Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
602/15.0T8VNG-L.P1-B.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: DESPACHO DO RELATOR
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 07/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643º CPC (COMÉRCIO)
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I - Dos despachos do relator não cabe recurso mas sim reclamação para a conferência, sendo que é do acórdão por esta proferido que se pode depois recorrer.

II - Tendo a parte recorrido de revista diretamente contra despacho proferido pelo relator na Relação, segue-se então que a revista não é admissível por falta de decisão passível de recurso.

III - Tendo o recurso sido interposto para além do prazo em que a reclamação o podia ter sido, não é possível a convolação oficiosa do recurso para uma reclamação para a conferência.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 602/15.0T8VNG-L.P1-B.S1

Reclamação (art. 643.º do CPCivil)

Tribunal Reclamado: tribunal da Relação ...

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Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

Na Relação ... foi oportunamente proferido despacho que não admitiu o recurso de revista que Quintas de Óbidos-Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A. ali interpusera contra despacho do relator.

Desse despacho de não admissão do recurso reclamou a Recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do 643.º do CPCivil.

A reclamação foi indeferida no Supremo Tribunal de Justiça por despacho (de 26 de abril de 2022) do relator.

Apresenta-se agora Quintas de Óbidos-Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A. a reclamar para a conferência, nos termos do art. 652.º, n.º 3 do CPCivil, contra esse despacho do relator.

Diz simplesmente que, “pelos fundamentos de facto e de direito aduzidos” na reclamação oportunamente apresentada, deve tal reclamação ser atendida, sendo que “submeteu a este tribunal questão que merece a tutela jurisdicional do direito”.

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Não se mostra oferecida resposta á presente reclamação.

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Cumpre apreciar e decidir.

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A decisão do relator e sob reclamação tem o seguinte teor:

«Quintas de Óbidos-Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A. reclama, nos termos do 643.º do CPCivil, contra o despacho do Relator que, na Relação ..., não admitiu o recurso de revista que, sob invocação do art. 672.º do CPCivil, ali interpôs (fls. 356 e seguintes).

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O recurso de revista foi interposto contra o despacho do Relator (datado de 15 de dezembro de 2021) que incidiu sobre a arguição de nulidade que a ora Reclamante apresentou, decorrente de uma suposta omissão de pronúncia.

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O recurso de revista não foi admitido com o fundamento (exclusivo) de que não se enquadrava em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do art. 672.º do CPCivil.

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Na sua reclamação sustenta a Reclamante que o despacho sob reclamação é nulo e ilegal, isto porque, segundo diz, não se encontrar fundamentado.

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Neste Supremo proferiu o relator despacho a evidenciar que o recurso não é efetivamente admissível mas por razões diversas daquelas que levaram o despacho reclamado a não admiti-lo.

Foi aberta às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa não admissibilidade.

Nenhum pronunciamento foi apresentado.

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Cumpre agora apreciar e decidir a reclamação.

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Dizer, como diz a Reclamante, que o despacho sob reclamação não se encontra fundamentado não passa senão de uma afirmação que tem de ser havida como absolutamente inconsequente.

Pois que, percorrendo a alegação de recurso de revista que a ora Reclamante interpôs, vê-se à evidência que esta nada aduziu, como lhe competia legalmente (art. 672.º, n.º 2 do CPCivil), acerca das razões que justificavam a (suposta[1]) admissão excecional da revista.

Portanto, o despacho sob reclamação mais não podia dizer do que disse, e daqui que é inadequado afirmar que enferma de omissão de fundamentação. Na realidade, e como se vê, a Reclamante coloca as coisas ao contrário, pois que o que não está fundamentado (logo é inepto e nulo), e devia estar, é o suposto requerimento tendente à admissão excecional da revista. Terá sido, de resto, por essa estrita e óbvia razão que o Relator cortou logo cerce o recurso.

A questão é, porém, outra, e que passa por completo à margem do (inconsequente) fundamento da reclamação que foi apresentada. É que, no rigor dos princípios, não competia ao Relator no tribunal da Relação ... emitir pronunciamento acerca dos (omitidos) pressupostos da revista excecional, na medida em que essa competência recai sobre a formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPCivil.[2]

Assim, poder-se-ia porventura concluir que a reclamação havia de ser deferida, embora mediante fundamento jurídico (falta de competência) diverso daquele em que vem edificada (falta de fundamentação).

Mas a verdade é que há uma razão, esta sim decisiva, que impede o recurso de revista que foi interposto.

É que o recurso foi interposto contra um despacho do relator.

Quanto a isto não pode haver a menor dúvida. Basta ler a parte inicial da alegação da Recorrente: “Quintas de Óbidos-Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A. (…) não se conformando com o despacho proferido (…) dele pretende interpor recurso de Revista (…)”.

Ora, ocorre que dos despachos do relator não cabe nunca recurso de revista.

O que cabe é reclamação para a conferência.

E é do acórdão por esta proferido que se pode depois recorrer.

Isto resulta claro, e nomeadamente, dos art.s 671.º, n.º 1 e do art. 652.º, n.ºs 3 e 5, alínea b), do CPCivil.[3]

Tendo a ora Reclamante recorrido diretamente contra o despacho do Relator, segue-se que o recurso não é admissível por falta de decisão recorrenda idónea e indispensável: um acórdão.

Resta observar que não se coloca a hipótese de o recurso (indevidamente) interposto ser oficiosamente convolado para (a devida) reclamação para a conferência (art. 193.º, n.º 3 do CPCivil), uma vez que, tanto quanto se retira das peças processuais que aqui estão disponíveis (e isto não foi contraditado pela Reclamante), foi apresentado para além do prazo em que a reclamação o podia ter sido[4].

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Pelas indicadas razões, improcede a reclamação.

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Decisão

Pelo exposto é indeferida a reclamação, sendo mantido do despacho que não admitiu o recurso.»

Como resulta claro desta transcrição, a reclamação da Recorrente Quintas de Óbidos-Investimentos Turísticos e Imobiliários, S.A. foi indeferida com fundamento no facto de a decisão (despacho do relator na Relação) de que se pretendeu recorrer não admitir recurso de revista.

Tal ponto de vista do relator apresenta-se juridicamente correto, pelo que não poderá deixar de ser mantido. De facto, é sabido e consabido que dos despachos do relator não cabe recurso mas sim reclamação para a conferência. E é do acórdão por esta proferido que se poderá depois recorrer.

Dado que na presente reclamação a Reclamante nada aduz de substancialmente novo e que contrarie a bondade do despacho agora sob impugnação, limitando-se a afirmar o que acima se transcreveu, nada há também a fazer acrescer ao decidido no despacho reclamando, para cujos fundamentos se remete[5].

O que tem por consequência direta e imediata a improcedência da presente reclamação.

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Decisão

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a presente reclamação, mantendo-se o despacho sob reclamação.

Regime de custas

A Reclamante é condenada nas custas inerentes ao incidente da reclamação aqui em causa. Taxa de justiça: 3 Uc’s.

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Lisboa, 5 de julho de 2022

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).

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[1] Embora a interposição do recurso em causa como revista excecional não se apresente como particularmente clara, é certo que a Reclamante citou o art. 672.º do CPCivil, que se refere precisamente à revista excecional.
[2] Na Relação ao relator cabe apenas verificar a presença ou não dos requisitos gerais dos recursos, e não emitir pronúncia sobre se há ou não fundamento para a revista excecional. V. a propósito Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 331.
[3] Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 207: “(…) a decisão individual do relator, seja qual for o seu objeto, não é directamente recorrível para o Supremo. (…) a interposição de recurso de revista deve ser sempre precedida de reclamação para a conferência, com prolação do acórdão. É deste acórdão que será admissível revista (…)”.
De igual forma, pode ler-se no sumário do Acórdão deste Supremo de 8 de fevereiro de 2018 (processo n.º 4140/16.6T8GMR.G1.S2, disponível em www.dgsi.pt) que: “II - Só os acórdãos da Relação – e não as decisões singulares do relator – são susceptíveis de impugnação para o STJ mediante recurso de revista, seja ela normal ou excepcional.”
[4] V. a propósito o mencionado acórdão deste Supremo de 8 de fevereiro de 2018 e o acórdão da Relação do Porto de 5 de março de 2015 (processo n.º 3788/13.5YYPRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Aduz-se neste último acórdão que «A convolação, no entanto, só pode ser admitida se o acto tiver sido praticado dentro do prazo que a parte teria para praticar o acto para o qual ele seria convolado.
É este o entendimento que tem sido seguido (…) pois, caso contrário, a parte que tivesse perdido, pelo decurso do prazo, o direito de praticar certo acto, poderia ultrapassar esse obstáculo simplesmente praticando outro acto para o qual estivesse em tempo, embora com o conteúdo do outro, de modo a beneficiar de uma convolação processual posterior.
Foi este, por exemplo, o entendimento, fixado por acórdão de uniformização de jurisprudência do STA, n.º 3/2014, publicado no DI, Iª série, de 15/10/2014, para um caso paralelo: “I - Só é possível a convolação do requerimento de interposição de um recurso em reclamação para a conferência se o requerimento tiver dado entrada dentro do prazo da reclamação.”»
[5] Como é entendimento constante deste Supremo Tribunal (assim, por exemplo, acórdãos de 7 de fevereiro de 2017, processo n.º 1032/10.6TBBGC.G1.S, sumariado em www.stj/jurisprudência/sumários/cível/2017, de 17 de dezembro de 2019, processo n.º 2632/16.6T8LRA.L1.S1-A, disponível em www.dgsi.pt), e de 11 de fevereiro de 2020, processo n.º 152399/12.3YIPRT.P1.S2, sumariado em www.stj/jurisprudência/sumários/cível/2020) limitando-se o reclamante a requerer que sobre o despacho do relator recaia um acórdão, pode a conferência, a manter o despacho, remeter para os respetivos fundamentos.