Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11453/10.9TDLSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 10/09/2013
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 219, 12.11.2013, P.6431
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86, pp. 49-53 e 84-87.
- Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2ª ed. Coimbra Editora, 2007,8.° Cap., § 20; Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, Limitada, 1974, p.95.
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Artigos 1º a 107º, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 31.
- João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183.
- José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, 189.
- Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, pp. 473-474.
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado, 16ª edição, 2007, p. 62
- Maia Gonçalves, Manuel Lopes Maia Gonçalves, “Código de Processo Pena”l, anotado, 16ª edição, 2007, p. 912.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Volume I (artºs 1º a 761º), 4ª edição revista e actualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p.58.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 13.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º, N.ºS1 E 2, 61.º, N.º1, 399.º, 400.º, 403.º, 413.º, 417.º, N.º2, 427.º, 428.º, 432.º, 433.º.
CÓDIGO PENAL (CP): – ARTIGO 78.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, 282.º.
LEI Nº 20/2013, DE 21 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 4.º.
LEI Nº 28/82, DE 15 DE NOVEMBRO: - ARTIGOS 79.º-D, N.º5, 80.º, N.º1.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DE EXTRADIÇÃO (APROVADA PARA RATIFICAÇÃO PELA LEI Nº 65/78, DE 13 DE OUTUBRO): - ARTIGO 13.º.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1948: - ARTIGO 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29-03-2007 PROC. N.º 662/07 - 5.ª SECÇÃO
-DE 29-05-2008, PROC. N.º 1313/08 - 5.ª SECÇÃO
-DE 18-06-2008, PROC. N.º 1624/08 - 3.ª. SECÇÃO
-DE 10-09-2008, PROC. N.º 1959/08 - 3.ª SECÇÃO
-DE 08-11-2006, PROC. N. 3113/06 - 3.ª SECÇÃO
-DE 11-07-2007, PROC. N.º 2427/07 - 3ª SECÇÃO
-DE 25-06-2008, PROC. Nº 1879/08 - 3ª SECÇÃO
-DE 21-01-2009, PROCESSO N.º 2387/08 – 3.ª SECÇÃO
-DE 04-02-2009, PROC. N.º 4134/08 - 3ª SECÇÃO
-DE 07-07-2009, PROC. N.º 2554/04.3TBACB.C1.S1
-DE 25-11-2010, 226/02.2GGLSB.L1.S1- 5ª SECÇÃO
-DE 27-04-2011, PROC. N.º 3/07.4GBCBR.C1.S1 - 3.ª SECÇÃO
-DE 27-04-2011, PROCESSO Nº 712/00.9JFLSB.L1.S1- 3.ª SECÇÃO
-DE 01-06-2011,PROC. N.º 234/00.8JAAVR.C2.S1 - 3.ª SECÇÃO
-DE 12-07-2012, PROC. N.º 657/08.4GAVCD.P1.S1 - 3.ª SECÇÃO
-DE 24-10-2012, PROC. N.º 748/06.3TASTR.E1.S1 - 3.ª SECÇÃO
-DE 05-12-2012, PROC. N.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1 - 3.ª SECÇÃO
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 8/2007, DE 14 DE MARÇO DE 2007, DIÁRIO DA REPÚBLICA, I- SÉRIE, DE 4 DE JUNHO DE 2007.
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DECISÃO SUMÁRIA (STJ):
-DE 25-9-2013, PROCESSO N.º 831/12.9PBVCT.G1.S1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-NºS 163/1990, 638/1998, 202/1999, 415/2001, 546/2001, 331/2002, 49/2003, 377/2003, 375/2005, 2/2006, 64/2006, 20/2007, 530/2007, 424/2009, 645/2009, 543/2012, 324/2013 (TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/ ).
Sumário :
«Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão».
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A- No recurso penal nº 11453/10.9TDLSB.L1.S1, o arguido AA, nos autos identificado, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, mediante requerimento expedido via fax em 23 de Janeiro de 2013, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Dezembro de 2012, proferido nos autos nº 11453/10.9TDLSB, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, apresentando como fundamento o acórdão deste Supremo Tribunal, de 13 de Julho de 2009, proferido nos autos n.º 386/09.1 YFLSB, do Tribunal da Relação de Lisboa, respeitante ao processo n. 4/07.2PEALM do 1º Juízo Criminal de Almada, nos termos e com os seguintes fundamentos
1.°
O Recorrente foi condenado em 1ª Instância, pela prática de um crime de tráfico de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. no artº 25.° do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
2.°
Por discordar da aludida decisão, o Digno Magistrado do Ministério Público exerceu o seu direito ao recurso e o Tribunal da Relação de Lisboa veio revogar a suspensão da execução da pena de prisão fixada ao Recorrente.
Não concordando com o decidido pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, o Recorrente apresentou recurso para o STJ.
4.º
Contudo, este mais Alto Tribunal veio rejeitar, por, inadmissibilidade, o recurso interposto pelo Recorrente da referida decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
5.°
A decisão ora reclamada, já transitada em julgado, sustenta a sua orientação na redução teleológica da al. e) do art.º 400.°, n.º 1 do CPP, "no sentido da convergência necessária com os limites definidores da recorribilidade para o STJ.: mormente no art.º 432.°, n.º 1, al. c) do citado diploma legal.
6.°
Sucede, porém, que, ao contrário do ora decidido pelo STJ, este Tribunal, num outro processo, ao abrigo da mesma legislação e relativamente à mesma questão de direito, decidiu em sentido inverso, ou seja, admitiu o recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Com efeito, nó âmbito do processo que correu termos na 5.ª secção do STJ sob o n.º 386/09.1YFLSB, foi proferida decisão pelo Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros Santos Carvalho e Rodrigues da Costa, datada de 13 de Julho de 2009, em sentido contrário à ora recorrida. Cfr. Doc. 1
.8.°
No aludido aresto, já transitado em julgado, se refere o seguinte:
"Com o devido respeito por quem defenda opinião diversa, a al. c) do artº 432. só exclui o recurso directo de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que não apliquem pena de prisão superior a 5 anos, caso em que o recurso deve ser interposto obrigatoriamente para a relação, mas não impede que a decisão proferida por este tribunal tenha recurso para o STJ, desde que não se enquadre nas hipóteses de irrecorribilidade previstas no artº 400.º (cfr. a al. b do artº. 432.º)."
"Isto é, os acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que não apliquem pena de prisão superior a 5 anos não são recorríveis para o STJ, mas já o são os acórdãos da relação que, em recurso, não os tenham confirmado e que tenham aplicado pena privativa de liberdade. Trata-se, portanto, de casos em que o arguido mereceu um tratamento de desfavor, lesivo da sua liberdade, como resultado de um primeiro recurso (obrigatório) para a relação e em que, portanto, o legislador considerou haver motivo suficiente para fazer intervir outro tribunal de recurso, o mais alto Tribunal."
"Em suma, a decisão em apreço é recorrível para o STJ.”
9.º
Trata-se, pois, de soluções opostas proferidas pelo mesmo Tribunal (STJ), relativas à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
10.º
Por tal motivo e em abono da segurança jurídica, urge fixar jurisprudência.
Nestes termos e sem esquecer o Douto suprimento de V. Ex.as, requer-se a admissão do presente recurso, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Como é de inteira JUSTIÇA.


B- Foi proferido acórdão preliminar que reconheceu a oposição de julgados,

C- Prosseguindo o processo, veio o Ministério Público apresentar alegações onde conclui

1. O Código de Processo Penal de 1987, que rompera com o duplo grau de recurso, constituiu a natureza do Tribunal recorrido como factor de determinação do Tribunal de recurso. Assim e salvo o caso de decisões proferidas em 1.ª instância pelo Tribunal da Relação, os recursos de decisões do Tribunal Singular eram interpostos para o Tribunal da Relação, que conhecia de facto e de direito, enquanto que os recursos do Tribunal Colectivo — que era competente para julgar, nomeadamente, os processos que, não devendo ser julgados pelo Tribunal Singular, respeitassem a crimes cuja pena máxima fosse superior a três anos de prisão — eram interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, que julgava de direito, mas ao qual era conferido «poderes que lhe permitiam despistar situações indiciadoras de erro judiciário».

2. Com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal em matéria de recursos pela Lei n.º 59/98, de 25/08, não se pretendendo embora consagrar uma inversão das concepções básicas, mas ao ter de se reponderar a articulação a estabelecer entre a Relação e o Supremo Tribunal de Justiça, reconhece-se a necessidade de uma diferenciação orgânica fundada no entendimento de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, faz-se um «discreto uso do princípio da “dupla conforme”», ampliam-se os poderes da Relação e devolve-se ao Supremo Tribunal de Justiça a sua função de Tribunal que apenas conhece de direito, embora com excepções, admitindo-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela sua limitação a matéria de direito.

3. Na sequência dos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Unidade de Missão para a Reforma Penal, em Setembro de 2006 foi aprovada na generalidade, para posterior apresentação à Assembleia da República, a Proposta de Lei que procedia à 15.ª alteração ao Código de Processo Penal, aí se considerando: «Para dignificar o recurso de segundo grau perante o STJ, determina-se que ele só é admissível quando a Relação tiver condenado o arguido em penas concretas de prisão superiores a cinco ou oito anos conforme os casos».

4. Em consequência, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X acentuou-se que, com as alterações ao Código de Processo Penal, em matéria de recursos, visava-se, nomeadamente, «restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal (…)». Em conformidade, no seu anexo o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), mantinha os patamares de cinco e oito anos, mas, num sentido mais amplo de irrecorribilidade, por reportados à medida da pena aplicada e já não à aplicável.

5. Com a Lei n.º 48/2007, 29/08, o artigo 432.º, alínea c) passou a determinar — coerentemente com o aludido propósito de reservar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para os casos mais graves — ser a aplicação de pena superior a cinco anos de prisão pressuposto de recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo Tribunal do Júri ou pelo Tribunal Colectivo.

6. Contudo, em aparente desconformidade com o paradigma enunciado na exposição de motivos da proposta e nesta concretizado também no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) — não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos —, passou a constar da referida alínea e): não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade.

7. Em 2012, com a Proposta de Lei n.º 198/XII, submeteu-se à apreciação da Assembleia da República uma alteração ao Código de Processo Penal, que incidiu, entre outros aspectos, sobre a admissibilidade de interposição de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, com o objectivo de aclarar alguns traços deste regime, tendo em vista «eliminar dificuldades de interpretação e assintonias que conduzam a um tratamento desigual em matéria de direito ao recurso. Assim, no que respeita aos acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, é clarificado que são irrecorríveis os acórdãos que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos», solução que foi consagrada na actual Lei n.º 20/2013, de 21/02.
8. Uma leitura integrada do regime dos recursos para o Supremo Tribunal, que decorre das normas constantes dos artigos 432.º e 400.º do Código de Processo Penal, permite desde logo surpreender uma clara evolução no sentido de resguardar o Supremo Tribunal de Justiça para os casos de maior gravidade. Apenas a letra da alínea e) do artigo 400.º, n.º 1, na redacção da Lei n.º 48/2007, numa modificação de última hora e de motivação não explicada, introduz, se considerada isoladamente, elemento de ruído e de incoerência no sistema, afectando a sua harmonia.

9. Por virtude da redacção introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007 na alínea e) do referido artigo 400.º, n.º 1, uma jurisprudência de Supremo Tribunal de Justiça, em que se integra o douto acórdão fundamento, atribui-lhe sentido modificativo e justificado, considerando estar em causa o valor liberdade e não ser possível outra interpretação que não a da admissibilidade de recurso, desde que ocorra agravamento pelo Tribunal da Relação da pena imposta, tendo em conta a letra da lei, a proibição da analogia e a ofensa do princípio da legalidade.

10. Contrariamente, a jurisprudência maioritária em que se insere o douto acórdão recorrido, procede a um «esforço acrescido de interpretação» em ordem a desvendar «a dimensão normativa aplicável» — «uma norma, complexa, de agregação de diversas normas que interagem e mutuamente se complementam» —, no caso uma norma complexa no quadro do sistema interactivo que as normas do artigo 432.º, alíneas b) e c), e do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal constituem.

11. Conclui esse percurso metodológico de interpretação com a redução teleológica da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, apta a restaurar a harmonia e o equilíbrio no seio do sistema, em consonância com «os limites verdadeiramente definidores da recorribilidade para o STJ» constantes do princípio base que se retira da norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma, decidindo no sentido da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que apliquem pena não superior a cinco anos.

12. Invoca-se e fundamenta-se que o percurso metodológico utilizado se situa no estrito domínio da interpretação, e não da analogia, não afrontando o princípio da legalidade, «cabendo exclusivamente — e definitivamente — na jurisdição do STJ».

13. Salvo o devido respeito, não concordamos com a corrente jurisprudencial, espelhada no douto acórdão fundamento, que entende haver total coerência na opção legislativa que retira da letra da norma da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, por considerar que as situações em que não ocorra dupla conforme e em que se verifique um agravamento pelo Tribunal de recurso da pena imposta têm «merecimento penal suficiente para admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça», e isto independentemente de a pena de prisão aplicada poder ser de pequena duração, ou o agravamento da duração da pena de prisão poder ser mínimo.

14. Na verdade, e salvo o muito respeito devido, a não razoabilidade deste entendimento fica bem patente se atentarmos que bastava que o Tribunal da Relação, em recurso, agravasse, um dia que fosse, uma pena de prisão de alguns meses, para que fosse admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; situação que objectivamente não tem «merecimento penal suficiente para admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça» e implicaria manifesta incoerência e contradição com a repetidamente proclamada e por todos defendida necessidade de resguardar o Supremo Tribunal de Justiça para os casos de maior gravidade, desde que, como se verifica nestes casos, não haja prejuízo das indispensáveis garantias, acauteladas pela admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, com a consequente ampla possibilidade de defesa, seja para pugnar pela revogação da decisão condenatória, seja para contrariar a pretensão do Assistente ou do Ministério Público no sentido de a condenação ser agravada.

15. Concordamos que se impõe, como se defende no douto acórdão recorrido, um «acrescido esforço de interpretação» e acolhemos o percurso metodológico de interpretação realizado pelo douto acórdão recorrido e desenvolvido pelo referido douto acórdão de 17 de Janeiro de 2013, no estrito domínio da interpretação, e não da analogia, bem como o referido resultado a que chegou, pelas razões aduzidas, a que aderimos, e deixámos consignadas nestas alegações, das quais ressaltamos:

16. «A norma do artigo 432º, alíneas b), c) e d), constitui um unidade, com segmentos complementares que lhe conferem coerência e sentido; responde e realiza uma intenção apenas apreensível e sistematicamente coerente na coordenação unitária das sub-hipóteses que contempla.
Na unidade da norma do artigo 432º do CPP, as sub-hipóteses que contém não podem ter, contextualmente, leituras isoladas autónomas e separadas; a delimitação da alínea c) do nº 1 e os critérios processuais objectivos que define não podem ser lidos — e interpretados — de modo não coordenado ou conflituante, de forma a revelar uma irritação intra-normativa que os critérios metodológicos de interpretação necessariamente repelem.
(…)
A norma do artigo 400º do CPP — e as suas diversas espécies (recte, as alíneas d) a f) do nº 1) — constitui norma de integração e de complemento da conjugação entre as alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPP, não podendo valer autonomamente, por si mesma; é uma norma que não tem sentido se não for conjugada e integrada com outras normas, na construção estrutural do sistema de recursos, constitui sistematicamente o complemento da norma do artigo 432º do CPP.
As condições, os pressupostos e os critérios da recorribilidade dos acórdãos da Relação não prevêem categorias autónomas, só tendo sentido se forem coordenadas com a norma do artigo 432º do CPP, que em primeira linha dispõe sobre a recorribilidade para o STJ; a irrecorribilidade só tem sentido e substância para permitir, por exclusão, o critério de recorribilidade para o STJ que está definida por via principal no artigo 432º do CPP».

17. «Na conjugação das normas das alíneas b) e c) do artigo 432º do CPP (que constitui a norma base relativamente às condições e critérios de recorribilidade para o STJ) revela-se essencial — verdadeiro núcleo da construção do sistema — a referência-limite de recorribilidade constituída pelo elemento «pena superior a cinco anos de prisão»; esta expressão (elemento literal) constitui, no caso, a partida e a chegada do processo interpretativo: a interpretação parte da letra, mas a letra poder ser também elemento de controlo, desde que a solução encontrada tenha na norma, ou na dimensão normativa, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa”. O “mínimo de correspondência verbal” está, como se salientou, no limite objectivo de “cinco anos”, que constitui, na dimensão normativa concreta que se retira da conjugação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPP, um critério simultaneamente de recorribilidade e de integração de um limite mínimo de recorribilidade para o STJ.»

18. Consideramos que a opção em que se funda o douto acórdão recorrido, pelas razões nele expostas e desenvolvidas no referido douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 2013, construiu-se no domínio da interpretação, não ofendendo o princípio da legalidade, apresentando-se como a mais conforme ao factor fundamental de interpretação da unidade/congruência do sistema jurídico, salientado na norma do artigo 9.º do Código Civil e não contrariado pelos restantes elementos de interpretação atendíveis nos termos dessa mesma norma.
Entendemos, por isso, que o presente conflito de jurisprudência deve ser resolvido no sentido preconizado pelo douto acórdão recorrido: no domínio da vigência da Lei n.º 48/2007, de 29/08, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação que, em recurso, revogando pena não privativa de liberdade imposta pela 1.ª instância, tenha condenado em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos.

É este o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.


D- Uma vez que a decisão que reconheceu a oposição de julgados, não vincula o Pleno do Supremo Tribunal, há que reapreciar a oposição entre os julgados.

Ambos os acórdãos pronunciaram-se sobre a admissibilidade ou não de recurso de decisão da Relação que, em recurso revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada na 1ª instância.
Ambos os acórdãos condenaram pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.° 21.°, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, sendo que no acórdão fundamento, ainda, só quanto a um dos arguidos, houve condenação por um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelos art.ºs 2.º, n. 1, al. t), 3.º, n.º 2, al. 1) e 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro

Segundo o acórdão recorrido, “O Magistrado do Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação, que concedendo provimento ao recurso revogou parcialmente o acórdão recorrido, na parte em que decretou a suspensão da execução da pena de prisão, decidindo que a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, em que o arguido foi condenado, será de prisão efectiva. “

E, segundo o acórdão fundamento: “Após recurso do M.º P.º para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio este Tribunal, por acórdão de 4 de Março de 2009, revogar o acórdão recorrido na parte em que decidiu a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos, determinando-se que as penas de prisão aplicadas a cada um dos arguidos fossem de prisão efectiva.”

No acórdão fundamento, os arguidos tinham recorrido do acórdão da Relação que, “em recurso, revogou a decisão da 1ª instância que suspendeu as penas de 4 anos e 6 meses e 5 anos de prisão que lhes foram aplicadas”
No acórdão recorrido, “O arguido foi condenado em 1ª instância, na vigência da Lei n.º 48/2007, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por idêntico período, pela prática de um crime de tráfico do art. 25.°, n.º 1, al. a), do DL 15/93; a Relação, por acórdão de 23 de Junho de 2010, julgou procedente o recurso do Ministério Público, revogando o acórdão recorrido no que respeita à suspensão da execução.”

Conforme refere o acórdão fundamento:
“A questão a decidir é tão só a de saber se as penas de prisão aplicadas aos arguidos, todas não superiores a 5 anos, devem ser substituídas por pena suspensa como fez a 1ª instância ou se devem ser de prisão efectiva como decidiu a Relação.
Preliminarmente e por ter sido questão suscitada pelo M.º Pº no STJ, há que apurar se a decisão em causa é recorrível, [..]

Essa identidade fáctica gerou decisão jurídica oposta.

O acórdão recorrido refere, nomeadamente:
“O arguido foi condenado em 1ª instância, na vigência da Lei n.º 48/2007 […]
A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432° do CPP. De uma forma directa, nas alíneas a), c) e d) do n° 1; e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400°, n° 1 e respectivas alíneas, do CPP.
Há, neste regime definido pelo conjunto das referidas normas, elementos que, aparentemente descoordenados, não podem deixar de ser harmonizados, salvo risco e efeito de uma séria contradição intra-sistemática.
A referência essencial para a leitura integrada do regime - porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ - não pode deixar de ser a alínea c) do n° 1 o artigo 432° do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade - acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a cinco anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do artigo 427° do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao tribunal da relação.
A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos - a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada
A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a cinco anos.
[…]
A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432°, e especialmente do seu nº 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400°, n° 1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432°, nº 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior da regime dos recursos para o STJ
A solução a que se chegou pela redução teleológica da alínea e) do n° 1 do artigo 400° do CPP, no sentido da convergência necessária com os limites verdadeiramente definidores da recorribilidade para o STJ, permite desenhar a solução, que será construída, ou ad minus, ou por identidade de razão (cf., entre vários, os acórdãos do STJ de 2S de Junho de 2008, Proc. 1879/2008, e de 18 de Fevereiro de 2009, proc. 102/09)”

E, em consequência, veio a considerar:
“6. O recurso não é, assim, admissível (artigo 432°, nº 1, alínea c) do CPP), e consequentemente deve ser rejeitado (artigos 420°, n° 1, alínea b) e 414°, nº 2 do CPP).
Nestes termos, rejeita-se o recurso. “

Por sua vez, o acórdão fundamento explicitou:
“Aplica-se à situação o regime processual actualmente vigente, porque a decisão da 1ª instância já foi proferida no domínio dessa legislação e o STJ tem entendido que a lei processual sobre a recorribilidade de uma decisão é a que vigorava ao tempo em que ala instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável ao arguido.
Como se sabe, é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei (art.º 399º do CPP).
Os principais casos de irrecorribilidade estão enunciados no artigo seguinte, mas o que está em apreço não se enquadra em nenhuma das hipóteses aí previstas.
Trata-se de um acórdão proferido, em recurso, pela relação que conheceu, a final, do objecto do processo, pois debruçou-se sobre a pena a aplicar ao crime cometido, se de substituição se efectiva e, portanto, não está excluído pela irrecorribilidade da al. c), do n.º 1 do art.° 400.°.
Não é um acórdão confirmativo da sentença da 1ª instância, pois que esta suspendeu a pena e aquele revogou essa decisão e, desse modo, a recorribilidade não está excluída pela al. f).
Por fim, trata-se de acórdão proferido, em recurso, pela relação que aplicou pena privativa de liberdade e, assim, não há exclusão da recorribilidade por força da al. e).
Com o devido respeito por quem defenda opinião diversa, a al. c) do art.° 432.° só exclui o recurso directo de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que não apliquem pena de prisão superior a 5 anos, caso em que o recurso deve ser interposto obrigatoriamente para a relação, mas não impede que a decisão proferida por este tribunal tenha recurso para o STJ, desde que não se enquadre nas hipóteses de irrecorribilidade previstas no art.° 400.° (cfr. a al. b do art. ° 432.º).
Isto é, os acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que não apliquem pena de prisão superior a 5 anos não são recorríveis para o STJ, mas já o são os acórdãos da relação que, em recurso, não os tenham confirmado e que tenham aplicado pena privativa de liberdade. Trata-se, portanto, de casos em que o arguido mereceu um tratamento de desfavor, lesivo da sua liberdade, como resultado de um primeiro recurso (obrigatório) para a relação e em que, portanto, o legislador considerou haver motivo suficiente para fazer intervir outro tribunal de recurso, o mais alto Tribunal.“

Consequentemente conheceu dos recursos, após o que veio a decidir que “os recursos não merecem provimento”.

Como resulta dos acórdãos em confronto - recorrido e fundamento - a questão fáctica é idêntica e a questão de direito assenta na recorribilidade ou não para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação, que, em recurso, não aplique pena de prisão superior a 5 anos, nomeadamente de decisão que em recurso revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada na 1ª instância.

Ambos os acórdãos – recorrido e fundamento assentaram, pois, em soluções de direito opostas e no domínio da mesma legislação, sobre situação de facto idêntica.

Assim, conclui-se pela oposição entre os julgados.
Posto isto,

E- A questão sub judicio está, como supra se aludiu, na admissibilidade ou não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação, que, em recurso, não aplique pena de prisão superior a 5 anos, nomeadamente de decisão que em recurso revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada na 1ª instância, persistindo a pena de prisão.


F- A summa divisio no thema decidendum

A questão assinalada, centraliza-se em duas correntes de jurisprudência vigentes no Supremo Tribunal: uma não favorável à admissão de recurso e a outra, favorável à admissão de recurso.


Sobre a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não favorável à admissão do recurso

Considera esta corrente, em suma, que:
A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no art. 432.º do CPP. De uma forma directa, nas als. a), c) e d) do n.º 1; e de um modo indirecto na al. b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, nos termos do art. 400.º, n.º 1, e respectivas alíneas, do CPP.
A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica patente e mesmo imanente, da norma do art. 432.º, e especialmente do seu n.º 1, al. c), impõe a interpretação correctiva (ou mesmo a redução teleológica) da norma do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, de acordo com o princípio base do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, interpretação necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime dos recursos para o STJ.
Assim, se não é admissível recurso directo para o STJ de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos da decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos; é esta a regra que se retira do limite fixado na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP.
O recurso não é, assim, admissível (art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP), devendo consequentemente ser rejeitado (arts. 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do CPP).

Servem de exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal:
3ª Secção
17-01-2013, Proc. n.º 219/11.9JELSB-L1.S1; 21-03-2012, Proc. n.º 422/02.2SJPRT.P1.S1 ; 29-03-2012, Proc. n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1; 12-07-2012, Proc. n.º 657/08.4GAVCD.P1.S1; 24-10-2012, Proc. n.º 748/06.3TASTR.E1.S1;05-12-2012, Proc. n.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1; 18-05-2011,Proc.n.º 37/09.4PBVCD.P1.S1;01-06-2011, Proc. n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1; 07-07-2009, Proc. n.º 2554/04.3TBACB.C1.S1; 18-06-2009, Proc. n.º 196/00.1GAMGL.C1.S1; 12-03-2009, Proc. n.º 2884/08; 04-12-2008; 03-09-2008, Proc. n.º 1883/08; 25-06-2008, Proc. n.º 1879/08; 27-04-2011; Proc. n.º 3/07.4GBCBR.C1.S1 - 3.ª Secção; 16-12-2010, Proc. n.º 152/06.6GAPNC.C2.S1; 10-02-2010, Proc. n.º 80/09.3GTBRG.G1.S1; 19-03-2009, Proc. n.º 383/09; 18-02-2009, Proc. n.º 102/09;

5ª Secção
22-01-2009, Proc. n.º 2833/08 ; 06-12-2007, Proc. n.º 3752/07

Sobre a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça favorável à admissão do recurso

Esta corrente entende que
Da conjugação das als. e) e f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, resulta a contrario que o legislador da reforma de 2007 pretendeu que houvesse recurso para o STJ das decisões das Relações que, não tendo confirmado decisão de 1.ª instância (condenatória ou absolutória), aplicassem pena privativa de liberdade, fosse ela qual fosse.
Sendo a regra geral a de que “é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei” (art. 399.º do CPP), a disposição da al.. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP comporta, já por si, um sentido restritivo, que não pode ser ampliado por via analógica, nos termos do art. 11.º do CC.
É admissível o recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, de todas as decisões que não sejam irrecorríveis proferidas, em recurso, pelas relações, nada obsta a que se conheça do presente recurso.
Não se invoque, em contrário, a al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, pois esta norma apenas impede o recurso directo para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão inferior ou igual a 5 anos, ainda que visem exclusivamente o reexame de matéria de direito, pois tal recurso tem de ser interposto, obrigatoriamente, para a Relação. Mas não impede que, nesses casos, de recurso obrigatória da 1.ª instância para a Relação, venha posteriormente a recorrer-se para o STJ da decisão que a Relação tenha proferido, desde que não abrangida por alguma das excepções referidas no n.º 1 do art. 400.º.
São sempre recorríveis para o STJ os casos em que a Relação, em recurso, não confirma a decisão da 1.ª instância e aplica uma pena privativa da liberdade, tendo o MP legitimidade para o fazer em todas as situações dessa natureza, para defesa da legalidade, e o arguido nos casos em que a Relação agrava a pena que lhe foi aplicada.
Não há qualquer incoerência interna no sistema de recursos para o STJ, tal como descortinada pelo MP no STJ, pois o art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP só impõe limites ao recurso directo da 1.ª instância para o STJ, mas nada indica quanto à regra do recurso em 2.º grau para o STJ, a qual está prevista na al. b) [Recorre-se para o STJ…de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º].
No caso de absolvição em 1.ª instância, o arguido carece de interesse em agir para recorrer dessa absolvição para o Tribunal da Relação; mas, a partir do momento em que a Relação, pela primeira vez condena o arguido, concretamente em prisão, não poderá ser negado pelo menos um grau de recurso dessa decisão, agora gravosa para si, e de acordo com a interpretação que é a mais conforme ao art. 32.º, n.º 1, da CRP.
Quis-se certamente possibilitar a submissão à reapreciação de um tribunal superior desse agravamento, em ordem a um mais exigente acautelamento do direito de defesa do arguido.

A favor desta tese, se inclinam os seguintes acórdãos da 5ª Secção:
20-12-2012, Proc. n.º 134/02.7TASCD.C1.; 29-11-2012, Proc. n.º 479/10.2JAAVR.C1.S1; 24-02-2011, Proc. n.º 23/08.1PECTB.C1.S1; 06-07-2011, Proc. n.º 703/08.1JAPRT.P1.S1 ; 20-10-2011; Proc. n.º 737/04.5PCLRS.L1.S1.


G- A centralização espácio-temporal da temática

A temática do presente recurso de fixação de jurisprudência é algo de ingente, na medida em que se reporta a decisões do mesmo Supremo Tribunal, ancoradas em interpretações diferentes da mesma legislação, que conduziram a decisões jurídicas opostas, e, por isso, reclamam por exigência legal, uma decisão uniforme de fixação jurisprudencial
Sendo certo, por outro lado, que a fixação tem, em certa medida, natureza transitória, pois que, posteriormente à data de interposição do presente recurso, habemus legem, solucionadora da questão, a Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro – v. artº 400º alíneas d) e e) - que de harmonia com o seu artº 4º, entrou em vigor 30 dias após a sua publicação.
O que vale por dizer que a presente fixação de jurisprudência tem o seu campo de aplicação em situações de exercício do direito ao recurso anteriores à vigência da citada Lei, no âmbito da vigência da Lei 48/2007, de 29-08, uma vez que as decisões foram proferidas depois de 15-09-2007, data em que entrou em vigor aquela Reforma, sendo que as alterações, introduzidas ao Código pela Lei 26/2010, de 30-08, não afectaram o regime dos recursos.

O regime aqui aplicável é, portanto, o estabelecido pela Lei 48/2007, por ser o que vigorava na data em que foi proferida a decisão da 1.ª instância, pois é nesse momento que «se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, 189,

Com efeito,
Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos. v. Ac. deste Supremo de 10-09-2008, Proc. n.º 1959/08 - 3.ª Secção


É certo que o artº 5º nº 1 do CPP, estabelece:
A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior (nº 1)
E, dispõe o nº 2 do preceito:
A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a)Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b)) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

Porém, a excepção constante do nº 2 do artº 5º do CPP, não tem campo de aplicação no caso concreto, mesmo que se entenda que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, uma vez que a decisão da 1ª instância de que foi interposto recurso para a Relação, e, que motivou a decisão da Relação ora em questão, foi proferida já no domínio da Lei nova, em que tem lugar a aplicação imediata desta Lei. (artº 5º nº 1 do CPP)
Na verdade, importa, distinguir, para efeitos de aplicação da lei no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação. Prof. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86, págs. 49-53 e 84-87
A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.
E como elucida o Acórdão deste Supremo, e da 3ª Secção, de 21-01-2009 a propósito da questão da aplicação do direito inter temporal, relativamente à lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, as Secções Criminais deste Supremo Tribunal convergiram para uma solução de compromisso, expressa no Ac. de 29-05-2008, Proc. n.º 1313/08 - 5.ª, que, no fulcro, se reconduz à afirmação de que «a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido». Proc. n.º 2387/08,
Na verdade como resulta desse acórdão de 29 de Maio de 2008 in proc. nº 1313 da 5ª Secção, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

H- O critério legal do limite da pena como pressuposto do direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

1- A nível da “dupla conforme”

O artigo 400º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 48/2007, referindo-se às “decisões que não admitem recurso”, estabelecia:
“1. Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa:
d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;
g) Nos demais casos previstos na lei.

Por sua vez, o artº 432º do mesmo diploma adjectivo, referindo-se ao “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, determinava:
“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;
d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;
e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o artigo 400º passou a estabelecer:
1. Não é admissível recurso:
a) De despachos de mero expediente;
b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo;
d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;
g) Nos demais casos previstos na lei.

Por sua vez, de harmonia com o disposto no artigo 432º nº1 do CPP:
Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
a) De decisões das relações proferidas em 1ª instância;
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.
d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do CPP.

No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)

Face ao art. 400., n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência concordante do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme".
Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.
Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.

Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei 48/2007. a al. f) do artº 400º passou a dispor:
“ De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.
Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.”
Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão.
Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.

Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância. . Acórdão deste Supremo de 29-03-2007 Proc. n.º 662/07 - 5.ª Secção
Como se decidiu no Ac. deste Supremo, de 11-07-2007, Proc. n.º 2427/07, 3ªsecção, se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.
É maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução. V. Acórdão deste Supremo, de 4-02-2009 in Proc. n.º 4134/08, 3ªSecção

De qualquer modo a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional antes e depois de Setembro de 2007 é no sentido de não considerar ser inconstitucional a circunstância de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400° n° 1, aI. f) do CPP e por isso não poder haver recurso para o STJ em terceiro grau de jurisdição em matéria penal Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 2/06 de 13.1.2001, Ac. n° 20/2007 de 17/01.2007, o ac. n° 645/2009 de 15.12.2009.
Aliás, também o acórdão de 15 de Dezembro de 2009, do Tribunal Constitucional decidiu: proferido no processo n.º 846/09, 2ª Secção
“a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Por acórdão de 4 de Abril de 2013, proferido no processo nº 543/12, da 1ª Secção, o Tribunal Constitucional decidiu:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão;

Como se referiu neste Acórdão do Tribunal Constitucional,
“O acórdão recorrido considerou que do processo hermenêutico empreendido pelo tribunal a quo resultou uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, extravasava o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia e – in casu – da analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.
No entanto, apesar das limitações impostas pelo princípio constitucional da legalidade criminal, nem o direito penal nem o direito processual penal se encontram subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas. Assim sendo, cumpre esclarecer que a transição da interpretação para a analogia, ao abrigo dos cânones tradicionais, é determinada pela letra da lei (elemento gramatical ou literal). É, com efeito, a partir desta que se determinam os significados do preceito a que ainda é possível aceder através da interpretação, e quais aqueles que resvalam para a analogia. Obtidos os significados ainda compatíveis com o teor verbal da norma, a conclusão do processo hermenêutico faz-se com o auxílio dos outros elementos da interpretação – os elementos histórico, sistemático e racional (ou teleológico).
Sucede que o sentido vertido na interpretação normativa extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP – nos termos da qual “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” – ainda se afigura cabível na letra daquele preceito. Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encontrada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. Este elemento baseia-se “no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183). Tal postulado sustenta a interpretação normativa contestada, vedando a incoerência ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime.
Finalmente, talqualmente sublinhado pelo acórdão fundamento, o facto de este entendimento radicar num processo de “cisão em parcelas das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico” - permitindo que, para efeitos de admissibilidade ou não admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se distinga entre as penas parcelares integrantes da pena conjunta e a operação de determinação da pena conjunta obtida através de cúmulo jurídico, não é suscetível de colocar em crise a sua formulação. Tal cisão, com efeito, tem respaldo no direito penal positivo - artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal - (cfr., ainda, artigo 403.º, do Código de Processo Penal), circunstância que reforça cabalmente a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º valer quer para penas superiores a 8 anos devidas pela prática de um único crime, quer para penas conjuntas superiores a 8 anos obtidas através de cúmulo jurídico, mas apenas no que às operações do cúmulo respeite.
Daí que cumpra concluir pela não inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, impondo-se, consequentemente, a revogação do acórdão recorrido.”

O critério da gravidade da pena aplicada é, pois, determinante na conformação da competência do STJ, o qual intervirá apenas se e quando tiver sido aplicada pena superior àquele limite.

2- O recurso para o Supremo Tribunal relativamente à pena aplicada – incluindo a conjunta - não superior a cinco anos de prisão.

Como se disse, o critério da pena aplicada é o delimitativo da admissibilidade do recurso para o Supremo.

No caso de recurso directo de acórdão de tribunal colectivo ou do júri que aplique pena igual ou inferior a 5 anos de prisão não há recurso para o STJ, atento o patamar mínimo, incontornável, definitivo, de acesso ao STJ se definir na pena de prisão superior a 5 anos. Ac. de 27-04-2011, Proc. n.º 3/07.4GBCBR.C1.S1 - 3.ª Secção

a) Anteriormente à vigência da Lei nº 48/2007, - artº 400º nº 1 al e) do CPP - não havia dúvida de que não era admissível recurso de acórdão da Relação que tivesse por objecto crime a que em abstracto correspondesse pena não superior a 5 anos de prisão.
Não seria em tal caso admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

Actualmente, embora, a al. b) do artº 432º do CPP, se mantenha com a mesma redacção, já a redacção da alínea e) do artigo 400º do mesmo diploma, foi alterada na revisão operada pela mesma Lei, não sendo admissível recurso:
“e) De acórdão proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade”

Mas, entendemos que a mesma filosofia legal se mantém após a vigência da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, e não foi contrariada pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto, Como se explicitou no acórdão nº 712.00.9JFLSB.L1.S1

A alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP é neutralmente descomprometida, pois que nada contempla quanto às possibilidades legais de admissibilidade de recurso quando a condenação tenha aplicado pena de prisão.
Somente fazendo uma interpretação a contrario, pelo que a norma não diz, é que poderia defender-se a tese de que logo em todos os casos de condenação em pena de prisão, pela Relação, seria admissível recurso para o Supremo.
Mas, nem o argumento a contrario, ainda que ancorado em protecção de direitos fundamentais (e a prisão é uma restrição ao direito à liberdade), mereceria acolhimento mesmo do ponto de vista legal.

Na verdade, como poderiam entender-se as situações legalmente previstas de inadmissibilidade de recurso para o Supremo, nos casos de condenação em pena de prisão?
Diz Maia Gonçalves, “O dispositivo nesta alínea e), interpretado a contrario, conduzir-nos-ia a admitir recurso para o Supremo de todos os acórdãos proferidos em recurso pelas relações que aplicassem pena privativa de liberdade. Trata-se de um dispositivo algo enigmático pois que, interpretado à letra, logo contraria o dispositivo da alínea seguinte e outras disposições, designadamente o artº 432º para além de colidir com o pensamento legislativo de reservar os recursos para o Supremo para casos de relevante complexidade ou de elevado valor,
O legislador, ao introduzir a redacção do preceito na fase final, diferentemente da Proposta governamental e sem apoio em trabalhos preparatórios, não desconhecia certamente o que se dispunha e continua a dispor na alínea seguinte (f) e não terá querido entrar em colisão com o que aí e em outros dispositivos se estabelece. Por outro lado, e simultaneamente, o CP veio estabelecer, no artº 11º, a responsabilidade geral das pessoas colectivas e, para elas, penas até então desconhecidas, quer no CP quer no CPP, e não privativas de liberdade. Sem este dispositivo da alínea e) haveria sempre recurso para o Supremo de acórdãos das relações que aplicassem tais penas solução certamente fora do pensamento legislativo e impraticável.
Tudo ponderado, esta alínea e), ademais conjugada com a alínea g), não colide com os demais casos de inadmissibilidade de recurso para o Supremo, designadamente com os estabelecidos na alínea f) e no artº 432º. Esse dispositivo tem campo eleito de aplicação no que concerne a penas aplicadas a pessoas colectivas.
Em síntese, este dispositivo da alínea e) significa que, de acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade não há recurso para o Supremo, mantendo-se integralmente todos os outros dispositivos.” Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado, 16ª edição, 2007, p. 912:


Insofismável é que o n º 1, alínea e), do artº 400º do CPP apenas diz que não é admissível recurso “De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade”
Mas daqui não resulta que seja admissível recurso, em qualquer caso, “De acórdão proferidos, em recurso, pelas relações, que não apliquem pena não privativa de liberdade”
O facto de o legislador não ter consagrado a redacção constante da Proposta de Lei nº 109/X - “Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa, ou pena de prisão não superior a cinco anos”-, apenas significa o que é óbvio, que o legislador quis aprovar uma norma específica tendo apenas por objecto a “pena não privativa de liberdade”, a qual, não se confunde nem abarca apenas a pena de multa, mas também outras penas de substituição, e porventura alguma das penas aplicáveis a pessoas colectivas.
Ao editar essa norma tendo apenas por objecto a pena não privativa de liberdade, não afastou as demais normas referentes à irrecorribilidade ou não das penas de prisão.
Em direito processual penal, a interpretação de determinada norma não vale pelo que ela não diz, mas, sim, perante o que diz, aquilo que quis dizer.
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3- Poderá concluir-se que a delimitação do objecto da inadmissibilidade de recurso para o Supremo, constante da citada alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP é pois, exclusivamente concernente à aplicação de pena não privativa de liberdade que, é assim, o limite intransponível do objecto da referida norma.
Por isso não ofende o principio da legalidade, uma que vez que se trata de uma norma precisa, estrita em objecto expressamente circunscrito.
Nem é o facto de se argumentar com o princípio da recorribilidade, previsto no artº 399º do CPP que afronta a legalidade interpretativa da exclusiva confinância da al. e) do nº 1 do artº 400º apenas aos casos de irrecorribilidade de decisões que apliquem penas não privativas de liberdade.
Entendimento contrário, não tem suporte legal, ainda que se chame à colação a norma geral de recorribilidade – o referido artº 399º do CPP- uma vez que não deve olvidar-se que se este preceito adjectivo determina – “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos”, logo acrescenta “cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”

4. A expressão “cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei” é diferente de dizer-se “cuja irrecorribilidade não estiver expressamente prevista na lei”
A expressão final constante do artº 399º do CPP, é mais abrangente, no sentido de que tem por suporte a hermenêutica jurídica.

Ora, se a norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º nada adianta quanto aos recursos de decisões condenatórias em pena de prisão, pela Relação, e se há norma que admite o recurso para o Supremo de decisões de 1ª instância proferidas pelo Tribunal Colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, e norma que não admite o recurso de decisões da Relação que aplique pena de prisão superior a 5 e inferior a 8 anos de prisão, em caso de dupla conforme, é evidente que há necessidade de interpretação das normas legais, em conjugação intrínseca e na sua dimensão teleológica, para harmonia e unidade do sistema jurídico, sobre as situações em que as Relações, em recurso, apliquem pena de prisão não superior a cinco anos.

De igual modo, a norma que integra a alínea b) do nº 1 do artº 432º, que prevê a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artº 400º” é vaga - qual norma em branco - de reenvio, mas de solução tautológica - uma vez que ao remeter para o artº 400º, este normativo, como referimos nada esclarece na alínea b) quanto a decisões condenatórias, proferidas pelas Relações, em recurso, que apliquem pena inferior ou igual a cinco anos de prisão, criando-se assim entre essas normas uma imprecisa redundância.

5- Que diz a norma geral de interpretação da lei?
Como se sabe, resulta do artº 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº2), e na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº3)

Pires de Lima e Antunes Varela, anotam que “ (…) o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente actualista).
O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (mens legis).
2. Resumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios, de carácter objectivo, como são os que constam do nº 3.” Código Civil Anotado, Volume I (artºs 1º a 761º), 4ª edição revista e actualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p.58

Por seu lado, Figueiredo Dias elucida: “2. Nas suas linhas essenciais, portanto, o problema da interpretação da lei não ganha, em direito processual penal, autonomia: trata-se aí, como em geral, da necessidade de uma actividade – prévia em relação à aplicação do direito e que, por isso mesmo, em nada contende com o carácter não subsuntivo desta operação – tendente a descortinar o conteúdo de sentido ínsito em um certo texto legal. Só convirá aqui relembrar dois pontos já devidamente acentuados: é o primeiro o da relevância que, para uma interpretação axiológica e teleológica nos domínios da nossa disciplina, assume a consideração do fim do processo; é o segundo o da necessidade de, por ser o direito processual penal verdadeiro «direito constitucional aplicado», se tomar na devida conta o princípio da interpretação conforme à Constituição.” Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, Limitada, -1974, p.95
E como refere este Insigne Professor: Direito Penal. Parte Geral I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, 2ª ed. Coimbra Editora, 2007,8.° Cap., § 20
"O legislador penal é obrigado a exprimir-se através de palavras; as quais todavia nem sempre possuem um único sentido, mas pelo contrário se apresentam polissémicas. Por isso o texto legal se torna carente de interpretação (e neste sentido, atenta a primazia da teleologia legal, de concretização, complementação ou desenvolvimento judicial), oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora deste quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida. Um tal quadro não constitui por isso critério ou elemento, mas limite da interpretação admissível em direito penal”.

6- A actividade leginterpretativa, reclama pois uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico.

Como já salientava Maia Gonçalves: “De assinalar que este Código procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal tornando-o mais independente do processo civil. Isto é notório ao longo de todo o Código, e atinge a máxima expressão em matéria de recursos.” Código de Processo Penal, anotado, 16ª edição, 2007, p. 62
Sendo certo que, de harmonia com a redacção da alínea d) do artº 432º, anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, recorria-se para o Supremo Tribunal de Justiça “De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito” porém, nos termos da alínea e) do artº 400º, não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.
Ora, cotejando a teleologia destas normas, com a filosofia estruturante do Código verifica-se como informa o seu preâmbulo que, “tentou obviar-se ao reconhecimento pendor para o abuso dos recursos, abrindo-se a possibilidade de rejeição liminar de todo o recurso por manifesta falta de fundamento. Complementarmente, procurou simplificar-se todo o sistema, abolindo-se concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso. Por isso os tribunais de relação passam a conhecer em última instância das decisões finais do juiz singular e das decisões interlocutórias do tribunal colectivo e do júri, devendo o recurso das decisões finais destes últimos tribunais ser directamente interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.”
E, a exposição de motivos da proposta de Lei nº 157/VII, alterando o Código de Processo Penal, pretendeu limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade: “Retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça” (ponto 16. e) da Proposta de Lei.

Assim, é de formular o entendimento de que o legislador não se quis afastar do patamar mínimo de pena superior a 5 anos de prisão, para que possa haver recurso para o Supremo Tribunal.

7- Mesmo quem defenda que a al. e) do nº 1 do art 400º do CPP cauciona o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão condenatória proferida em recurso pela Relação, em pena de prisão, não pode alhear-se da conjugação dessa norma com a teleologia definida pela norma da alínea c) do nº 1 do artº 432º do CPP., tendo em conta o regime de recurso em processo penal querido pelo legislador, bem como o papel pretendido reservar pelo legislador ao Supremo Tribunal de Justiça.

A al. c) do nº 1 do artº 432º do CPP, surgida na sequência do Acórdão de uniformização de jurisprudência deste Supremo, nº 8/2007, de 14 de Março de 2007, Diário da República, I- série, de 4 de Junho de 2007 independentemente de pôr fim à querela jurisprudencial sobre a vontade do recorrente na determinação do tribunal superior de recurso, indica esse patamar mínimo como factor objectivo dos casos de recurso admissível para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisões condenatórias proferidas em recurso pelas Relações, em que aplique pena de prisão inferior a cinco anos, que provenham da 1ª instância, sejam de tribunal singular, sejam de tribunal colectivo.
Ou seja, o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento dos recursos de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o artº 9º do Código Civil, na teleologia e unidade do sistema, quanto a penas privativas de liberdade, que, só sendo admissível recurso para o Supremo de acórdãos do tribunal colectivo que tenham por objecto pena superior a cinco anos de prisão - uma vez que as penas inferiores a cinco anos de prisão caem na competência do juiz singular e não há recurso de decisões do tribunal singular para o Supremo Tribunal de Justiça - apenas é admissível recurso de acórdão da Relação para o Supremo quando a Relação julgar recurso de decisão do Tribunal Colectivo, ou de júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a 5 anos de prisão.

8- A norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP, é uma norma funcionalmente delimitativa no sentido de que ficam excluídos da abrangência do recurso para o Supremo as decisões que apliquem quaisquer penas não privativas de liberdade.
Outra fundamentação conducente ao mesmo resultado de irrecorribilidade, considera:
A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no art. 432.º do CPP. De uma forma directa, nas als. a), c) e d) do n.º 1; e de um modo indirecto na al. b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, nos termos do art. 400.°, n.º 1, e respectivas als., do CPP. Há, neste regime definido pelo conjunto das referidas normas, elementos que, aparentemente descoordenados, não podem deixar de ser harmonizados, salvo risco e efeito de uma séria contradição intra-sistemática.
A referência essencial para a leitura integrada do regime – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a al. c) do n.° 1 do art. 432.° do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito. Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a 5 anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do art. 427.° do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao Tribunal da Relação.
A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.
A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de 2.º grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos.
A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo que antecedeu a Lei 48/2007 será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modelação mantém-se no art. 432.° do CPP, e se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ.
Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objectivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na al. e) do n.º 1 do art. 400.° do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma.
Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é directamente afastada pelo art. 432.°, n.º 1, al. c), produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar. Basta pensar que, na leitura isolada, estreitamente literal, um acórdão proferido em recurso pela Relação, que aplicasse uma pena de 30 dias de prisão, não confirmando a decisão de um Tribunal de Pequena Instância, seria recorrível para o STJ, contrariando de modo insuportável os princípios, a filosofia e a teleologia que estão pressupostos na repartição da competência em razão da hierarquia definida na regra-base sobre a recorribilidade para o STJ do art. 432.°, n.° 1, al. c), do CPP.
Pode suceder, com efeito, que uma norma, lida «demasiado amplamente segundo o seu sentido literal», tenha de ser reconduzida e deva ser «reduzida ao âmbito de aplicação que lhe corresponde segundo o fim da regulação ou a conexão do sentido da lei», procedendo às «diferenciações requeridas pela valoração» e «exigidas pelo sentido e finalidade da própria norma» e pela finalidade ou sentido «sempre que seja prevalecente» de outra norma, que de outro modo seria seriamente afectada, seja pela “natureza das coisas” ou «por um princípio imanente à lei prevalecente num certo grupo de casos» (cf., Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, p. 473-474). Nestes casos, deverá o intérprete operar a “redução teleológica” da norma. A redução ou correcção respeitará também o princípio da proporcionalidade e serve o interesse preponderante da segurança jurídica.
Nesta perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do art. 432.°, e especialmente do seu n.º 1, al. c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do art. 400.°, n.° 1, al. e), do CPP, de acordo com o princípio base do art. 432.°, n.º 1, al. c), do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior da regime dos recursos para o STJ.
A solução a que se chegou pela redução teleológica da al. e) do n.° 1 do art. 400.° do CPP, no sentido da convergência necessária com os limites verdadeiramente definidores da recorribilidade para o STJ, permite desenhar a solução, que será construída, ou ad minus, ou por identidade de razão. Ac. deste Supremo de 05-12-2012, Proc. n.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção


9- Como consta do acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Janeiro de 2013, citado pelo Ministério Público:
«A norma do artigo 432º, alíneas b), c) e d), constitui uma unidade, com segmentos complementares que lhe conferem coerência e sentido; responde e realiza uma intenção apenas apreensível e sistematicamente coerente na coordenação unitária das sub hipóteses que contempla.
Na unidade da norma do artigo 432º do CPP, as sub hipóteses que contém não podem ter, contextualmente, leituras isoladas autónomas e separadas; a delimitação da alínea c) do nº 1 e os critérios processuais objectivos que define não podem ser lidos — e interpretados — de modo não coordenado ou conflituante, de forma a revelar uma irritação intra normativa que os critérios metodológicos de interpretação necessariamente repelem.
A norma do artigo 400º do CPP — e as suas diversas espécies (recte, as alíneas d) a f) do nº 1) — constitui norma de integração e de complemento da conjugação entre as alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPP, não podendo valer autonomamente, por si mesma; é uma norma que não tem sentido se não for conjugada e integrada com outras normas, na construção estrutural do sistema de recursos, constitui sistematicamente o complemento da norma do artigo 432º do CPP.
As condições, os pressupostos e os critérios da recorribilidade dos acórdãos da Relação não prevêem categorias autónomas, só tendo sentido se forem coordenadas com a norma do artigo 432º do CPP, que em primeira linha dispõe sobre a recorribilidade para o STJ; a irrecorribilidade só tem sentido e substância para permitir, por exclusão, o critério de recorribilidade para o STJ que está definida por via principal no artigo 432º do CPP».
(…)
«Na conjugação das normas das alíneas b) e c) do artigo 432º do CPP (que constitui a norma base relativamente às condições e critérios de recorribilidade para o STJ) revela-se essencial — verdadeiro núcleo da construção do sistema — a referência limite de recorribilidade constituída pelo elemento «pena superior a cinco anos de prisão»; esta expressão (elemento literal) constitui, no caso, a partida e a chegada do processo interpretativo: a interpretação parte da letra, mas a letra pode ser também elemento de controlo, desde que a solução encontrada tenha na norma, ou na dimensão normativa, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa”. O “mínimo de correspondência verbal” está, como se salientou, no limite objectivo de “cinco anos”, que constitui, na dimensão normativa concreta que se retira da conjugação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 432º do CPP, um critério simultaneamente de recorribilidade e de integração de um limite mínimo de recorribilidade para o STJ.»

10- Acrescente-se que, conforme artº 427º do mesmo diploma legal adjectivo: - “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de 1ª instância interpõe-se para a relação.”
Bem se compreende que o regime regra seja o de recurso para a Relação, uma vez que as relações conhecem de facto e de direito – artº 428º do CPP.
Seria, na verdade ilógico e contraditório, não fazendo qualquer sentido normativo (material e processual), que, em casos de pequena gravidade penal onde não era admissível recurso de acórdão da 1ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, por ter aplicado pena de prisão não superior a cinco anos, tendo sido, por isso, interposto recurso para a Relação - tribunal competente para apreciar esse recurso - já porém, pudesse haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do tribunal superior – o tribunal da relação - competente para o julgamento do mesmo recurso, que aplicasse pena não superior a 5 anos de prisão, e, por outro lado, não fosse admitido o recurso da Relação para o Supremo em casos de maior gravidade, punidos com pena de prisão até oito anos, quando se verificasse a dupla conforme. - Ac de 25 de Junho de 2008, proc. nº 1879/08, 3ª secção.
A admitir-se tal ilogismo interpretativo, seria lançar a lei em contradictio in adjectu, o que manifestamente o legislador não terá querido, pois que, como se referiu supra “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº3 do artº 9º do CC.).
Como doutamente acentua a Digníssima Magistrada do Ministério Público em suas doutas alegações, “bastava que o Tribunal da Relação, em recurso, agravasse, um dia que fosse, uma pena de prisão de alguns meses, para que fosse admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; situação que objectivamente não tem «merecimento penal suficiente para admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça» e implicaria manifesta incoerência e contradição com a repetidamente proclamada e por todos defendida necessidade de resguardar o Supremo Tribunal de Justiça para os casos de maior gravidade, desde que, como se verifica nestes casos, não haja prejuízo das indispensáveis garantias, acauteladas pela admissibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, com a consequente ampla possibilidade de defesa, seja para pugnar pela revogação da decisão condenatória, seja para contrariar a pretensão do Assistente ou do Ministério Público no sentido de a condenação ser agravada.”

É de ter em conta o pensamento legislativo de restringir os recursos, limitando-os aos casos de maior complexidade e importância, deles se excluindo a média e pequena criminalidade, e procurar simplificar o sistema, abolindo concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso.
O Tribunal da Relação encerra, atento o disposto nos arts. 427.º e 428.º do CPP, o ciclo do julgamento das decisões proferidas por tribunal singular.
Seria incongruente que, como resulta do art. 432.º, al. c), do CPP, relativamente a acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou tribunal colectivo que aplicassem penas de prisão até 5 anos – independentemente da penalidade –, não houvesse recurso para o STJ e se possibilitasse um duplo grau de recurso de decisões proferidas por tribunal singular.
A mesma incoerência se detectaria em caso de acórdão da Relação que confirme acórdão de colectivo que aplique pena de prisão efectiva inferior a 8 anos, pois nesse caso estará vedado o recurso nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º.
É de concluir que a intervenção do STJ se verifica a partir da aplicação de pena superior a 5 anos. Ac. de 07-07-2009, Proc. n.º 2554/04.3TBACB.C1.S1

Não se trata de argumentação analógica malam partem com regime legal não vigente, mas, perante as normas processuais vigentes, buscar a hermenêutica das mesmas na harmonia do sistema jurídico, na reconstituição do pensamento legislativo, tendo em conta que o legislador soube consagrar as soluções mais adequadas. - artº 9º do Código Civil.

Assim, o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ de decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas se inscreverem no catálogo da al. c) do n.º 1 do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos de prisão. Ac. de 24-10-2012, Proc. n.º 748/06.3TASTR.E1.S1 - 3.ª Secção

11. A situação jurídica exposta defendida no presente acórdão de fixação de jurisprudência, não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, nem limita o exercício do direito ao recurso, pelo recorrente, uma vez que o artº 32º nº 1 da Constituição da República, não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas sim o recurso, que foi efectivamente exercido pelo arguido
Como referem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira,: “III. A lei nº 1/97 incluiu expressamente como candidato positivo das garantias de defesa o direito ao recurso (nº 1,II parte). Trata-se de explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente assegurado. Na falta de especificação, o direito ao recurso traduz-se na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto. Era esta, de resto, a posição já defendida pela doutrina e acolhida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional desde sempre (cfr. por último, AcsTC nºs 638/98, 202/99 e 415/01).” CRP Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a 107º, Volume I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, p. 31
Na verdade, como resulta do Acórdão deste Supremo de 25-11-2010, 226/02.2GGLSB.L1.S1, 5ª secção, o Tribunal Constitucional tem reafirmado em diversos acórdãos e ao longo dos anos que «A Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz, admitindo-se embora, no processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do princípio da defesa, mas já não o direito a um triplo grau de jurisdição» (v.g. Acs. do TC n.ºs 163/90 de 23-05-1990, 331/02 de 10-07-2002, 377/03 de 15-07-2003, 375/05 de 07-07-2005, 64/06 de 24-01-2006, 530/07 de 29-10-2007).

12. Este entendimento compagina-se, aliás, com o descrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948 –v. artº 8º - e com o constante da Convenção Europeia de Extradição aprovada para ratificação pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, referindo o artº 13º da Convenção que “Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidas na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional (…)”
O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa ao não conferir assim, a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegura o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

Como se referiu no Ac. do TC 546/2001,de 16 de Novembro de 2011: www.tribunalconstitucional.pt/
Importa observar que o que está aqui em causa não é a conformidade constitucional da irrecorribilidade do recurso na segunda situação, determinada pelo disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, pois é pacífico que o direito ao recurso que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, integra as garantias de defesa do arguido não impõe o esgotamento de todas as instâncias que a lei preveja, podendo o legislador determinar a irrecorribilidade das decisões da Relação que, em recurso de decisões absolutórias da primeira instância, condenem o arguido (v., nesse sentido, acórdão n.º 353/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt e jurisprudência nele referida).
[…]
É ponto assente que qualquer regime de recursos que, neste domínio, o legislador ordinário estabeleça deve prosseguir as finalidades que a Constituição assinala, em geral, ao direito processual penal: assegurar a necessária concordância prática entre, por um lado, as garantias de defesa do arguido, incluindo o seu direito ao recurso, e, por outro, o imperativo de realização em tempo côngruo da justiça penal. Nesta medida, o referido modelo não pode deixar de se apresentar como um sistema, isto é, como um conjunto de soluções normativas entre si harmónicas, porque concorrentes, todas elas, para a prossecução dessas finalidades comuns que, em última análise, cada uma justificam.
[…]
O regime de recursos em processo penal contém, seguramente, uma certa unidade sistémica, essa mesma que decorre, como já vimos, do facto de cada uma das suas normas dever concorrer para a prossecução do fim que é comum ao sistema: o de assegurar a congruência prática entre, por um lado, o princípio constitucional de observância das garantias de defesa do arguido e, por outro, o princípio constitucional da necessária realização, em tempo côngruo, da justiça penal.
Foi em função desse fim comum que a actual redacção do n.º 1 do artigo 400.º do CPP determinou as situações de irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça, das decisões proferidas em recurso pelos Tribunais da Relação. Para tanto, e após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o “sistema” parece assentar em dois grandes critérios que orientaram as escolhas do legislador.
Por um lado, terá o legislador entendido que o recurso para o Supremo (de decisões tomadas, também em recurso, pelas relações) deveria ser reservado aos casos de maior merecimento penal. É nesse contexto – corroborado, aliás, pela exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que iniciou o procedimento legislativo que conduziu à aprovação da Lei n.º 48/2007 – que se compreenderá a versão actual da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, que consagrou a regra da irrecorribilidade de todas as decisões, proferidas em recurso pelos tribunais da relação, que apliquem pena não privativa de liberdade; ou que se compreenderá a actual redacção da alínea f) do mesmo n.º 1, que consagrou por seu turno a regra da irrecorribilidade dessas decisões, quando apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
Por outro lado, entendeu ainda o legislador que o recurso para o Supremo não deveria ser admitido sempre que sobre o caso tivessem já recaído dois juízos, proferidos pelas instâncias, de teor conforme. É de acordo com este critério – já proveniente, aliás, da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – que se compreende a alínea d), bem como a primeira parte da alínea f), do mesmo n.º 1 do artigo 400.º.
Assim, o disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP, deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões absolutórias ou decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas se inscreverem no catálogo da al. c) do n.º 1 do art. 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos de prisão. Ac. de 24-10-2012, Proc. n.º 748/06.3TASTR.E1.S1 - 3.ª Secção


Por sua vez, se explicitou no Ac do TC 424/2009, de 14 de Agosto, que decidiu negar provimento aos recursos, não julgando inconstitucional a norma do artigo 400.º alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º n.º 1 alínea c) do CPP, na redacção emergente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva:
“O Tribunal Constitucional já apreciou por diversas vezes questão semelhante à que os recorrentes colocam. Referimo-nos às pronúncias de não inconstitucionalidade de normas que não admitem recurso para o Supremo Tribunal de acórdãos condenatórios da Relação que revogaram sentenças absolutórias de 1.ª instância.
Disse-se sobre esta questão no acórdão nº 49/2003, de 29 de Janeiro (Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2003), na parte que releva, que não desrespeita o nº 1 do artigo 32.º da CRP a norma da alínea e) do nº 1 do artigo 400º do CPP, quando interpretada no sentido de não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória da 1ª instância, por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa.
Tal aresto sustentou-se na argumentação que se transcreve:
“(...)
A questão de constitucionalidade suscitada reside, assim, em saber se o nº 1 do artigo 32º da Constituição impõe o direito a recorrer de decisões condenatórias proferidas pelo tribunal da relação em recurso de decisões absolutórias, relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis com pena de multa ou com prisão até cinco anos). Apenas se considera, portanto, a norma contida na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal quando aplicada a recursos interpostos de acórdãos condenatórios da Relação proferidos em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1ª instância, pois que é a esta dimensão que as alegações apresentadas neste Tribunal pela recorrente restringem o objecto do recurso de constitucionalidade.
4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.
Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo.
Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede.
Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa.
Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cfr. a conclusão D).
5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos em recurso pela relação.
Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras palavras, o acórdão da relação, proferido em 2ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos fundamentos do direito ao recurso.
Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o acórdão da relação.
Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar.
Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1ª instância. O que ninguém aceitará.
A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias.
Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa for aplicável pena de prisão "não superior a oito anos" (alínea f)) – não sendo hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se este confirmar "decisão de 1ª instância".
Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
6. A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte:
Artigo 2º
1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei.
2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.
Como se vê, a parte final do nº 2 ressalva, precisamente, a hipótese que está em apreciação no presente recurso.”
No mesmo sentido se decidiu pelos acórdãos n.ºs 255/2005, 487/2006 e 682/2006, in www.tribunalconstitucional.pt.
Ora, se assim é quando a decisão da Relação inverte o sentido da decisão de 1.ª instância, condenando o arguido quando a decisão de 1.ª instância era absolutória, por maioria de razão não será inconstitucional a norma quando interpretada no sentido de não admitir recurso em caso de a decisão do tribunal superior não manter a suspensão da execução da pena de prisão.
[...]
Em primeiro lugar importa notar que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar o acerto da decisão do Supremo Tribunal quanto à escolha e interpretação do direito ordinário, designadamente quanto a saber se, face às disposições do Código de Processo Penal aplicáveis, o recurso deveria ter sido admitido.
[…]
Fundamento comum às duas reclamações é o de que não pode considerar-se garantido em concreto um grau de recurso quando a aplicação da pena de prisão efectiva só tenha ocorrido na Relação, atendendo a que está em consideração o valor da liberdade. Mas, esta circunstância não justifica a revisão da jurisprudência do Tribunal. Tal condenação resulta justamente da reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Face a uma mesma imputação penal e à pretensão de aplicação de uma pena privativa de liberdade arguido tem a oportunidade de defender perante dois tribunais, o tribunal de 1.ª instância e o tribunal superior, o seu direito à liberdade. Perante o tribunal superior pode fazer rever tanto a decisão que o condenou, como contrariar a pretensão de que essa condenação seja agravada, designadamente que se converta em pena privativa de liberdade.
Aliás, o Ac. do TC 353/10 de 6 de Outubro não julgou inconstitucional a norma constante da alínea e) do nº 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a pena suspensa não é uma pena privativa de liberdade.”

A pena de substituição, apesar de em sentido estrito configurar uma pena principal, resulta de uma operação do tribunal de escolha da pena a aplicar, assumindo um sentido e uma autonomia próprias, designadamente uma natureza não privativa da liberdade. Ac. do STJ de 01-06-2011,Proc. n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1 - 3.ª Secção

O facto de ter sido revogada pela Relação, a suspensão da execução da pena de prisão, em nada afecta o direito de defesa, uma vez que o arguido tem ocasião de exercer cabalmente a sua defesa, mediante o livre exercício do contraditório, quer respondendo ao recurso se interposto por outros sujeitos processuais para a Relação, nos termos do artº 413º do CPP, quer no âmbito do disposto no artº 417º nº 2 do CPP, donde, por isso, não ficar posto em crise de modo desproporcionado o direito ao recurso e a estrutura acusatória do processo criminal, sendo que o contraditório foi exercido no âmbito do objecto do processo e delimitado pelo objecto do recurso.

13- O Tribunal Constitucional, por seu Acórdão n.º 324/2013, publicado no D.R. n.º 145, Série II de 2013-07-30, proferido em recurso, no processo nº 87/12, oriundo do Supremo Tribunal de Justiça, decidiu em Plenário, «Julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
Porém, conforme nº 1 do artº 80º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, “A decisão do recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada” e que em processo aplicável à repetição do julgado, conforme artº 82º da mesma lei: - “Sempre que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos pode o Tribunal Constitucional por iniciativa de qualquer dos seus juízes ou do Ministério Público promover a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ou da ilegalidade previsto na presente lei “
Em processos de fiscalização sucessiva, a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral tem os efeitos previstos no artigo 282º da Constituição.

Por outro lado, não pode ignorar-se a autenticidade declarativa da mens legis consagrada na Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro.

I- A natureza interpretativa da Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro.
1. A posição que vimos defendendo na presente fixação jurisprudencial – ensaiada no acórdão deste Supremo de 25 de Junho de 2008, proc. nº 1879/08 com o presente relator - veio, aliás, encontrar consagração legal expressa nas alíneas d) e e) do artº 400º da recente Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação – (artº 4º da Lei), em que não é admissível recurso:
“d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1ª instância em pena de prisão superior a 5 anos
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.”
2. Como de forma clara e completa se expendeu recentemente, na decisão sumária deste Supremo, de 25 de Setembro de 2013, e que se transcreveRecurso Penal nº 831-12.9PBVCT.G1.S1, Relator: Cons. Maia Costa

“A Lei nº 20/2013, de 21-2, veio pôr termo às dúvidas, estabelecendo a irrecorribilidade dos acórdãos das Relações que apliquem, em recurso, pena de prisão não superior a 5 anos. É evidente, no contexto, a intenção interpretativa da nova lei. Uma intenção que é incontestável até porque confessada sem ambiguidades pelo próprio legislador. Na verdade, a Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 77/XII, que está na origem daquela lei, refere:

10. Os desenvolvimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal de Justiça e a disparidade de decisões sobre a admissibilidade de recurso para esse Supremo Tribunal, determinam que se aclarem alguns traços deste regime, com vista a eliminar dificuldades de interpretação e assintonias que conduzam a um tratamento desigual em matéria de direito ao recurso.
Assim, no que respeita aos acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, é clarificado que são irrecorríveis os acórdãos proferidos que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos.
São também irrecorríveis os acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações relativamente a decisão de primeira instância condenatória em pena de multa, ou em pena de prisão não superior a cinco anos.
Delimita-se, assim, o âmbito do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, preservando a sua intervenção para os casos de maior gravidade. (sublinhados meus)

Mais claro não podia ser o legislador quanto à assunção de um propósito interpretativo, não inovador, da nova lei. O legislador declara com transparência que, conhecendo a divergência de decisões do Supremo quanto à admissibilidade de recurso para este Tribunal, entende necessário clarificar a lei, fixando qual a interpretação considerada correta, dentre as que tinham sido adotadas pela jurisprudência.
Esse caráter interpretativo coaduna-se aliás com a lição doutrinal sobre a caracterização das leis interpretativas:

Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uni-forme que tomou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.
Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

A nova redação não é, pois, inovadora, porque se limita a escolher, melhor, a clarificar, qual, dentre duas interpretações possíveis e efetivamente adotadas em decisões da jurisprudência, é aquela que o legislador considera a adequada.
Como lei interpretativa, a nova lei integra-se na lei interpretada e deve ser aplicada imediatamente, nos termos do art. 13º do Código Civil, não podendo ser arguida de retroativa, uma vez que ela correspondia já a uma das interpretações possíveis da lei, não sendo assim suscetível de frustrar expetativas seguras e legitimamente fundadas por parte do arguido.
Donde se conclui pela irrecorribilidade do acórdão da Relação impugnado, uma vez que aplicou pena de prisão não superior a 5 anos.
Não se ignora que o TC, revendo a posição numerosas vezes enunciada quanto à não inconstitucionalidade da posição assumida maioritariamente neste Supremo, acabou por, em acórdão proferido em plenário, “julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da al. c) do nº 1 do art. 432º e da al. e) do nº 1 do art. 400º do CPP, na redação da Lei nº 48/2007, de 29-8, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (arts. 29º, nº 1, e 32º, nº 1, da CRP)”.
Contudo, este acórdão, proferido ao abrigo do nº 5 do art. 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional, não tem força obrigatória geral, mas apenas eficácia no processo, nos termos do art. 80º, nº 1, da mesma lei.
Por outro lado, a decisão, baseada na ofensa do princípio da legalidade em matéria penal, não é convincente. Na verdade, segundo esse acórdão, a redação da al. e) segundo a Lei nº 48/2007, de 29-8, não comporta a extensão à pena de prisão efetiva, superior ou não superior a 5 anos. E daí que conclua que essa extensão extrava-se da interpretação e se situe no campo da analogia, violando assim o citado princípio da legalidade.
Mas, como se acentua no voto de vencido do Cons. Vítor Gomes, o TC excede os seus poderes de cognição, uma vez que “para concluir pela violação do art. 29º da CRP (…) o acórdão averigua diretamente, assumindo-a como tarefa sua, se o sentido com que a norma da al. e) do nº 1 do art. 400º do CPP foi aplicado pelo STJ é comportado pelos termos do preceito legal.”
E nessa análise ignora ostensivamente a natureza interpretativa da redação introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21-2, que acolhe precisamente a interpretação que o TC considera “não comportada” pela redação de 2007!
Consequentemente, clarificada pelo legislador a interpretação da lei, não existe nenhuma violação do princípio da legalidade penal, não procedendo, pois, a argumentação do plenário do TC.”

Em caso de inexistência de dupla conforme pela Relação, deve considerar-se que só é recorrível para o STJ o acórdão da Relação que se debruçou sobre crime em que a pena aplicada pelo tribunal da 1.ª instância tenha sido superior a 5 anos, pois nos casos em que não há confirmação pela Relação da decisão da 1.ª instância, a lei, tratando-se de crimes punidos com pena de prisão não superior a 5 anos, nem sequer exige o pressuposto da chamada dupla conforme, contemplado na al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, por a gravidade de tais crimes não justificar mais do que um grau de recurso, seja qual for o sentido da decisão da Relação. Ac. deste Supremo de12-07-2012, Proc. n.º 657/08.4GAVCD.P1.S1 - 3.ª Secção

J- Termos em que, acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça fixar a seguinte jurisprudência:

«Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão»

Consequentemente, mantêm o acórdão recorrido.

Cumpra-se o artigo 444º nº 1 do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Outubro de 2013
Pires da Graça (Relator)
Raul Borges
Isabel Pais Martins
Isabel São Marcos (Vencida nos termos da declaração de voto do Exmo. Senhor Conselheiro Souto Moura)
Pereira Madeira
Rodrigues da Costa (Vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Cons. Souto Moura)
Santos Monteiro
Arménio Sottomayor (Vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Souto de Moura)
Santos Cabral (Voto a decisão com o esclarecimento constante da declaração que junto)
Oliveira Mendes
Souto de Moura (Vencido conforme declaração junta
Maia Costa
Henriques Gaspar (Presidente).

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a) -Subscrevendo parcialmente os argumentos aduzidos no presente acórdão de Fixação de Jurisprudência entendemos que permanecem válidas as razões que nos levaram a proferir a decisão sumária de 4 de Março de 2009 (Processo 492/09) que iniciou a linha jurisprudencial que ora se consagra. Na verdade, para além do contributo inscrito na interpretação do artigo 432 do CPP, desenhado na presente decisão, estamos em crer que o núcleo argumentativo que conduz à conclusão no mesmo contido se situa na interpretação restritiva da alínea e) do artigo 400 do mesmo Código na redacção sob escrutínio
Efectivamente, a interpretação literal desta alínea consagra um duplo grau de recurso em termos de matéria de direito em relação às decisões do juiz singular alteradas pelo tribunal da Relação, conferindo-lhes um superior coeficiente garantistico o que, convenhamos, é algo totalmente despropositado na lógica do sistema e reflecte a incorrecção da mesma interpretação. Já nos Comentários ao Código de Processo Penal Paulo Pinto Albuquerque detectava a evidente aporia referindo que “ A nova regra do triplo grau de jurisdição coloca uma questão adicional conexa com o artigo 432, nº 1, al. c), e nº 2. ……….O artigo 400 nº1 alínea e) admite o recurso para o STJ de acórdãos do TR proferidos, em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão, mas o artigo nº 1, al. c), e nº 2, só impõe o recurso directo para o STJ dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, que visem exclusivamente matéria direito. Ou seja, o recurso da sentença do tribunal singular condenatória da pena de prisão que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito deveria ser interposto para o TR e / ou para o STJ. Este tratamento de privilégio dos arguidos julgados pelo tribunal singular não tem nenhum fundo objectivo e, por isso, o artigo 432, nº 1, al. c), deve ser aplicado analogicamente ao recurso da sentença do tribunal singular condenatória em prisão, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”
Perfilhamos o entendimento de que é incontornável a constatação de que o sentido literal da referida alínea e), na redacção em análise, não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei.
Analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta um outro sentido, que não aquele que das palavras transparece, e que se impõe uma leitura restritiva da referida alínea e), reconduzindo-a, não só ao espírito do legislador, como á sua interpenetração com o disposto no artigo 432 nº1 alínea c) do Código de Processo Penal. Tal interpretação restritiva, nas palavras de Manuel de Andrade, aplica-se quando se reconhece que o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei;
É exactamente essa hipótese que se verifica no cotejo, e conjugação das duas normas em causa, pelo que a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça às decisões que o mereçam pela sua relevância e, necessariamente, decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri.
Assim, entende-se que a interpretação restritiva do artigo 400 nº1 alínea e) do CPP constitui um momento inultrapassável na análise da questão concreta ora colocada
*
Não se ignora que tal interpretação foi objecto de acerba crítica por parte do Professor Figueiredo Dias e de Nuno Brandão em Revista Portuguesa de Direito Criminal (Ano 20 tomo IV pag 630 e seg).
Face a tais críticas não se pode deixar de recordar o supra exposto na afirmação de um sistema coerente de recursos construído na versão inicial do Código Processo Penal. Tal edifício, de que é construtor o Prof. Figueiredo Dias, tinha como um dos eixos essenciais o facto do recurso da decisão do tribunal singular (de facto e de direito) se dirigir ao Tribunal da Relação enquanto que o recurso da decisão do tribunal colectivo (de direito) se dirigir ao Supremo Tribunal de Justiça.
Poder-se-ia discordar dos fundamentos de tal estrutura, mas não se podia negar a lógica e coerência do sistema. É, assim, com surpresa, que se vê o terçar armas por um sistema de recursos que já nada tem a ver com aquele que o mesmo Mestre desenhou e que constitui uma manta de retalhos fruto de sucessivas reformas legislativas em que a incoerência sistémica marcou presença.
Na verdade a primeira questão que aflora ao espírito do intérprete é a de saber se a interpretação literal proposta oferece um critério lógico, e razoável, de integração do sistema de recursos. A resposta é decididamente negativa e os Autores do artigo citado não dão resposta á circunstância de, na interpretação ali defendida, a decisão do juiz singular ser susceptível de recurso para o Tribunal da Relação-artigo 427 do Código de Processo Penal- o qual pode ser restrito á matéria de direito. Por seu turno, ainda no domínio da mesma interpretação, a decisão da Relação, se aplicar pena privativa de liberdade, é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, se a decisão aplicada for emitida pelo tribunal colectivo, e se restringir á matéria de direito, apenas pode ser dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça-artigo 432 nº1 alínea c) do mesmo diploma.
Efectivamente é transversal a todo o percurso histórico do sistema de recursos, e á lógica que lhe está subjacente, que a decisão do juiz singular não pode ser objecto de um sistema de garantias superior àquele que existe em relação á decisão do tribunal colectivo.
Então, a conclusão é a de que existe uma incoerência sistémica que tem de ser resolvida em sede de interpretação da lei. Sucede aqui que, contrariamente ao pretendido no artigo referido, o artigo 432 do Código de Processo Penal, não é uma entidade exógena ao sistema cujo uso como critério interpretativo das regras de admissibilidade de recurso constitua uma “heresia” jurídica. Bem pelo contrário, a partir do momento em que concluímos que o artigo 400 nº1 alínea e) necessita de uma leitura interpretativa esclarecedora, e afastada de um pretenso sistema auto-poiético, é evidente que o referencial será exactamente aquele que delimita a fronteira do conhecimento por parte dos tribunais superiores.
O flagelar com o anátema de um irreflectido uso da analogia não nos demove do convencimento de que, face ao entendimento que propomos, estamos perante uma interpretação restritiva justificada pela incoerência do resultado de uma interpretação literal.

b)-As dúvidas que eventualmente persistissem no espirito do interprete foram totalmente erradicadas com a entrada em vigor da Lei 20/2013 que corporizou a 20ª alteração do CPP e modificou a norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º, consagrando justamente a orientação que sempre propugnamos, prescrevendo que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos1. O legislador veio inequivocamente consagrar uma das interpretações divergentes que no Supremo Tribunal de Justiça existiam, movendo-se dentro dos limites impostos pela norma do artigo 9º do Código Civil. A Lei 20/2013 assume, neste particular, a natureza de lei interpretativa.
Temos, assim, a redacção duma norma que originou uma divergência jurisprudencial; uma Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça maioritariamente num sentido interpretativo, que é agora consagrado; uma jurisprudência constitucional quase uniforme no sentido da constitucionalidade de tal interpretação e uma lei interpretativa que visou resolver quaisquer dúvidas no mesmo sentido interpretativo.
Pensamos que é altura de recordar que a vida num Estado de Direito Democrático terá de estar ancorada, necessariamente, nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta a ideia da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos». 2

Santos Cabral
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1 Cfr. ponto 10 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 77/XII, que está na origem daquela Lei,
2 Gomes Canotilho “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, pág. 257.
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Voto de vencido


Votei vencido pelas razões que muito sumariamente passo a expor:

1) Parafraseando uma passagem do acórdão que fez vencimento, “Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora”.

Defendia, e portanto continuo a defender, perante a versão anterior à da Lei 20/2013 de 21 de fevereiro, da al. e) do nº 1 do art. 400.º do CPP, a posição do acórdão fundamento. Ou seja, a recorribilidade de qualquer pena de prisão, aplicada em recurso pela relação, mesmo que inferior a 5 anos de prisão. Não posso pois considerar a norma em causa, na sua atual redação, uma norma interpretativa. Vejamos então porque é que, a meu ver, a solução que o legislador acabou por consagrar estava para além dos meios de interpretação admissíveis, da versão anterior do preceito.

2) Importa dar o devido relevo, no caso, ao elemento histórico de interpretação, no que diz respeito ao facto, de a Proposta de Lei 109/X contemplar, exatamente, a solução que acabou por ser a última opção do legislador. Na reta final do processo legislativo e por razões não reveladas, a expressão “ou pena de prisão não superior a 5 anos” (ou outra equivalente), foi retirada. Estamos perante uma norma excecional que consagra um caso de irrecorribilidade, pelo que a consequência desta opção de última hora só pode ser, a meu ver, o de não se ter querido limitar, à data, a recorribilidade, nos termos que hoje vigoram.

Se a interpretação restritiva se impõe, quando se conclui que o legislador disse mais do que o que queria dizer, neste caso parece-me que o legislador disse, a final, exatamente o que queria dizer.

3) Não se escamoteia o facto de o acórdão que fez vencimento esgrimir argumentos sérios, no sentido de alguma incoerência do sistema, adotando-se a solução do acórdão fundamento. Só que essa incoerência é da responsabilidade do legislador, e não pode o intérprete, a ele substituir-se, com violação clara do princípio da legalidade, como bem tem referido, a propósito, a jurisprudência do tribunal constitucional. Ver na lei o que lá não está só porque gostaríamos que lá estivesse, levar-nos-ia a uma interpretação corretiva ou redução teleológica, para já não falarmos de analogia in malam partem (onde é que está a lacuna?), que não posso no caso aceitar.

4) É que, a posição do acórdão fundamento não constituirá um elemento de perturbação do sistema de recursos para o STJ, em matéria penal, que o impeça de funcionar, ou redunde em soluções iníquas. Basta pensar que nos movemos no âmbito da privação da liberdade e no terreno dos direitos constitucionais, sendo a solução do acórdão fundamento, exatamente a posição que mais garantias dá ao arguido.

Não se ignora que o sistema de recursos para o STJ, no penal, teve por preocupação fundamental limitar a competência deste órgão, aos casos de maior gravidade. No entanto, a divergência que se tenha manifestado nas instâncias inferiores não deixou de pesar, também, na abertura ao recurso, e daí, com um efeito contrário, a relevância da dupla conforme, nos termos adotados pela lei.

Serve para dizer que a solução mais abrangente, em matéria de recorribilidade, do acórdão fundamento, pode não ser a mais louvável, mas não se revela absurda. É evidente que o direito ao recurso como garantia de defesa se cifra, pelo menos, no acesso a uma dupla jurisdição. Mas essa garantia só releva, se densifica e se atualiza para o arguido (é dele que se trata), quando o mesmo é confrontado com uma decisão que lhe é desfavorável. A partir do momento em que o arguido é condenado, e só então, é que faz sentido facultar-lhe, em termos de garantia, o acesso a uma instância que possa rever a decisão que o prejudica. Portanto, não se mostra de todo descabido que tenha acesso ao STJ quem, pela primeira vez, tiver sido condenado em prisão pela relação.

A atual redação da al. e) do nº 1 do art. 400º do CPP revela simplesmente uma mudança de posição do legislador, e por isso é que continuo a interpretá-la, na anterior redação, da mesma maneira.

Souto de Moura