidade de vida, à preservação do ambiente e ao património cultural.

Os interesses coletivos dizem, deste modo, respeito a um grupo, a uma categoria ou a um conjunto de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica e permitem a identificação dos seus membros.


São, pois, interesses coletivos os interesses organizados de modo a adquirirem uma estabilidade unitária e organizada, de tal forma que se agregam a um determinado grupo ou categoria de indivíduos relacionados com um determinado bem jurídico (cf. assim Marques Antunes, Direito de Acão Popular no Contencioso Administrativo, pág. 36-37; Nicolau Santos Silva, citado por Guilherme da Fonseca, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 43, pág. 29).

Como ensina António Monteiro Fernandes[10] “[a] noção do interesse coletivo há de delinear-se em função do específico modo por que, no seio das coletividades profissionais organizadas (maxime do sindicato) se transita das pretensões individuais dos respetivos membros – nem sempre coincidentes entre si – para a identificação dos fins da ação coletiva, ou, noutros termos, daqueles interesses que pertencem à pluralidade desses membros e são (ou passam a ser) sentidos por cada um deles enquanto elementos do grupo e não como pessoas isoladas.

(…)

O interesse coletivo não se reduz ao mero somatório dos interesses individuais dos membros do grupo: pode eventualmente existir uma pretensão coincidente e simultânea de todos eles, mas pode também (e será a regra) verificar-se divergência, se não conflito, de interesses individuais no seio da coletividade. A organização profissional (um sindicato, por exemplo) não constitui um dispositivo de representação cuja legitimidade se cinja aos casos de coincidência (ou complementaridade) originária de pretensões dos seus associados. «O interesse coletivo sindical é o interesse unitário do grupo; unidade no sentido de unificação de vontades, ainda que dissidentes; o contrário, por isso, da soma ou da uniformidade.»


É esta, também, a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça.

Foi o que se decidiu no acórdão de 03.03.2016[11] ao definir “interessas coletivos” como sendo “[o]s pertencentes a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de indivíduos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica, e válida e legalmente associados. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas, não se reduzindo a um mero somatório de interesses individuais.”
                                                                      
O mesmo aconteceu no acórdão de 22.04.2015 que decidiu que as associações sindicais têm legitimidade para interpor ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam, definindo o conceito de “interesse coletivo” como sendo aquele que “[a]ssenta na existência de uma pluralidade de trabalhadores sujeitos aos mesmos interesses, o que significa que deve tratar-se de interesses individuais iguais ou pelo menos de igual sentido[12].


Do exposto resulta que o interesse coletivo pode não ser coincidente com o interesse individual, mas se o for não o afasta.

Embora se trate de interesses pertencentes a um determinado grupo determinável de trabalhadores, podem ser judicialmente acionados pela respetiva associação sindical, uma vez que a lei lhe conferiu legitimidade própria, “per se”, para tal, ou seja, não dependendo da autorização individual dos seus associados.

Mas, o seu reconhecimento judicial pode ser, de igual modo, requerido por cada um dos integrantes do grupo, na defesa do seu interesse individual.

Ora, apesar do conceito de "interesse coletivo" assentar na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, iguais ou, no mínimo, de igual sentido, a existência “[d]e um "interesse coletivo" não elimina nem ofusca os interesses de cada um dos interessados[13]”.

Acresce que esses direitos ou interesses coletivos não têm que ser de toda uma classe, podendo ser apenas os de alguns trabalhadores.

No caso concreto, o Autor está a atuar em defesa dos direitos de uma pluralidade determinável de trabalhadores motoristas, seus associados, e com vínculo laboral com a Ré.

Está, assim, a atuar em defesa de um interesse coletivo, mas não no de toda uma classe [dos motoristas] e nem de toda uma categoria [de agente único].


Alega, ainda, o Autor que, tendo em conta que peticiona um direito ou interesse coletivo, isto é, que a Ré seja condenada a pagar os dias de descanso compensatórios vencidos e não gozados a cada um dos motoristas, seus associados, pelo trabalho suplementar por eles prestado, bem como a não proceder à alteração unilateral dos seus horários e dias de descanso obrigatório e complementar, não devia o Acórdão recorrido “fazer depender a matéria de facto dada como assente da prova produzida individualmente por cada um dos trabalhadores associados do recorrente”.

Ora, o acórdão recorrido, ao contrário do invocado pelo Autor, não faz depender a procedência, total ou parcial, da ação da prova produzida, individualmente, por cada trabalhador, mas sim da prova que o Autor fez relativamente a cada um deles.

Não é, pois, a defesa dos interesses coletivos que aqui está em causa, mas apenas o tipo de ação declarativa de que o Sindicato lançou mão, a prova dos factos alegados e a quem compete a mesma.

A este respeito consta no acórdão recorrido:

“O Autor, contrariamente ao que defende nas alegações de recurso, estruturou a presente ação como uma ação de condenação em que pede, além do mais, que a Ré seja condenada a pagar, com acréscimo de 100%, a cada um dos seus associados que detêm vínculo laboral com a mesma, o descanso compensatório remunerado correspondente ao trabalho suplementar prestado por cada um deles em dias úteis, feriados e dias de descanso semanal complementar desde 1.12.2003 até 31.7.2012.
Assim, porque se traduzem em factos constitutivos do direito que invoca, cabia ao Autor, nos termos do art.º 342, n.º 1 do CC, alegar e provar:
a) a identidade dos seus associados abrangidos pelo pedido formulado;
b) os horários de trabalho a que cada um estava vinculado no período em causa;
c) os dias e horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos;
d) que, na decorrência da prestação desse trabalho suplementar, não lhes foram dados a gozar os descansos compensatórios devidos.
Cotejando a factualidade dada como assente, tendo em conta que foram eliminados os pontos 1.6 e 1.8 da matéria de facto, facilmente se constata que não foi feita prova da prestação de trabalho suplementar por parte de cada um dos associados do Autor, pelo que não lhe assiste razão quando pretende ver reconhecido o direito ao descanso compensatório prestado desde 1.12.2003.”

Segundo o acórdão recorrido, estamos perante uma ação de condenação e não perante uma ação de simples apreciação, como pretende o Autor.

Assim:

Refere o artigo 10º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que as ações são declarativas ou executivas e que as declarativas são de simples apreciação, de condenação ou constitutivas.

Ora, as ações de simples apreciação visam obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto [n.º 3, alínea a)] e as de condenação têm por fim exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito [n.º 3, alínea b)].

               Na ação de simples apreciação, ensina José Lebre de Freitas[14], “[o] autor pede ao tribunal que declare a existência de um direito ou dum facto jurídico. É uma ação de utilização rara […], que reveste manifesta utilidade em certos casos em que se pretende obter o reconhecimento dum direito […]. Com ela, a declaração do direito encontra-se, se assim se pode dizer, no seu estado mais puro.”

                Na ação de condenação, também segundo Lebre de Freitas[15] “[v]ai-se mais longe; sem prejuízo do tribunal dever ainda emitir aquele juízo declarativo, dele se pretende também (e fundamentalmente) que, em consequência, condene o réu na prestação duma coisa ou de um facto. O pedido de declaração prévia do direito ou do facto jurídico pode ser expresso, caso em que se verifica uma cumulação de pedidos; mas pode o autor limitar-se a pedir a condenação do réu e então o juízo prévio de apreciação mais não é do que pressuposto lógico do juízo condenatório pretendido.

                Pressuposto lógico da condenação é também a violação de um direito […].”

               

               Com as ações de simples apreciação pretende-se, pois, obter o reconhecimento da existência ou inexistência de um direito ou de um facto jurídico, por meio de uma decisão judicial vinculativa.

               Com as ações de condenação o autor do pedido, na sequência do juízo declarativo, pretende que, em sua consequência, o Tribunal condene o réu à prestação de uma coisa ou de um facto.

                Aqui há um comando destinado ao réu para que cumpra algo, isto é, pressupondo-se ou prevendo-se a violação de um direito, exige-se a prestação de uma coisa ou de um facto, associada ao direito violado.

                O pedido pode ser cumulativo [declaração e condenação] ou limitar-se ao pedido de condenação do réu [o juízo de apreciação da violação de um direito é um pressuposto lógico do juízo condenatório pretendido].

               

               Deste modo, todas as ações declarativas importam um juízo valorativo face à existência, ou não, de um determinado direito, distinguindo-se pela amplitude da pretensão do agente:
· Se nada mais pretender que o juízo, é de simples apreciação;
· Se além do juízo pretender que o Tribunal condene o réu à reintegração do direito violado,

pela prestação de uma coisa ou de um facto, é de condenação.

Por último, a justificação das ações de simples apreciação consiste na necessidade de se reagir contra uma situação de incerteza acerca da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, ao contrário do que sucede nas ações de condenação, em que o motivo para a sua instauração reside na falta de cumprimento de qualquer obrigação por parte do réu.

               

Na presente ação o Autor pediu a condenação da Ré a:

a. Pagar, com acréscimo de 100%, a cada um dos associados do Autor que detêm vínculo laboral com a Ré, o descanso compensatório remunerado correspondente ao trabalho suplementar prestado por cada um deles em dias úteis, feriados e dias de descanso semanal complementar desde 1.12.2003 até 31.07.2012, que se apurar em sede de execução de sentença.

b. A repor a todos os seus motoristas e associados do A. os descansos semanais acordados individualmente.

c. A ser impedida de proceder a alterações futuras aos descansos semanais sem a autorização dos motoristas ao serviço da R. e associados no A.

d. Ao pagamento sob cominação compulsória de € 100,00 (cem euros) ao A. por cada dia de atraso, após o trânsito em julgado, até ao integral pagamento das diferenças devidas aos representados do A.

e. A elaborar o mapa de horário de trabalho, em conformidade com o disposto no art.º 215º do CT.

f. A afixar a mapa de horário de trabalho, em conformidade com o disposto no nº 1 do art.º 216º do CT.

Resulta, pois, do exposto que a presente ação, intentada pelo Sindicato Autor, constitui uma ação de condenação e não de simples apreciação.

Na verdade, o que o Autor pretende é que o tribunal, previamente, à condenação da Ré, emita um juízo sobre a existência dos direitos invocados.

Segundo o Recorrente, o motivo que originou a instauração da presente ação reside no facto de a Ré:

- Não ter pago o descanso compensatório, com um acréscimo de 100%, a cada um dos seus associados, por terem prestado trabalho suplementar, em dias úteis, feriados e de descanso complementar.

Tendo em conta o pedido e a causa de pedir, conclui-se que a pretensão do Sindicato é que se declare a existência do direito dos seus associados a descanso compensatório, por terem prestado trabalho suplementar, e, consequentemente, que se condene a Ré a pagar-lhes esses dias, a que ficaram com direito e que não gozaram, com o acréscimo de 100%.

Ora, configurando-se uma pretensão controvertida, as partes, para que o juiz possa proferir decisão, necessitam de alegar factos e de os provar.

Segundo o artigo 341.º, do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.

Para Alberto dos Reis[16] “[a] prova é o conjunto de operações ou atos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes.”

A prova constitui, assim, o instrumento por meio do qual o juiz forma a sua convicção a respeito da ocorrência ou inocorrência dos factos controvertidos no processo.

Por sua vez, o ónus da prova é o encargo, atribuído a uma das partes, de demonstrar a existência ou inexistência dos factos controvertidos no processo, necessários para a decisão da causa.

Relativamente à sua distribuição, ou seja, sobre a quem cabe o mesmo, determina o artigo 342º do Código Civil, que, àquele que invocar um direito, compete fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Ora, aplicando estes princípios e estas considerações ao caso concreto e peticionando o Autor o pagamento do trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores da Ré, seus associados, incumbia-lhe, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, a alegação e prova dos factos constitutivos daquele direito, isto é, a prova de que, efetivamente, foi aquele prestado e, no caso de o ter sido, quem não gozou e/ou a quem não foram pagos os respetivos dias de descanso compensatório, com o acréscimo legal.

Com efeito, apesar de o Autor estar a defender o interesse de uma pluralidade de trabalhadores, motoristas, que prestam serviço para a Ré e a si associados, não está dispensado de provar o trabalho suplementar, ou seja, qual ou quais dos seus associados prestaram trabalho, para além dos seus horários, e de provar, também, que não gozaram, ou que não lhes foram pagos, os dias de descanso compensatório a que aquele deu lugar.

Posteriormente, como também peticionado, o Autor ou cada motorista, em incidente de liquidação, terá que se provar, concretamente, em que dias e quantas horas foram efetuadas para se quantificar a quantia que cada um é credor da Ré [artigos 609º, n.º 2, e 358º, ambos do CPC].

Não foram, assim, violados os direitos das associações sindicais, nomeadamente os consagrados no artigo 56º, n.º 1, da CRP.

///


            3) – Não podia o acórdão recorrido eliminar os pontos 1.6 e 1.8 e alterar a redação do ponto 1.7, da matéria de facto:

               
                Segundo o “Sindicato” Autor, não podia o acórdão recorrido alterar a matéria de facto, como o fez, ou seja, não aplicando o instituto da inversão do ónus da prova.

                Esta questão é, pois, uma questão de direito e que, por isso, pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

                Com efeito, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de eliminar factos, não com base na reapreciação de prova, mas por considerar que o Tribunal de primeira instância deu por provados factos com recurso à inversão do ónus da prova, quando os requisitos legais para se recorrer a tal instituto não estavam preenchidos configura questão de direito.

                Na verdade, não se trata de uma modificação da decisão de facto, ocorrida nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 662.º do CPC, mas sim de uma modificação efetuada no âmbito do artigo 674.º, n.º 3, “in fine”, do CPC.

                a). No caso concreto, na análise crítica das provas feita na sentença da 1ª instância, relativamente aos pontos 1.6 a 1.8, consta que, de acordo com a repartição do ónus das provas, estabelecido no artigo 342º, do Código Civil[17], cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do direito alegado [n.º 1].
               
                Contudo, como já se viu, esta repartição [normal] do ónus da prova entre as partes sofre os desvios que resultam da aplicação do disposto nos artigos 344º e 345º, ambos do CC.

               Nos termos do artigo 344º, n.º 2, do CC, há inversão do ónus da prova quando a parte tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado com ela, sem prejuízo das demais sanções previstas na lei processual.

                Consta na sentença que “[e]m caso de inversão nos termos do art.º 344º, nº 2 do CC, a consequência não pode deixar de ser o reconhecimento da factualidade alegada pelo A. na parte em que a R. tornou culposamente impossível a prova respetiva […].
               No caso em apreço, a R. não juntou aos autos os registos do trabalho suplementar, conforme requerido pelo A. na petição inicial e ordenado no despacho saneador, em conformidade com o disposto no art.º 231º do CT de 2009.[18]
               
                Concluiu-se, na sentença, que os factos alegados pelo Autor, relativamente ao trabalho suplementar, estavam provados, dada a referida inversão – factos 1.6 a 1.8.


                b). Por sua vez, o Tribunal da Relação entendeu que no caso, apesar da Ré, devidamente notificada para o efeito, não ter junto aos autos a relação nominal dos associados do Autor que prestaram trabalho suplementar no período de 01.12.2003 a 31.7.2012, com discriminação das horas prestadas por cada um deles, não há lugar à inversão do ónus da prova.

               Contrariamente ao que consta na sentença, diz o acórdão, o Autor não ficou impossibilitado de fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado porque podia ter solicitado aos seus associados os seus recibos mensais de vencimento nos quais se discrimina o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um deles, e o correspondente valor remuneratório, e porque, também, podia, ao abrigo do n.º 4, do artigo 7º, e do n.º 2, do artigo 417º, ambos do CPC, recorrer à sua requisição oficiosa, junto da Direção Regional do Trabalho e da Ação Inspetiva [artigos 231º, n.º 7, e 204º, n.º 6, aquele do CT/2009, e este do CT/2003].

               Ora, podendo o Autor, apesar da conduta omissiva da Ré, fazer, pelo menos, estas diligências, não se pode concluir que tenha ficado impossibilitado de fazer a prova da invocada prestação do trabalho suplementar, o que afasta a aplicação do artigo 344º, n.º 2, do CC.


                Daqui decorre que os pontos 1.6, 1.7 e 1.8 não podiam ser dados como provados com base na inversão do ónus da prova, pelo que apenas poderiam ser considerados assentes se sobre eles tivesse incidido outro meio probatório.
               

               Assim, o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto nos artigos 662º, do CPC, e 342º, do CC, analisando criticamente a prova produzida e de acordo com o princípio da sua livre apreciação considerou não provados os factos constantes dos pontos 1.6. a 1.8., e deu nova redação ao ponto 1.7.

= =

        A este respeito o Recorrente traz à colação o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2017, e proferido no Processo n.º 598/13.3TTSTB.E3.S1[19], que decidiu que “os pontos da matéria de facto fixada pela 1ª instância que tenham uma base objetiva que permita a sua valoração jurídica não podem ser eliminados pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 607º, do CPC, e deixar de ser ponderados no contexto da restante factualidade dada como provada em sede de fundamentação jurídica da decisão."

               Contudo, como se demonstrará, na situação concreta não é aplicável a jurisprudência do acórdão trazido à colação.

= =

         c). Quanto à não inversão do ónus da prova:


                Esta decisão, por não se tratar de questão de facto, pode ser sindicada por este Supremo Tribunal.

               De acordo com o n.º 4, do artigo 7º do CPC, “[s]empre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.”

              Estipula o artigo 417º, n.º 2, do CPC, que “[a]queles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2, do artigo 344ºº, do Código Civil.”

               Refere o artigo 344º, n.º 2, do CC, que “[h]á também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar a desobediência ou às falsas declarações.”

                Efetivamente, no caso em apreço, como se diz no acórdão recorrido, a conduta omissiva da Ré ao não fornecer a relação nominativa pretendida, não colocou o Autor na impossibilidade de fazer a prova do direito que invoca dos seus assocados.

               Tendo-se provado que “desde sempre que a R. nos recibos mensais de vencimento dos trabalhadores, discrimina o número de horas de trabalho suplementar prestado por cada um deles e o correspondente valor remuneratório” – ponto 1.2 -, o Autor podia ter pedido aos seus associados, trabalhadores da Ré, que lhe fornecessem os respetivos recibos de vencimento.

               Se mesmo assim, continuasse a ter dificuldade na prova do trabalho suplementar prestado, ao abrigo do disposto das normas conjugadas dos artigos 7º, n.º 4, e 417º, n.º 2, ambos do CPC, 231º, n.º 7, do CT/2003, 204º, n.º 6, do CT/2009, e 344º, n.º 2, do CC, podia ter recorrido à requisição oficiosa desses elementos junto da Direção Regional do Trabalho e da Ação Inspetiva[20].

               

               Em caso idêntico, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 01.03.2007, proferido no Processo 06S3210[21], que:

1) A inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.º do Código Civil, para que remete o n.º 2 do artigo 519.º do Código de Processo Civil, pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto.

2) […];

3) Acresce que os elementos instrutórios relevantes para a determinação dos tempos de trabalho suplementar, caso existissem, poderiam encontrar-se na posse da Inspecção-Geral do Trabalho, havendo, assim, a possibilidade da sua requisição, pelo que não pode atribuir-se à falta de colaboração do empregador a impossibilidade de fazer a prova da invocada prestação do trabalho suplementar, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 344.º do Código Civil.


                Termos em que improcede esta questão, por não haver razão legal, justificadora da inversão do ónus da prova.

                d). Quanto à modificação da decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto contida nos pontos 1.6 a 1.8:

               Não cabe, no âmbito do recurso de revista, analisar a apreciação que as instâncias fizeram relativamente à prova sujeita ao princípio da sua livre apreciação; nem retirar presunções judiciais de factos provados, ou controlar presunções judiciais deduzidas da prova pelas instâncias, uma vez que ainda se situam no domínio dos factos.

              Assim sendo, não pode este Supremo Tribunal sindicar a alteração efetuada pela Relação aos pontos em causa e ao abrigo do artigo 662º, do CPC.
               

///

             4) - Prevalência do Código do Trabalho [CT] sobre os Instrumentos de Regulamentação Coletiva do Trabalho [IRCT]:


                Alega o Autor que, relativamente ao regime do trabalho suplementar e do descanso compensatório, deve aplicar-se, no caso concreto, os regimes estabelecidos no CT/2003 e no CT/2009 e não o da cláusula 23ª do CCT, publicado no JORAM, 3ª série, n.º 6, de 16.03.1984, e posteriores atualizações, por serem mais favoráveis ao trabalhador, apesar dos regimes estabelecidos nos Códigos de Trabalho não serem imperativos.

               Esta questão está prejudicada face à solução dada à anterior, nos termos das normas conjugadas dos artigos 608º, n.º 2, 663º, n.º 2 e 679º, todos do CPC, porque não tendo o Autor provado que os seus associados tenham prestado trabalho suplementar e, consequentemente, que tenham direito a descanso compensatório, não se coloca a questão de saber qual o regime legal que regula a sua compensação.


///

               5. Violação dos artigos 222º, do CT/2006, e 229º, do CT/2009 [este na sua redação originária] – pagamento aos associados do Autor de uma compensação pecuniária correspondente aos descansos compensatórios vencidos e não gozados:


               Dada a alteração efetuada, pelo Tribunal da Relação, à matéria de facto ínsita nos pontos 1.6 e 1.8, verifica-se que o Autor não provou que algum dos seus associados, motoristas ao serviço da Ré, tenha prestado trabalho suplementar.

               Assim sendo, deve-se concluir, como se conclui, não se verificou a violação dos normativos indicados, porquanto o Autor não provou, como, aliás, lhe competia, que eles tinham direito à compensação pecuniária peticionada.

               
               6) - Violação da cláusula 32ª, do CCT celebrado entre a “CC - Associação Comercial e Industrial do ...” e o “Sindicato BB”, atualmente, “Sindicato BB”:

               
                O acórdão recorrido acrescentou o ponto 1.19 à matéria de facto provada, sendo a sua redação a seguinte:

· “A R. tem vindo a alterar unilateralmente o horário de trabalho de alguns motoristas, quanto aos descansos semanais, sem a autorização destes.”
               
               Apesar deste aditamento, concluiu-se que, “não estava vedado à Ré proceder à alteração dos horários de trabalho dos seus trabalhadores, mormente no que respeita aos dias de descanso semanal obrigatório, com os limites indicados (sempre que possível devem coincidir com o Domingo, devendo recair neste dia pelo menos oito vezes em cada ano civil)”.    

               Ora, para o Autor, o acórdão recorrido viola a cláusula 32ª, do CCT aplicável, por erro de “subsunção”, dado que, segundo ele, esta não permite que a Ré altere, unilateralmente, os horários de trabalho, nomeadamente os dias de descanso semanal.


                Prescreve a cláusula 32ª deste CCT:

                “Descanso semanal e complementar”

1) O dia de descanso semanal coincidirá sempre que possível com o Domingo.
2) A entidade patronal deverá organizar escalas de modo a que o dia de descanso semanal de cada trabalhador coincida com o Domingo pelo menos oito vezes em cada ano civil.
3) O dia de descanso complementar deverá ser gozado antes ou depois do dia de descanso semanal, tendo como limite as 14.00 horas.
4) (...)
5) Por mútuo acordo das partes o dia de descanso semanal poderá ser gozado no dia anterior ou posterior ao dia de descanso semanal.”
.               .

               Acontece que é ao empregador que compete, de acordo com o artigo 212º, n.º 1, do CT/2009 [artigo 170º, n.º 1, do CT/2003], “[d]eterminar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável”.

                A alteração do horário de trabalho está regulada no artigo 217º do CT/2009, sendo que o horário individualmente acordado não pode ser unilateralmente alterado [artigo 173º, n.º 1, do CT/2003] – n.º 4.

Este direito, de determinar o horário de trabalho, é atribuído ao empregador porque se enquadra dentro dos poderes de direção e organização do trabalho que lhe são reconhecidos pela lei, no artigo 97º, do CT.

No entanto, como observa Monteiro Fernandes[22] “[n]ada impede que o horário de trabalho seja acordado no âmbito do contrato individual de trabalho […] e nada obsta, também, a que os horários de trabalho sejam objeto de negociação e acordo a nível coletivo”, o que, em qualquer dos casos, implica uma restrição a esse poder do empregador.

Ou seja, se as partes acordarem especificamente sobre um determinado horário de trabalho, o empregador fica impedido de, unilateralmente, lhe fazer alterações posteriores, dado o disposto no artigo 217º, n.º 4, do CT, só podendo o mesmo ser, neste caso, alterado com base em acordo das partes, empregador e trabalhador.

O que sucede, também, nos casos em que o horário de trabalho constituiu um elemento essencial do contrato celebrado, em termos tais que o trabalhador o não teria celebrado não fosse aquele horário específico[23], ou quando o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável proíba que o horário seja alterado sem o acordo do trabalhador.

Neste mesmo sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[24] de 29.09.2016, proferido no Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S[25]:    
1) “Insere-se nos poderes de direção e organização do trabalho da entidade empregadora a faculdade de alterar unilateralmente e mesmo sem a anuência do trabalhador, o respetivo horário de trabalho, só o não podendo fazer se tiver sido expressamente acordado com o trabalhador, se tiver sido acordada a submissão da alteração a consentimento do trabalhador, se este tiver sido expressamente contratado para determinado tipo de horário ou se demonstre que foi só devido a certo horário que celebrou o contrato de trabalho, bem como nos casos em que o horário de trabalho seja fixado por regulamentação coletiva.
2) Cabe ao trabalhador alegar e provar a verificação de qualquer uma das situações de exceção referidas no número anterior, impeditivas da alteração do horário de trabalho, pela entidade empregadora, sem o acordo do trabalhador.”


               Da factualidade provada resulta que o Autor não provou, como lhe competia, que os trabalhadores seus associados tinham, individualmente, acordado com a Ré um específico e concreto horário de trabalho.

                Interpretando a cláusula 32ª, do CCT aplicável, tendo em conta que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das CCT’s regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil[26], verifica-se que ela não impede ou proíbe que o empregador modifique unilateralmente o horário do trabalho, nomeadamente, quanto aos descansos semanais.

                Aliás, como consta na sua epígrafe, regulamenta apenas os dias de descanso semanal e complementar e não o horário de trabalho e nem a sua alteração.
               Segundo a mesma, o dia de descanso semanal deverá, sempre que possível, coincidir com o Domingo, e o empregador deverá organizar escalas de modo a que o dia de descanso semanal de cada trabalhador coincida com o Domingo pelo menos oito vezes em cada ano civil.
               
                Do exposto resulta que não sendo proibida, pela lei e pelo IRCT aplicável, a alteração unilateral, pelo empregador, do horário de trabalho e nem dos dias de descanso semanal, mas aqui de forma limitada, a Ré ao alterá-los unilateralmente, sem a autorização dos seus trabalhadores, associados do Autor, não viola qualquer norma legal ou a cláusula 32ª do CCT aplicável.
 
///

               7) - Violação dos princípios constitucionais da “igualdade” e de “a trabalho igual salário igual”, estabelecidos nos artigos 13º e 59º, n.º 1, ambos da CRP, e do direito ao repouso, estabelecido no artigo 25º, n.º 1, da CRP:

               Aduz o Recorrente que, no acórdão recorrido, foram violados os princípios constitucionais da Igualdade e de "a trabalho igual, salário igual" (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), "já que são muitas as decisões judiciais que vão no sentido da condenação da entidade empregadora ao pagamento dos descansos compensatórios vencidos e não gozados dos seus trabalhadores”.

               O artigo 13º, da CRP, consagrando o princípio da igualdade, estipula que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Segundo o Tribunal Constitucional, na dimensão de proibição do arbítrio, o princípio da igualdade apregoa um tratamento igual às situações fácticas iguais e, por conseguinte, uma disciplina diversa às situações de facto diferentes.

Consiste, este princípio, num limite externo de liberdade, de conformação ou de decisão dos poderes públicos, funcionando como um princípio negativo de controlo, assim, “nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual”.

Enquanto princípio proibidor de discriminações (artigo 13º, n.º 2, da CRP), o postulado da igualdade não exige uma igualdade absoluta em todas as situações, nem, tampouco, veda a diferenciação de tratamento.

Para justificar, à luz da Constituição e dos princípios nela consagrados, um tratamento diferenciado, este deve ser fundado sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade”, além de não se basear em “qualquer motivo constitucionalmente impróprio”.

 Nesta perspetiva, podem ser legítimas as diferenciações de tratamento quando:
1. Se basearem numa distinção objetiva de situações;
2. Não se fundarem em qualquer das causas elencadas no artigo 13º, n.º 2, da CRP;
3. Possuam, segundo a ordem constitucional positiva, um fim legítimo;
4.  Se mostrem adequadas, necessárias e proporcionadas ao alcance do objetivo.

O princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei não exige, pois, uma parificação absoluta no tratamento das situações, mas apenas o tratamento igual de situações iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais, de modo que a disciplina jurídica prescrita seja igual quando uniformes as condições objetivas das hipóteses ou previsões reguladas e desigual quando falte tal uniformidade.

Ou seja, as exigências do princípio da igualdade reconduzem-se à proibição do arbítrio, não impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no artigo 59.º, n.º 1 da CRP, com reflexo, no âmbito laboral, nos artigos 24.º e 25.º do CT/2009.
               
Ora, o acórdão recorrido não viola este princípio constitucional porque o Autor não provou, como era seu ónus, que os seus associados tenham efetuado trabalho suplementar.
               Não o tendo feito, não podia o acórdão recorrido condenar a Ré no seu pagamento, ou seja, no pagamento dos dias de descanso compensatório por ele alegados e peticionados.
               As situações invocadas pelo Autor têm como pressuposto que o trabalho suplementar foi provado, o que não aconteceu no caso em apreço.
               Estamos, assim, perante situações desiguais que requerem, também, um tratamento desigual.
+++
               Por sua vez, o artigo 59º, n.º 1, alínea a), da CRP, consagrando os direitos dos trabalhadores, estabelece que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito“à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.
 
               Segundo a jurisprudência firme deste Supremo Tribunal de Justiça[27], quem invoca a prática discriminatória tem igualmente que alegar e provar, além do diferente tratamento resultante de tal prática, os factos integrantes de um daqueles fatores de discriminação, uma vez que o juízo a emitir pressupõe que uma pessoa seja sujeita a um tratamento mais favorável do que aquele que é dado a outra pessoa, em situação comparável.

               Por sua vez, a igualdade de retribuição pressupõe a prestação de trabalho de igual natureza, quantidade e qualidade, apenas sendo proscrita a diferenciação arbitrária, sem qualquer motivo fundado e objetivo, ou melhor, sem fundamento material atendível.

               Tal princípio não abarca as situações em que trabalhadores com a mesma categoria profissional, na mesma empresa, são pagos diferentemente ante a diversa natureza, qualidade ou quantidade do trabalho prestado, em consideração nomeadamente do zelo, eficiência ou produtividade.

               Acresce que no caso de igualdade retributiva, não basta ao trabalhador provar que há um ou mais trabalhadores que auferem retribuição superior para que seja ónus da entidade patronal provar que tal diferença tem um fundamento válido e não arbitrário.

               Na verdade, para se concluir pela existência de discriminação retributiva dos trabalhadores, ofensiva do princípio constitucional da igualdade, do salário igual para trabalho igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e qualidade (duração e intensidade), competindo o ónus da sua prova ao trabalhador que se diz estar a ser discriminado.

               Invoca o Recorrente que “no caso vertente, a decisão recorrida impede na prática que os trabalhadores por ela abrangidos, numa específica circunscrição administrativa, não têm os trabalhadores da recorrida direito a ser pagos pelos descansos compensatórios vencidos e não gozados, ao contrário do que sucede no resto do território nacional (como resulta de jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores e prática generalizada nas relações jus laborais neste sector de atividade) ”.
               
               Ao contrário do alegado pelo Recorrente, os trabalhadores da recorrida têm direito a serem pagos pelos descansos compensatórios vencidos e não gozados, como sucede “no resto do território nacional”, desde que provem que, devido a trabalho suplementar prestado, existem dias de descanso compensatório vencidos e não gozados, prova essa que, no caso em apreço, o Autor, apesar de ser ónus seu, não fez.

+++
                Quanto à violação do direito ao repouso:

Segundo o Recorrente, este direito “é uma emanação do direito à integridade pessoal, estabelecido no artigo 25º, n.º 1, da CRP” [“a integridade moral e física das pessoas é inviolável”].
Contudo, o direito dos trabalhadores “ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas”, está consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea d), da CRP.               

No acórdão recorrido, não se descortina como e aonde foi esse direito violado e nem o Recorrente no-lo diz.

                Com efeito, uma vez que não se provou, ao contrário do que afirma o Sindicato, que os seus associados, vinculados à Ré, tenham prestado qualquer trabalho suplementar, não se verificou a violação do citado direito, por falta do seu pressuposto principal – a prestação de trabalho suplementar.

                Os direitos alegadamente violados, mesmo os constitucionais, precisam de ser concretamente provados, não bastando uma sua invocação genérica, pelo que mesmo que se tivesse provado a existência de trabalho suplementar, teria o Autor, estando a prestação de trabalho suplementar prevista na lei, que provar a concreta violação do direito ao repouso.
 

VII

            - Deliberação:

           1) – Não se conhecer da invocada nulidade do acórdão recorrido;
           2) – Não se conceder a revista e, consequentemente manter-se o acórdão recorrido;
            3) - Sem custas, atento o disposto na alínea f), do artigo 4º, do Regulamento das Custas Processuais.
 
            Notifique.
                Anexa-se o respetivo sumário.

~~~~~~~~

                                                Lisboa, 2019.01.15

(João Fernando Ferreira Pinto)

(Joaquim António Chambel Mourisco)

(Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol)


-------------------------------------------


[1] - Registo n.º 032/2018 – (FP) CM PH
[2] - Relatório feito com base nos das instâncias.
[3] - Doravante CT.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Redação dada pelo Tribunal da Relação.
[6] - Aditado pelo Tribunal da Relação.
[7] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d5d23dfc667638378025823d00368670?OpenDocument&Highlight=0,nulidade,artigo,77,CPT – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2018, proferido no Processo n.º 8948/15.1T8CBR.C1.S1, no qual somos 1º Adjunto.
[8] - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030439.html.
[9] - Doravante CRP.
[10] - Direito do Trabalho, 18ª edição, Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, Almedina, pagina 663.
[11] - Acórdão de 03.03.2016, proferido no Processo n.º 3704/12.1TTLSB.L1. S1.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b1eecdecf2233b1780257f6c0035921e?OpenDocument.
Também publicado no DR – Jurisprudência.
Http//dre.pt/pesquisa-avancada/-/asearch/90160875/details/maximized? Emissor=Supremo+Tribunal+de+Justiça&perPage=100&types=JURISPRUDENCIA&search=Pesquisa.
[12]-Proferido no Processo n.º 729/13.3TTVNG.P1.S1.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1437492a20c89c7f80257e3000380684?OpenDocument
[13] - Acórdão de 22.04.1999, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.º 98S005.         
[14] - Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra Editora, páginas 29/30.
[15] - Obra citada, página 31.
[16] - Código de Processo Civil Anotado, volume III, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, página. 238.
[17] - Doravante CC.
[18] - Sentença.
[19] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1bac4f7833ef9cec802580b4005707e0?OpenDocument.
[20] - Equivalente à ACT.
[21] - No qual foi relator o aqui 2º Adjunto.
[22] - Obra citada, página 399.
[23] - Nesta situação o horário faz parte do objeto do contrato.
[24] - São do Supremo Tribunal de Justiça todos os acórdãos que não tiverem menção de origem.
[25] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/aa9cd5a5496553e68025803d0055605f?OpenDocument.
Acórdão em que o aqui relator foi 1º Adjunto.
[26]- Tais cláusulas são dotadas de generalidade e abstração e são suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
[27] - Acórdãos de 22.04.2009, 12.10.201 e de 08.12.2013, proferidos respetivamente nos processos n.ºs 08P3040, 343/04.4TTBCL.P0.S1 e 248/10.9TTBRG.P1.S1, todos em www.dgsi.pt.