Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
879/06.2TBSXL.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
ESCRITURA PÚBLICA
CERTIDÃO
ÓNUS DA PROVA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
INADMISSIBILIDADE
DIREITO DE PROPRIEDADE
FACTO CONSTITUTIVO
CASAMENTO
CASAMENTO NO ESTRANGEIRO
EFEITOS DO CASAMENTO
TRANSCRIÇÃO
REGISTO CIVIL
COMPROPRIEDADE
BENS COMUNS
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL / DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATO DE COMPRA E VENDA / CASAMENTO / DIREITO PROCESSUAL CIVIL / JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ARTS. 3.º, 3.º-A, 26.º, N.º 3, 489.º, 490.º, 517.º, N.º 2, 524.º, 693.º-B, 721.º, 722.º, 754.º, 729.º, N.º 2;
NCPC: ARTS. 3.º E 4.º;
CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL: ART. 7.º;
CÓDIGO CIVIL: ARTS. 220.º, 342.º, N.º 1, 364.º, 383.º, N.º 1, 875.º, 1651.º, 1669.º, 1682.º-A, N.º 2;
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA: ART. 20.º
Sumário :
I – Sendo a escritura publica condição de validade do contrato de compra e venda de imóvel, junção da sua certidão é a única forma de fazer prova desse contrato, não passível de ser substituída pela falta de impugnação ou confissão por parte dos réus.

II - Os documentos têm de ser juntos em tempo de permitir à parte contrária o efectivo exercício do contraditório, utilmente exercido quando estão em debate os factos a cuja prova se destinam; só em casos em que não seja possível ou não fosse exigível à parte que os juntasse é que se justifica o reconhecimento do direito à sua posterior junção.

III - Uma vez que os documentos, cuja junção os autores pretendem como admissível em sede de recurso, eram condição de procedência do seu pedido – prova da entrada do imóvel no património do seu pai – não é de admitir a sua junção nos termos do art. 524.º e 693.º-B, ambos do CPC.

IV - Não havendo indicação de que o casamento da ré e do pai dos autores tenha sido transcrito em Portugal não pode o mesmo ser invocado para efeitos dele retirar efeitos patrimoniais.

V - A falta de prova da aquisição por parte do pai dos autores do direito de propriedade sobre o prédio (seja no regime de compropriedade, seja enquanto bem comum do casal) impede que se considere que o mesmo integre a sua herança o que, só por si, inviabiliza a procedência da presente acção.
Decisão Texto Integral:
Processo nº 879/06.2TBSXL.L1.S1

7ª Secção


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e BB instauraram uma acção contra CC, DD e EE, pedindo a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre seu pai, FF, entretanto falecido, e CC, como vendedores, e DD, como compradora. DD é uma das quatro filhas da primeira ré, apesar de vir referida na escritura como sendo a única filha dos vendedores.

Como fundamento, alegaram que o contrato foi simulado, com o objectivo de os enganar e às demais filhas da primeira ré, “para os retirar da sucessão”.

CC não contestou e juntou uma declaração, a fls. 74, na qual reconheceu tratar-se de uma “venda fingida à minha filha, e ela concordou”, feita quando o seu marido “descobriu que tinha uma doença terminal” e “ficou preocupado com a minha subsistência após a sua morte”, pois “era a única maneira de eu ficar a morar naquela casa”. Disse ainda que a filha “nunca pagou quantia alguma pela casa” e que “é verdade que o fizemos para retirar os meus enteados da sucessão, mas não para os retirar definitivamente, somente enquanto fosse viva”, “só queríamos adiar a partilha (…)”.

Mas contestaram os outros réus, negando ter havido simulação e atribuindo a eventual lapso do notário a afirmação de que a ré contestantes era única filha dos vendedores: “Na verdade, o vendedor FF e a vendedora CC desejaram transmitir onerosamente o prédio dos autos à compradora DD, e tal facto não altera a sua certidão de nascimento”,“Todos os elementos intrínsecos à compra e venda estão contidos na respectiva escritura, as declarações prestadas pelos vendedores e pela compradora, correspondem à verdade e à vontade dos mesmos”. Esclareceram ainda que “Não existe no normativo jurídico português, preceito que restrinja a venda de padrasto a enteado(a)”, “A escritura de compra e venda foi realizada em 1995 e a abertura da sucessão por óbito do vendedor FF verificou-se em 2005, data da sua morte, assim é manifesto que nunca a escritura podia estar ferida de nulidade com base nos argumentos da douta P.I”.

A acção foi julgada procedente, pela sentença de fls. 248, que julgou provada a simulação do contrato e determinou o cancelamento do registo a favor de DD e marido, EE.

Os réus DD e EE recorreram para a Relação. No recurso, invocaram a ilegitimidade dos autores, alegando que, conforme resultava do assento respectivo, o casamento de GG e de CC é posterior (1986) à data da inscrição no registo da aquisição por esta última do direito de propriedade sobre o prédio dos autos (1985), o que significa que o pai dos autores nunca foi proprietário do mesmo, pois era bem próprio de CC. Segundo então alegaram, a intervenção de GG na escritura, correspondente à compra e venda que os autores querem ver declarada nula, deve ser entendida “de acordo com o nº 2 do artigo 1682º-A do C.C., dado tratar-se o imóvel em causa da casa de morada de família”. A título subsidiário, impugnaram diversos pontos do julgamento de facto, concluindo que deviam ser absolvidos da instância, por ilegitimidade dos autores, ou, e assim se não entendesse, absolvidos do pedido, por não estar provada a simulação.

Com as contra-alegações, os autores juntaram uma cópia de uma“certificacion de matrimonio de FF e CC”com data de 2 de Agosto de 1982 e respectiva tradução) para fazer prova de que“o pai dos AA. e a 1ª R., quando adquiriram o imóvel em causa, estavam casados desde 08 de Julho de 1971 (…) e no regime de comunhão geral de bens” (doc. de fls. 325,) e uma cópia de uma escritura de compra e venda de 21 de Junho de 1985, mediante a qual “FF (…), e mulher, CC (…), casados sob o regime de comunhão geral de bens”, compraram o prédio urbano dos autos

A sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 366, que absolveu os réus do pedido e não admitiu os documentos juntos pelos autores, por estes não terem “justificado a apresentação tardia dos documentos, sendo certo que, “de qualquer modo, não tendo sido impugnados os factos dados como assentes relativos ao casamento de FF e CC e à aquisição do imóvel por parte dos apelantes, os documentos em causa só teriam relevância se, por via de recurso subordinado, os apelados tivessem impugnado esses mesmos factos”.

E decidiu desta forma:

“Nos presentes autos foi dado como provada a inscrição no registo da aquisição do imóvel dos autos a favor da ré CC, com data de 1985.

Assim, existe uma presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel a favor da ré CC a partir da data da inscrição no registo, presunção essa que não foi afastada.

(…) Assim, de acordo com os factos apurados nos autos e que resultam dos documentos juntos pelos autores com a petição inicial, nomeadamente a fls. 11 e 14, à data da inscrição no registo da aquisição do imóvel pela ré esta não era casada com o pai dos autores, uma vez que o casamento foi celebrado em data posterior à da aquisição referida.

Tendo o casamento sido celebrado sem convenção antenupcial, o regime de bens do casamento é o da comunhão de bens adquiridos, nos termos do art.° 1717° do Código Civil, o que significa que o bem adquirido pela ré CC antes do casamento era próprio dela (art.° 1722° do CC). (…)

Não sendo o bem em causa património comum do casal formado por FF e CC, fica afastado, desde logo, o requisito da intenção de enganar terceiros para efeitos de simulação nos termos do art.° 240°, n.° 1, do CC, na medida em que os eventuais terceiros enganados não são os autores, pelo que estes não têm legitimidade substantiva para o exercício do direito invocado de declaração de nulidade.

(…) De qualquer modo, os factos apurados não demonstram que as partes não tenham querido celebrar um contrato de compra e venda a que se refere a escritura pública de fls. 15 e segs. e que se refere em II - 10). (…)”

2. Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações, formularam as seguintes conclusões:

“1º) Não podem os ora apelantes concordar com o acórdão proferido;

2.º) o mesmo enferma de graves incoerências na aplicação do direito aos factos e não toma posição relativamente ao cerne da questão, ou seja a aferição do direito de propriedade do "de cuius" – FF;

3º) o falecido FF adquiriu em 21 de Junho de 1985, por escritura publica de compra e venda, ainda que subordinada ao regime da compropriedade, por não estar casado com a RR. CC, a propriedade do imóvel em questão.

4º) o único silogismo jurídico correcto na aplicação destes factos aos direito vigente é que o "de cuius" FF adquiriu em regime de compropriedade o imóvel que deverá figurar no seu acervo hereditário, tornando assim partes legitimas para a presente acção os AA.

5.9 A aplicação dos factos ao direito realizada pelo Tribunal da Relação contraria este silogismo, o que não se pode conceder.

6º) Porquanto:

Independentemente, do seu estado civil, à data da aquisição, o de cuius, adquiriu a propriedade do imóvel, ainda que no regime de compropriedade, porquanto a presunção sobre o estado civil dos compradores não foi ilidida.

7º) E ainda errada a conclusão tomada pelo Tribunal da relação que FF, interveio na escritura de compra e venda a favor da Ré DD, como autorizante.

8º) Através da análise do registo predial constatamos a aquisição favor dos RR. DD (sujeito activo) casada com EE, por compra a CC, (casada com FF) e FF;

9º) Com base em tal facto, o Tribunal da Relação deveria ter concluído, unicamente, que "0 de Cuius” FF era titular do imóvel ou de parte deste à data da sua morte.

10º) Legitimando desta forma a intervenção processual dos AA. ora apelantes.

11.º) A justiça quer-se equitativa e material e não formal e abstracta;

12º) O acórdão proferido, na sua subsunção dos factos ao direito, não permite que o AA. ora apelantes, se defendam da excepção de ilegitimidade alegada; Ferindo desta forma o principio constitucional da igualdade de armas e do contraditório.

13º) OS litígios não devem ser resolvidos mediante expedientes processuais formais, para que o sentimento seja o da realização da justiça concreta e não o da impunidade.

14º) Os ora apelantes, pugnam e reclamam a realização dessa justiça material e concreta.”

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISTA SER JULGADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNClA, SER REVOGADO CONCLUINDO-SE COMO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA.

ASSIM FAZENDO-SE A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.

DD e EE contra-alegaram, sustentando confirmação do acórdão recorrido, e apresentaram estas seguintes conclusões:

«I. Não se conformando os Recorrentes com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, dele interpuseram o presente Recurso, como sendo de Revista. O recurso de Revista delineia-se como um recurso "apertado", limitado à apreciação de questões suscitadas com a aplicação do direito substantivo (n.º 2 e 3 do artigo 721º do CPC), podendo, como fundamento acessório, basear-se nas nulidades de acórdão e na violação de lei de processo (n.º 2 do artigo 721º, in fine, e n.º 1 do artigo 722º).

II. O Supremo Tribunal de Justiça só conhece de questões de direito (n.º 1 do art-º 729.º do CPC) não controlando a matéria de facto, nem revogando, por erro, o seu apuramento (apenas fiscalizando a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (n.º 5 do artigo 210º da CRP)).

III. Os fundamentos invocados pelos Recorrentes não espelham um qualquer putativo erro de aplicação do direito substantivo pelo Tribunal "a quo", antes concorrem no sentido invocar um erro de aplicação do direito adjectivo. Ora, baseando-se o recurso a interpor não na violação de norma de direito substantivo, mas antes nas nulidades previstas nos artigos 668º e 716º do CPC ou noutras violações de lei de processo, o recurso a interpor será o de agravo de não o de revista (n.º 1 do artigo 755º do CPC).

IV. Não se encontrando o caso dos presentes autos compreendido em qualquer uma das excepções contidas no n.º 2 do artigo 722º do CPC há que atender a que o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação quando esta declarou provados factos sem produção da prova por força de lei especial indispensável para demonstrar a sua existência. caso tenha ocorrido desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico), e que o Tribunal "a quo" não se pronunciou quanto a matéria de facto e sua apreciação pela 1ª Instância (como se lê no seu próprio texto: "Os factos não impugnados são bastantes para demonstrar a falta de fundamentos para declarar a nulidade.( ... )"), impõe-se, portanto, julgar findo o recurso de revista interposto, pelo não conhecimento do seu objecto (alínea e) do n.º 1 do artº 700º do CPC).

V. O Tribunal Recorrido admite o presente recurso, atento o exposto pelos Recorrentes no requerimento de interposição que lhe apresentam, mas desconhecendo os fundamentos por si invocados. Sendo que, apenas após a apreciação (ainda que liminar) das mesmas poderá aferir da correcção da sua espécie.

VI. Em face das Alegações apresentadas pelos Recorrentes, outra solução não restaria ao Tribunal “a quo" se não, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 687º, fazê-lo tramitar sob a espécie de Agravo em 2ª Instância. O que, por sua vez, lhe impõe (n.º 3 do artigo 690º do CPC) declará-lo deserto, por falta de Alegações, na medida em que as mesmas se impunham ser apresentadas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 743º do CPC, em 15 dias e não 30 dias.

VII. Porém, ainda que assim não conclua o Tribunal "0 quo", a verdade é que o tribunal superior não está vinculado à decisão do tribunal "a quo" que admite o recurso, (artigos 702º, 726º e 749º do Código de Processo Civil), e igual conclusão se lhe impõe.

VIII. Mas, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, e seja de apreciar o presente recurso; sempre se dirá que a pretensão dos Recorrentes corresponde à obtenção de uma alteração da matéria de facto decidida pela 1ª instância e inalterada pela 2ª (ou sequer impugnada em sede de Apelação), já que pretendem ver considerar como provado um novo facto: Que o "de cuius" outorgou, na qualidade de comprador e juntamente com a Ré CC, a escritura de compra e venda do imóvel –pelo que; para tanto; pretendem ilidir a presunção emergente do Registo Predial e correspondente ao facto dado como provado pela 1ª Instância.

IX.. Pretensão essa que camuflam num putativo erro de aplicação de direito processual pelo Tribunal “a quo", correspondente à não admissão de novos documentos com as Contra­Alegações de recurso que apresentaram.

X. Sucede que, não lhes assiste razão. Os documentos juntos pelos Recorrentes, em sede das Contra-Alegações de Recurso não foram admitidos pelo Tribunal “a quo", porquanto os mesmos não lograram demonstrar os pressupostos a que alude o art. 524º do CPC e; além disse, porque os mesmos apenas poderia servir para colocar em crise factos dados por provados que não haviam sido impugnados.

XI. Bem decidiu o Tribunal "a quo", já que os Recorrentes não apresentaram qualquer justificação ou fundamento para a admissão de tais documentos, tão somente os juntam. Logo, apenas poderia ter existido a invocada "incorrecta" interpretação da sua pretensão pelo Tribunal "a quo" se a mesma tivesse sido demonstrada (!) o que não sucedeu.

XII. Mas, ainda que a tivessem justificado, a verdade é que não se encontravam preenchidos os requisitos a que alude o artigo 524º do Cpc. Pois, a faculdade de apresentar documentos (que são meios de prova) depois da admissão do recurso, assume carácter excepcional, que afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, apenas será possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificada mente não tivessem contado.

XIII. Esse não é o caso dos presentes autos, já que os documentos que "ex-novo" pretenderam juntar aos autos, em recurso de apelação, não se tornaram pois necessários em virtude do julgamento da 1ª instância, não se integrando ademais, em qualquer das excepções contempladas no arte 524º do CPC, em ordem a poderem ser admitidos e tomados em consideração no julgamento em 2ª instância. Apenas teriam a virtualidade de sustentar uma impugnação das presunções em que radicam os factos dados por assentes pelo Tribunal de 1ª Instância – factos esses alegados pelos ora Recorrentes e Autores, sustentados nos documentos pelos mesmos apresentados em 1ª Instância e que não foram impugnados (estando por isso fora dos poderes de cognição do Tribunal de Recurso).

XIV. Falece igualmente o argumento (criativo) dos Recorrentes segundo o qual a impossibilidade de junção do documento por si apresentado em sede das Contra-Alegações da Apelação, os impediu de exercer o contraditório, tendo portanto o Douto Acórdão recorrido anulado e violado os princípios constitucionais do contraditório e da igualdade de armas.

XV. O alegado pelos Recorridos (então Apelantes) não se pode confundir com uma questão "nova", trazida aos autos – como se de um coelho na cartola se tratasse – antes sim corresponde à sindicância da apreciação dos factos que foram dados por provados e que haviam sido alegados pelos próprios Autores/Recorrentes nos autos.

XVI. Os Recorrentes tiveram oportunidade de exercer o contraditório através da apresentação das suas contra-alegações, como aliás reconhecem, já que como dizem, a questão da legitimidade não se resume ao documento em apreço (que apenas "corroborava a posição por si assumida e que era contrária a tese dos apelantes"), então não era apenas por via da junção do mesmo que se acautelaria esse contraditório, certo?!

XVII. Assistiria razão aos Recorrentes se o documento pretendido juntar reunisse os requisitos a que alude o artigo 524º do CPC, que, como se disse não é o caso. Dado que as exigências aí contidas se traduzem numa regra de boa ordenação, não de preclusão processual. Assim se compreendendo que tenha o Tribunal Constitucional julgado inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4 da CRP), a norma contida nos arts. 523.º e 524.º do CPC, quando interpretados no sentido de ser vedada às partes a junção de documentos supervenientes, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior à interposição ou resposta ao recurso da decisão arbitral.

XVIII. Daí que, igualmente neste aspecto, se impõe improceder o argumento dos Recorrentes. E nem se diga que entendimento diverso seria admissível por via de uma putativa defesa da justiça material, porquanto tal corresponderia antes sim a uma desigualdade de armas entre os intervenientes processuais – ultrapassando as regras processuais impostas às partes em litígio e que se impõem como iguais para todas elas. Muito se estranhando o "sentimento" que pretendem os Recorrentes trazer aos autos, quando se encontram conluiados com a Ré CC?! Conluio esse que, a cada avanço processual dos presentes autos mais se evidencia ....

XIX. O efeito pretendido pelos Recorrentes com a junção dos mencionados documentos, tal como agora é o de alterar e aditar factos à matéria de facto decidida pela 1ª Instância. Pretensão essa que não cabe na espécie do presente recurso que, como antes se disse, a ser admitido e apreciado apenas o poderia ser enquanto Agravo de 2ª Instância, nele apenas sendo de apreciar a validade da aplicação da antes referida norma processual.

XX. Ainda assim, por mera hipótese académica e de raciocínio, se dirá que, igualmente nesta parte, falecem os argumentos dos Recorrentes. E mais, nunca o mesmo poderia – ainda que lograsse procedência -–dar lugar à aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 729º do CPC.

XXI. Não se impunha ao Tribunal "a quo" a renovação dos meios de prova produzidos em 1ª instância. Sendo, sistematicamente olvidado pelos Recorrentes, que os meios de prova produzidos em 1ª Instância, mormente documental e com valor probatório tabelado – como é o caso dos registos (civil e predial) – foram bastantes e não foram impugnados por via do recurso interposto por qualquer uma das partes. Não estando nós na presença de factos articulados que as instâncias não consideraram.

XXII. Não sendo esses os factos impugnados pelos então Apelantes e não tendo os Apelados, ora Recorrentes, então interposto o competente recurso subordinado, os mesmos encontravam­-se fora da cognição do Tribunal "a quo". Pelo que, nunca se poderá estar na presença de qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal "a quo" relativamente a tal facto.

XXIII. Resultado do antes referido, a apreciação da subsunção jurídica elaborada pelo Tribunal “a quo” no Douto Acórdão proferido, escapa à apreciação desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, na medida que a mesma apenas se poderá cingir à regra processual atinente à não admissão do documento – já só poderá o presente recurso ser tido – no caso de ser aceite ­como de Apelação em 2ª Instância.

XXIV. Mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que bem andou o Tribunal “a quo" ao decidir no sentido plasmado no Douto Acórdão recorrido. Pois, tal silogismo, que os Recorrentes reputam como errado, não merece qualquer censura, já que, em face da matéria de facto dada como provada – e inalterada – esta é a única solução jurídica passível de validamente se alcançar.

XXV. Ainda que houvesse o presente recurso de proceder, o que apenas no plano ficcional se poderá equacionar, haverá de atender-se a que os ora Recorridos interpuseram recurso de Apelação da Sentença proferida em 1ª Instância, onde pugnaram pela alteração da decisão sobre a matéria de facto e a improcedência da acção por falta de demonstração dos requisitos.

XXVI. O Tribunal "a quo" não reapreciou ou sequer se pronunciou quanto à matéria de facto impugnada pelos então Apelantes. Entendendo, e bem, e tal questão se encontrava prejudicada pela apreciação dos factos não impugnados que, por si só, conduziam à conclusão sabiamente alcançada de não preenchimento dos requisitos do instituto jurídico da simulação. Assim, procedendo o presente recurso (enquanto Agravo em 2ª' Instância) interposto pelos Recorrentes, nunca poderia ser proferida a decisão pela qual pugnam, ou seja, "( ... ) ser julgado procedente e em consequência, ser revogado concluindo-se como na primeira instância.”, havendo antes de ser ordenada a remessa dos mesmos ao Tribunal "a quo", com vista a apreciar-se da questão prejudicada e que havia sido suscitada pelos Apelantes, nos termos do disposto no n.9 2 do artigo 7629 depois cpc.

XXVII..Apenas podem os Recorridos pugnar junto desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça pela manutenção do Douto Acórdão recorrido que: não merece qualquer censura ou reparo e donde emerge a única, formal e justiça, dos presentes autos.

Nestes termos, e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exas. que se invoca, deve:

a) Ser Julgado findo o presente recurso de Revista, pelo não conhecimento do seu objecto, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 700º do CPC;

Ou, caso assim não se entenda, e seja o presente recurso tido como de Agravoem 2ª Instância;

b) Ser julgado deserto o recurso, por falta de alegações;

Ou, caso também assim não se entenda,

c) Ser julgado totalmente improcedente por não provado o presente recurso, mantendo-se o Douto Acórdão Recorrido».

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1) AA e BB, nascidos respectivamente em …/…/…. e …/…/19… mostram-se registados como filhos de FF e de HH - al. A);

2) FF contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial, com CC, que adoptou o apelido CC, em 20/8/86 - al. B);

3) Desse casamento não existem filhos - al. C);

4) FF faleceu em …/…/…, no estado de casado com CC - al. D);

5) DD nasceu em …/…/… e mostra-se registada com filha de II e de CC, tendo contraído casamento com EE - al. E);

6) JJ, KK, LL e CC MM são filhas da R. CC –al. F);
7) Mostra-se descrito na Conservatória de Registo Predial do Seixal sob o n.° … da freguesia de ..., o prédio urbano de r/c e garagem, sito na Rua …, lote … – A1,, inscrito na matriz sob o artigo … - al. G);

8) Sobre o referido imóvel foi inscrita em … aquisição, por compra, a favor de CC de CC, casada com FF -al. H);

9) Em 4/8/02, sobre esse imóvel foi inscrita aquisição, por compra, a favor de DD, casada com EE - al. I);

10) Por escritura pública lavrada em 10/11/95, no 3o Cartório Notarial de Almada, CC e marido, FF e DD Carneiro declararam por escrito, perante notário, os primeiros vender e a segunda comprar o imóvel descrito em G) pelo preço de 5.000.000$00, constando da escritura que a compradora era a única filha dos vendedores - al. J);

11)Na referida escritura pública, a R. DD apresentou e exibiu o seu bilhete de identidade - al. K);

12)Aquando do funeral de FF, a R. CC informou os AA. de o seu pai nada tinha para lhes deixar a não ser alguns objectos pessoais - art. 1º;

13)Ao declararem na escritura referida em J) que a R. DD era a única filha da R. CC e de FF, as RR. e este último pretendiam sonegar o imóvel descrito em G) e enganar os AA. quanto à respectiva existência, afastando-os da sucessão - art. 3o;

14)E fizeram-no de modo consciente pois não ignoravam a existência quer dos AA., quer de outros filhos da R. CC - art. 4°.

4. Tendo em conta que são as conclusões das alegações dos recorrentes que delimitam o objecto do recurso, estão em causa as questões seguintes:

– Aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel dos autos, por parte de FF;

– Significado da intervenção de FF na escritura de 1995;

– Impossibilidade de os autores “se defenderem da excepção de ilegitimidade alegada”, criada pelo acórdão recorrido “na sua subsunção do direito aos factos”, e violação do “princípio constitucional da equidade processual”, ou seja, do “princípio do contraditório” e do “princípio da igualdade de armas”.

5. Cumpre, porém, começar por apreciar as questões prévias suscitadas pelos recorridos: deserção do recurso, erradamente qualificado pelos recorrentes como revista, e respectiva inadmissibilidade.

Entende-se que não procede nenhum destes obstáculos.

É certo que o acórdão recorrido foi proferido antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2013; e que, tendo a acção sido proposta antes de 1 de Janeiro de 2008, também não era aplicável à sua interposição o regime introduzido no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (cfr. respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1), mas sim o imediatamente anterior.

Há pois que determinar se o recurso apropriado é a revista (artigo 721º e segs.) ou o agravo em 2ª Instância (artigo 754º e segs.).

Determinando-se o âmbito do agravo por exclusão de partes (nº 1 do artigo 754º), cumpre concluir que o recurso adequado é a revista (nº 1 do artigo 721º do Código de Processo Civil), uma vez (1) que o acórdão recorrido conheceu do mérito da causa, absolvendo os réus do pedido, e que (2) o fundamento da sua interposição não foi apenas a violação de lei processual ou a arguição de nulidades do acórdão. O fundamento apresentado é, antes de mais, a alegada infracção das regras substantivas relativas, por exemplo, à definição da legitimidade (substantiva) para arguir a nulidade do contrato de compra e venda, por simulação, aos regimes de bens do casamento, à determinação dos efeitos do registo e, consequentemente, à averiguação da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel dos autos.

Acessoriamente, a revista admitia a invocação de nulidades e de violação da lei de processo (artigo 722º, sempre na mesma versão do Código de Processo Civil).

Improcede, portanto, a arguição de erro na determinação da espécie de recurso e, consequentemente, de deserção por falta de apresentação tempestiva das alegações de recurso.

E pelas mesmas razões improcede também a afirmação de que o recurso não é admissível, por ter como objectivo a modificação da decisão de facto, assim excedendo o âmbito possível do recurso de revista (artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2).

6. Os recorrentes afirmam que o acórdão recorrido “enferma de graves incoerências na aplicação do direito aos factos e não toma posição relativamente ao cerne da questão, ou seja, a aferição do direito de propriedade do ‘de cuius’” – FF”.

Admite-se que, com estas afirmações, os recorrentes estejam a arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, por não ter conhecido da questão da titularidade do direito de propriedade por parte de FF. No entanto, a arguição não tem fundamento, uma vez que o acórdão coloca expressamente tal questão, julgando no sentido de que o imóvel é bem próprio de CC.

O que se não aprecia no acórdão é a hipótese de se entender, com base no documento nº 2 que junto com as contra-alegações, na apelação, que FF comprou o imóvel independentemente de qualquer relação matrimonial com CC, em compropriedade; no entanto, ao julgar inadmissível a junção respectiva, estava excluída tal apreciação.

Não se verifica, pois, a nulidade indicada.

7 – Os recorrentes sustentam que FF “adquiriu em regime de compropriedade o imóvel” dos autos e que a Relação proferiu um acórdão“ferido de contradições e erros, na subsunção do direito e das normas jurídicas aos factos, que violam grosseiramente o direito dos AA (…).

Mas a verdade é que são os termos em que os autores propuseram a acção e definiram e fundamentaram o respectivo objecto que explicam o desfecho da mesma.

Quando propuseram a acção, os autores alegaram que seu pai, FF, era casado com a ré CC. Para provar o casamento, juntaram, primeiro, a cópia e, depois, a certidão do respectivo assento de casamento (a flr. 53), do qual consta que FF e CC casaram em 20 de Agosto de 1986, sem convenção antenupcial.

Alegaram ainda que FF e CC“eram os donos e legítimos possuidores do prédio” dos autos, juntando cópia e, posteriormente, a certidão da inscrição no registo da aquisição do direito de propriedade “a favor de CC casada sob o regime de comunhão geral com FF” (fls. 56 e segs.), com data do ano de 1985.

Com base nestes documentos, na consideração de que consta da escritura da compra e venda de 1995 que a compradora DD era a única filha do casal vendedor, e na sua qualidade de filhos de FF, os autores pediram a declaração de nulidade, afirmando que a venda foi simulada com o objectivo de os retirar da sucessão do pai.

Mas não apresentaram então, nem apresentam na revista, qualquer explicação para as contradições evidentes entre o que alegaram e os documentos que juntaram; o que manifestamente só a eles é imputável, e conduz à conclusão de que, à luz dos próprios termos com que os autores fundamentaram o pedido, era impossível ter como provada a aquisição do direito de propriedade por FF.

É certo que a inscrição no registo apenas faz presumir que CC é proprietária; diga-se, aliás, que se presume ser proprietária nos precisos temos do registo (artigo 7º do Código do Registo Predial: O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”).

Assim sendo, a inscrição no registo faz presumir que CC adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel, e que essa aquisição seestendeu a seu marido, por efeito do regime de bens da comunhão geral.

Porém, a junção do assento de casamento, posterior à data da inscrição da aquisição no registo, e do qual resulta um diferente regime de bens (consta que casaram sem convenção antenupcial, valendo então a lei), afasta a presunção de que a aquisição ocorreu nos termos descritos.

Os autores poderiam ter juntado a certidão da escritura de compra e venda, correspondente ao registo de 1985, com o objectivo de fazer prova dos termos em que ocorreu a aquisição do direito de propriedade pelo pai; mas não o fizeram, apesar de pretenderem invalidar uma compra e venda relativamente à qual era essencial demonstrar que o mesmo estava a vender um bem de que era proprietário (não interessa em que regime).

Em rigor, tinham o ónus de o fazer. O documento (escritura pública) era exigido como condição de validade do contrato (artigo 875º e 220º do Código Civil, o primeiro, na redacção em vigor à data da celebração); e a única forma admissível de fazer prova do contrato era a junção da certidão correspondente (artigos 364º, nº 1 e 383º, nº 1 do Código Civil). Como se sabe, nem a falta de impugnação, nem a confissão dos réus a poderia substituir (artigos 383º, nº 1 do Código Civil citado e artigo 490º do Código de Processo Civil, na versão aplicável).

8. Nas contra-alegações apresentadas no recurso de apelação, os autores vieram sustentar que, “em boa verdade, o pai dos AA e a 1ª R. quando adquiriram o imóvel em causa, estavam casados desde 08 de Julho de 1971 (cfr. doc. 1), e no regime de comunhão geral de bens” e ainda que FF “outorgou na escritura”, referindo-se ao doc 2 então junto.

Na revista, argumentam diferentemente que o pai não era casado com a primeira ré quando, em 1985, ambos compraram o prédio em regime de compropriedade, assim interpretando o documento nº 2 junto na apelação (e não admitido pelo acórdão recorrido).

Com efeito, por qualquer uma das duas vias se poderia chegar à conclusão de que FF era também proprietário do prédio, embora em termos diferentes; e qualquer uma seria suficiente para fundamentar a titularidade do direito de pedir a declaração de nulidade.

Sucede, porém, que não há qualquer indicação de que o casamento a que se refere o documento nº 1 (junto com as contra-alegações da apelação) tenha sido transcrito em Portugal, o que significa que não pode ser invocado para o efeito que agora releva (cfr. artigos 1651º e segs. do Código Civil, actualmente conjugados com o disposto no Código do Registo Civil, e em particular no artigo 1669º do Código Civil).

Ao que acresce que não era admissível a junção do documento, já em recurso; tal como não era admissível a junção do documento nº 2.

De acordo com o regime então em vigor, só era permitida a junção de documentos, em fase de recurso, nos termos fortemente restritivos do disposto nos artigos 524º e 693º-B do Código Civil: após o encerramento da discussão, só era possível juntar “os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” ou “no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento em 1ª instância”.

Não existe nenhum indício de que os documentos não pudessem ter sido juntos no momento próprio; nem os autores o alegaram. Não foi seguramente o julgamento em 1ª instância que os tornou necessários. Por um lado, a acção foi julgada procedente; por outro, era exigível que os autores tivessem juntado ou um, ou outro, para fazer prova de um pressuposto claramente indispensável à procedência do pedido de declaração de nulidade, e que era a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio, por parte de seu pai.

Os recorrentes discordam da decisão de inadmissibilidade da junção do documento nº 2 : “A junção ao abrigo do artigo 524º do C.P.C. deve-se ao facto de só com as alegações de recurso, ter sido suscitada, pelos alegantes, a questão sobre a ilegitimidade dos AA, pelo que teria que ser o momento próprio para a junção do documento”. Mas não têm razão, como se viu; o que os apelantes então salientaram foi a discrepância entre os documentos juntos com a petição inicial, que era manifesta em 1ª instância, observando que deles resultava que, em 1985, FF e CC não eram casados.

Acresce que, ainda que fosse admissível a junção, em segunda instância, da certidão da escritura correspondente à compra do imóvel por parte de FF e CC, nunca seria suficiente a apresentação de umacópia, não seguida da junção de certidão (artigo 383º, nº 1, do Código Civil).

9. Os recorrentes discordam ainda do significado atribuído pela Relação à intervenção de FF na escritura compra e venda de 1995 (a escritura correspondente ao contrato que afirmam ter sido simulado); e têm razão, quando afirmam que não pode considerar-se como sendo “justificada pelo disposto no art.° 1682o-A, n.° 2, do CC.”, uma vez que o imóvel não fazia parte do“património comum do casal formado por FF e CC” (acórdão recorrido).

Trata-se, aliás, de uma questão que deveria ter sido suscitada pelos réus na contestação, nos termos do princípio da concentração da defesa (nº 1 do artigo 489º do Código de Processo Civil, na versão então em vigor); que haveria de ter sido debatida e sujeita a prova em 1ª instância e que, aliás, nem está de acordo com o alcance da presunção de titularidade decorrente do registo de 1985.

Seja como for, a falta de prova da aquisição, por FF, do direito de propriedade sobre o prédio (seja no regime da compropriedade, seja enquanto bem comum do casal), impede que se considere que o mesmo integra a sua herança e, por esta via, inviabiliza a procedência da presente acção. Não há qualquer dúvida de que incumbia aos autores o ónus da correspondente prova (nº 1 do artigo 342º do Código Civil).

10. Os recorrentes afirmam que o acórdão recorrido infringiu os princípios do contraditório e da igualdade de armas, por lhes ter tornado impossível defenderem-se da alegação de ilegitimidade, feita pelos réus no recurso da apelação.

É certo que os então apelantes invocaram a ilegitimidade dos autores; mas essa alegação não está de acordo com a noção de legitimidade acolhida expressamente pelo Código de Processo Civil então vigente, no nº 3 do seu artigo 26º. Aliás, o acórdão recorrido absolveu os réus do pedido (e não da instância), não por serem partes ilegítimas, mas por lhes faltar legitimidade substantiva para a presente acção (por não terem o direito substantivo de invocar a nulidade por simulação).

Seja como for, não foram infringidos os princípios invocados pelos autores. O documento a que se referem não pode ser admitido porque os autores não respeitaram as regras legal e expressamente definidas para junção de documentos, tendo tido plena oportunidade de o fazer.

Saliente-se, a propósito, que se trata de regras materialmente fundadas – quer em geral, quer na sua aplicação ao caso concreto.

Ninguém discutirá que o princípio da igualdade de armas e do contraditório têm de ser respeitados em Processo Civil. Para além de consagração constitucional, expressa desde a revisão de 1997, no artigo 20º da Constituição, encontravam-se igualmente proclamados nos artigos 3º e 3º-A do Código de Processo Civil anterior (actuais artigos 3º e 4º).

Sucede é que os documentos têm de ser juntos em tempo de permitir à parte contrária o efectivo exercício do contraditório (aliás expresso para a prova documental, cfr. anterior artigo 517º, nº 2), utilmente exercido quando estão em debate os factos a cuja prova se destinam; só em casos em que não foi possível ou não era exigível à parte que os juntasse oportunamente é que se justifica o reconhecimento do direito de junção posterior, em homenagem ao princípio da verdade material

E a verdade é que, no caso concreto, era claramente condição de procedência do pedido dos autores a prova da entrada do imóvel no património de FF (no seu património próprio ou no património comum do casal, repete-se); e era manifesto que os documentos concretamente juntos com a petição não eram suficientes para fazer tal prova.

11. Assim sendo, resta negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 27 de Março de 2014

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego