Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2487/07.1TBCBR-C.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: INCIDENTES DA INSTÂNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
CESSIONÁRIO
CESSÃO DE CRÉDITOS
SIMULAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIDO O OBJECTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / INCIDENTES DA INSTÂNCIA - RECURSOS / INTERPOSIÇÃO DE RECURSO / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4.ª Edição, 345.
- Alberto dos Reis, Comentário ao “Código de Processo Civil”, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, 563 e 566.
- Salvador da Costa, Incidentes da Instância, Almedina, 7.ª Edição, 2014, 7 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 262.º, ALÍNEA A), 356.º, 637.º, N.º 2, 644.º, N.º 1, ALÍNEA A), 671.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEAS A) E B).
Sumário :
I. Os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem, como sucede nos casos de substituição de alguma das partes - art.º 262.º, alínea a), do CPC.

II. Diferentemente do previsto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, quanto ao cabimento do recurso de apelação autónoma de decisão da 1.ª instância que ponha termo a incidente processado autonomamente, os parâmetros de admissibilidade da revista definidos no n.º 1 do art.º 671.º do mesmo diploma não contemplam as decisões finais dos incidentes da instância que versem unicamente sobre a relação processual.

III. Assim, do acórdão da Relação que revogue uma decisão da 1.ª instância a julgar procedente um incidente de habilitação singular de cessionário, considerando, ao invés, tal habilitação improcedente com fundamento em nulidade, por simulação, da invocada cessão de crédito, só é admissível revista com base nos fundamentos especiais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC. 

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA, Lda., intentou, em 2007, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB - Engenharia e Construção, S.A., atualmente denominada CC - Engineering & Solutions, S.A., na qual foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 01/06/2012, com o seguinte teor dispositivo:   

«a) - Declara-se que a A. é titular de um crédito sobre a R. no montante de € 63.953, 81 e respectivos juros à taxa comercial desde 20/05/2006, relativamente à obra de C… B…;

b) - Declara-se que a A. é titular de um crédito sobre a R. relativamente à obra do Hospital de …, em Lisboa, no montante de € 61.809, 38 (facturas 84/2006, 85/2006, 86/2006), quantia exigível pela A. logo que se mostre que o Hospital pagou aqueles trabalhos à Ré;

c) - Declara-se que a R./Reconvinte  é titular de um crédito indemnizatório sobre a A./Reconvinda de montante ainda não apurado, por dano em razão da mora no cumprimento do contrato de subempreitada no Hospital de ….

d) - E assim se reconhecendo a declaração de compensação recíproca de tais créditos de A./Reconvinda e R./Reconvinte.

e) - Remetendo-se, em consequência, as partes para adequado incidente de liquidação do crédito ilíquido da R./Reconvinte.

f) - E, efectuada a liquidação e compensação dos créditos válidos, exigíveis, liquidáveis e recíprocos, nesse adequado incidente de liquidação se condena a R./Reconvinte no pagamento à A. da quantia que resultar da diferença dos créditos integralmente liquidados.

g) - Na parte do crédito da A. que se mostre excedente ao crédito da R./Reconvinte, vai esta (R.) condenada a pagar à A. os peticionados e respetivos juros moratórios, à taxa supletiva legal aplicável às dívidas de natureza comercial, vencidos - uma vez decorrido o aludido prazo de 120 dias a contar da data de emissão das correspondentes facturas - e vincendos, até integral pagamento.

h) - No mais, julgando-se acção e reconvenção improcedentes, por não provadas, vão as respectivas demandadas absolvidas do contra si peticionado.»

2. Posteriormente, em 06/04/2015, veio a sociedade DD - Armazém e Comércio de Ferramentas, Lda., deduzir, por apenso àquele processo, um designado incidente de habilitação e liquidação de sentença, alegando ter celebrado, em 25/09/2014, com a sociedade AA, Lda., um contrato de cessão de crédito, nos termos do qual esta sociedade cedeu àquela a totalidade do crédito, no valor de € 125.763,19, resultante, para a cedente, do acórdão acima referido com as inerentes garantias e elementos acessórios, cessão que fora notificada à sociedade EE, S.A., em 13/11/2014.

Nessa base, a DD - Armazém e Comércio de Ferramentas, Lda., requereu:

a) – A sua habilitação para intervir em substituição da A./Reconvinda AA, Lda.;

b) – A liquidação do crédito cedido à ora Requerente em € 125.763,19;

c) – A condenação da Requerida a pagar à Requerente a quantia de € 125.763,19, acrescida dos juros já vencidos, no montante de € 49.380,84, bem como nos juros já vencidos referentes às faturas n°s 84…6, 85…6, 86…6, contados que sejam 120 dias da data de emissão das correspondentes faturas, pela R./Reconvinte ao Hospital de …, e ainda os vincendos até efetivo e integral pagamento.

3. Foi proferido, liminarmente, o despacho de fls. 86, datado de 15/04/2015, a considerar processualmente incompatível a tramitação conjunta do incidente de habilitação de cessionário e do incidente de liquidação, convidando a Requerente a deduzir, neste apenso, apenas o incidente de habilitação e, no processo principal, o incidente de liquidação.

 4. Na sequência disso, veio então a Requerente deduzir o incidente de habilitação, conforme o articulado de fls. 88-89/v.º, o qual foi contestado pela sociedade CC - Engineering & Solutions, S.A., alegando que:

  . Conforme consta do aditamento ao contrato de subempreitada relativo à obra do Hospital de …, celebrado entre a Requerida e a AA, já junto aos autos principais, ficou estipulado entre as partes, na cláusula 10.2, que: "os pagamentos dos trabalhos constantes desta adjudicação e dos eventuais aditamentos serão efetuados a AA, estando vedado a este, nos termos do artigo 577. ° do CC, a cessão dos créditos emergentes, incluindo a sociedades de factoring;

  . A AA, não pretendendo que o valor que eventualmente tivesse a receber no âmbito da presente ação ficasse com os seus credores, simulou a cessão de créditos como meio de receber os valores em causa;

   . A cessão nunca poderia ter sido celebrada, na medida em que a globalidade do crédito da AA perante a Requerida foi declarada compensada por decisão já transitada em julgado;

  . A cessão celebrada entre cedente e cessionária torna a defesa da R. Requerida manifestamente mais complicada, pelo que não deverá ser admitida nos termos do 263.º n.º 2, do CPC.

 5. Foi proferida, em 1.ª Instância, a decisão de fls. 164-171/v.º, datada de 16/03/2016, a julgar procedente o requerido incidente de habilitação, declarando-se a sociedade DD - Armazém e Comércio de Ferramentas, Lda., habilitada como cessionária da sociedade AA, Lda., para com ela prosseguirem os termos da ação principal.

 6. Inconformada com tal decisão, veio a Requerida CC - Engineering & Solutions, S.A., interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, através do acórdão de fls. 241-246, datado de 15/12/ 2016, concedeu provimento ao recurso e declarou a nulidade, por simulação, do contrato de cessão de crédito em causa com as legais consequências.

7. Desta feita, inconformada a Requerente DD - Armazém e Comércio de Ferramentas, Lda., veio pedir revista, ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1 e 3, do CPC, formulando as seguintes conclusões:

1.ª – No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou totalmente procedente a apelação interposta pela apelante BB e, alterando a matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal de 1.ª instância, em concreto os 3.º e 4.º pontos, declarou a nulidade, por simulação, do contrato de Cessão de Créditos outorgado entre a Apelada e sociedade AA, LDA., com a consequente improcedência da habilitação da apelada nos autos principais.

2.ª - Para tanto, e lançando mão, única e simplesmente, de presunções jurídicas, concluiu que estavam reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos ínsitos no n.º 1 do art.º 240.º do CC, fazendo tábua rasa de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e da respetiva análise cuidada da mesma feita pelo Meritíssimo Juiz de 1a instância.

3.ª - O acórdão recorrido, ao decidir conforme decidiu, violou e/ ou aplicou erradamente a lei substantiva e de processo, em concreto o preceituado nos artigos art.º 240.º, n.º 1, 286.º e 342.º do CC, bem como o preceituado no art.º 20.º da CRP e dos artigos 3.º, n.º 3, e 662.º, n.º 2, do CPC;

4.ª - Exige o art.º 240.º do CC três requisitos para que haja simulação e, nessa conformidade, o negócio ser declarado nulo: i) divergência entre a vontade real e a vontade declarada; ü) intuito de enganar terceiros; e iii) acordo simulatório.

5.ª - A nulidade pode ser invocada, diz a lei, por qualquer interessado, isto é, pelo titular de qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica como prática, seja afetada pelo negócio (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume 1, 4.a Edição Revista e Actualizada, anotação ao artigo 286°, pág. 263, Coimbra Editora);

6.ª - Tanto jurídica como prática, a ora Recorrida nunca foi nem será afetada pela cessão de créditos, não se podendo valer do facto, corno já alegou, que é mais fácil defender-se perante uma massa insolvente do que perante uma sociedade solvente.

7.ª - Nesta conformidade, e salvo melhor opinião, carece de legitimidade a Recorrida para invocar a nulidade do contrato de cessão de créditos.

8.ª - O Tribunal a quo, ao dar razão à ora Recorrida, violou o disposto no art.º 286.º do CC, atenta a ilegitimidade da Recorrida para invocar a nulidade do contrato de cessão de créditos.

9.ª - O art.º 342.º do CC, sob a epígrafe "Ónus da prova", estatui o seguinte:

«1. Aquele que invocar um direito cabe fizer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos ,factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.»

10.ª - Foi a ora Recorrida quem invocou a simulação do contrato de cessão de créditos e, com base nessa simulação, arguiu a sua nulidade.

11.ª - Não restam dúvidas, pois, que, nos termos do disposto no n.º 1 daquele art.º 342.º do CC, compete à ora Recorrida, por ter sido quem invocou a simulação, a prova desse facto.

12.ª - Assim decidiu, e bem, o STJ, nos acórdãos de 14-02-2008, no processo n.º 08B180, e de 09-05-2002, no processo 02B511;

13.ª - Por outro lado, não podemos esquecer que, nos termos do CPC, podia e deveria a ora Recorrida ter requerido a junção de todos os elementos de prova que reputasse de essenciais para a prova da alegada simulação, nomeadamente a junção de documentos na posse da parte contrária (art.º 427.º do CPC) ou a notificação da autoridade tributária para vir aos autos demonstrar a faturação das empresas.

14.ª - Assim, é sobre a ora Recorrida que compete a prova da simulação, o que não sucedeu, tendo o Tribunal “a quo” violado a regra referente à repartição do ónus da prova estatuída no n.º 1 do art.º 342.º do CC.

15.ª - Dispõe o 1 do art.º 662.º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os atos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

16.ª - E, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 deste art.º 662.º do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova.

17.ª - Pela argumentação aduzida ao longo do acórdão recorrido, percebe-se claramente que a relação tem sérias dúvidas relativamente à existência das faturas indicadas no contrato de cessão de créditos.

18.ª - Nesta conformidade, entende a ora Recorrente que incumbia à Relação o dever de ordenar a produção de novos meios de prova, mormente a prova da existência das faturas indicadas no contrato de cessão de créditos.

19.ª - Ao não o fazer, o Tribunal “a quo” e, consequentemente, o acórdão recorrido, violaram o disposto na alínea b) do n.º 2 deste art.º 662.º do CPC.

20.ª - O princípio do contraditório tem o seu assento primeiro no art.º 20.º da CRP, o qual encontrou expressão na lei ordinária – art.º 3.º do CPC –, garantindo uma participação efetiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de lealdade processual que lhes impõe o dever de participar na decisão, em paridade, trazendo ao processo todos os elementos com relevo para a mesma.

21.ª - O n.º 3 do art.º 3.º do CPC impõe ao juiz o dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

22.ª - O princípio do contraditório visa, em última instância, a prolação, por parte do julgador, de decisões surpresa, daí que, na estruturação de um processo justo, o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.

23.ª - No caso que agora nos ocupa, o Tribunal “a quo” veio, pela primeira vez, pôr em causa a atribuição, ou melhor, a repartição do ónus da prova, impondo à ora Recorrente tal ónus relativamente à licitude, ou não, do contrato de cessão de créditos.

24.ª - Porém, e se entende que o ónus da prova pertence à ora Recorrente, situação nunca sequer levantada nem pelas partes nem pelo Tribunal de 1.ª instância, o Tribunal “a quo” deveria ter dado hipótese à Recorrente, antes apelada, de contraditar tal entendimento e, no limite, de produzir prova nesse sentido, atento o disposto na já referida alínea b) do n.º 2 deste art.° 662.° do CPC.

25.ª - Ao não o fazer, o Tribunal “a quo” violou o princípio do contraditório e a proibição de decisão-surpresa.

26.ª - Acresce, ainda, que caso tivesse sido esse o entendimento do Tribunal de 1.ª instância, que não foi, poderia a ora Recorrente ter lançado mão do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC e, nessa altura, ter junto as faturas indicadas no contrato de cessão de créditos, as quais titulam o crédito existente entre a ora Recorrente e a AA.

27.ª - O novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, veio operar a urna singela mas essencial alteração do paradigma do processo civil, passando a reinar, a par do que sucede no processo penal, o princípio da descoberta da verdade material, em preterição da verdade adjetiva.

28.ª - Por outro lado, dispõe o n.º 1 do art.º 680.º do CPC que com as alegações podem-se juntar documentos supervenientes.

29.ª - Nesta conformidade, vem a ora Recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 680.º do CPC, e visando a descoberta da verdade material e a clara demonstração da incorreção do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, requerer a junção aos autos as faturas n.ºs 14…1, 14…2, 14…5, 14…6, 14…10 e 14…12, que se identificam como docs. 1 a 6, as quais se dão por integralmente reproduzidas para os devidos e legais efeitos.

30.ª - Para legitimar a alteração à matéria de facto dada como não provada, nomeadamente a referida nos pontos 3 e 4, o Tribunal “a quo”, tal como consta do acórdão, partiu de conceitos jurídicos, juízos de valor ou conclusões alegadas pela ora Recorrida para, num claro esforço intelectual, encontrar ocorrências, reais e objetivas, da vida, ou seja, factos concretos, precisos e, tanto quanto possível, juízos de valor e conclusões.

31.ª - A apelante, ora Recorrida, pretendeu, com o recurso de apelação, ver provado algo a que o Tribunal “a quo” designou de subjetivo conclusivo, a saber: «A própria cessão de créditos celebrada não é mais do que um meio de dissipação de património por parte da AA... ».

32.ª - No entanto, num claro esforço de emendar a verdade e alterar o espírito da lei, o Tribunal “a quo”, no que tange aos requisitos da simulação, veio dizer que, uma vez que, na essência da simulação, está sempre a intenção de enganar terceiros pela prática de determinados factos, que esses factos já são concretos e objetivos e, por isso, possibilitam que a prova possa ser feita de forma expressa ou de forma menos ostensiva, quando as instâncias recorrem a presunções.

33.ª - Lê-se no acórdão, na sequência do entendimento atrás referido, que "estando verificados os dois primeiros elementos, é lícito ao julgador concluir pelo terceiro, ou seja, tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados, antes nele se baseando de forma a que os factos presumidos sejam o desenvolvimento e a consequência lógica daqueles".

34.ª - E este entendimento com que não concorda e, por isso, não se aceita, tendo por base, até, jurisprudência do STJ, nomeadamente o acórdão de 11-02-2013, do processo 03B2536.

35.ª - Entende a ora Recorrente que, na prova da simulação, não se pode recorrer a simulações, sejam elas de que tipo forem.

36.ª - Ao recorrer a presunções para dar como provados os factos concretos e objetivos de que o legislador faz depender a simulação, o Tribunal a quo violou grosseiramente o disposto no n.º 1 do art.º 240.º do CC.

    Pede a Recorrente que se revogue o acórdão recorrido e se substitua por decisão que mantenha a sentença proferida em 1.ª instância, declarando a ora Recorrente habilitada como cessionária de AA, Lda., para com ela prosseguirem os termos da ação principal.

8. A Recorrida CC - Engineering & Solutions, S.A., apresentou contra-alegações a pugnar, no que aqui releva, pela confirmação do julgado.


    II – Da admissibilidade da revista

          

     Em primeiro lugar, importa ter presente que estamos no âmbito de um incidente de habilitação singular de cessionário, previsto e regulado no artigo 356.º do CPC, deduzido por apenso a uma ação declarativa instaurado em 2007, em que as decisões impugnadas datam de 16/03/2016 (a da 1.ª instância) e de 15/12/2016 (o acórdão da Relação).

      Assim, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06, ao presente recurso é aplicável o regime recursório decorrente do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, com as alterações introduzidas por aquela Lei, com exceção do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, aplicando-se, neste particular, a lei em vigor à data da propositura da ação.

     Ora, o acórdão recorrido reveste a natureza de decisão final proferida num incidente da instância, que consiste, como já foi referido, num incidente de habilitação singular de cessionário, previsto e regulado no artigo 356.ºdo CPC.

Como é sabido, os incidentes da instância traduzem-se em relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, os quais se destinam, em regra, a prover sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem, como sucede nos casos de substituição de alguma das partes - art.º 262.º, alínea a), do CPC[1].

No caso dos autos, tal incidente foi deduzido pela ora Recorrente para intervir em substituição da sociedade AA, Lda., autora na sobredita ação declarativa, e assim prosseguir, na qualidade de requerente, com o incidente de liquidação da condenação genérica ali proferida. 

Sucede que a 1.ª instância julgou aquele incidente de habilitação procedente, declarando a requerente habilitada, mas tal decisão foi revogada pela Relação por considerar a invocada cessão de crédito nula com fundamento em simulação, daí resultando, como consequência, a improcedência desse incidente, não se tendo admitido, por isso, a pretendida habilitação da aqui Recorrente.

      Vem agora a presente revista interposta ao abrigo do artigo 671.º, n.º 1 e 3, do CPC, sem que seja invocado qualquer fundamento de recorribilidade irrestrita.

         O referido artigo, no que aqui releva, prescreve o seguinte:

1 – Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos.

2 – Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

      a) – Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

      b) – Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Assim, diferentemente do previsto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, quanto ao cabimento do recurso de apelação autónoma de decisão da 1.ª instância que ponha termo a incidente processado autonomamente, os parâmetros de admissibilidade da revista definidos no art.º 671.º, n.º 1, do mesmo diploma circunscrevem-se aos acórdãos da Relação que, proferidos sobre decisão da 1.ª instância, conheçam do mérito da causa ou ponham termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos. Não se contemplam, pois, neste normativo as decisões finais dos incidentes da instância que versem unicamente sobre a relação processual. 

Com efeito, o acórdão recorrido não se traduz em decisão que conheça do mérito da causa nem que tenha posto termo ao processo mediante absolvição do réu da instância ou por forma a esta equiparada.

O que se decidiu no acórdão recorrido foi a revogação da decisão da 1.ª instância que julgara procedente o incidente de habilitação singular da cessionária, tal como fora deduzido, com a consequente não admissão da Requerente a intervir em substituição da originária autora da ação principal.

    Trata-se, por conseguinte, de um acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória da 1.ª instância – de estrita natureza incidental –, versando unicamente sobre a relação processual, mais precisamente sobre a pretendida substituição da autora originária pela pretensa cessionária, o que é subsumível ao disposto no n.º 2 do 671.º acima transcrito.

        Como, a este propósito, escreve Abrantes Geraldes[2]:

   «Tratando-se de acórdãos da Relação que incidem sobre decisão da 1.ª instância de natureza interlocutória (…) que versam sobre matéria adjectiva (…), considera-se que, em regra, é bastante o duplo grau de jurisdição, tal como já ocorria no âmbito do sistema dualista relativamente ao recurso de agravo que também só era admitido, sem entraves, até à Relação.» 

Em tais situações, a revista só é admissível nas hipóteses especialmente referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do citado artigo 671.º.

Porém, a Recorrente não invocou qualquer desses fundamentos de recorribilidade, nos termos exigidos pelo artigo 637.º, n.º 2, do CPC. 

    Nestas circunstâncias, face ao preceituado no n.º 2 do indicado artigo 671.º, a contrario sensu, não resta senão concluir pela inadmissibilidade da revista, não se tomando, por isso, conhecimento do objeto do recurso.     

  

    III - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em não tomar conhecimento do objeto do recurso, com fundamento na inadmissibilidade da revista.  

As custas do recurso são a cargo da Recorrente.

Lisboa, 29 de junho de 2017

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

João Luís Marques Bernardo

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[1] Sobre a noção e caracterização dos incidentes da instância, vide Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, pp. 563 e 566; Salvador da Costa, in Incidentes da Instância, Almedina, 7.ª Edição, 2014, pp. 7 e segs..
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4.ª Edição, p. 345.