1 - Caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente título acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir do termo do prazo previsto no n.º 5, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 255.º
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial para acordo de pagamento apenso ao processo de insolvência.
5 - Recebida a comunicação e sendo o parecer no sentido da insolvência do devedor, o tribunal notifica aquele para, querendo e caso se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos, em cinco dias, apresentar plano de pagamentos nos termos do disposto nos artigos 249.º e seguintes ou requerer a exoneração do passivo restante nos termos do disposto nos artigos 235.º e seguintes.
6 - O devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
7 - O termo do processo especial para acordo de pagamento efetuado de harmonia com os números anteriores impede o devedor de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
8 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial para acordo de pagamento convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 222.º-D.
Entende a recorrente que não foi notificada, como era exigível, com as formalidades da citação, para, em dez dias, deduzir oposição ao requerimento de insolvência apresentado pelo administrador judicial provisório (AJP), o que constitui nulidade insuprível por violação do seu direito ao contraditório.
A Relação de Évora não considerou que existisse a referida violação, tendo ponderado o seguinte:
“O referido artº 222º-G/4 do CIRE prevê que, no âmbito do Processo Especial para Acordo de Pagamento, o AJP, após ouvir o devedor e os credores, emite parecer com os elementos de que disponha, sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo – como foi o caso dos autos – requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artº 28º, com as necessárias adaptações, ficando o processo apenso ao Processo de Insolvência cujos termos se iniciarão.
Recebido o parecer no sentido da insolvência, o tribunal notifica o devedor para, em 5 dias apresentar plano de pagamentos ou requerer a exoneração do passivo restante, tal como dispõe o nº 5 do mesmo preceito.
O que significa não exigir a lei que o devedor seja notificado do conteúdo do parecer do AJP antes de ser enviado para apreciação do tribunal.
E por duas boas razões:
- Em primeiro lugar o devedor foi ouvido (acerca da possibilidade de vir a ser proposta, ou não, a declaração e insolvência) antes da elaboração do parecer, pelo que lhe foi concedido o fundamental direito ao contraditório antes de qualquer decisão judicial e nada disse;
- Em segundo lugar porque, tendo sido proposta a insolvência do devedor pelo AIP, o tribunal (antes de tomar uma decisão) ainda o notifica para lhe conceder uma última oportunidade de evitar a insolvência; se apresentar um plano de pagamentos (nº 5 do citado preceito); nesta notificação se inclui a possibilidade de, em alternativa ao plano de pagamentos, requerer a exoneração do passivo (mesmo preceito).
Da matéria de facto provada consta que, “Em 03.10.2018 o Sr. AJP juntou ao PEAP o parecer a que alude o artº 222º-G nº 4 do CIRE, no qual concluiu pela insolvência dos devedores, devendo a mesma ser imediatamente declarada” (facto 2 da matéria de facto provada).
Mais se provou que:
- Em 25.09.2018 foram os Ilustres Mandatários dos devedores notificados para se pronunciarem, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 222º-G nº 4 do CIRE, nada tendo requerido (facto 3 da matéria de facto provada).
- Por força de despacho datado de 13.02.2019 foram os devedores notificados, via Ilustre Mandatário, para apresentarem plano de pagamentos ou requererem a exoneração do passivo restante, nada tendo requerido (facto 4 da matéria de facto provada), e
- Por sentença (apresentação) datada de 04.03.2019, foram os devedores declarados insolventes, tendo a sentença sido notificada ao Ilustre Mandatário dos devedores e pessoalmente aos devedores, por cartas datadas de 04.03.2019 (facto 5 da matéria de facto provada).
- Desta decisão foi interposto recurso que não foi admitido por extemporâneo (facto 6 da matéria de facto provada).
Assim sendo, só pode concluir-se que a insolvente e ora recorrente foi notificada para se pronunciar acerca da possibilidade de se opor à proposta do AJP de decretação da sua insolvência (facto 3) e foi também notificada para apresentar um plano de pagamentos (que evitaria a declaração de insolvência) ou de requerer a exoneração do passivo, tudo como acima referido.
O que significa não lhe assistir razão na argumentação que desenvolve em atinência.
Mas a questão não fica ainda resolvida, uma vez que a recorrente alega que não lhe foi garantido um processo justo e equitativo – due process of law – ao não lhe ter sido notificado o teor do parecer do AJP antes de este ser enviado ao tribunal, entendendo, assim, que foi violado o seu direito fundamental de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, como lhe é garantido pelo artº 20º/4 da CRP.
Como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP Anotada, Vol. I, 4ª Ed., 2007, pág. 415: “O significado básico da exigência de um processo equitativo é o da conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva. (…) A doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (3) direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de acção ou de recurso (cfr. Ac. TC n° 148/87); (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em tempo razoável; (6) direito ao conhecimento dos dados processuais; (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas.”
A recorrente faz diretamente apelo ao Ac. do Tribunal Constitucional 675/2018, DR, I Série, de 23-01-2019 onde se decidiu: “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 4 do artigo 17.°-G (…), quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no artigo 28.º – ainda que com as necessárias adaptações –, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência, por violação do artigo 20.º, números 1 e 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.” – Sublinhado nosso.
Ora, a norma constante do artº 222º-G/4 do CIRE é idêntica à do artº 17º-G/4 do mesmo diploma, dizendo a primeira respeito a pessoas singulares não empresariais e a segunda a empresas, mas a situação que pretendem regular é a mesma na sua essência, ou seja, faz equivaler o parecer do AJP que conclua pela insolvência ao pedido de insolvência pelo próprio devedor.
O artº 28º do CIRE estipula que “A apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3.º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respetivo suprimento.»
O que implica não ser ouvido o devedor acerca de ser ainda possível satisfazer as suas dívidas – porque é ele próprio que reconhece a impossibilidade ao requere a insolvência – e a decretação da insolvência em 3 dias.
Defende a recorrente, com o que se concorda porque a situação é idêntica, dever a norma constante do nº 4 do artº 222º-G, quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no artigo 28.º – ainda que com as necessárias adaptações –, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência, por violação do artigo 20.º, números 1 e 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. – Sublinhado nosso.
Tudo porque, “ao fazer equivaler o requerimento de insolvência formulado pelo administrador judicial provisório à apresentação à insolvência pelo devedor quando este não tenha manifestado a sua anuência quanto à situação de insolvência, a decidir em processo judicial em que não se prevê qualquer forma de participação do devedor em defesa dos seus direitos, representa uma restrição desproporcionada dos direitos do devedor em processo de insolvência de acesso ao direito e a uma tutela judicial efetiva (em especial dos direitos de defesa e de acesso a um processo equitativo, garantidos pelo artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição), dada a situação de indefesa do devedor que deriva da configuração do processo regulado naquelas disposições legais.»
Ora, não se mostrando superado, quanto à norma objeto dos autos, o teste da proporcionalidade em sentido estrito, resta concluir pela desconformidade constitucional da mesma por implicar uma restrição desproporcionada (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) dos direitos do devedor, em processo de insolvência, de defesa e ao contraditório, enquanto garantia de um processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição.” – Ac. TC 675/2018.
Este é um dos casos em que a celeridade processual (direito à decisão em tempo razoável) tem de ceder perante outro direito que lhe é equivalente – o direito à defesa e ao contraditório – de tal forma que nenhum dos direitos atinja o núcleo fundamental do outro, subsistindo ambos na sua essência e daí a intervenção do artº 18º/2 da CRP para equilibrar a força dos direitos em confronto.
Contudo, a situação dos autos não coincide com a que foi objeto do juízo de inconstitucionalidade material da norma em questão.
Tudo porque a insolvente foi ouvida e nada disse, o que equivale a não discordar da situação e pedido de insolvência que o AJP inscreveu no parecer que apresentou no tribunal, ao abrigo do citado preceito legal (artº 222º-G/4), uma vez que lhe foi concedido um efetivo exercício do contraditório, como se comprova pela matéria de facto provada em 3) acima transcrito.
Tudo ao contrário da situação apreciada pelo Tribunal Constitucional, em que se fazia equivaler a emissão do parecer do AIP à apresentação do devedor à insolvência (mesmo nos casos em que o devedor se opunha a tal situação).
No caso dos autos, como decorre do acima exposto, tal não ocorreu, uma vez que, antes de declarada a insolvência (não declarada nos 3 dias seguinte ao recebimento do parecer do AIP – como o seria se o comando do artº 28º do CIRE tivesse sido aplicado tout court); o tribunal a quo notificou os devedores para apresentarem plano de pagamentos ou requererem a exoneração do passivo (facto provado 4).
Ora, apesar de todas estas notificações a recorrente nada disse, pelo que foi proferida sentença que decretou a insolvência (facto provado 5).
Também a sentença foi notificada à recorrente e dela não foi interposto recurso tempestivo (facto provado 6). Assim sendo, ao contrário do defendido pela recorrente não se mostra violado o que dispõe o artº 20º/4 da CRP, ou seja, foi garantido à recorrente o direito a que a sua causa fosse julgada mediante processo justo e equitativo, tendo-lhe sido concedidos todos os direitos de defesa, designadamente o exercício do contraditório.
(…)”.
Salvo o devido respeito, entendemos que o decidido pela Relação de Évora não pode manter-se.
O processo especial para acordo de pagamento (PEAP), previsto no n.º 1 do artigo 222º-A do CIRE, tal como o processo especial de revitalização (PER), previsto no n.º 1 do artigo 17º-A do mesmo código, podem ser utilizados por devedores que se encontrem em ‘situação económica difícil’ ou em ‘situação de insolvência meramente iminente’. A diferença entre ambos reside no facto de o PER apenas poder ser intentado por empresas e o PEAP por devedores que o não sejam, movendo-se aquelas pelo objectivo de alcançarem a aprovação de um plano de revitalização e estes pela obtenção de um acordo de pagamento aos seus credores.
Atenta essa profunda similitude, tem-se como natural que o artigo 222º-G, n.º 4, preveja procedimentos análogos aos do processo especial de revitalização (PER), contidos na norma do artigo 17º-G, n.º 4.
Vejamos o que diz o artigo 17º-G:
Artigo 17º-G
Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação
1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius.
2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1.
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5 - A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6 - O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.
Resulta do n.º 4 do artigo agora transcrito que, inexistindo acordo dos credores no termo do processo negocial, o administrador deve comunicar esse facto aos autos, devendo, igualmente, após ouvir o devedor e os credores, emitir parecer sobre se aquele se encontra em situação de insolvência. Em caso afirmativo, requer a sua insolvência, aplicando-se o regime do artigo 28º do CIRE, com as necessárias adaptações, ou seja, faz-se equivaler o parecer do administrador à apresentação à insolvência por parte do devedor, com o concomitante reconhecimento da sua situação de insolvência.
Sucede que a norma do artigo 17º-G, n.º 4, foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 675/2018, de 18 de Dezembro, publicado na 1ª Série do DR de 23.01.2019, radicando a inconstitucionalidade na violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
A inconstitucionalidade dessa norma já vinha sendo defendida há algum tempo, tanto na doutrina[4] como na jurisprudência[5].
As razões que ditaram a inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 17º-G tornaram inevitável a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 222º-G, considerando a total semelhança do regime procedimental e das respectivas consequências.
Daí que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 258/2020, de 5 de Maio[6], tivesse também declarado inconstitucional, com força obrigatória geral[7], a disposição do n.º 4 do artigo 222º-G, quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório, que conclua pela situação de insolvência, equivaler, por força do disposto no artigo 28º do mesmo diploma – ainda que com as necessárias adaptações –, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Esse acórdão do TC reitera, assim, a desconformidade jurídico-constitucional da norma do n.º 4 do artigo 222º-G por redundar na impossibilidade do exercício do direito ao contraditório por parte do devedor que, não obtido o acordo de pagamento que poderia evitar a sua insolvência, se vê confrontado com o correspondente pedido de declaração judicial (com equivalência à apresentação do artigo 28º).
Nesse acórdão afirma-se a determinado ponto:
“Como justamente se observa no Acórdão n.º 388/2019, face ao decidido no Acórdão n.º 675/2018, ‘[…] também no âmbito do PEAP, a lei faz equiparar o pedido de insolvência formulado pelo administrador judicial provisório à apresentação à insolvência, desconsiderando, na interpretação ora em apreciação, a vontade oposta do devedor que não assume nem detém uma estrutura empresarial. Trata-se, como é evidente, de uma particularidade distintiva que não tem qualquer relevância jurídico- -constitucional, atenta a identidade de regimes restritivos vigentes quanto à impossibilidade do exercício prévio do contraditório por parte do devedor que não vê aprovado o plano/acordo que poderia evitar a sua insolvência e é confrontado com o pedido de declaração judicial desta última’ ”.
Efectivamente, para que se considere cumprido o princípio do contraditório, não basta que o administrador judicial provisório, antes da emissão do seu parecer, tenha dado ao devedor a oportunidade de se pronunciar, uma vez que – como se adverte no acórdão do TC n.º 675/2018, de 18 de Dezembro – essa audição do devedor não realiza o conteúdo do direito fundamental, que confere aos cidadãos o direito de fazer chegar ao tribunal as suas razões, direito esse cuja essencialidade bem se compreende face ao vasto conjunto de efeitos negativos que a declaração de insolvência provoca na esfera jurídica do devedor.
Por conseguinte, o princípio do contraditório só plenamente se cumprirá se o devedor for notificado, com as formalidades da citação, para em dez dias deduzir oposição ao requerimento de insolvência apresentado pelo AJP, nos termos regulados nos artigos 29º e 30º do CIRE.
*
III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, concede-se a revista e determina-se o cumprimento do procedimento acima explicitado, tendente à efectivação do princípio do contraditório.
*
Custas a final.
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LISBOA, 13 de Outubro de 2020
Henrique Araújo (Relator)
Maria Olinda Garcia
Raimundo Queirós
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).
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