Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22244/16.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA VINCULADA
PROVA DOCUMENTAL
PROVA TESTEMUNHAL
FORÇA PROBATÓRIA
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL.
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO / INFORMAÇÃO A INVESTIDORES / CONTRATOS DE INTERMEDIAÇÃO / CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS DE INTERMEDIAÇÃO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / CONFISSÃO / PROVA DOCUMENTAL / PROVA TESTEMUNHAL.
Doutrina:
- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação I ao artigo 376.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, N.º 1 E 674.º, N.º 3.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 312.º E 321.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 358.º, N.º 2, 364.º, N.º 1 E 393.º, N.ºS 1 E 2.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (CCG), APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 5.º, 6.º, 8.º E 9.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 11/2015, DE 02-07-2015, IN DR DE 18-09-2015;
- DE 21-10-2010, PROCESSO N.º I2280/07.6TBVNG.P1.S1.
Sumário :
I. Por estar em causa a aplicação de norma legal que fixa a força de meio de prova, é sindicável por este Supremo Tribunal a questão da alegada violação de regras legais por acórdão da Relação que alterou a decisão da matéria de facto (cfr. art. 674º, nº 3, parte final, do CPC).

II. A apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos concretos pontos impugnados, embora, quanto à amplitude da investigação probatória, a Relação tenha poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa (art. 662º, nº 1, do CPC), sem estar circunscrita aos meios de prova invocados pelo recorrente, nem tampouco aos meios de prova indicados pelo tribunal recorrido.

III. Não estando em dúvida que, de acordo com o art. 321º, nº 3, do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores”, o pedido formulado pelas autoras teria de ser compatível com os efeitos que o regime legal das CCG (aprovado pelo DL nº 446/85, de 25.10) prevê para o desrespeito dos deveres de comunicação e de informação das cláusulas (arts. 5º e 6º), os quais consistem na exclusão das cláusulas afectadas ou, em determinadas hipóteses, na nulidade do contrato (arts. 8º e 9º).

IV. Quanto ao regime do CVM, ainda que - enquanto sede da regulação normativa do contrato de intermediação financeira - o mesmo seja aplicável ao contrato dos autos, tal regime não se afigura, porém, pertinente para a resolução da questão a apreciar. Na verdade, e independentemente das considerações que possam ser feitas a propósito da natureza e regime dos deveres legais de informação do intermediário financeiro, previstos no art. 312º do CVM, no presente recurso, não se trata de apurar qual o regime de distribuição do ónus da prova de tais deveres entre as partes, em função do lugar que ocupam na relação contratual de intermediação financeira, mas tão-somente de apreciar se, ao alterar a matéria de facto, respeitou a Relação as regras legais de direito probatório.

V. Os factos desfavoráveis à declarante, que constam dos documentos dados como provados, tendo sido dirigidos à contraparte do contrato de intermediação financeira, têm valor confessório, com força probatória plena (art. 358º, nº 2, do CC). Consequentemente, tais factos, relativos ao conhecimento das características e riscos inerentes à aplicação financeira, não admitem prova testemunhal em contrário (nº 2 do art. 393º do CC).

VI. Acresce que, na medida em que o contrato de intermediação financeira celebrado com investidores não qualificados exige a forma escrita (art. 321º, nº 1, do CVM), não poderia a prova, tanto da celebração do contrato como do seu conteúdo, ser substituída por prova testemunhal (art. 393º, nº 1, do CC) nem “por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior” (art. 364º, nº 1 do CC).

VII. Face ao teor dos documentos assinados e rubricados pela 2ª autora, a demais factualidade provada, relativa às circunstâncias em que o investimento teve lugar, é, por si só, insuficiente para destruir a prova feita quanto ao cumprimento dos deveres de informação previstos no art. 312º do CVM por parte do intermediário financeiro, não podendo, por isso, responsabilizar-se o réu pela perda do capital investido pelas autoras.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA, BB e CC intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco DD, S.A., pedindo que:

a) Seja o contrato de intermediação financeira julgado nulo por falta de forma e, assim, seja o R. condenado a restituir às AA. o valor de €100.000,00;

b) Seja o R. condenado ainda a pagar às AA. os juros legais que se vencerem à taxa legal desde a data da sua citação e até integral e efectivo pagamento;

c) Subsidiariamente seja o R. condenado a pagar às AA. o valor de €100.000,00 por violação dos deveres de informação do intermediário financeiro, mais os juros, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.


         Para tanto alegam, em síntese, que:

- No início do ano de 2014, e na sequência da morte do marido da 1.ª A. e pai das 2.ª e 3.ª AA., as AA. decidiram aplicar, em nome das três, o valor total de €100.000,00 (€80.000,00 da herança propriamente dita e €20.000,00 de uma aplicação pessoal da 2.ª A.) numa aplicação bancária que pudesse ter uma rentabilidade atractiva;

- Por intermédio de EE, familiar das AA., foi FF, personal financial advisor junto do R., encarregado de estudar a melhor aplicação bancária para servir os interesses das AA., tendo-lhe sido dito que a aplicação não poderia ter que ver com o BANCO GG, com o Grupo BANCO GG ou com empresas relacionadas com o Grupo HH no Brasil (relação HH/II), que não poderia ter um elevado risco associado e que deveria ser feita por um prazo relativamente curto, no máximo de reembolso a seis meses;

- Entre Fevereiro e Março de 2014, o referido FF subscreveu, em nome das AA., papel comercial da sociedade JJ Investments, S.A., pertencente ao universo/grupo BANCO GG, no montante de €100.000,00;

- Só passados oito meses as AA. se aperceberam de que a aplicação feita não correspondia ao por si pretendido e solicitado;

- A aplicação foi feita sem que às AA. tenha sido dado qualquer documento para assinar e sem que lhes tenham sido prestadas quaisquer informações sobre a mesma;

- Até à data, as AA. estão privadas da quantia referida, da qual nunca mais passarão a dispor, uma vez que a sociedade JJ foi declarada insolvente.


O R. contestou, pronunciando-se pela sua absolvição do pedido, uma vez que, em síntese:

- O contrato de abertura de conta assinado pelas AA. habilitava o R. a actuar na qualidade de seu intermediário financeiro;

- A operação em causa foi executada pelo R. a solicitação das AA., que assinaram a ordem de subscrição e respectiva documentação informativa, declarando ter conhecimento das características e riscos associados;

- À data da subscrição foram explicadas às AA. as características, condições e factores de risco do instrumento financeiro em causa e entregue a nota informativa respectiva;

- O R. não é parte na emissão ou na tomada de dívida da sociedade JJ, pelo que não lhe compete a obrigação de reembolso do papel comercial adquirido pelas AA.


         Por sentença de fls. 233 foi proferida decisão com o seguinte teor:

“a) julgar o pedido principal totalmente improcedente, por não provado, dele absolvendo o R.;

b) julgar o pedido subsidiário totalmente procedente, por provado, e, em consequência, condeno o R. a pagar às AA. a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde 15.09.2016 e até integral pagamento, às taxas legais que vigoraram e vierem a vigorar.”


     Inconformado, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

     Por acórdão de fls. 393 foi concedido provimento ao recurso, sendo modificada a matéria de facto e, em consequência, sendo revogada a decisão recorrida, com absolvição do R. do pedido.


2. As AA. vêm interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

“I. Vêm as Recorrentes interpor, nos termos do artigo 674°, n.°s 1 e 2, do CPC, recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Recorrido versando, o mesmo, sobre matéria de direito (erro de julgamento);

II. Foi cometida nulidade processual pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao não ter dado oportunidade às Recorrentes para se pronunciarem sobre a solução jurídica encontrada no acórdão recorrido, o que determina a nulidade de todos os atos processuais praticados depois de ter sido subtraída essa oportunidade às Recorrentes, incluindo a própria decisão recorrida;

III. As Recorrentes não se conformam com o sentido da decisão do Tribunal recorrido, sobretudo porque inculca numa errada interpretação da norma aplicável;

IV. É ilegítima a interpretação que o Tribunal recorrido faz do artigo 376° do Código Civil;

V. A interpretação do artigo 376° do Código Civil determina a possibilidade de o "autor" (ou autora) dos documentos em causa nos factos assentes 12 e 13 demonstrar, como logrou demonstrar, que as declarações nos mesmos constantes não correspondiam à verdade dos factos, que o Recorrido não cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia enquanto intermediário financeiro, pelo que tiveram-se por assentes os factos 27 e 28;

VI. Ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido, o âmbito da força probatória daqueles documentos é bem mais restrito do que aquele que se pretende no acórdão recorrido através da interpretação do artigo 376° do Código Civil;

VII. A força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações que nela constam como feitas pelo respetivo subscritor; tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia; mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta;

VIII. Ao Tribunal Recorrido está vedada a possibilidade de retirar dos citados documentos a força probatória que pretende retirar porque os mesmos legalmente não a têm;

IX. As Recorrentes fizeram, e com total clareza, prova no sentido da demonstração da realidade subjacente aos factos assentes 27 e 28, pelo que a errada interpretação do disposto no artigo 376° do Código Civil leva a que estejamos perante erro de julgamento por violação de lei, devendo repor os pontos 27 e 28 dos factos assentes;

X. O Tribunal recorrido violou o princípio que determina que lei especial prevalece sobre lei geral (citério da especialidade);

XI. Tanto o CVM (artigo 312°) como o diploma referente às CCG são especiais relativamente ao artigo 376° do Código Civil;

XII. Não basta assinar-se expressamente que se reconhece ter-se lido as cláusulas de um determinado contrato para que tais cláusulas se tenham por devida e legalmente comunicadas: há normas especiais em matéria de proteção dos consumidores a sobreporem-se às normas gerais do Código Civil;

XIII. O Recorrido não cumpriu o ónus que sobre si recaía de dar cumprimento ao disposto naqueles diplomas, pelo que viola assim o Tribunal Recorrido a interpretação decorrente do citado diploma que faz recair sobre o Recorrido o ónus de cumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento;

XIV. Fazendo com que, também desta forma, haja, por parte do Tribunal Recorrido, erro de interpretação e, consequentemente, de julgamento;

XV. O Tribunal recorrido desconsiderou, de forma total, as circunstâncias em que os ditos documentos foram outorgados, que contrariavam, e contrariam, todas as indicações dadas ao Recorrido para efeitos da pretendida operação bancária, o que, naturalmente, é decisivo para se concluir pela violação, pelo Recorrido, quer do Decreto-Lei n.° 466/85, de 25 de outubro (na sua redação atual), quer do artigo 312° do CVM;

XVI. O Recorrido violou todas as indicações que lhe foram dadas para se ter feito a operação bancária dos autos, o que se impunha tivesse sido valorizado pelo Tribunal recorrido, o que não sucedeu;

XVII. Não o fazendo o Tribunal recorrido violou o artigo 607° do CPC (operação de subsunção jurídica);

XVIII. Submete-se, desta forma, o presente à apreciação dos Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao erro de julgamento cometido pelo Tribunal recorrido.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa substituído por outro que o revogue e considere procedente o pedido das Recorrentes deduzido na PI, condenando-se o Recorrido”


O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido e, subsidiariamente, requerendo a ampliação do objecto do recurso, pedindo que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre as demais questões que o Recorrido suscitou no recurso de apelação, ou, em alternativa, que seja determinada a baixa do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento das mesmas.

As Recorrentes responderam ao pedido de ampliação do objecto do recurso, pedindo que, caso este Supremo Tribunal entenda dever pronunciar-se sobre as questões que o integram, as pretensões do Recorrido sejam julgadas improcedentes, revogando-se a decisão do acórdão recorrido e repristinando-se a decisão da 1ª instância.

Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1. EE é familiar das AA.

2. KK era Personal Financial Advisor junto do R.

3. O referido EE passou a, pontualmente, relacionar-se com o R., numa ou noutra aplicação financeira.

4. Tais operações financeiras foram resultando sempre favoravelmente.

5. As AA. pretendiam uma aplicação bancária que pudesse ser remunerada acima de um normal depósito a prazo.

6. Para que tal aplicação fosse constituída, teriam as AA. que abrir urna conta de depósitos à ordem junto do R., o que fizeram em Janeiro de 2014, tornando-se, assim, clientes do R.

7. À data de 1.2.2014, tal conta, que tinha o nº …, estava já provisionada com o valor de € 101.000.

8. A JJ Investments, SA, era uma empresa do universo BANCO GG/Grupo BANCO GG, que foi declarada insolvente por um tribunal luxemburguês.

9. Nos extractos da conta referida, emitidos em 1.3.2014 e em 1.7.2016, constam os seguintes "Activos - Obrigações e outros Valores Mobiliários semelhantes": JJ Invest- SA11/08/14 37ª Em Papel Comercial HHR..AJM…, no valor de € 100.000,00, conforme docs. de fls. 32 a 37, que se dão por reproduzidos.

10. Até à presente data, as AA. estão privadas do valor de € 100.000.

11. A fls. 157 dos autos consta um documento original, com a menção, no canto superior direito, de "PAPEL COMERCIAL Compra/Anulação", e em que é identificada como cliente a ora A. BB, o qual contém uma ordem de compra, datada de 4.2.2014, de papel comercial emitido pela JJ Investments, SA, com o ISIN HHR…AJM …, na modalidade de oferta particular de subscrição, no montante de € 100.000 e com maturidade a 11.8.2014, cujo teor se dá por reproduzido.

12. No verso desse doc. de fls. 157 consta, nomeadamente: “Declaro, Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancoBanco DD.HH e que recebi cópia documentação relativa a esta operação. Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicados na respectiva documentação, não assumindo o Banco Banco BB qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso. Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco BANCO BB é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes. Ter conhecimento que o Banco Banco DD creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custo diante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários (...)”.

13. A fls. 158 dos autos consta um documento original intitulado "JJ Investments S.A. Ficha Técnica SERIE …", relativa a emissão de papel comercial com o ISIN HHR…AJM …, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, nomeadamente: “Papel comercial constitui obrigação apenas do Emitente”, “A aquisição de papel comercial envolve uma confiança na capacidade de crédito do Emitente. O papel comercial não é garantido por qualquer entidade” e “Recebi e tomei conhecimento das condições constantes do presente documento e da respectiva Nota Informativa, que recebi em momento anterior à subscrição da oferta particular de Papel Comercial JJ Investments, SA”.

14. As AA. subscreveram os docs. cujas cópias constam e fis. 59 a 62, datados de 17.1.2014, relativos à abertura de conta bancária junto R., cujo teor se dá por reproduzido.

15. Consta de fls. 90 a 102 uma cópia da "Nota Informativa" para oferta particular de subscrição de papel comercial da JJ Investments, SA, datada de 19.9.2013, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. O R. emitia mensalmente e as AA. recebiam extractos bancários integrados da conta referida.

17. No início do ano de 2014, e na sequência da morte do marido da 1ª A. e pai das 2ª e 3ª AA., existindo uma série de valores para partilhar, decidiram as AA., em conjunto e por aconselhamento de EE, aplicar, em nome das três, o valor total de € 100.000 (€ 80.000 da herança propriamente dita e € 20.000 de uma aplicação pessoal da 2ª A.) numa aplicação bancária que pudesse ter uma rentabilidade atractiva.

18. As AA. confiavam, em matéria de investimentos financeiros, naquilo que EE lhes dizia para o efeito.

19. As AA. e EE pretendiam que os € 100.000 fossem aplicados, tanto quanto possível, numa operação sem elevado risco associado.

20. Foi assim que, por intermédio de EE, KK foi encarregado de estudar a melhor aplicação bancária para servir os interesses das AA.

21. Desde o início, EE deu as seguintes indicações a FF: aplicação não poderia ter um elevado risco associado e deveria ser feita por um prazo relativamente curto, no máximo de reembolso a 6 meses.

22. FF sabia que o EE não apreciava produtos financeiros relacionados com o BANCO GG ou com o Grupo BANCO GG.

23. Só passados alguns meses, não concretamente apurados, da data que consta do nº 11 dos factos provados, é que a A. BB se apercebeu e ficou a saber que o investimento feito havia sido o referido no nº 9 dos factos assentes.

24. A A. BB, porque estava descansada quanto ao que fora feito, não se preocupava em analisar os extractos referidos no nº 16 dos factos provados, limitando-se a arquivá-los.

25. Nunca as AA., por si ou por interposta pessoa, deram indicação ao R., através de FF ou de outra forma, expressa ou tacitamente, para que a aplicação dos € 100.000 fosse feita em produtos relacionados com o Grupo BANCO GG.

26. Nunca as AA., por si ou por interposta pessoa, deram indicação ao R., através de FF ou de outra forma, expressa ou tacitamente, para que a aplicação fosse feita em produto de elevado risco.

27. O R. nunca prestou às AA. informações e esclarecimentos sobre a aplicação feita, quer junto delas, quer através de interposta pessoa, nomeadamente de EE. [Eliminado pela Relação]

28. As AA. não foram informadas quer quanto ao tipo de produto em causa, quer quanto às características do mesmo, com excepção do prazo e remuneração. [Eliminado pela Relação]

29. EE dispunha de experiência em investimentos com risco e havia procedido, antes e depois do referido investimento e em nome pessoal, a investimentos em produtos de risco, designadamente produtos financeiros estruturados.

30. As assinaturas e rubricas que constam dos docs. de fls. 157 e 158, referidos nos 11 e 13 dos factos provados, foram feitas pelo punho da A. BB, a pedido e na presença de FF.


Foram dados como não provados os seguintes factos:

a) que tenha sido conversado entre as AA. e EE que a aplicação a que se alude no n.º 17 dos factos provados deveria ter uma remuneração, no prazo de reembolso, de cerca de 5% ao ano;

b) que as AA. não sejam investidoras habituais em produtos bancários;

c) que as AA. não tenham sequer conhecimentos para o fazer;

d) que as AA. e EE pretendessem que os € 100.000,00 fossem aplicados numa operação onde, pelo menos, o capital investido fosse de reembolso assegurado;

e) que, desde o início, EE tenha dado as seguintes indicações a FF: a aplicação não poderia ter que ver com o BANCO GG ou com o Grupo BANCO GG ou com empresas relacionadas com o Grupo HH no Brasil (relação HH/II);

f) que, entre Fevereiro e Março de 2014, FF tenha subscrito, em nome das AA., uma aplicação financeira, em papel comercial da JJ Investments, S.A., no valor de € 100.000,00;

g) que, só passados cerca de 8 meses, depois de FF ter procedido à referida subscrição, é que as AA. se tenham apercebido que a mesma não correspondia ao que havia sido por si pretendido e expressamente solicitado por EE;

h) que o que consta do n.º 23 dos factos provados tenha ocorrido em Maio/Junho de 2014;

i) que a aplicação referida no n.º 9 dos factos provados tenha sido feita sem que que às AA. tenha sido dado a assinar qualquer documento ou contrato;

j) que o investimento referido no n.º 9 dos factos provados tenha sido ponderado e liderado por EE;

k) que a maioria dos investimentos feitos por EE fossem em instrumentos emitidos por entidades do Grupo GG;

l) que em 2014 as melhores taxas de juro disponíveis se encontrassem em cerca de 2,5%;

m) que tenha sido entregue e explicada pelo R. às AA. toda a documentação informativa relativa ao produto referido no n.º 9 dos factos provados, nomeadamente, os mencionados nos n.º 13 e 15 dos factos provados;

n) que, à data da subscrição do produto referido no n.º 9 dos factos provados, tenham sido explicadas às AA., com objectividade e clareza, as características, as condições e os factores de risco desse instrumento financeiro e, em particular, todos os pontos da Ficha Técnica, nomeadamente os riscos associados ao investimento;

o) que tenha ficado bem claro para as AA. que a única entidade responsável pelo reembolso do capital investido e pelo pagamento dos juros era a entidade emitente do papel comercial, a sociedade JJ;

p) que as AA. tenham lido com toda atenção a documentação relativa à emissão do papel comercial, designadamente os documento referidos nos n.ºs 13 e 15 dos factos provados, cujo conteúdo analisaram;

q) que foi após essa leitura que as AA. manifestaram a intenção de subscrever o papel comercial da sociedade JJ;

r) que, em Fevereiro de 2014, as AA. AA e CC tenham dado ao R. ordem de subscrição, no valor global de € 100.000,00, de papel comercial emitido pela sociedade JJ;

s) que o R. não tenha assumido qualquer obrigação de reembolso do papel comercial da Rio Forte, nem antes, nem depois da sua subscrição pelas AA.


     Refira-se que, do documento identificado no ponto 11 dos factos provados e cujo teor as instâncias deram por reproduzido, consta o seguinte:

“(…)

INFORMAÇÃO SOBRE OS RISCOS GENÉRICOS ASSOCIADOS AO PAPEL COMERCIAL

O investimento em Papel Comercial poderá levar à perda total ou parcial do capital investido.

RISCO DE CRÉDITO, RISCO DE ENTIDADE EMITENTE E/OU GARANTE E RISCO PAÍS

O pagamento de rendimentos bem como o retorno do capital investido na sua totalidade estão sujeitos (para além das características intrínsecas da emissão obrigacionista específica) à capacidade da entidade emitente e/ou garante dispor dos títulos dos fundos necessários para a satisfação das suas obrigações de crédito, não estando estes garantidos caso ocorra um evento de crédito com a entidade emitente e/ou garante.

RISCOS INERENTES AO PAPEL COMERCIAL

O papel comercial pode não ser um investimento adequado para todos os investidores.

Cada potencial investidor em papel comercial deve determinar a adequação desse investimento em função das suas circunstâncias próprias. (…)

RISCO DE TAXA DE JURO

(…)

RISCO CAMBIAL

(…)

RISCO DE LIQUIDEZ

(…)

Em nenhuma situação o Banco DD pode ser responsabilizado caso de materialize algum dos riscos mencionados acima”.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4 do art. 635º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Nulidade processual por violação do princípio do contraditório;

- Violação de normas legais pela Relação, ao eliminar os pontos 27 e 28 da matéria de facto;

- Reapreciação da subsunção dos factos ao direito.


O pedido de ampliação do objecto do recurso feito pelo Recorrido tem como conteúdo as questões, tanto relativas à decisão da matéria de facto como à decisão de direito, cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão da Relação de alterar a matéria de facto, eliminando os pontos 27 e 28 da mesma.

      Esclareça-se que, caso o recurso de revista das AA. seja julgado procedente, as questões suscitadas pelo Recorrido em sede de ampliação do objecto do recurso não poderão ser conhecidas por este Supremo Tribunal. Não poderão ser conhecidas as demais questões relativas à impugnação da matéria de facto pelo R. apelante, que a Relação não apreciou, por não caberem na competência deste Tribunal (cfr. art. 674º, nº 3, primeira parte, do CPC). Mas também não o poderão ser as questões de direito suscitadas na apelação, e que a Relação considerou prejudicadas, pelas razões enunciadas na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 11/2015, de 02/07/2015 (publicado no Diário da República de 18/09/2015), que aqui se transcreve na parte relevante:

Face ao estatuído na parte final do art. 679° do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para o recurso de apelação, no art. 665°, não podendo, deste modo, o STJ - não apenas, como sempre sucedeu (cfr. art. 684°), suprir a nulidade de omissão de pronúncia cometida pela Relação - mas também apreciar, pela primeira vez, questões que as instâncias deixaram de apreciar, por as terem por prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Saliente-se que, no velho CPC, ao prever o regime do julgamento da revista, o n° 1 do art. 726° apenas excepcionava da genérica remissão para as disposições relativas ao julgamento da apelação a norma constante do n° 1 do art. 715°, em que se mandava aplicar a regra da substitui­ção ao tribunal recorrido ao caso em que a Relação, ao julgar a apelação, declarasse nula a decisão recorrida.

Daqui resultava inequivocamente que - como, aliás, decorria da expressa previsão legal há muito contida no n° 2 do art. 731º - a procedência da nulidade de omissão de pronúncia implicava que o STJ devesse mandar baixar o processo, para se fazer a reforma da decisão anulada, em princípio pelos mesmos juízes que a haviam proferido.

Não era, porém, perante a norma constante do citado art. 726° - que não ressalvava, ao menos explicitamente, a situação prevista no n° 2 do art. 715º do CPC - inteiramente líquido se este regime limitativo da regra da substituição - determinado pela consideração que o STJ não deveria conhecer, simultaneamente em primeira e última instância, de questões de direito ainda nunca apreciadas no processo, eliminando irremediavelmente a possibilidade de funcionamento do duplo grau de jurisdição - se deveria transpor para os casos em que — inexistindo o vício de omissão de pronúncia - as instâncias deixaram (legitimamente) de conhecer e apreciar determinada questão, por a considerarem prejudicada pela solução dada ao litígio (veja-se a abordagem desta questão, por exemplo, no Ac. de 21/10/10, proferido pelo STJ no P. I2280/07.6TBVNG.P1.S1).

Sucede que o novo CPC, no art. 679°, tomou expressa posição sobre esta problemática, passando a prever e regular, para este efeito, em termos idênticos e indistintos, as situações em que existe efectiva nulidade por omissão de pronúncia (decorrente de o tribunal a quo ter indevidamente omitido a apreciação de certa questão relevante) - n° 1 do art. 665° - e de mera (e legítima) não pronúncia sobre questões, anteriormente suscitadas no processo, que fica­ram prejudicadas pela solução dada ao litígio - n° 2 do art. 665° do CPC em vigor.” [negritos nossos]


Assim, se a resolução das questões objecto do recurso de revista das AA. vier a determinar a revogação da decisão do acórdão da Relação, terá o processo de baixar ao Tribunal da Relação para conhecimento das questões objecto do recurso de apelação que ficaram prejudicadas pela decisão aqui recorrida (correspondentes às questões objecto da ampliação do recurso de revista do R.).


5. Quanto à questão da alegada nulidade processual por violação do princípio do contraditório invocam as AA. que tal ocorreu por a Relação “não ter dado oportunidade às Recorrentes para se pronunciarem sobre a solução jurídica encontrada no acórdão recorrido, o que determina a nulidade de todos os atos processuais praticados depois de ter sido subtraída essa oportunidade às Recorrentes, incluindo a própria decisão recorrida”.

         Vejamos.

Ainda que as conclusões recursórias, assim como o teor do corpo das alegações (a fls. 407-408) não concretizem o ponto ou a matéria em que, alegadamente, a decisão da Relação desrespeitou o princípio do contraditório, sempre se dirá que, tendo o R. apelante impugnado os pontos 27 e 28 da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, a Relação podia e devia, nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, apreciar tal impugnação tendo em conta toda a prova produzida. Na verdade, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos concretos pontos impugnados, embora, quanto à amplitude da investigação probatória, a Relação tenha poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, sem estar circunscrita aos meios de prova invocados pelo recorrente, nem tampouco aos meios de prova indicados pelo tribunal recorrido.

Na medida em que as AA. apeladas puderam pronunciar-se sobre as alegações do recurso de apelação do R. (o que, aliás, fizeram mediante a apresentação das contra-alegações de fls. 347 e segs., com referência expressa aos pontos 27 e 28 da factualidade provada - cfr. fls. 356-362), conclui-se pela não verificação da alegada nulidade processual por violação do princípio do contraditório.


6. Relativamente à questão da alegada violação de normas legais pela Relação, ao eliminar os pontos 27 e 28 da matéria de facto (com fundamento em que a força probatória do teor dos documentos indicados nos factos provados 12 e 13 prevalece sobre a prova testemunhal), estando em causa a aplicação de norma legal que fixa a força de meio de prova, nos termos da parte final do nº 3 do art. 674º do CPC, tal questão é sindicável por este Supremo Tribunal.

     Há que ter presente que, com relevância para a apreciação da presente questão, a 1ª instância deu como provados os factos seguintes:


5. As AA. pretendiam uma aplicação bancária que pudesse ser remunerada acima de um normal depósito a prazo.

6. Para que tal aplicação fosse constituída, teriam as AA. que abrir urna conta de depósitos à ordem junto do R., o que fizeram em Janeiro de 2014, tornando-se, assim, clientes do R.

7. À data de 1.2.2014, tal conta, que tinha o nº …, estava já provisionada com o valor de € 101.000.

8. A JJ Investments, SA, era uma empresa do universo BANCO GG/Grupo BANCO GG, que foi declarada insolvente por um tribunal luxemburguês

9. Nos extractos da conta referida, emitidos em 1.3.2014 e em 1.7.2016, constam os seguintes "Activos - Obrigações e outros Valores Mobiliários semelhantes": JJ Invest – SA.../08/… 37ª Em Papel Comercial HHR…AJM…, no valor de € 100.000,00, conforme docs. de fls. 32 a 37, que se dão por reproduzidos.

11. A fls. 157 dos autos consta um documento original, com a menção, no canto superior direito, de "PAPEL COMERCIAL Compra/Anulação", e em que é identificada como cliente a ora A. Fernanda Santana, o qual contém uma ordem de compra, datada de 4.2.2014, de papel comercial emitido pela JJ Investments, SA, com o ISIN HHR…AJM …, na modalidade de oferta particular de subscrição, no montante de € 100.000 e com maturidade a 11.8.2014, cujo teor se dá por reproduzido.

[o teor do documento de fls. 157 é o seguinte:

“(…)

INFORMAÇÃO SOBRE OS RISCOS GENÉRICOS ASSOCIADOS AO PAPEL COMERCIAL

O investimento em Papel Comercial poderá levar à perda total ou parcial do capital investido.

RISCO DE CRÉDITO, RISCO DE ENTIDADE EMITENTE E/OU GARANTE E RISCO PAÍS

O pagamento de rendimentos bem como o retorno do capital investido na sua totalidade estão sujeitos (para além das características intrínsecas da emissão obrigacionista específica) à capacidade da entidade emitente e/ou garante dispor dos títulos dos fundos necessários para a satisfação das suas obrigações de crédito, não estando estes garantidos caso ocorra um evento de crédito com a entidade emitente e/ou garante.

RISCOS INERENTES AO PAPEL COMERCIAL

O papel comercial pode não ser um investimento adequado para todos os investidores.

Cada potencial investidor em papel comercial deve determinar a adequação desse investimento em função das suas circunstâncias próprias. (…)

RISCO DE TAXA DE JURO

(…)

RISCO CAMBIAL

(…)

RISCO DE LIQUIDEZ

(…)

Em nenhuma situação o Banco DD pode ser responsabilizado caso se materialize algum dos riscos mencionados acima”.]

12. No verso desse doc. de fls. 157 consta, nomeadamente: “Declaro, Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancoBanco DD.HH e que recebi cópia documentação relativa a esta operação. Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicados na respectiva documentação, não assumindo o Banco DD qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso. Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco DD é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes. Ter conhecimento que o Banco DD creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custo diante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários (...)”.

13. A fls. 158 dos autos consta um documento original intitulado "JJ Investments S.A. Ficha Técnica SERIE 37", relativa a emissão de papel comercial com o ISIN HHR…AJM …, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, nomeadamente: “Papel comercial constitui obrigação apenas do Emitente”, “A aquisição de papel comercial envolve uma confiança na capacidade de crédito do Emitente. O papel comercial não é garantido por qualquer entidade” e “Recebi e tomei conhecimento das condições constantes do presente documento e da respectiva Nota Informativa, que recebi em momento anterior à subscrição da oferta particular de Papel Comercial JJ Investments, SA”.

27. O R. nunca prestou às AA. informações e esclarecimentos sobre a aplicação feita, quer junto delas, quer através de interposta pessoa, nomeadamente de EE.

28. As AA. não foram informadas quer quanto ao tipo de produto em causa, quer quanto às características do mesmo, com excepção do prazo e remuneração.

30. As assinaturas e rubricas que constam dos docs. de fls. 157 e 158, referidos nos 11 e 13 dos factos provados, foram feitas pelo punho da A. BB, a pedido e na presença de FF.


     A Relação alterou a matéria de facto, eliminando os factos 27 e 28, com a seguinte fundamentação:

“3. Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.

   A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da responsabilidade imputada ao R., ora apelante, na qualidade de intermediário na subscrição da aplicação financeira em causa.

   Impugna o apelante a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida, sustentando, em primeiro lugar, dever ser dada como não provada a constante dos respectivos pontos 27 e 28.

    A tal respeito, constata-se que a matéria impugnada, na parte em que se deu como provado que o apelante nunca prestou às AA., ora apeladas, informações e esclarecimentos sobre a aplicação feita, e não foram aquelas informadas quanto ao tipo de produto em causa e às características do mesmo, colide frontalmente, no que respeita à apelada BB - única relativamente à qual tal omissão seria relevante, dado ter sido quem subscreveu o contrato - com o teor dos documentos a que se reportam os pontos 12 e 13 da factualidade assente.

    Uma vez que desses documentos expressamente resulta que aquela apelada, nomeadamente, declarou ter sido devidamente informada sobre as características e condições do título que pretendia adquirir e haver recebido cópia da documentação relativa à operação, bem como tomado conhecimento e aceite integralmente as condições da emissão.

   Fazendo tais documentos prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, e considerando-se os factos compreendidos na declaração provados, na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (art. 376º, nºs 1 e 2, C.Civil), tem essa declaração de prevalecer sobre o teor dos aludidos pontos 27 e 28 - os quais, consequentemente, se decide eliminar. [negritos nossos]

           

A referida alteração da matéria de facto revelou-se decisiva para a reapreciação da decisão de direito em sentido favorável ao R. apelante.

No presente recurso de revista insurgem-se as AA. contra a eliminação dos factos 27 e 28, invocando essencialmente o seguinte: (i) que o âmbito da força probatória dos documentos 12 e 13 é mais restrito do que aquele que lhes foi atribuído pelo acórdão recorrido por aplicação do art. 376° do Código Civil; (ii) que, sobre o regime do art. 376º do CC, prevalecem os regimes especiais do art. 312º do Código dos Valores Mobiliários e do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais, relativos aos ónus de cumprimento dos deveres de informação que incidem sobre o R. intermediário financeiro.

Comecemos por considerar esta segunda ordem de argumentos.

Não estando em dúvida que, de acordo com o disposto no art. 321º, nº 3, do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores”, o pedido formulado pelas AA. teria de ser compatível com os efeitos que o diploma legal das Cláusulas Contratuais Gerais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro) prevê para o desrespeito dos deveres de comunicação e de informação das cláusulas (arts. 5º e 6º), os quais consistem na exclusão das cláusulas afectadas ou, em determinadas hipóteses, na nulidade do contrato (arts. 8º e 9º). Tal compatibilidade não se verifica, uma vez que o pedido em causa consiste em pretensão indemnizatória dirigida contra o R., com fundamento em responsabilidade civil por violação dos deveres de informação do intermediário financeiro. Não pode, por isso, ser equacionada a aplicabilidade, invocada pela primeira vez em sede de recurso de revista, do regime das Cláusulas Contratuais Gerais.

   Quanto ao regime do Código dos Valores Mobiliários, ainda que – enquanto sede da regulação normativa do contrato de intermediação financeira – o mesmo seja aplicável ao contrato dos autos, tal regime não se afigura, porém, pertinente para a resolução da questão que estamos a apreciar e que, recorde-se, consiste na alegada violação de normas legais de direito probatório pela Relação, ao eliminar os pontos 27 e 28 da matéria de facto.

Na verdade, e independentemente das considerações que possam ser feitas a propósito da natureza e regime dos deveres legais de informação do intermediário financeiro, previstos no art. 312º do CVM – designadamente acerca da existência ou não de uma presunção normativa de ilicitude –, certo é que esta problemática se afigura irrelevante para a resolução da questão sub judice.

Com efeito, não se trata de apurar qual o regime de distribuição do ónus da prova entre as partes, em função do lugar que ocupam na relação contratual de intermediação financeira; trata-se sim de apreciar se a Relação podia, e devia, eliminar da factualidade provada os pontos 27 e 28 (que a sentença deu como provados, com base em prova testemunhal), tendo em conta o teor dos pontos 12 e 13 (e, na verdade, também do ponto 11) quanto às declarações constantes dos documentos de subscrição do produto financeiro assinados pela 2ª A. Deste modo, a questão a decidir respeita exclusivamente à força probatória de tais documentos e suas consequências em função do regime geral do Código Civil.

Por outras palavras, trata-se de aferir se o tribunal de 1ª instância podia ter feito prevalecer sobre a prova documental produzida (que demonstra o cumprimento dos deveres de informação do R. intermediário financeiro), os resultados da prova testemunhal da qual deriva ter o R. incorrido em cumprimento defeituoso desses mesmos deveres.

Vejamos.

Dispõe o art. 376º do CC:

“1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.

2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.

3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.”


  Interpretando conjugadamente os nºs 2 e 3 deste preceito, conclui-se que, tendo sido provado que os documentos indicados nos pontos 12 e 13 (e também no ponto 11) da matéria de facto foram assinados pela 2ª A., está plenamente provada a emissão das declarações neles contidas e, nas palavras de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação I ao artigo 376º), tais declarações “terão a força probatória correspondente à sua natureza. Serão válidas e eficazes ou não, entre os intervenientes no documento ou para com terceiros, de acordo com o regime que lhes couber. Assim, se compreenderem ‘factos desfavoráveis’ ao declarante, sendo então declarações confessórias, o seu valor probatório é o que consta do nº 2 do artigo 358º e do artigo 360º (indivisibilidade da confissão). Ficam plenamente provados os factos desfavoráveis, se a declaração for dirigida à parte contrária ou a quem a represente; não perante terceiros.” [negritos nossos]

   Assim, no caso dos autos, os factos desfavoráveis à declarante (a aqui 2ª A.) que constam dos documentos indicados nos pontos 12 e 13 (e também no ponto 11), tendo sido dirigidos à contraparte do contrato de intermediação financeira (o aqui R.) têm valor confessório, com força probatória plena (art. 358º, nº 2, do CC). Consequentemente, tais factos, relativos ao conhecimento das características e riscos inerentes à aplicação financeira, não admitem prova testemunhal em contrário (nº 2 do art. 393º do CC).

Acresce que, na medida em que o contrato de intermediação financeira celebrado com investidores não qualificados exige a forma escrita (art. 321º, nº 1, do CVM), não poderia a prova, tanto da celebração do contrato como do seu conteúdo, ser substituída por prova testemunhal (art. 393º, nº 1, do CC) nem “por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior” (art. 364º, nº 1 do CC).

     Ora, a sentença de 1ª instância, ao dar como provados por prova testemunhal (e declarações de parte), factos contrários às declarações constantes dos documentos assinados pela 2ª A., às quais a lei atribui valor confessório, com força probatória plena, desrespeitou os comandos dos nºs 1 e 2 do art. 393º, e do nº 1 do art. 364º, ambos do Código Civil.

Assim, o acórdão recorrido, ao eliminar os pontos 27 e 28 da matéria de facto, limitou-se a fazer respeitar a hierarquia dos meios probatórios, pelo que não merece censura.

Conclui-se, pois, pela não verificação da alegada violação de normas legais de direito probatório pela Relação, ao eliminar os pontos 27 e 28 da matéria de facto.


7. Quanto à questão de, subsidiariamente, e caso não viesse a ser censurada a eliminação dos pontos 27 e 28 da matéria de facto, se reapreciar a questão da subsunção dos factos provados ao direito, limitam-se as Recorrentes a alegar que a decisão de absolvição do Recorrido do pedido de condenação a pagar-lhes uma quantia indemnizatória equivalente ao valor do capital perdido pelas AA. é incompatível com a factualidade dada como provada pela Relação (nomeadamente com os pontos 19, 21, 22, 23, 25 e 26), ocorrendo, segundo as Recorrentes, uma “grosseira violação, por parte do Recorrido, das indicações que lhe foram dadas” (pág. 17 do corpo das alegações).

    Vejamos.

     Entende-se que, dos factos provados, nada se extrai que permita responsabilizar o R., enquanto intermediário financeiro, pela perda do valor do capital investido pelas AA.:  

- O facto 19 (“As AA. e EE [familiar das AA.] pretendiam que os € 100.000 fossem aplicados, tanto quanto possível, numa operação sem elevado risco associado”) nada prova quanto às relações entre as AA. e o R. ou seu agente;

- Os factos 21 e 22 (“Desde o início, EE deu as seguintes indicações a FF: [a] aplicação não poderia ter um elevado risco associado e deveria ser feita por um prazo relativamente curto, no máximo de reembolso a 6 meses”; “FF sabia que o EE não apreciava produtos financeiros relacionados com o BANCO GG ou com o Grupo BANCO GG”) dizem respeito às relações de um terceiro, familiar das AA., com o agente do R., sem que tivesse sido alegado ou provado que aquele familiar actuou como representante das AA.;

- O facto 23 (“Só passados alguns meses, não concretamente apurados, da data que consta do nº 11 dos factos provados, é que a A. BB se apercebeu e ficou a saber que o investimento feito havia sido o referido no nº 9 dos factos assentes”) apenas indicia uma conduta negligente da aqui 2ª A.;

- A prova de que “Nunca as AA., por si ou por interposta pessoa, deram indicação ao R., através de FF ou de outra forma, expressa ou tacitamente, para que a aplicação dos € 100.000 fosse feita em produtos relacionados com o Grupo BANCO GG” (facto 25) e de que “Nunca as AA., por si ou por interposta pessoa, deram indicação ao R., através de FF ou de outra forma, expressa ou tacitamente, para que a aplicação fosse feita em produto de elevado risco” (facto 26) não significa que se tenha provado o inverso, isto é, que as AA. tenham dado indicações ao R. no sentido da não subscrição dos referidos produtos.

Em síntese, dos factos provados, o que é possível extrair, com relevância para a decisão de direito, é tão-somente que a 2ª A. realizou, com fundos comuns às demais AA., a aplicação financeira identificada no facto 9, mediante a assinatura de documentos (de fls. 157, 157v, 158 e 158v) indicados nos pontos 11, 12 e 13 da matéria de facto, dos quais constam expressamente as seguintes informações relativas à identificação e características da aplicação em causa, designadamente enquanto produto de risco:


11. A fls. 157 dos autos consta um documento original, com a menção, no canto superior direito, de "PAPEL COMERCIAL Compra/Anulação", e em que é identificada como cliente a ora A. BB, o qual contém uma ordem de compra, datada de 4.2.2014, de papel comercial emitido pela JJ Investments, SA, com o ISIN HHR…AJM …, na modalidade de oferta particular de subscrição, no montante de € 100.000 e com maturidade a 11.8.2014, cujo teor se dá por reproduzido.

[o teor do documento de fls. 157 é o seguinte:

“(…)

INFORMAÇÃO SOBRE OS RISCOS GENÉRICOS ASSOCIADOS AO PAPEL COMERCIAL

O investimento em Papel Comercial poderá levar à perda total ou parcial do capital investido.

RISCO DE CRÉDITO, RISCO DE ENTIDADE EMITENTE E/OU GARANTE E RISCO PAÍS

O pagamento de rendimentos bem como o retorno do capital investido na sua totalidade estão sujeitos (para além das características intrínsecas da emissão obrigacionista específica) à capacidade da entidade emitente e/ou garante dispor dos títulos dos fundos necessários para a satisfação das suas obrigações de crédito, não estando estes garantidos caso ocorra um evento de crédito com a entidade emitente e/ou garante.

RISCOS INERENTES AO PAPEL COMERCIAL

O papel comercial pode não ser um investimento adequado para todos os investidores.

Cada potencial investidor em papel comercial deve determinar a adequação desse investimento em função das suas circunstâncias próprias. (…)

RISCO DE TAXA DE JURO

(…)

RISCO CAMBIAL

(…)

RISCO DE LIQUIDEZ

(…)

Em nenhuma situação o Banco DD pode ser responsabilizado caso de materialize algum dos riscos mencionados acima”.

12. No verso desse doc. de fls. 157 consta, nomeadamente: “Declaro, Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancoBanco DD.HH e que recebi cópia documentação relativa a esta operação. Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicados na respectiva documentação, não assumindo o Banco DD qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso. Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco DD é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes. Ter conhecimento que o Banco DD creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custo diante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários (...)”.

13. A fls. 158 dos autos consta um documento original intitulado "JJ Investments S.A. Ficha Técnica SERIE 37", relativa a emissão de papel comercial com o ISIN HHR…AJM …, cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta, nomeadamente: “Papel comercial constitui obrigação apenas do Emitente”, “A aquisição de papel comercial envolve uma confiança na capacidade de crédito do Emitente. O papel comercial não é garantido por qualquer entidade” e “Recebi e tomei conhecimento das condições constantes do presente documento e da respectiva Nota Informativa, que recebi em momento anterior à subscrição da oferta particular de Papel Comercial JJ Investments, SA”.


Perante o teor destes documentos, assinados e rubricados pela 2ª A., a demais factualidade provada, relativa às circunstâncias em que o investimento teve lugar, é, por si só, insuficiente para destruir a prova feita quanto ao efectivo cumprimento dos deveres de informação previstos no art. 312º do Código dos Valores Mobiliários por parte do intermediário financeiro, o aqui R., não podendo, por isso, responsabilizar-se este último pela perda do capital investido pelas AA.

Conclui-se, assim, não merecer censura a subsunção dos factos ao direito tal como realizada pela Relação.


8. Não tendo sido acolhidas as pretensões das Recorrentes fica prejudicada a necessidade de conhecimento das questões suscitadas no pedido de ampliação do objecto do recurso formulado pelo Recorrido.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 30 de Maio de 2019


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho