Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
203/11.2TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
ADVOGADO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DEVER DE DILIGÊNCIA
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 04/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CONTRATOS EM ESPECIAL.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / ADVOGADOS.
Doutrina:
- Calvão da Silva, “A declaração da intenção de não cumprir “, in Estudos de Direito Civil e Processo Civil.
- Carneiro da Frada, Direito Civil – Responsabilidade Civil – O Método do caso, 81.
- Cunha Gonçalves; Tratado XII, 1884, páginas 461 e 462.
- L.P. Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados – Coimbra Editora, 1985.
- Orlando Guedes da Costa, O Direito Profissional do Advogado, 2.ª edição, Almedina, 2004.
- Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, páginas 486 e seguintes.
- Pires de Lima/Antunes Varela, “ Código Civil” Anotado , 3.ª edição, anotação ao artigo 485.º.
- Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª edição, páginas 139 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 485.º, N.º2, 487.º, N.º2, 1156.º, 1157.º
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 208.º.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (NA VERSÃO AO TEMPO VIGENTE): - ARTIGO 83.º E SS..
LOFTJ: - ARTIGO 6.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12/6/2007, 20/5/2010, DE 22/6/2010, 28/9/2010, 4/12/2012, 5/2/2013, 29/1/2014, 6/3/2014, 9/12/2014.
Sumário :
1. Nas obrigações de meios não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto não é suficiente que o credor prove a não obtenção desse efeito previsto para se considerar demonstrado o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso sendo igualmente necessário provar sempre o facto ilícito desse não cumprimento ou cumprimento defeituoso;

2. É pacifico que no exercício do patrocínio forense ou (como é aqui o caso) da consulta jurídica o advogado (apesar de não se obrigar a obter ganho de causa) se obriga a utilizar com diligência e cuidado os seus conhecimentos técnico-jurídicos através dos meios que considere ajustados ao caso e aos interesses do respectivo cliente.

3. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados os deveres de conduta que deontologicamente se mostram adequados ao caso ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar;

4. Assim, a quebra dos deveres profissionais do Advogado enquanto facto gerador de responsabilidade civil contratual para com o cliente terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar, falta de diligencia que deve ser passível de censura na medida em que constitua um erro profissional indesculpável.

5. Ao aconselhar o seu cliente (promitente vendedor) a adoptar no caso concreto um procedimento com suporte na doutrina e na jurisprudência (resolução do contrato por incumprimento definitivo) evidenciado por factos interpretados como de recusa de cumprimento dos promitentes-compradores não se pode concluir que a R tenha actuado de forma negligente desenquadrada das soluções jurídicas adequadas à questão concreta que lhe foi colocada em sede de consulta jurídica.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra BB, RL (sociedade civil de advogados), pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €167.853,98, acrescida dos juros de mora.

Alegou, em síntese, que por documento particular de 11 de Outubro de 2000, se obrigou a vender a CC e a DD a fracção autónoma identificada pela letra …, correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito em …, na Rua …, números … a … e que foi convencionado preço Esc. 60.000.000$00, tendo sido entregues no acto Esc. 15.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente do preço, no montante de Esc. 45.000.000$00, ser pago no acto de celebração da escritura pública de compra e venda.

Alegou ainda que por documento particular de 11 de Outubro de 2000, se obrigou a vender aos referidos CC e DD a fracção autónoma identificada pela letra …, correspondente ao 2° andar do prédio acima identificado tendo sido convencionado o preço de Esc. 43.000.000$00, e tendo havido entrega no acto de Esc. 10.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente do preço, no montante de Esc. 33.000.000$00 ser pago no acto de celebração da escritura pública de compra e venda.

Que em 8 de Janeiro de 2001, os promitentes-compradores enviaram ao autor uma carta em que, invocando a existência de infiltrações muito graves entretanto detectadas em ambas as casas, não existentes, e não detectáveis pelos segundos outorgantes ou anunciadas pelos primeiros outorgantes à data dos contratos-promessa e que por essa razão consideravam que não existiam condições para a celebração do contrato definitivo.

Na sequência da referida carta, o autor contactou a ré no sentido de esta lhe prestar serviços profissionais de advocacia com vista à assistência, aconselhamento e tratamento das questões jurídicas atinentes à celebração das escrituras públicas de compra e venda das identificadas fracções, tendo a ré, através do Dr. EE, face ao silêncio dos contratos no que respeita à interpelação para efeitos de escritura pública, aconselhado o autor a fazer a respectiva notificação, referindo que a mesma deveria ser efectuada de modo a que as escrituras fossem celebradas até 11 de Janeiro de 2001 sob pena de este incorrer em incumprimento.

Afirma que os promitentes-compradores compareceram no Décimo Quarto Cartório Notarial de Lisboa, recusando-se a celebrar a escritura pública com fundamento em que tinham "detectado graves vícios de construção no mencionado prédio, que originaram numerosas infiltrações de água, pelos tectos e paredes das suas várias divisões" e que as fracções haviam sido prometidas vender em perfeito estado de utilização para o fim habitacional a que se destinavam".

Em 11 de Janeiro de 2001 a ré elaborou uma carta, que o autor subscreveu, onde este informou os promitentes-compradores que assumia inteiramente a responsabilidade pela integral reparação das anomalias existentes nas fracções prometidas vender. Posteriormente a ré aconselhou o autor a resolver os contratos-promessa, tendo, em 15 de Outubro de 2001, quando as reparações estavam em curso tendo elaborado o texto da carta, que este subscreveu e que foi remetida aos promitentes vendedores e por eles recebida.

Os promitentes-compradores recorreram à via judicial (o que aconteceu através da acção ordinária que correu os seus termos pela 1ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa) tendo o autor sido condenado a pagar o sinal em dobro acrescidos de juros de mora.

O autor revogou o mandato que tinha conferido à ré, tendo constituído outro mandatário para intervir no recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa confirmado a decisão da primeira instância.

A ré contestou, tendo impugnado parcialmente os factos afirmados pelo autor, e alegado que desde os primeiros dias do mês de Janeiro de 2001 o autor não conseguiu retomar contactos com os promitentes-compradores.

Acrescentou que a posição do autor foi a de considerar verificada por parte daqueles uma recusa de cumprimento das obrigações contratuais e que por esse motivo decidiu declarar a rescisão contratual, a que a aqui ré deu o seu apoio.

Realizada a audiência preliminar, foram fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção totalmente improcedente e absolver a ré do pedido.

II. Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação e na sequencia desse recurso veio a ser proferido o acórdão ora recorrido no qual se decidiu julgar a apelação parcialmente procedente e condenar-se a ré a pagar ao autor a quantia de €165.980,28 (cento e sessenta e cinco mil, novecentos e oitenta euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação (4/02/2011) até integral pagamento, declarando-se parcialmente extinto esse crédito, por compensação, na parte correspondente ao contra- crédito da ré sobre o autor, do montante de € 7.116,78 (sete mil, cento e dezasseis euros e setenta e oito cêntimos), acrescido de juros vencidos.

III. Foi do supramencionado acórdão interposto este recurso de revista tendo a R recorrente apresentado a alegação constante de fls. 617 a 656 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

Contra-alegou o A recorrido da forma contida a fls. 663 a 669 dos autos, cujo teor se dá igualmente por reproduzido.

A única questão que é colocada no presente recurso consiste em saber se da factualidade provada se pode concluir pela verificação de responsabilidade civil (contratual) da R para com o A, resultante de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato (prestação de serviços/mandato forense) entre ambos celebrado.  

III. Factualidade provada -

1. Por documento particular de 11 de Outubro de 2000, o autor AA obrigou-se a vender a CC e a DD, e estes obrigaram-se a adquirir àquele, livre de quaisquer ónus ou encargos e no estado e exactas condições em que esta se encontra, a fracção autónoma identificada pela letra …, correspondente ao 1º andar do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ..., nºs … a …, descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … da freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz sob o art. …, conforme cláusula 2ª do doc., nº 1 junto com a p.i. [alínea A) dos factos assentes].

2. Foi convencionado o preço de Esc. 60.000.000$00, tendo sido entregues no acto Esc. 15.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente do preço, no montante de Esc. 45.000.000$00, ser pago "no prazo máximo de 90 dias contado da assinatura da promessa, ou seja, no acto de celebração da escritura pública de compra e venda", conforme cláusula 3ª do doc., nº 1 junto com a p.i. [alínea B) dos factos assentes].

3. Também por documento particular de 11 de Outubro de 2000, o autor obrigou-se a vender aos citados CC e DD, e estes obrigaram-se a adquirir àquele, livre de quaisquer ónus ou encargos e no estado e exactas condições em que esta se encontra, a fracção autónoma identificada pela letra …, correspondente ao 2º andar do prédio acima identificado, conforme cláusula 2ª do doc., nº 2 junto com a p.i. [alínea C) dos factos assentes].

4. Foi convencionado o preço de Esc. 43.000.000$00, tendo sido entregues no acto Esc. 10.000.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o remanescente do preço, no montante de Esc. 33.000.000$00, ser pago "no prazo máximo de 90 dias contado da assinatura da promessa, ou seja, no acto de celebração da escritura pública de compra e venda", conforme cláusula 3ª do doc., nº 2 junto com a p.i. [alínea D) dos factos assentes].

5. Não estava previsto em nenhum dos contratos a qual das partes incumbia a interpelação para efeitos de celebração da escritura pública de compra e venda [alínea E) dos factos assentes].

6. Nos termos da cláusula 8ª de cada um dos aludidos contratos, "O incumprimento (...) por qualquer das partes, determina, conforme qual delas incumprir, a restituição do sinal em dobro ou a perca do sinal, sem prejuízo do recurso à execução específica nos termos do art. 830.° do Código Civil" [alínea F) dos factos assentes].

7. Em 11-10-2000, o autor entregou aos promitentes-compradores as chaves do edifício e das fracções prometidas alienar, com vista à realização de obras de adaptação e de ligação das fracções entre si; a partir desse momento, os promitentes-compradores deslocaram-se às mesmas fracções mais de cinco vezes. [resposta ao ponto 9) da BI].

8. A ré é uma sociedade civil de advogados nos termos do actual Decreto-Lei n." 229/2004, de 10 de Dezembro, e anteriormente Decreto-Lei nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, que "tem por objecto o exercício pelos sócios, em comum, da profissão de advogado, com o fim de entre si repartirem os respectivos resultados", encontrando-se inscrita no Conselho Geral da Ordem dos Advogados sob o nº 7/90, conforme doc. nº 1 junto com a contestação. [alínea G) dos factos assentes].

9. Em 8 de Janeiro de 2001, os promitentes-compradores enviaram ao autor, e este recebeu na mesma data, uma carta com o teor do doc nº 3 junto com a p.i. [alínea H) dos factos assentes].

10. A carta referida em H) era acompanhada de um "Parecer Técnico" [conforme doc, nº 4 junto com a p.i., fls., 34 do processo] onde se discriminavam as seguintes anomalias:

a) Infiltrações: verificam-se pontos de infiltração nos tectos de diversos compartimentos, quer a nível do 1 ° andar quer do 2° andar, onde são evidentes as manchas de humidade e bolor, assim como escorrências nas paredes adjacentes. Da análise preliminar efectuada verifica-se que a sua causa está no telhado, o qual, e da observação que foi possível efectuar através das janelas, apresenta vários defeitos e erros na sua execução nomeadamente no que se refere ao tratamento de caleiras e remates;

b) Caixilharia: verificam-se entradas de água nas janelas de sacada as quais poderão ter duas causas distintas, uma por deficiente vedação das mesmas e outra por deficiente tratamento do seu remate periférico;

c) Pinturas exteriores: na fachada de tardoz verificam-se diferentes tonalidades da pintura possivelmente decorrente da utilização de tintas de lotes diferentes, assim como um deficiente recobrimento da base. [alínea I) dos factos assentes].

11. Os danos mencionados na carta de 08-01-2001 já existiam à data da contratação da promessa no caso das diferenças de tonalidades de pintura - ou já existiam e seriam detectáveis desde há, pelo menos, vários dias antes dessa data, sem que os promitentes-compradores nada tivessem comunicado ao autor. [resposta ao ponto 10) da BI].

12. Designadamente para que o autor tivesse oportunidade de assegurar a atempada reparação das origens dos mesmos defeitos - como veio a fazer de imediato -, antes que os mesmos atingissem a dimensão que vieram a atingir e antes que tais factos pudessem vir a causar perturbações quanto à projectada outorga da escritura pública de compra e venda prometida. [resposta ao ponto 11) da BI].

13. Após a recepção da carta de 08-01-2001, os promitentes-compradores passaram a recusar qualquer contacto com o autor, apenas aceitando falar com os mediadores FF e GG, como a estes comunicaram verbalmente. [resposta ao ponto 13) da BI].

14. Na sequência da carta referida em H) e em 09.01.2001, o autor contactou a ré no sentido de esta lhe prestar serviços profissionais de advocacia com vista à assistência, aconselhamento e tratamento das questões jurídicas atinentes à celebração das escrituras públicas de compra e venda das fracções acima identificadas, nomeadamente no que respeita às questões suscitadas na mesma carta; nessa ocasião relatou os factos que se haviam passado, tendo entregue cópia dos contratos-promessa e da carta remetida pelos promitentes vendedores. [alínea J) dos factos assentes].

15. O autor receava - e a ré aceitou como verdadeiro esse receio - que a intenção dos promitentes-compradores fosse a de empolar a dimensão dos danos verificados nas fracções e perturbar, com a carta de 08.01.2001, aquele período final do prazo contratual para outorga da escritura prometida. [resposta ao ponto 15) da BI].

16. A ré, através do Dr. EE, face ao silêncio dos contratos no que respeita à interpelação para efeitos de escritura pública, aconselhou o autor a fazer a respectiva notificação, referindo que a mesma deveria ser efectuada de modo a que as escrituras fossem celebradas até 11 de Janeiro de 2001 sob pena de este incorrer em incumprimento; segundo a ré seria esta a prática corrente nos contratos-promessa de compra e venda e, portanto, em caso de dúvida, poderia vir a ser entendido como o comportamento devido. [alínea K) dos factos assentes].

17. A ré, através do Dr. EE, no próprio dia 9, elaborou o texto da carta em que os promitentes-compradores foram notificados para comparecer no 14.0 Cartório Notarial de Lisboa, no dia 11 de Janeiro de 2001, a fim de celebrarem o contrato definitivo de compra e venda, tendo a mesma sido enviada nesse mesmo dia, conforme doc., nº 5 junto com a p.i., fls. 35 do processo. [alínea L) dos factos assentes].

18. Após o envio da carta de 09-01-2001, a informar da data agendada para a realização da escritura pública, a ré passou, em contacto permanente com o autor, a analisar as demais questões emergentes, designadamente: (i) a verificação da existência de danos nas fracções prometidas alienar; (ii) a verificação da responsabilidade do ora autor pela reparação de tais danos; (iii) as medidas a adoptar para essa reparação e sua localização no tempo; (iv) as dificuldades recentemente surgidas no relacionamento com os promitentes-compradores, suas causas e consequências possíveis; e (v) os meios como poderia ser restaurada a relação contratual e possibilitado o cumprimento das promessas de transacção imobiliária em causa. [resposta ao ponto 17) da BI].

19. Um primeiro resultado desta análise foi o de, com o acordo da ré, dado ser evidente a necessidade de proceder à reparação dos danos verificados nas fracções e a escassez de tempo disponível para solucionar todos os problemas que se colocavam, o autor ter promovido, logo no dia 10.01.2001, a entrada nas ditas fracções de uma equipa de operários, que imediatamente desencadeou os necessários trabalhos de reparação, os quais vieram a ser concluídos ainda durante o mês de Janeiro de 2001. [respostas aos pontos 18) e 19) da BI].

20. No dia 11 de Janeiro de 2001, a ré elaborou uma carta, que o autor subscreveu, em que este, reportando-se à carta de 8 de Outubro e ao "Parecer Técnico" com ela junto, dizia, nomeadamente, o seguinte:

(...) "Como certamente será do conhecimento de V.Exªs, aquando das intempéries ocorridas durante o mês de Dezembro de 2000, uma antena colocada no telhado do edifício vizinho ao supra identificado caiu sobre o telhado deste, quebrando algumas telhas. Naturalmente, este facto - que de modo algum me pode ser imputado ou qualificado como deficiência de construção do mesmo telhado - permitiu a infiltração das águas das chuvas, o que deu origem aos diversos pontos de infiltração referidos no aludido Parecer Técnico".

"Quanto às caixilharias e pinturas exteriores, a comunicação de V.Exªs ora em referência alertou-nos para a ocorrência de pequenos defeitos de construção: falta de sistema de escoamento de águas, nas soleiras das janelas, e execução de uma demão de pintura da fachada tardoz, aquando da limpeza final do prédio, que não cobriu a totalidade da fachada".

"Assim, no estrito cumprimento das obrigações a que me encontro legal e contratualmente vinculado e tal como anteriormente já manifestara verbalmente, em diversas ocasiões, venho informar V.Exªs que, independentemente da responsabilidade de terceiros relativa às consequências da aludida queda de uma antena, assumo inteiramente a responsabilidade pela integral reparação das anomalias supra referidas". "Nesse sentido, já neste momento se encontra no local uma equipa de trabalhadores do empreiteiro responsável pela execução dos trabalhos de restauro a que o edifício acaba de ser sujeito, a qual já reparou o defeito relativo à entrada de água nas caixilharias das janelas de sacada e tem vindo a reparar os efeitos da infiltração de águas pela cobertura, verificados nos diversos compartimentos das fracções autónomas em causa. Quanto à reparação das telhas quebradas, das caleiras dos telhados e da pintura da fachada de tardoz, constituem trabalhos que só poderão ser executados na ausência de queda de chuva, pelo que me vejo forçado a aguardar o surgimento de tais condições climatéricas para os iniciar".

(…)"Deste modo, verifica-se que a falta de sistemas de escoamento de água, nas caixilharias das janelas de sacada, e as diferentes tonalidades da pintura da fachada de tardoz já existiam, na data da assinatura dos contratos de promessa em referência e principalmente aquando da visita do Sr. Eng.º HH, efectuada em Setembro de 2000 (cf. Parecer Técnico supra mencionado). Também nessas datas, o telhado do edifício já se encontrava reconstruído e foi oportunamente verificada a boa qualidade de execução desse trabalho, nomeadamente no que se refere ao tratamento de caleiras e remates. Quanto à quebra de telhas, trata-se de facto só recentemente ocorrido, não qualificável como defeito de construção, nem imputável a qualquer uma das Partes, pelo que não faz sentido, falar de verificação ou denúncia deste ponto".

(...) "Considerando os termos dos aludidos Contratos de Promessa, a reduzida extensão das anomalias detectadas - que, de modo algum, afectam a utilização das fracções para o fim a que se destinam - e a inteira disponibilidade, por mim permanentemente manifestada, para a reparação de todas essas anomalias ou quaisquer outras que possam vir a surgir, não vejo com que fundamento possam V.Exªs recusar a dita outorga de escritura pública, para a qual se encontram regularmente notificados, nos termos contratuais". [conforme doe, nº 6 junto com a p.i. fls. 36 a 38 do processo]. [alínea N) dos factos assentes].

21. A carta referida em N) foi entregue aos promitentes-compradores no próprio dia 11. [alínea O) dos factos assentes].

22. Foi esse (o referido no ponto 19.), também, o enquadramento da decisão de elaborar e entregar a carta datada de 11.01.2001, nos termos da qual o autor assumia a responsabilidade pela reparação dos danos denunciados pelos promitentes-compradores e informava das diligências já em curso para esse efeito. [resposta ao ponto 20) da BI].

23. Ao longo destes dias 9 e 10.01.2001 o autor persistiu nos esforços para retomar o contacto com os promitentes-compradores, directamente e através dos mediadores FF e GG, sempre sem sucesso, dada a persistente recusa daqueles em falar com o autor. [resposta ao ponto 21) da BI].

24. A postura adoptada pelos promitentes-compradores era a de não pretender suspender a outorga da escritura pública de compra e venda já agendada até que as reparações se mostrassem concluídas, pretendendo antes a recusa dessa outorga, conforme descrito na alínea M) dos factos assentes. [resposta ao ponto 22) da BI, alterada infra].

25. Em 11 de Janeiro de 2001 os promitentes-compradores, tendo recebido a notificação, e apesar de avisados com 2 dias de antecedência, compareceram no Décimo Quarto Cartório Notarial de Lisboa, tendo-se recusado a celebrar a escritura pública com fundamento em que tinham "detectado graves vícios de construção no mencionado prédio, que originaram numerosas infiltrações de água, pelos tectos e paredes das suas várias divisões" e que as "mencionadas fracções fazem parte de um prédio que fora totalmente recuperado pelo vendedor e prometido vender, em perfeito estado de utilização para o fim habitacional a que se destinava", conforme doc. nº 8 junto com a p.i.- fls. 40 a 42 do processo. [alínea M) dos factos assentes].

26. A carta referida em N), datada de 11.01.2001, foi entregue aos promitentes- compradores nessa mesma data, mas antes de lavrado o certificado de recusa de outorga da escritura de compra e venda constante do doc. nº 8 junto com a p.i. - fls. 40 a 42 do processo. [resposta ao ponto 8) da BI].

27. Com a carta de 11.01.2001 visou-se criar condições de confiança entre as partes contratantes para que dialogassem e chegassem a um consenso. [resposta ao ponto 25) da BI].

28. Após a outorga da escritura pública de compra e venda, as fracções iriam ser sujeitas às obras que os promitentes-compradores não tinham chegado a executar na pendência da promessa - referidas em 9) e na Cláusula Sexta de cada um dos aludidos contratos-promessa. [resposta ao ponto 14) da BI].

29. Em 15 de Janeiro de 2001, as reparações referidas em N) ainda não estavam concluídas, decorrendo os respectivos trabalhos. [alínea Q) dos factos assentes].

30. Entendeu a ré que a partir do momento em que o autor assumiu inteiramente a responsabilidade pela integral reparação das anomalias verificadas no imóvel, informando os promitentes-compradores que já se encontrava nas fracções autónomas uma equipa de trabalhadores do empreiteiro responsável pela execução dos trabalhos de restauro, a qual já havia procedido à reparação de alguns dos defeitos existentes nas fracções autónomas, e na medida em que se havia comprometido a efectuar as demais reparações assim que surgissem as condições climatéricas que o permitissem, não assistia àqueles, qualquer direito em recusar a celebração do contrato definitivo. [resposta ao ponto 1) da BI].

31. Era entendimento da ré, tendo-o transmitido ao autor, que a recusa de celebração das escrituras por parte dos promitentes-compradores configurava uma situação de incumprimento definitivo e não de mero incumprimento temporário, que conferia ao autor o direito de rescindir os contratos-promessa. [resposta ao ponto 2) da BI].

32. Em 15 de Janeiro de 2001, o autor enviou aos promitentes-compradores, e estes receberam, uma carta com o teor do doc. nº 7 junto com a p.i. [fls. 39 do processo] cujo texto foi elaborado pela ré; o último parágrafo desta carta tem o seguinte teor:

(...) "Assim, nos termos das Cláusulas Oitava de ambos os contratos, venho comunicar a V.Exªs a rescisão dos mesmos, por motivo de incumprimento que vos é exclusivamente imputável, com a consequência de perda do sinal entregue, legal e contratualmente prevista. Esta rescisão produz os seus efeitos de imediato". [alínea P) dos factos assentes].

33.A ré aconselhou o autor a resolver os contratos-promessa. [resposta ao ponto 27) da BI].

34. Após a recepção da carta referida em P), os promitentes-compradores, privados do sinal pago no montante de Esc. 25.000.000$00, recorreram à via judicial, o que aconteceu através da acção ordinária que correu os seus termos pela 1.8 Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa sob o nº 9/2001; os autores nesta acção pediram, nomeadamente, que fossem os contratos-promessa declarados resolvidos por incumprimento do ali réu, condenando-se este a pagar aos autores o sinal em dobro no valor de Esc. 50.000.000$00, acrescidos de juros de mora sobre o sinal desde 11 de Outubro de 2000, conforme doc. de 199 a 303 [certidão de diversas peças processuais]. [alínea R) dos factos assentes].

35. Para contestar a acção referida em R), o autor, mediante procuração, conferiu poderes forenses à ré para intervir no processo, nomeadamente poderes para confessar, desistir e transigir em qualquer litígio perante tribunais portugueses. [alínea 5) dos factos assentes].

36. No aludido processo nº 9/01, foi apresentada a contestação documentada a fls. 212 a 240, subscrita pelo Dr. EE [parte da alínea T) dos factos assentes];

37. A contestação mencionada em T) foi elaborada pela ré com base nos factos na altura relatados pelo autor, tendo a minuta da mesma, antes de ser apresentada em tribunal, sido entregue ao autor e, em reuniões posteriormente havidas com o mesmo, foi a mesma analisada, discutida e reformulada com base nos comentários referidos pelo mesmo autor. [resposta ao ponto 26) da BI].

38. Neste processo foi proferida a sentença constante de fls. 248 a 261, confirmada pelo acórdão do tribunal da Relação de Lisboa documentado a fls. 262 a 266, que julgou a acção procedente, tendo o autor AA sido condenado a pagar o sinal em dobro, no montante de Esc. 50.000.000$00, acrescidos de juros de mora sobre o sinal entregue desde 11/10/2000, que ascendiam a Esc. 479.000$00, e ainda juros sobre a restante quantia à taxa de 7% ano deste a citação até 13/4/2003, e à taxa de 4% desde esta última até ao integral pagamento. [parte da alínea T) dos factos assentes].

39. Quando o autor foi confrontado com a notícia da procedência da acção referida em T) ficou surpreendido. [resposta ao ponto 3) da BI, alterada infra].

40. Após tomar conhecimento da sentença referida em T), o autor AA revogou o mandato conferido à ré. [alínea U) dos factos assentes].

41. A conselho do então mandatário do autor, não foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, já que, segundo a opinião daquele mandatário, a inviabilidade de tal recurso se traduziria no pagamento de mais juros de mora. [resposta ao ponto 4) da BI].

42. Em cumprimento da sentença referida em T), o autor entregou, por meio de cheque, ao CC e à CC a quantia de € 289.302,79, correspondente ao sinal de Esc. 25.000.000$00, acrescido de igual importância, e juros de mora. [resposta ao ponto 5) da BI].

43. Por força da propositura da acção referida em R), o autor pagou, pelo menos, € 1.276,96 a título de taxa de justiça inicial e subsequente. [resposta ao ponto 6) da BI].

44. Tendo ainda pago um total de € 14.987,98 a título de honorários. [resposta ao ponto 7) da BI].

45.       No processo nº 9/01-C, da 1ª Secção da 8ª Vara Cível de Lisboa, o autor AA foi condenado, por sentença transitada em julgado, a pagar à ré, a título de honorários, a quantia de € 7.116,78, acrescida de juros de mora desde 23 de Março de 2007, conforme doc., de fls. 295 a 302 [alínea V) dos factos assentes].

46. Até à data, o autor não pagou a quantia referida em V) [alínea W) dos factos assentes].

47. No processo nº 9/01 foi proferido despacho de condensação que contem, designadamente, os seguintes quesitos:

-quesito 29) – Em finais de Dezembro de 2000, o autor CC aventou, junto dos intermediários do réu, a possibilidade de se vir a aumentar o prazo para a feitura da escritura, em virtude de dificuldades financeiras para o pagamento do remanescente do preço?

-quesito 47) – De igual modo, logo que comunicadas as infiltrações, o réu, por mais de uma vez, solicitou a feitura de uma reunião para, com os autores, debaterem a solução a encontrar?

-quesito 48) – Os autores sempre deram nota de indisponibilidade para esse efeito?

-quesito 49) – E rejeitaram a realização da reunião urgente, que foi agendada para o dia 9 de Janeiro? [alínea X) dos factos assentes].

48. As respostas a tais quesitos foram as seguintes:

-quesito 29) – Não provado.

-quesito 47) – Provado o que consta da alínea Q) da especificação.

-quesitos 48) e 49) – Provado o que consta da alínea R) da especificação. [alínea Z) dos factos assentes].

IV. Do mérito – Referem as decisões das instâncias estar-se no quadro de uma acção de responsabilidade profissional de uma sociedade de advogados, sendo-lhe imputado o incumprimento culposo de um mandato que lhe foi conferido pelo autor, na pessoa de um dos seus sócios.

Para sermos precisos, e ainda que esta correcção não tenha em si especial relevância sobre o regime jurídico a aplicar (dado o disposto no artigo 1156º CC), verdade é que não estamos na situação concreta perante um cumprimento (alegadamente) defeituoso de um mandato judicial (ou forense) - contrato de mandato atípico sujeito às regras dos artigos 1157º CC e 83º e segs. do Estatuto da Ordem dos Advogados (na versão ao tempo vigente ) – mas antes perante uma responsabilidade que emerge de um aconselhamento alegadamente negligente e errado prestado no contexto de uma relação contratual - qualificável como de prestação de serviços por profissional liberal - estabelecida entre a R/recorrente e o A/recorrido ao nível da consulta jurídica enquanto acto próprio de advogado.

Assim, e ainda que nos mantenhamos no domínio da responsabilidade contratual, a mesma invocada responsabilidade e a decorrente obrigação de indemnizar encontrará (eventual) fundamento numa violação do disposto no nº 2 do artigo 485º[1] (no contexto como referimos de uma prestação de serviços por profissional liberal) e não como se entendeu num incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato de mandato judicial.

 

Tudo estará assim em saber se ao aconselhar juridicamente o A da forma como aconselhou – existia o dever jurídico de prestar o aconselhamento jurídico de acordo com o rigor que é imposto pelas legis artis - a R (através do advogado seu associado) actuou negligentemente causando prejuízos cuja causa directa e adequada se encontrará nessa actuação negligente[2].

Tal como se refere no acórdão recorrido o autor fundamentou em concreto a sua pretensão indemnizatória numa alegada inexistência de fundamento legal para a resolução dos invocados contratos-promessa de compra e venda (nos quais ocupava a posição de promitente vendedor), por si levada a cabo a conselho do sócio da ré, Dr. EE; ao demandar a R nos termos e com a fundamentação jurídica em que funda o pedido (como vimos responsabilidade civil de advogado no exercício da sua profissão) o A deverá provar factos que mostrem falta de cumprimento do dever jurídico a que o advogado (prestador de serviços) estava vinculado de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão[3]; perante isto deve ter-se em consideração que nas obrigações de meios (como é o caso) a circunstância de não ter sido alcançado o resultado devido e que fora previsto não é suficiente para se considerar demonstrado o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso sendo igualmente necessário provar sempre o facto ilícito desse não cumprimento ou cumprimento defeituoso -  em conclusão e estabelecendo a diferenciação de regime entre duas situações não confundíveis, no caso de se tratar de obrigação de meios cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor; ao contrário no caso de se tratar de uma obrigação de resultado presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ónus da prova, uma vez que nos contratos em que o objecto encerra um resultado a sua não obtenção é ‘quantum satis’ para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor.

Tratando-se de uma obrigação de meios e de acordo com o que antes referimos apenas depois de o credor demonstrar que o meio ou o comportamento contratualmente exigível não foi empregue pelo devedor ou que a sua actuação de acordo com as regras da arte foi omitida é que competirá a este (devedor) provar – se for caso disso - que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível[4].

Depois destas notas de enquadramento e situando agora em termos gerais a questão concreta, é pacifico que no exercício do patrocínio forense ou (como é aqui o caso) da consulta jurídica o advogado (apesar de não se obrigar a obter ganho de causa) se obriga a utilizar com diligência e cuidado os seus conhecimentos técnico-jurídicos através dos meios que considere ajustados ao caso e aos interesses do respectivo cliente.

Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços; violados os deveres de conduta que deontologicamente se mostram adequados ao caso ocorre ilícito gerador da obrigação de indemnizar[5].

Não podemos deixar de insistir para efeitos de apreciação do grau de diligencia e cuidado utilizado em concreto que a actividade (em abstracto) do advogado transcende a simples delimitação conceptual de profissão ganhando, como tivemos ocasião de referir, estatuto de interesse e ordem pública uma vez que no seu exercício, que constitui um verdadeiro munus publico constitucional (artigo 208º da Constituição da Republica), não se visa apenas a tutela directa dos interesses privados do mandante mas, frequentemente, interesses da sociedade em geral ou sejam interesses públicos ou de natureza e ordem publica; desta constatação resulta que ao advogado não é apenas exigível a diligência do homem médio (n.º 2 do artigo 487 do Código Civil) já que lhe é imposto especial rigor na investigação, actualização e aplicação dos conhecimentos da sua profissão[6], sem contudo podermos aplicar critérios de avaliação de rigor excessivo que não tomem em conta o grau de subjectividade interpretativa sempre existente quer no aconselhamento jurídico quer na aplicação do direito – como refere L.P. Moitinho de Almeida (Responsabilidade Civil dos Advogados – Coimbra Editora, 1985) “sendo o direito uma ciência especulativa não pode exigir-se ao advogado que ele tenha de seguir o mesmo critério que o do juiz que elaborou a decisão”

Sobre esta mesma questão escreveu Orlando Guedes da Costa - “O Direito Profissional do Advogado – 2ª edição – Almedina, 2004” – que apesar dos deveres profissionais imporem particulares exigências em termos de preparação, actualização e rigorosa ponderação das soluções mais adequadas a cada caso concreto, um advogado não poderá ser responsabilizado pela perda de uma acção se tratou com zelo a questão, se agiu com a diligencia exigível a qualquer advogado médio.

Colocada a questão nos termos gerais acima referidos, não poderemos deixar de ter em conta que, por recurso aos precedentes, se pode constatar que de uma forma quase unânime a jurisprudência deste STJ (v. especialmente os acórdãos desta Secção de 9/12/2014, 5/2/2013, 4/12/2012, 28/9/2010, 12/6/2007) vem entendendo que a quebra dos deveres profissionais do Advogado[7] enquanto facto gerador de responsabilidade civil contratual para com o cliente terá que decorrer da falta de diligência na abordagem da questão a tratar, falta de diligencia que deve ser passível de censura na medida em que constitua um erro profissional indesculpável.

Partindo da constatação pela existência de uma corrente jurisprudencial pacifica neste sentido – que apenas conhece as divergências próprias às questões de avaliação de conduta carregadas de elevado nível de subjectividade - analisaremos a questão concreta que se nos coloca.

Entendeu-se no acórdão recorrido que (passamos a citar) “é pacífico na doutrina e na jurisprudência, e já o era na data do envio da carta de 15/0112001, que a resolução legal, com fundamento em causa imputável ao devedor, enquanto instrumento de "liquidação contratual", pressupõe o incumprimento definitivo por parte deste e não a simples mora e que a ré, enquanto sociedade de advogados, não podia ignorar este entendimento, ao que julgamos uniforme, da doutrina e jurisprudência” e que o A “aconselhado pela ré, ao resolver os contratos-promessa através de carta datada de 15/01/2001, fê-lo, manifestamente, sem fundamento legal, não sendo tal resolução eficaz em relação aos promitentes-compradores”.

Nesta linha de raciocínio conclui-se no acórdão recorrido que “a ré, na pessoa do Dr. EE, ao aconselhar o ora autor a resolver os contratos-promessa e ao elaborar a carta de resolução - com fundamento na recusa de outorga da escritura agendada para o dia 11/01/2001 -, não desempenhou as funções de que foi incumbida de forma zelosa e adequada (al. d) do artigo 83° do citado Estatuto).

Uma actuação diligente impunha que, ao invés de resolver os contratos-promessa, após a reparação dos defeitos das fracções, tivesse sido efectuada uma interpelação admonitória para cumprimento, nos termos do art. 808° do CC., com o agendamento de uma nova data para a realização da escritura de compra e venda”.

Não se podendo colocar, pelo menos em abstracto, em causa o fundamento do raciocínio desenvolvido no acórdão recorrido (nomeadamente em razão do mencionado grau de subjectividade que envolve a interpretação e aplicação das normas jurídicas) e não se podendo tão pouco colocar em causa que a R pudesse (em abstracto) não ter presente tal referido requisito legal, esquece-se nesse mesmo raciocínio e sobretudo na forma como é desenvolvido que - apesar de tanto na doutrina como na jurisprudência ser efectivamente pacífico o entendimento que a resolução de um contrato promessa pressupõe que se verifique um incumprimento definitivo e não uma mera situação de mora - o incumprimento definitivo pode ocorrer sem que haja necessariamente lugar a interpelação admonitória, podendo resultar ou se consequência de uma perda de interesse na prestação traduzida através de um comportamento do devedor que exprima ou seja qualificável como de recusa de cumprimento[8].

Como tivemos ocasião de referir no acórdão de 29/1/2014[9] (desta Secção e Conferência) para a conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo a interpelação admonitória não se torna necessária naqueles casos em que tenha verificado uma situação qualificável como recusa de cumprimento ou tenha ocorrido e sido justificadamente invocada a perda de interesse do credor relevando nestes casos de forma directa ou indirecta e com o grau de subjectividade inerente, os princípios da boa fé e da confiança enquanto comandos sempre presentes nas relações jurídicas.

Serve isto para dizer que dentro dos parâmetros de discricionariedade técnica inerentes exercício da actividade dos advogados - apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão (art. 6º nº 2 da LOFTJ) – é admissível e razoável que a R /recorrente, perante as circunstancias concretas da situação que lhe foi apresentada tenha aconselhado o A no sentido da resolução dos contratos com fundamento numa recusa de cumprimento (como resulta dos pontos 30, 31 e 32 dos factos provados), recusa que pode ser  sustentada nos factos que constam dos pontos 13, 24 e 25 da factualidade provada, factos esses que contrariam a posição tomada no acórdão recorrido quando refere, desprezando esses mencionados factos, que a R não logrou provar terem os promitentes-compradores recusado uma futura outorga da escritura de compra e venda das fracções que prometeram adquirir (independentemente da análise que segue a factualidade constante do ponto 24 dos factos provados é eloquente no sentido de a postura dos promitentes compradores corresponder a uma recusa definitiva da celebração da escritura) .

Se não vejamos.

Tendo sido dado como provado que a partir de 8/1/2001 os promitentes-compradores passaram a recusar qualquer contacto com o A (promitente-vendedor) e posteriormente com os intermediários no negócio (pontos 11 e 23 dos factos provados), que conheciam a existência de defeitos à data da contratação da promessa (ponto 10) e nunca nesse momento ou antes os referiram ao promitente vendedor, sendo certo que assumiram uma posição não de protelamento ou adiamento mas de verdadeira recusa da outorga da escritura, sendo igualmente certo que recusaram expressamente a celebração do contrato na data designada para a escritura (pontos 24 e 25)[10] é perfeitamente normal e razoável, absolutamente admissível dentro da discricionariedade técnica inerente ao exercício da sua actividade, por se tratar de posição sustentada na doutrina e na jurisprudência, que a R, através do advogado seu associado que prestou o aconselhamento jurídico, tenha entendido todo aquele comportamento como evidenciando uma clara vontade de não cumprir, como configurando uma recusa de cumprimento (v. pontos 30 e 31 dos factos provados), sendo certo, como tivemos ocasião de referir, que a vontade de não cumprir pode traduzir-se em comportamentos concludentes, necessariamente de apreensão e interpretação subjectiva, apreensíveis pela actuação da parte inadimplente em função dos deveres convividos na sua prestação – sobre este assunto vide, entre outros, na doutrina FF Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 2ª edição, páginas 139 e seguintes), Paulo Mota Pinto (Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico – páginas 486 e seguintes) e Calvão da Silva (A declaração da intenção de não cumprir – Estudos de Direito Civil e Processo Civil).

Face aos factos provados, tendo presente que da parte da R existia a obrigação de desenvolver uma actividade direccionada para uma solução jurídico-legal correcta e adequada – ainda que não garantindo qualquer desfecho da controvérsia que lhe é posta - pondo ao serviço do cliente todo o seu zelo, saber e conhecimentos técnicos, não podemos concluir que, independentemente do resultado final (que seria relevante em caso de estarmos perante uma obrigação de resultado) e independentemente de o aconselhamento poder ter indicado outra via juridicamente possível, a R não tenha actuado com a diligência e rigor que as circunstâncias exigiam (aconselhando no sentido de se seguir uma via que, face aos factos provados, tinha indiscutível suporte na jurisprudência e na doutrina) . Apenas encarando a obrigação da R no exercício da consulta jurídica como uma obrigação de resultado se poderia concluir que a R, “na pessoa do Dr. EE, ao aconselhar o ora autor a resolver os contratos-promessa e ao elaborar a carta de resolução - com fundamento na recusa de outorga da escritura agendada para o dia 11/01/2001 - não desempenhou as funções de que foi incumbida de forma zelosa e adequada (al. d) do artigo 83° do citado Estatuto)” não deixando neste caso, e em tese geral, deixar de se ter em conta que o mandatário constituído após a revogação do mandato conferido à R optou por prescindir da possibilidade legal de interposição de recurso de revista, que tendo como tinha ao tempo fundamento legal de admissibilidade poderia determinar – pelo menos em abstracto diferente desfecho da acção, provocando uma solução de continuidade num possível nexo de causalidade adequada.

Em conclusão,

Ao aconselhar o seu cliente (promitente vendedor) a adoptar no caso concreto um procedimento com suporte na doutrina e na jurisprudência (resolução do contrato por incumprimento definitivo) evidenciado por factos interpretados como de recusa de cumprimento dos promitentes-compradores não se demonstra que a R tenha actuado de forma negligente desenquadrada das soluções jurídicas adequadas à questão concreta que lhe foi colocada em sede de consulta jurídica, não havendo assim fundamento legal para a acção (ausência de facto ilícito determinante de responsabilidade civil contratual.

V. Decisão – nos termos expostos acorda-se em conceder a revista absolvendo-se a R do pedido.

Custas pelo A nas instâncias e neste recurso.

Lisboa, 14 de Abril de 2015

Mário Mendes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

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[1] Neste sentido Pires de Lima/Antunes Varela – Código Civil Anotado – 3ª edição, nota 1 alínea b) ao nº 2 do artigo 485ª.
[2] Carneiro de Frade (Direito Civil – Responsabilidade Civil – O Método do caso – 81) “nas obrigações de meios…, dada a ausência de um resultado devido, não é suficiente que o credor demonstre a falta de verificação desse resultado. Ele tem sempre de individualizar uma concreta falta de cumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios não foram empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada”.
[3]  No cumprimento do mandato forense, o advogado não se obriga a conseguir um determinado resultado, mas tão só a utilizar diligentemente os seus conhecimentos e experiência, segundo as regras de arte, para que tal resultado se obtenha; a obrigação que assume é de meios, não de resultado. Para se demonstrar o incumprimento dessa obrigação, não basta alegar a perda da acção que o advogado patrocinou: é necessário provar que este não realizou os actos em que normalmente se traduziria um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis (Acórdão STJ, de 6/3/2014).
[4] Acórdão deste STJ e desta Secção de 5/12/2013.
[5] Neste sentido o acórdão deste STJ e desta Secção, de 4/12/2012 (Conselheiro Alves Velho) – “No exercício do patrocínio forense, o advogado não se obriga a obter ganho de causa, mas a utilizar, com diligência e cuidado, os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a defender, tão bem e adequadamente quanto possível, vale dizer, utilizando os meios ajustados ao caso, segundo as leges artes, os interesses do respectivo mandante. Sem prejuízo do reconhecimento da margem de liberdade de actuação, inerente à autonomia profissional e independência técnica da intervenção forense, são as exigências específicas próprias dum exercício profissional, designadamente em sede de competência (saber e experiência) e diligência, que fundamentam a responsabilidade de quem presta profissionalmente serviços.
 Violados deveres comportamentais adequados ao caso, incumprido ou defeituosamente cumprido resulta o contrato de mandato forense, ocorre o ilícito gerador da obrigação de indemnizar.
[6] Sobre este dever do advogado vide (sobretudo numa perspectiva histórica) Cunha Gonçalves; Tratado XII, 1884, páginas 461 e 462.
[7] A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam o comportamento público e profissional do advogado que, na execução do acordado com o cliente, deve praticar, reciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocar em crise a relação jurídica criada, agindo segundo as exigências das legis artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objectivo de cuidado – acórdão deste STJ e desta Secção de 5/2/2013.
[8] - Refere-se no acórdão deste STJ e desta Secção, de 20/5/2010 (Conselheiro Moreira Alves) que “a par das situações tipificadas de não cumprimento definitivo, existe uma outra situação que a doutrina e a jurisprudência equiparam à falta definitiva de cumprimento e que se traduz na declaração, expressa ou  tácita, do devedor de que não quer ou não pode cumprir. Quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem o tem de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação”.
Em sentido idêntico refere também o Ac. deste Supremo de 22.06.2010 acessível em www.dgsi.pt “ deve considerar-se, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos - art. 406 nº 1 do C. Civil é a confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, que constitui fundamento para a resolução do contrato a violação grave do  princípio de boa fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, sobretudo nos casos em que o devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir. E acrescenta “ esta clara vontade de não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita, de um comportamento concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender o grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor -por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento - esteja atido à vontade do devedor.
[9] Neste acórdão decidiu-se que ainda que na perspectiva da doutrina e da jurisprudência se tenha maioritariamente por assente que para a perda de interesse legitimadora do direito potestativo de resolução ou da possibilidade de liquidação da relação, na acepção germânica, não é suficiente que o contraente fiel afirme, mesmo convictamente, que já não tem interesse na prestação verdade é que, em face das circunstâncias, se mostra alegado e provado que a perda do interesse corresponde, neste caso, a uma disfuncionalidade objectiva da relação contratual que impede a execução do contrato. Os factos revelam uma vontade séria e determinada, por parte dos recorrentes (promitentes-vendedores) de não quererem cumprir o programa negocial justificando-se a invocada perda do interesse contratual o que permite considerá-los inadimplentes de forma definitiva, sem necessidade de notificação admonitória.

[10] “24. A postura adoptada pelos promitentes-compradores era a de não pretender suspender a outorga da escritura pública de compra e venda já agendada até que as reparações se mostrassem concluídas, pretendendo antes a recusa dessa outorga, conforme descrito na alínea M) dos factos assentes. [resposta ao ponto 22) da BI, alterada infra].
25. Em 11 de Janeiro de 2001 os promitentes-compradores, tendo recebido a notificação, e apesar de avisados com 2 dias de antecedência, compareceram no Décimo Quarto Cartório Notarial de Lisboa, tendo-se recusado a celebrar a escritura pública.”