Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1559/18.1T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEPÓSITO BANCÁRIO
VALORES MOBILIÁRIOS
DIRETIVA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- O AUJ obtido no Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, datado d 6 de Dezembro de 2021, retirou o seguinte segmento iniformizador:

«1.No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2.Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

II- Se o Banco Recorrente não cumpriu os seus deveres de informação, houve falta de comunicação necessária para que o subscritor tomasse conscientemente uma decisão de investimento e mais, o investidor, nunca teria adquirido as obrigações SLN 2006 caso tivesse sido informado que as mesmas eram produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o Banco, afinal, não garantia daí se extrai a sua responsabilidade nos termos do artigo 314º do CVM.

III- Contudo, para que se possa efectivar essa responsabilidade, não basta apenas a existência do ilícito, impondo a Lei, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

IV- Se a culpa se presume, nestas específicas circunstâncias, como deflui do nº2 do artigo 304º-A, quando nos refere «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.», e o dano se mostra apurado por o Réu não ter disponibilizado a quantia investida, falha a alegação e prova do nexo de causalidade, essencial em termos de uniformização jurisprudencial, para assacar a responsabilização peticionada, o que conduz inexoravelmente à improcedência do pedido.

Decisão Texto Integral:


PROC 1559/18.1T8LSB.L2

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA instaurou acção com processo comum contra BANCO BIC PORTUGUÊS, SA, pedindo: i) a condenação do Réu a apagar à A. o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 53.402,74, sendo € 50.000,00 de capital e € 3.402,74 de juros civis, calculados à taxa de 4%, desde 10/05/2016 (dia seguinte àquele em que o capital deveria ter sido restituído) até apresente, bem como os juros vincendos, à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento; ii) caso assim não se entenda, ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que a A. entregou ao R em obrigações subordinadas SLNRendimento Mais 2006; iii) Ser declarada ineficaz em relação à Autora  a aplicação que o Réu tenha feito desses montantes; iv) a condenação do Réu a restituir à Autora € 50.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao Réu, acrescidos dos juros legais vencidos, bem como dos vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; v) a condenaão do Réu a pagar à Autora a quantia de € 2.500,00 a título de dano não patrimonial.

Para tanto, alega, em síntese, que:

- era cliente do BPN (actual Banco Bic), na sua agência de ..., sendo o seu filho quem tratava habitualmente das questões relativas à aplicação das suas poupanças;

- em Novembro de 2007, um funcionário do R. disse à A. e ao seu filho que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e rentabilidade assegurada, podendo levantar o capital fora das datas de vencimento, ao que a A. e o seu filho acabaram por anuir;

- nessa sequência, a quantia de € 50.000,00 pertencente à A. foi colocada em obrigações SLN Rendimento Mais 2006, sem que a A. ou o seu filho soubessem, em concreto, em que consistia tal produto;

- a A. e o seu filho não possuíam qualificações ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um, sendo que a A. tinha um perfil de investimento conservador;

- a A. actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, com risco exclusivamente do Banco;

- a A. e o seu filho não foram informados sobre a compra das referidas obrigações e nunca lhes foi lido ou explicado em que se traduziam, nem lhes foi entregue cópia de qualquer contrato ou documento demonstrativo de que a A. possuía obrigações SLN;

- o R. não disponibilizou à A. a quantia referida, nem antes, nem depois do seu vencimento, e também não tem pago os juros acordados;

- a actuação do R. colocou a A. em permanente estado de preocupação e ansiedade, com receio de não reaver o seu dinheiro.

O R. contestou, pronunciando-se pela sua absolvição do pedido, uma vez que, em suma:

- a sua responsabilidade, como intermediário financeiro, encontra-se prescrita, nos termos do art. 324° do CVM, já que a A. conheceu, desde logo, que havia subscrito obrigações SLN;

- qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, sendo que, no caso, a emitente era a "mãe" do Banco, que era o seu principal activo;

- o produto subscrito pelo A. era seguro e o risco era semelhante a um depósito a prazo, pelo facto de o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco, tendo o seu incumprimento sido determinado por circunstâncias imprevisíveis e anormais, com a nacionalização do Banco e a sua separação do restante grupo de empresas;

- a A. já havia subscrito outros produtos em tudo semelhantes e em valores mais relevantes e nunca reclamou de desinformação ou informação insuficiente;

- o funcionário do R. apresentou e explicou as condições do produto, nomeadamente que a SLN se tratava da sociedade-mãe do Banco, esclarecendo a sua remuneração, prazo, condições de reembolso e a obtenção de liquidez, por via de endosso, e de forma acompanhada com a respectiva nota técnica.

A A. respondeu, por escrito, à excepção da prescrição, propugnando pela sua improcedência, por, além do mais, o R. ter actuado como intermediário financeiro com culpa grave, sendo de 20 anos o prazo prescricional aplicável.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros de mora.

Inconformado recorreu o Réu, tendo a Apelação sido julgada improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.

Irresignado recorreu o Réu de Revista excepcional, admitida pela Formação, apresentando como acervo conclusivo, no que à resolução das questões solvendas diz respeito:

«9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – ...!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco. 17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

23) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do

efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no

mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento

financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos

instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o

Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do julgado.

II As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

1) O Banco R. resultou da fusão por incorporação das sociedades BPN - Banco Português de Negócios, SA. (sociedade incorporante, doravante BPN) e Banco BIC Português, SA. (sociedade incorporada, doravante BIC), em resultado do que aquele passou a adoptar a sua actual denominação social Banco BIC Português, SA.;

2) A A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de ..., sendo titular, pelo menos, da conta à ordem n° ...82, onde movimentava parte dos seus dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças;

3) Em Novembro de 2007, o funcionário (gestor da sua conta) do Banco R. da agência de ..., BB, propôs à A. e ao seu filho, CC, que adquirissem uma aplicação por endosso de um outro cliente;

4) Ao que a A. e o seu filho acabaram por anuir;

5) O R. colheu a assinatura da A., por intermédio do filho desta, em subscritos que foram preenchidos pelo funcionário do Banco R;

6) Nessa sequência, foram colocados € 50.000,00 pertencentes à A em "Obrigações SLN Rendimento Mais 2006", emitidas pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.;

7) A A. e o seu filho tentaram resgatar o referido dinheiro, acrescido dos respectivos juros, quer em momento anterior ao do vencimento do aludido produto financeiro, quer em momento posterior;

8) O Banco R. não disponibilizou à A tal quantia, atribuindo a responsabilidade por tal pagamento à SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A (agora Galilei, SGPS, S.A);

9) A qualquer conta a prazo é habitual os Bancos atribuírem uma denominação técnica;

10) Os referidos 6 50.000,00 mantêm-se aplicados numa "Obrigação SLN Rendimento Mais 2006', que se encontra depositada no Banco R.;

11) Um dos argumentos invocados pela direcção comercial do BPN e repetido pelos funcionários da rede de balcões do Banco R. junto dos seus clientes, nomeadamente a A e o filho desta, CC, era o de que o produto referido no n." 6 se tratava de um investimento seguro;

12) As orientações e comunicações internas existentes no BPN, que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões, consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez e a boa rentabilidade;

13) A totalidade das acções representativas do capital social do BPN - Banco Português de Negócios, S. A, foi nacionalizada pelo DL n° 62-A/2008, de 11 de Novembro;

14) Antes do que consta nos n°s 4 a 6, e concretamente na conta n° ...28, a A. havia subscrito Obrigações Rendimento Mais BPN2005 - 128.500,006 -, Obrigações de Caixa BPN 2005 - 100.000,006 -, SLN Rendimento Mais 2004 - 250.000,006 , ou UP's de fundos de investimento imobiliário, em valores variáveis;

15) Consta de fls. 158 e 159 dos autos cópia de uma "Nota Interna" do BPN, datada de 07.04.2006, relativa à emissão e "Obrigações Subordinadas SLN 2006', cujo teor se dá por reproduzido;

16) Era o filho da A, CC, quem tratava habitualmente das questões relativas à aplicação das poupanças daquela;

17) A A actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura;

18) Até data não apurada, a A e o seu filho estavam convictos de que o R. lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitassem;

19) Os juros da aplicação referida no n° 6 foram sendo semestralmente pagos;

20) Tal deu tranquilidade à A. e ao seu filho e nunca os alertou para qualquer irregularidade;

21) Nunca o gerente ou funcionários do R. leu ou explicou à A em que se traduzia adquirir obrigações e quais as suas implicações;

22) Nunca o gerente ou funcionários do R. entregaram à A. cópia de qualquer contrato que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN ou prazos de resolução unilateral pela A;

23) Desde data não apurada, não têm sido pagos os juros acordados;

24) O R. pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos;

25) A A encontra-se num estado de preocupação e ansiedade, com receio de não reaver ou de não saber quando irá reaver o seu dinheiro;

26) O que tem provocado na A. ansiedade e tristeza;

27) A encontra-se angustiada e em estado de stress por recear ser desapossada da quantia referida no n° 6; 28)            A A. era igualmente titular, junto do R., da conta n° ...42;

29) Essa conta e a referida no n° 2 eram ambas co-tituladas pelo filho da A., CC;

30) O filho da A. foi contactado por funcionário do R. para oferta da possibilidade de adquirir o produto referido no n° 6, porque o mesmo se encaixava no perfil de investidor da A e era em tudo semelhante a outros já subscritos pela A., em valores muito mais relevante, em momentos anteriores;

31) O funcionário do R. apresentou ao filho da A algumas das condições do produto, concretamente a sua remuneração atractiva;

32) A A recebeu extractos mensais periódicos, onde todas as suas aplicações financeiras apreciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza;

33) CC nasceu no dia .../.../1968 e é filho da A, conforme certidão de fls. 241 e 242.

Estamos em sede de um contrato de intermediação financeira cujo objecto eram Obrigações SLN Rendimento Mais 2006", emitidas pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., subscritas pela Autora AA em Novembro de 2007.

Como resulta da factualidade provada A Autora era cliente do Réu (BPN, agora BIC), na sua agência de ..., sendo titular, pelo menos, da conta à ordem n° ...82, onde movimentava parte dos seus dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

Designa-se por contrato de conta bancária (ou abertura de conta) o acordo havido entre uma instituição bancária e um cliente «através do qual se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária», cfr Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 483.

Associado a essa abertura de conta, aparece-nos o depósito bancário (regulado pelo DL 430/91, de 2 de Novembro com as alterações introduzidas pelo DL 88/2008, de 29 de Maio), operação que se encontra indissociavelmente ligada à abertura de conta e que constitui um pressuposto sine qua non desta, já que nenhuma conta poderá ser aberta sem quaisquer fundos.

De qualquer modo, aquela abertura de conta constitui o ponto de partida para a vasta panóplia negocial que constitui a relação bancária, cfr Engrácia Antunes, ibidem, 484; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 6ª edição, 325/417.

Esta complexa figura contratual, tem sido subsumida a nível jurisprudencial e pela maior parte da doutrina na espécie negocial de depósito, tal como a mesma nos é definida pelos artigos 1185º e 1187º do CCivil, através do qual a Autora colocou à disposição do Réu o seu dinheiro para que este o guardasse e restituísse quando fosse exigido, constituindo esta figura um depósito irregular ao qual se aplicam as regras do mútuo, com as necessárias adaptações, cfr Calvão da Silva, Direito Bancário, 2001, 347/351; Ac STJ de 22 de Fevereiro de 2011 (Relator Sebastião Póvoas); de 18 de Dezembro de 2013 e de 26 de Setembro de 2017, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

As aludidas “Obrigações SLN Rendimento”, são valores mobiliários de natureza monetária, regulados pelo CVM, maxime no seu artigo 1º, nº1, alínea b) e abrangidos no seu âmbito de aplicação material, como deflui do seu artigo 2º, nº1, alínea a).

O Réu, no exercício das suas variegadas operações comerciais potencialmente integrantes do contrato de depósito havido com o Autor, apresentou-lhe, como intermediário financeiro, as preditas obrigações que o mesmo adquiriu nos termos negociados, mediados pelo depositário, de harmonia com o disposto nos artigos 289º e 293º, nº1, alínea a) do CVM, já que, por um lado, a Lei nos define como atividades de intermediação financeira, além do mais, os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, por outra banda, a mesma Lei impõe que apenas os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira, actividade esta desempenhada pelo Réu, cfr José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, 280/282; Rui Pinto Duarte, Contratos De Intermediação No Código De Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, 2000.

Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo artigo 304º do CVM, no qual se preceitua:

«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.»

Embora no que tange à disciplina dos aludidos contratos de intermediação financeira, os mesmos se encontrem, prima facie, balizados por aqueles princípios gerais, existem outros deveres, nomeadamente «[o]s deveres de organização empresarial, incluindo a obrigatoriedade de sistemas de “compliance”, gestão de risco e auditoria interna (arts 305º e segs do CVM) (…), os deveres de prevenção de conflitos de interesse (arts 309º e segs do CVM), os deveres de defesa do mercado (arts 310º e segs do CVM), e os deveres de informação e publicidade (ats 312º a 316º do CVM)», cfr Engrácia Antunes, ibidem.

Todavia, o princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação, reside, indubitavelmente no nº1 do artigo 304º quando impõe aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes, o qual se encontra complementado nas várias declinações previstas nos restantes segmentos normativos que enformam o preceito legal, nomeadamente os princípios da actuação de boa fé e o do conhecimento do cliente («know your costumer»), os quais pressupõem e impõem uma actuação por banda da instituição bancária que obedeça aos mais altos padrões de diligência e lealdade, bem como de exigência ética, conducente a uma negociação clara e transparente, tendo como objectivo principal a satisfação dos desígnios apresentados e, por isso, queridos, pelo cliente, cfr Engrácia Antunes, Deveres E Responsabilidade Do Intermediário Financeiro, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 56, Abril 2017.

Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização.

Este comportamento negocial, traduzido na recepção, execução e transmissão de ordens, configura a pretação de um serviço por conta alheia, no caso, o Banco embora agindo por conta alheia no que se refere ao emitente das obrigações, actua por conta própria face ao seu cliente, na medida em existe uma internalização da ordem dada, salvaguardando a Lei a resolução de eventuais conflitos de interesses através da aplicação do disposto no artigo 347º, nº1, alínea a)do CVM (« 1 - O intermediário financeiro deve abster-se de: a) Adquirir para si mesmo quaisquer instrumentos financeiros quando haja clientes que os tenham solicitado ao mesmo preço ou a preço mais alto;»), que não se coloca no caso concreto, cfr Fátima Gomes, Contratos de intermediação financeira: sumário alargado, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, 2002, 565/599; Paulo Câmara, Manual dos Valores Imobiliários, 3ª edição, 438; 

A questão solvenda nos presentes autos, carecida de maior explanação, incide na averiguação do cumprimento por parte do Réu/Recorrente do dever de informação que sobre si recaía aquando da feitura do contrato de intermediação, bem como do nexo de causalidade entre a violação daquele dever e a decisão de investir por banda da Autora.

Para a resolução desta problemática temos de chamar à colação o que decido se mostra em sede de uniformização de jurisprudência, no Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, datado de 6 de Dezembro de 2021:

«1.No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2.Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.»

Os factos relevantes para a subsunção jurídica a efectuar são os resultantes dos pontos 16. a 22.:

«16) Era o filho da A, CC, quem tratava habitualmente das questões relativas à aplicação das poupanças daquela;

17) A A actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura;

18) Até data não apurada, a A e o seu filho estavam convictos de que o R. lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitassem;

19) Os juros da aplicação referida no n° 6 foram sendo semestralmente pagos;

20) Tal deu tranquilidade à A. e ao seu filho e nunca os alertou para qualquer irregularidade;

21) Nunca o gerente ou funcionários do R. leu ou explicou à A em que se traduzia adquirir obrigações e quais as suas implicações;

22) Nunca o gerente ou funcionários do R. entregaram à A. cópia de qualquer contrato que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN ou prazos de resolução unilateral pela A;».

Esta materialidade conduz-nos para a verificação da omissão do dever de informação que recaia sobre o Réu, aqui Recorrente, uma vez que não foi explicado à Autora, como se impunha, qual o significado do produto bancário em aquisição e suas repercursões.

Essa violação, em princípio fatal para o Réu, em termos de responsabilidade civil, decorre do disposto no artigo 304º-A, nº1 do CVM, na versão do DL 357-A/2007, de 31 de Outubro, com a Rectificação n.º 117-A/2007, de 28 de Dezembro, onde se predispõe «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.».

Contudo, para que se possa efectivar essa responsabilidade, não basta apenas a existência do ilícito, impondo a Lei, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

Se a culpa se presume, nestas específicas circunstâncias, como deflui do nº2 do artigo 304º-A, quando nos refere «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.», e o dano se mostra apurado por o Réu não ter disponibilizado a quantia investida (pontos 6. a 8.), falha a alegação e prova do nexo de causalidade, essencial em termos de uniformização jurisprudencial, para assacar a responsabilização peticionada, o que conduz inexoravelmente à procedência das conclusões do Recorrente Réu.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão plasmada no Acórdão sob recurso, bem como a sentença de primeiro grau, absolvendo-se o Réu do pedido formulado.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 9 de Novembro de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

Graça Amaral)

Maria Olinda Garcia

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).