Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
107/17.5T8MMV.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, p. 244;
- João Mendonça Pires da Rosa, Cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais, in Centro de Estudos Judiciários, O dano na responsabilidade civil, Outubro de 2014, p. 45-62;
- Manuel Carneiro da Frada, A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, p. 653-687;
- Maria Manuel Veloso Gomes, Danos não patrimoniais, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma Manuel Carneiro da Frada, Nos 40 anos do Código Civil português. Tutela da personalidade e dano existencial, in Themis — Edição especial: Código Civil português: Evolução e perspectivas de reforma, 2008, p. 47-68, in Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, p. 289-313;
- Mário Tavares Mendes, Joaquim de Sousa Ribeiro e Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017, in DR, 2.ª série, de 30 de Novembro de 2017, p. 27202(4) a 27202 (7) ; in Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 10 (2017), p. 135-147;
- Rui Soares Pereira, A responsabilidade por danos não patrimoniais do incumprimento das obrigações no direito civil português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009;
- Rute Teixeira Pedro, Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: A emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa, Reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil, in Estudos comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, p. 637-665.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, N.º 4 E 562.º E SEGUINTES.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 08-01-2019, PROCESSO N.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1;
- DE 14-03-2019, PROCESSO N.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1;
- DE 23-05-2019, PROCESSO N.º 1046/15.0T8PFN.P1.S1;
- DE 30-05-2019, PROCESSO N.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1;
- DE 19-09-2019, PROCESSO N.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1.
Sumário :
I.— Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista,da fixação equitativada indemnização deve concentrar-se em quatro coisas.  

II.— Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

III. — O recurso à equidade tem de qualquer forma um sentido de todo em todo distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais. 

IV. — Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º ss. do Código Civil. A equidade funciona como último recurso, “para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo”, designadamente do direito a uma indemnização, “quando o valor exacto dos danos não foi apurado”.

V. — Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil). A equidade funciona como único recurso, “ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)”.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA




I. — RELATÓRIO


  1. AA, residente na Rua … n.º ..., …, … …, propôs a acção declarativa com processo comum contra a Companhia de Seguros BB, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, …, …, e CC, S.A., com sede social na Avenida …, n.º …, … …, pedindo:

   I. — a condenação da 1.ª Ré no pagamento (i) do montante de € 41 697,53 (quarenta e um mil, seiscentos e noventa e sete euros e cinquenta e três cêntimos) acrescido de juros, à taxa legal, contabilizados desde a citação até ao efectivo e integral pagamento, e (ii) de montante ainda não liquidado, relativo a danos futuros; e/ou subsidiariamente, II. — a condenação da 2.ª Ré no pagamento da referida quantia, acrescida de juros, à taxa legal contabilizados desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.


  2. Alegou, em síntese, que: I. — no dia 5 de Julho de 2014, na EN …, ao Km 28.40, no lugar de …, freguesia de …, concelho de …, deu-se um acidente de viação, causado pelo embate entre o veículo pesado de mercadorias com a matrícula ...-FE-...e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-FJ-...; II. — a Autora seguia como passageira no veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-FJ-...; III. — o acidente foi causado pelo veículo pesado de mercadorias com a matrícula …-FE-… .

           

   3. A 1.ª Ré Companhia de Seguros BB, S.A., foi demandada na qualidade de seguradora do veículo pesado de mercadorias e a 2.ª Ré CC, S.A. foi demandada na qualidade de seguradora do veículo ligeiro de passageiros.


   4. A acção foi contestada por DD, S.A., actual denominação social da Companhia de Seguros BB, S.A., que sucedeu nos direitos e obrigações da Companhia Seguros CC, S.A.


  4. Foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:

  I. — Condenar a ré “DD, S.A.”, actual denominação da Companhia de Seguros BB, SA, a pagar à autora a quantia de € 1 696,78 (mil seiscentos e noventa e seis euros e setenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a citação ao até efectivo e integral pagamento.

 II. — Condenar a ré “DD, S.A.”, actual denominação social da Companhia de Seguros BB, SA, a pagar à autora a quantia de € 14 000,00 (catorze mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a data da presente sentença até ao efectivo e integral pagamento.

 III. — Absolver as rés do demais peticionado pela autora.


  5. Inconformadas, Autora e Ré interpuseram recurso de apelação.


 6. O Tribunal da Relação de Coimbra:

   I. — julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela Ré DD, S.A.;

   II. — julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora AA e, em consequência:

— revogou a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da autora no pagamento de indemnização pelo dano que designou de incapacidade permanente parcial;

— substituiu a decisão recorrida pela de condenar a Ré no pagamento da quantia de dez mil euros (€ 10 000), a título de indemnização pelo défice funcional permanente da integridade física da autora;

— revogou a decisão recorrida na parre em que julgou improcedente o pedido de condenação da autora no pagamento de quantia superior a catorze mil euros (€ 14 000,00), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

— substituiu a decisão recorrida pela de condenar a Ré no pagamento da quantia de vinte mil euros (€ 20 000,00);

— confirmou a decisão de julgar improcedente o pedido de condenação em dano futuro.


 7. Inconformada, a Ré DD, SA, interpôs recurso de revista.


 8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:


1. O presente recurso visa a reapreciação da decisão vertida na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância a respeito da vertente patrimonial e não patrimonial decorrente do dano biológico de que o autor ficou a padecer em virtude do acidente dos autos;

2. Por uma questão de economia e celeridade processual, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto julgada provada na sentença recorrida.

3. O Tribunal recorrido fixou em 10.000,00€ a indemnização devida à autora AA como indemnização da vertente patrimonial do dano biológico por ele sofrido em consequência do sinistro dos autos, com o que a recorrente não se conforma.

4. Ora, a este propósito, importa começar por fazer notar que, discutida a questão dos autos, apenas resultou demonstrado que em consequência do presente sinistro a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos.

5. Nada se provou relativamente ao facto das sequelas de que é portadora serem compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, implicando, por exemplo, esforços suplementares.

6. Por outras palavras, não resultou demonstrado nos autos que o sobredito défice funcional permanente de que a autora padece se reflicta numa incapacidade, na mesma medida, para o exercício da sua actividade habitual/profissional, isto é, que a sua capacidade de ganho tenha resultado efectivamente diminuída.

7. No caso sub judice, não se provou que a ofensa de que a autora padeceu seja fonte de prejuízos patrimoniais, seja por via da perda de rendimentos, seja pela circunstância de exigir esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda de rendimentos.

8. Assim, perante a ausência de prova de efectivo rebate futuro nos rendimentos provenientes da sua actividade profissional, bem como, perante a ausência de prova da efectiva exigência futura de esforços suplementares, crê a recorrente que não assiste à autora o direito a ser indemnizada nessa vertente do dano patrimonial, tal como parece emergir da decisão recorrida ao conceder àquele a quantia de 10.000,00€, ainda que sob a aparência de “dano biológico”.

9. Sufragamos inteiramente o entendimento segundo o qual o chamado “dano biológico” justifica uma indemnização, com vista a compensar as consequências negativas futuras que esse dano determina na vida do lesado em geral.

10. Contudo, quando não se provou que tais sequelas não acarretam qualquer prejuízo económico na esfera patrimonial da recorrida, o seu dano biológico tem apenas uma componente não patrimonial, pela qual, aquela deverá ser compensada.

11. Salvo o devido respeito por opinião diversa, e que é muito, crê a recorrente que nos casos em que não existe um dano patrimonial futuro a indemnizar, o dano biológico decorrente do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica só pode ser compensado na sua única vertente, que é a não patrimonial.

12. E inexiste qualquer fundamento fáctico, ou jurídico, para reconhecer à recorrida o direito a uma indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial, decorrente do seu défice funcional permanente de integridade físico-psíquico quando não se prova que o mesmo seja previsível e, muito menos, provável.

13. Por outras palavras, em face do enquadramento factual resultante da douta decisão sob censura, não é previsível qualquer dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade permanente de que o autor padece (cfr. art. 564º n.º 2 do Cod Civil), o que é o mesmo que dizer que nenhum dano haverá a indemnizar neste campo, ou a este título.

14. Ou seja, o dano biológico do recorrido deve ser compensado, apenas, enquanto dano não patrimonial, o que impõe a revogação da douta sentença na parte em que condenou a aqui recorrente a pagar ao recorrido a quantia de 10.000,00€ a título de indemnização pelo dano biológico de cariz notoriamente patrimonial, o que, desde já, se requer.

15. Quando assim não se entenda, o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio, e salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida – e que é muito, crê a recorrente que o montante indemnizatório fixado à autora pelo dano biológico se mostra francamente exagerado, atenta a realidade a indemnizar, bem como, se mostram menos correctos os pressupostos subjacentes à sua fixação.

16. Vem demonstrado nos autos que, em consequência do presente acidente, a autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico psíquica de 2 pontos.

17. Da prova produzida não resultou provado que tal défice funcional/dano biológico que afecta a recorrido tenha interferência com a sua capacidade de ganho, nomeadamente que acarrete uma diminuição dessa capacidade de ganho ou que tenha rebate profissional por via de da exigência de esforços suplementares para desenvolver as mesmas actividades.

18. Por outro lado, o direito à integridade física é igual para todos os seres humanos, sendo independente e autónomo do nível de rendimento, da situação profissional e da preparação profissional dos lesados.

19. O tratamento desigual em caso de sequelas idênticas, afigura-se-nos injusto e até, de certo modo, incoerente com as soluções que vêm sendo adoptadas pelos nossos Tribunais na fixação de indemnizações pelos danos não patrimoniais, onde se tem procurado encontrar padrões aproximados para situações idênticas.

20. Em face de todo o exposto e ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, entende a aqui recorrente que, no cômputo desta indemnização a arbitrar ao autor, não se deverá entrar em linha de conta com esses critérios.

21. Neste sentido, veja-se o recentemente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19.02.2015, proferido no âmbito do processo n. 99/12.7TCGMR.G1.S1.

22. Ainda por outro lado, não se afigura justo e conforme aos princípios da equidade, que, nestas circunstâncias, se fixe uma indemnização de valor muito superior àquelas que vêm sendo atribuídas pela nossa Jurisprudência em situações em que, por exemplo, os lesados ficam a padecer de um dano biológico superior àquele que afecta o recorrido ou em que a idade do lesado seja inferior, situação em que esta incapacidade será previsivelmente vivenciada por muitos mais anos.

23. Ora, é precisamente isso que se verifica no caso em apreço.

24. Veja-se, a título de exemplo, o decidido nos seguintes Acórdãos preferidos recentemente: Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1; Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L- 71, que aqui se dão por transcritos.

25. Ora, perante os montantes fixados nos casos acima citados parece não existir dúvida de que o valor arbitrado à recorrida a título de indemnização pelo défice funcional permanente de 2 pontos de que a mesma padece se afigura excessivo e injustificado.

26. Na verdade, no primeiro caso, o lesado tem uma incapacidade superior (+ 12 pontos) àquela de que a recorrida é portadora, sendo 6 anos mais velho do ela, pelo que a apelada padece de um défice funcional 8 vezes inferior ao do exemplo citado.

27. Já no segundo caso, o lesado não só é mais novo do que o autor (- 2 anos), como também ficou a padecer de sequelas permanentes muito mais gravosas do que esta e uma incapacidade permanente mais elevada (+23 pontos), tendo-lhe sido atribuída, no entanto, uma quantia indemnizatória que se aproxima do dobro daquela ora fixada à recorrida.

28. Acresce que, ao fixar o montante indemnizatório na quantia de 10.000,00€, o Tribunal recorrido não tomou em consideração a circunstância de que essa indemnização constitui, na realidade, uma verdadeira antecipação de capital, reportada a um dano que se verificará por mais de 50 anos.          

29. Tal circunstância impõe uma correcção ao montante indemnizatório final arbitrar, traduzindo-se numa redução/cativação de parte do valor da indemnização a que se chega mediante o recurso a tabelas financeiras, à capitalização de rendimentos ou às tabelas em uso na legislação infortunística, desconto esse usualmente fixado em cerca de ¼ do aludido montante, o que não sucedeu no caso dos autos.

30. Deste modo, perante as considerações acima expendidas acerca da indemnização do dano biológico permanente quando não se demonstra uma perda efectiva de rendimento, nem de capacidade de ganho, nem de exigência de esforços suplementares; perante as decisões supra elencadas; e perante a necessidade de proceder a uma redução da quantia indemnizatória devida à recorrida em virtude da antecipação de capital que a indemnização constitui, quer-nos parecer que, caso se entenda ser devida uma indemnização a título de dano patrimonial futuro, o montante fixado no Acórdão recorrido não se apresenta conforme aos princípios de justiça, de equidade e de proporcionalidade, justificando-se a sua redução para um valor não superior a 3.000,00€.

31. Tal montante afigura-se mais consentâneo com o dano biológico permanente de que o recorrida padece (2 pontos), o qual não interfere com a sua capacidade de ganho futuro, nem implicará esforços acrescidos na realização das suas actividades.

32. Assim, caso não se considere que o dano biológico do recorrido deve ser compensado, apenas, enquanto dano não patrimonial – o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – deve a decisão recorrida ser, nesta parte, revogada e substituída por outra que fixe em 3.000,00€ a indemnização a arbitrar à apelada pelo défice funcional permanente de 2 pontos de que a mesma ficou a padecer em consequência do acidente dos autos.

33. Por outro lado, o Tribunal a quo condenou a apelante a pagar à autora AA a quantia de 20.000,00€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos em consequência do acidente dos autos.

34. Ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, entende a recorrente que o montante indemnizatório fixado a esse título peca por excessivo, distanciando-se não apenas da factualidade que agora vem dada como demonstrada, mas também do sentido das decisões que vêm sendo proferidas pela nossa Jurisprudência em casos análogos.

35. No essencial, relativamente ao que ora nos ocupa, importa considerar: As lesões, que deixaram, como sequela, uma limitação dolorosa nos últimos graus de abdução/antepulsão e rotação externa do ombro, exacerbada, o que corresponde a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos; as dores físicas e psíquicas desde o acidente até à data da consolidação das lesões avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; as dores sentidas na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; o dano estético, representado pela cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; o desgosto que a autora sofre pelo facto de ter ficado com a cicatriz na omoplata; as limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; o condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, que experimentou desde o acidente até à consolidação das lesões.

36. Entende a recorrente, salvo o devido respeito por opinião diversa, que as indemnizações fixadas a este título devem aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações idênticas.

37. Mais uma vez, não se pretende o unanimismo, mas, pelo menos, que haja uma uniformidade de critérios.

38. Vejamos, pois, algumas decisões proferidas pela nossa Jurisprudência no que tange a questão relativa às indemnizações por danos não patrimoniais atribuídas a sinistrados em diversas situações, todas elas mais gravosas do que aquela de que nos ocupamos e que aqui damos por reproduzidas: o Acórdão do S.T.J., datado de 23.02.2012 e proferido no âmbito do processo n. 31/05.4TAALQ.L2.S1, o Acórdão da Relação do Porto de 29/05/2012 proferido no processo 412/06.6TBPNF.P2, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 07.06.2011,

39. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2012, situação em que se conheceu de um caso identificado com o seguinte quadro essencial: acidente que originou lesões múltiplas, nomeadamente gravosas lesões ortopédicas, insuficientemente ultrapassadas, face às sequelas permanentes para a capacidade de movimentação da lesada; - afectação relevante e irremediável do padrão de vida de sinistrado jovem, com praticamente 20 anos de idade, associada, desde logo, ao grau de incapacidade fixado (susceptível de, em prazo não muito dilatado, alcançar os 22%) - com repercussões negativas, não apenas ao nível da actividade profissional, mas também ao nível da vida e afirmação pessoal; várias cicatrizes, geradoras do consequente dano estético; internamentos e tratamentos médico-cirúrgicos muito prolongados, com imobilização e períodos de total incapacidade do doente e envolvendo dores e sofrimentos físicos e psicológicos muito intensos. Foi ali atribuída à vítima a indemnização de € 45.000,00 pelos danos morais e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no dia 26-09-2016, na Apelação n.º 595/14.1TBAMT.P1;

40. Considerando a, felizmente, menor gravidade das lesões sofridas pela autora em comparação com os casos citados, todos os demais factos provados e recorrendo ainda a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais não deverá exceder os 10.000,00€.

41. A douta sentença sob censura violou as regras dos artigos 483º, 496º, 562º, 563º e 564º e 566º do Código Civil.


  9. A Autora AA contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


 10. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


  11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:


I. — se há lugar à indemnização dos danos patrimoniais decorrentes do défice funcional permanente da integridade física da Autora (conclusões n.ºs 1-14); caso afirmativo,

II. — se deve reduzir-se a indemnização de 10000 euros por danos patrimoniais para um montante não superior a 3000 euros (conclusões n.ºs 15-32);

III. — se deve reduzir-se a indemnização de 20000 por danos não patrimoniais para um montante não superior a 10000 euros (conclusões n.ºs 33-40).


II. — FUNDAMENTAÇÃO


    OS FACTOS


 12. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:


1. Por meio de fusão, por incorporação, a ré DD, S.A., adquiriu sua congénere Seguros CC, S.A., adquirindo, desse modo, todos os direitos e obrigações de que esta era titular, nomeadamente, da obrigação discutida nos presentes autos.

2. No dia 5 de Julho de 2014, pelas 05.30 horas, seguia o veículo pesado de mercadorias com a matrícula ...-FE-...(doravante designado apenas por FE), pela hemi-faixa de rodagem direita da EN …, no Lugar de …, nesta Comarca, atento o sentido de marcha M.../C..., de faróis médios ligados e a uma velocidade de, aproximadamente, 40/50 km/hora, sendo certo que o seu condutor seguia atento à condução que efectuava, bem como ao resto do trânsito que se processava naquela via.

3. À data dos factos a referida rua, apesar de não se encontrar demarcada, possuía dois sentidos de marcha – um destinado ao sentido M…/C… e outro ao sentido inverso – sendo que, junto ao local onde ocorreu o acidente, a mesma configurava um entroncamento, posto que nela confluía a Ladeira de …, o qual fica situado do seu lado direito, atento o sentido de marcha do FE.

4. No local onde se deu o presente sinistro, a EN … desenvolve-se em recta – com mais de 200 metros de extensão.

5. A configuração do sobredito entroncamento, atenta a existência de edifícios e vegetação nas bermas da EN … e da Ladeira de …, impedia os condutores que circulassem nas referidas artérias de se avistarem mutuamente.

6. Era possível aos condutores provindos da Ladeira de … que pretendessem entrar na EN …, avistar esta última artéria, para o lado de M…, numa extensão de pelo menos 40/50 metros, caso parassem à entrada do mencionado entroncamento, em obediência ao sinal de STOP ali existente, e olhassem para o seu lado esquerdo.

7. Neste circunstancialismo, quando assim circulava, no momento em que se preparava para passar pelo sobredito entroncamento, foi o condutor FE surpreendido pelo aparecimento súbito e inesperado do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-FJ-... (doravante, FE), conduzido por EE, o qual se atravessou à sua frente, vindo da aludida Ladeira de …, situado à sua direita.

8. A mencionada EE tripulava o FJ a uma velocidade de aproximadamente 20/30 km/h, pelo lado esquerdo da Ladeira de …, atento o seu sentido, não obstante aquela via possuir também dois sentidos de marcha, ou seja, circulando fora da sua mão de trânsito e de forma totalmente desatenta e negligente.

9. Pelo que, ao chegar ao ponto onde o aludido arruamento entronca na EN …, a condutora do FJ iniciou uma manobra de mudança de direcção para a sua esquerda, em direcção a M…, sem para tanto reduzir a velocidade a que seguia, sem parar à entrada do entroncamento,

10. E sem tão pouco ter olhado previamente para ambos os lados da EN …, na qual pretendia entrar, não se tendo, assim, certificado se aí circulava algum veículo e se de referida manobra não resultava perigo ou embaraço para si e para o restante tráfego que, na altura, ali se processava.

11. A condutora do FJ tão-pouco accionou o pisca do lado esquerdo daquela viatura, de modo a, previamente, dar conhecimento da sua intenção ao demais trânsito que por ali se processava.

12. Deste modo, a condutora do FJ avançou temerariamente através do referido entroncamento e, num acto contínuo, percorreu uma trajectória na diagonal, atravessando-se inopinadamente na frente do FE, no momento em que este passava, cortando-lhe a respectiva linha de marcha.

13. A referida condutora não deu a esquerda ao centro de intersecção das duas vias e consequentemente, também não entrou na via que pretendia tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação, ignorando, inclusivamente, o barulho que o motor e os rodados do faziam ao circular, a escassos metros do entroncamento.

14. O condutor do FE, ao ser subitamente confrontado com o FJ, a surgir-lhe pela sua direita, ainda se desviou para o seu lado esquerdo, numa manobra de recurso e travou, com vista a evitar o acidente.

15. Contudo, apesar de circular a uma velocidade reduzida, não lhe foi possível evitar que a condutora do FJ, que prosseguiu a sua marcha, embatesse com a lateral esquerda da frente desta viatura no canto direito da frente do FE.

16. O sinistro em apreço nos autos ocorreu dentro da hemi-faixa de rodagem direita da já referida EN …, considerando o sentido de marcha do FE, próximo do centro da dita hemi-faixa de rodagem.

17. Ao embater com o FJ no FE, aquela viatura foi projectada para a sua direita acabando imobilizada na berma direita da via, atento o seu sentido de marcha.

18. Por seu turno, o FE prosseguiu a sua marcha no mesmo sentido em que circulava anteriormente, imobilizando-se alguns metros à frente do ponto de embate entre ambas as viaturas.

19. Atentas as circunstâncias em que o veículo FJ surgiu ao condutor do FE, era impossível a este último evitar o embate.

20. A responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo FJ encontra-se transferida para ré DD, S.A. através da apólice nº 70…2.

21. A responsabilidade civil automóvel relativa ao veículo ...-FE-...encontra-se transferida para a ré DD, S.A. através da apólice nº 0003…2.

22. Aquando do acidente, a autora seguia como passageira do veículo FJ, no banco imediatamente atrás do banco do condutor, ou seja, no canto direito traseiro do veículo.

23. Na sequência do acidente, a Autora recebeu tratamento no Hospital Pediátrico de …, onde lhe foi diagnosticado uma fractura da omoplata direita Ideberg V (classificação por visualização da TAC e constatação intra-operatória de extensão do traço de fractura para o corpo da omoplata, com cominação).

24. A Autora foi, então, submetida a cirurgia no dia 17 de Julho de 2014 com o procedimento:

25. a) Anestesia geral; b) Posicionamento em decúbito lateral esquerdo; c) Pré-lavagem com betadine espuma; d) Aplicação de antibioterapia profiláctica segundo protocolo e) Desinfecção e colocação de campos cirúrgicos; f) Abordagem por via de Jodet modificada (inicialmente incisão transversal inferior à espinha da omoplata, necessidade de prolongamento da incisão e abertura transversal sobre o bordo medial da omoplata para melhor exposição); g) Identificação e abertura transversal da aponevrose deltoideia e desinserção do deltóide, com identificação até ao espaço intermuscular entre o deltóide e o trapézio (dissecção romba); h) Identificação do espaço intermuscular entre o infra-espinhoso e o pequeno redondo, com dissecção romba; i) Dissecção sub-periostal do infra-espinhoso ao longo do corpo da omoplata, com identificação dos fragmentos fracturários; j) Identificação e abertura longitudinal da cápsula posterior articulação gleno-umeral; k) Fixação provisória com fios K e controlo com imagem – boa redução (superfície articular anatómica); l) Osteossíntese definitiva com parafusos canulados com anilha em compressão interfragmentária e placa de reconstrução; m) Novo controlo de imagem; n) Osteossíntese estável, sem evidência de material intra-articular ou conflito com mobilização do ombro; o) Dreno, reinserção do deltóide com vycril e encerramento por planos; p) Pelo com sutura continua intra-dérmica; q) Infiltração de ferida operatória com ropivacaina; r) Penso com steril-strips; s) Sem intercorrências; t) Feito reforço antibiótico durante a cirurgia.

26. No dia 21 de Julho de 2014, a Autora teve alta hospitalar imobilizada com Patel.

27. Desde o dia 11 de Agosto de 2014 a Autora foi seguida na consulta de Ortopedia e iniciou auto-reabilitação passiva-assistida e depois passou a ter apoio de Reabilitação Pediátrica.

28. A autora foi acompanhada em consulta de Medicina Física e de Reabilitação desde 12 de Setembro de 2014 por sequelas de fractura da omoplata direita em acidente de viação acorrido a 05 de Julho de 2014.

29. Apresentava limitação da mobilidade da cintura escapular e ombro e discinesia escapulo-torácica.

30. Efectuou programa de reabilitação com terapia ocupacional e hidrocinesiterapia com evolução significativa, apresentando na última consulta, a 14 de Janeiro de 2015, discreta limitação da rotação interna e externa (cerca 10º).

31. À data do acidente a Autora era estudante do 11.º ano.

32. Actualmente é estudante do 1.º ano da Faculdade de … .

33. A autora apresenta uma cicatriz ligeiramente hipertrofiada, com 18 centímetros de comprimento e 1 centímetro de largura, na região escapular, sequela de cirurgia ortopédica realizada no Hospital Pediátrico de … .

34. Tendo em conta o aspecto, a localização e a dimensão da cicatriz e a discreta atrofia da musculatura da cintura escapular, a autora ficou com um dano estético de grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

35. A autora sofreu dores físicas e psíquicas com o traumatismo causado pelo acidente de viação, com as lesões que daí resultaram, com os tratamentos realizados (que incluiu cirurgia com anestesia geral, imobilização do membro superior direito com ortótese em adução durante 3 semanas e fisioterapia, bem como o período de recuperação funcional, que são de avaliar num grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

36. As lesões deixaram, como sequela, limitação dolorosa nos últimos graus de abdução/antepulsão e rotação externa do ombro, exacerbada, o que corresponde a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos.

37. A autora ainda sofre dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e nos últimos graus de movimento e na face posterior direito com o esforço.

38. A autora deixou de praticar futsal, desporto que fazia há vários anos, com grande satisfação, por receio de sofrer traumatismos e “desmontar” o material que ainda tem a nível da omoplata direita.

39. A nível profissional ou de formação, a autora deve evitar desportos que envolvam contacto físico intenso ou outros que exijam um maior esforço do membro direito.

40. Tem a autora uma repercussão permanente nas actividades físicas e de lazer, fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as sequelas que actualmente apresenta fizeram com que a autora deixasse de praticar futsal, actividade que praticava de forma regular há vários anos e que contribuía para o seu bem-estar e satisfação.

41. Em virtude das lesões sofridas, a autora ficou afectada durante 7 dias de um défice funcional total.

42. A autora, em virtude das lesões sofridas, sofreu um défice funcional parcial durante 187 dias.

43. As lesões tiveram repercussão na actividade escolar da autora entre 5 de Julho de 2014 e o final do ano lectivo de 2013/2014.

44. A autora sofre desgosto por ter ficado com a cicatriz na omoplata, sendo-lhe constrangedor trazer aquela parte do corpo destapado e a cicatriz inibe a autora de vestir peça de roupa em que a cicatriz seja perceptível e inibe a autora de desfrutar com os seus amigos idas à praia ou piscina.

45. Em consequência do acidente de viação supra descrito, a autora despendeu em despesas médicas, medicamentosas, honorários médicos e clínicos, exames, taxas moderadoras e Relatórios a quantia total de € 1.696,78 (mil e seiscentos e noventa e seis euros e setenta e oito cêntimos) assim discriminada:

a) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 05/07/2014 - 20,65 €.

b) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 15/07/2014 - 20,65 €.

c) Suporte de braço com abdução - 200,00€.

d) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 23/07/2014 - 15,40 €.

e) Medicamentos - 9,50 €.

f) Medicamentos - 25,00 €.

g) Medicamentos - 39,95 €.

h) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…UC, EPE no dia 02/09/2014 - 1,40 €.

i) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…UC, EPE no dia 02/09/2014 - 7,75 €.

j) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…UC, EPE no dia 12/09/2014 - 7,75 €.

k) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…UC, EPE no dia 12/09/2014 - 7,75 €.

l) Consulta na Clínica de Reumatologia de … no dia 17/09/2014 -75,00€.

m) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 04/11/2014 - 7,75 €.

n) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 17/11/2014 - 166,50 €.

o) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 19/11/2014 - 30,00 €.

p) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 19/11/2014 - 7,75 €.

q) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 23/12/2014 - 1,40 €.

r) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 23/12/2014 - 7,75 €.

s) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 05/01/2015 - 85,50 €.

t) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 14/01/2015 - 28,00 €.

u) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 14/01/2015 - 7,75 €.

v) Pagamento de despesas de deslocação a consulta no … – 113,08 €.

w) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 21/04/2015 - 7,75 €.

x) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 21/04/2015 - 7,75 €.

y) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 21/04/2015 - 3,10 €.

z) Pagamento de Taxa Moderadora aos H…, EPE no dia 21/04/2015 - 1,40 €.

aa) Pagamento de Perícias e exames no âmbito da clínica forense no INMLCF – Instituto Nacional de Medicina Legal e Forenses, I. P. dia. - 408,00 €

bb) Pagamento de Consultas de Medicina e Reabilitação - 160,00 €.

cc) Pagamento de Reabilitação Médica - 222,50 €.


   13. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:


1. Que [na] altura o tempo estava bom;

2. Que o local do acidente configura uma recta de boa visibilidade que entronca, à esquerda, atento o sentido C… / M…, com a ladeira de …;

3. Que a via é composta por duas hemi-faixas de rodagem, adstritas aos dois sentidos de trânsito, separadas entre si por uma linha longitudinal contínua, sendo simultaneamente descontínua na confluência das supra identificadas vias;

4. Que o veículo FJ circulava na Ladeira de …, a fim de entrar na Estrada N …., pretendendo virar para o sentido M…;

5. Que pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha;

6. Que a velocidade moderada porque nunca superior a 50 Kms/hora, atentamente e no cumprimento de todas as demais elementares regras estradais;

7. Que ao aproximar-se do citado entroncamento, sito à esquerda atento o seu sentido de marcha, e porque pretendia aceder ao mesmo a fim de continuar a sua marcha, em condições de segurança;

8. Que o condutor do veículo FJ reduziu a velocidade já de si moderada que vinha imprimindo ao veículo;

9. Que accionou o sinal de mudança de direcção à esquerda, vulgo “pisca-pisca”;

10. Que parou, com a necessária antecedência;

11. Que verificou que não circulava trânsito na Estrada N … e que não estava a ser ultrapassado, após o que iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda;

12. Que acontece que, quando já tinha iniciado a manobra supra referida e se encontrava em posição perpendicular ao eixo da via e com a frente do FJ já dentro da Estrada N …, foi violentamente embatido na lateral esquerda, pela frente do veículo FE;

13. Que de facto, o condutor do FE, que circulava na hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido, da Estrada N …, a velocidade superior ao legalmente permitido já que fez disparar o semáforo que antecede o cruzamento;

14. Que não se apercebeu da manobra encetada pelo condutor do FJ, razão pela qual, foi embater com a frente do seu veículo na lateral esquerda do FJ;

15. Que o embate ocorreu sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem direita da Estrada N347 atento o sentido M… / C…;

16. Que atenta a violência do embate, o FJ foi projectado, ficando imobilizado junto à berma direita da citada estrada, com a frente virada para C…;

17. Que é ainda de perspectivar a existência de um Dano Futuro, tendo em conta que a fractura da omoplata atingiu a superfície articular – glenóide, a qual já presenta esboço osteofitário na sua porção inferior, conforme exame radiológico de 7 de Junho de 2016;

18. Que a cicatriz inibe, ainda, a autora na sua intimidade, por sentir complexos com o seu corpo.

19. Que existe, ainda, a necessidade de proceder à extracção dos materiais e cirurgia plástica reconstitutiva.


            O DIREITO


    14. A primeira questão suscitada pela Recorrente consiste em determinar se há lugar à indemnização dos danos patrimoniais decorrentes do défice funcional permanente da integridade física da Autora.


  15. A Ré, agora Recorrente alega que não: ainda que, em consequência do acidente, a Autora, agora Recorrida, ficasse com um défice funcional permanente da integridade psico-física de 2 pontos, que não foi provado que o défice funcional permanente da integridade psico-física tivesse como consequência a diminuição de rendimentos ou a necessidade de esforços suplementares para o desenvolvimento da actividade profissional, sem diminuição de rendimentos.


   16. O acórdão recorrido pronuncia-se sobre o tema na passagem seguinte:


“O dano que a autora designa por ‘incapacidade permanente parcial’ não consiste, na realidade, numa incapacidade. O que está em causa é uma sequela das lesões sofridas no acidente, consistente na limitação dolorosa dos últimos graus de abdução/antepulsão e rotação externa do ombro e a sua repercussão na integridade física e psíquica. Do que se trata é de uma ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico). […]

Apesar de tal ofensa começar por ser um dano pessoal, na medida em que atinge um bem jurídico eminentemente pessoal (a integridade física e psíquica), a jurisprudência tem afirmado de modo constante que ela é também fonte de prejuízos patrimoniais. E é fonte de prejuízos patrimoniais, quer ela acarrete a perda de rendimentos (o que sucederá se a vítima ficar impedida de prosseguir a sua actividade profissional ou qualquer outra; se a vítima passar a exercer outras funções, ganhando menos; se a vítima passar a trabalhar a tempo parcial, ganhando menos), quer acarrete apenas esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda de rendimentos […] Na verdade, entende-se que, no mercado de trabalho e do emprego, quem tem a capacidade física e psíquica diminuída não tem tantas possibilidades/oportunidades de trabalho e de emprego (ou não tem tantas possibilidades de manter o trabalho e o emprego) como aqueles que não têm qualquer deficiência na sua integridade física e psíquica. 

Apesar de, como escreve Carlos Alberto da Mota Pinto […], a capacidade de trabalho não fazer parte do património, constitui, no entanto, uma qualidade da pessoa que se ‘projecta nos resultados patrimoniais da sua vida’. Daí que a mera diminuição da capacidade de trabalho e de ganho, associada ao défice funcional permanente da integridade física e psíquica, seja considerada também dano patrimonial.

E dano patrimonial futuro, no sentido de que terá previsivelmente incidência nos resultados patrimoniais da sua vida, quer se tenha como horizonte temporal desta vida aquele que vai até à idade prevista pela lei para a reforma, quer se tenha como horizonte temporal desta vida a esperança média de vida”.


   17. O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu de acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça. Como se diz., p. ex. no recente acórdão de 19 de Setembro de 2019 — processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1 — ,“a afectação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é susceptível de gerar danos patrimoniais”, entre os quais se encontram a perda de rendimentos pela incapacidade labora, a perda de oportunidades profissionais ou pessoais os custos de maior onerosidade no desempenho ou no exercício das actividades desenvolvidas; ora o facto dado como provado sob o n.º 32 é o de a Autora, agora Recorrida. “é estudante do 1.º ano da Faculdade de …” e os factos dados como provados sob os n.ºs 36, 37, 39 e 40 são suficientes para sustentar que a lesão causa uma perda de oportunidades profissionais ou, em todo o caso, obriga a esforços suplementares para o exercício das actividades profissionais previsíveis de uma estudante da estudante da Faculdade de … .

   Em resposta à primeira questão, deve dizer-se que há lugar à indemnização dos danos patrimoniais decorrentes do défice funcional permanente da integridade física.


    18. A segunda e a terceira questões consistem em determinar se deve reduzir-se a indemnização de 10000 euros por danos patrimoniais para um montante não superior a 3000 euros e se deve reduzir-se a indemnização de 20000 por danos não patrimoniais para um montante não superior a 10000 euros.


  19. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização [1] deve concentrar-se em quatro coisas. 

   Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade [2]. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

    Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável [3].


 20. O ponto foi recentemente reafirmado, p. ex., no acórdão do STJ de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1 —, em cujo sumário se escreve:


“Conforme tem sido afirmado pelo STJ, ‘tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade — muito em particular se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade’”.


   21. O recurso à equidade tem de qualquer forma um sentido de todo em todo distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais. 

   Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º ss. do Código Civil. A equidade funciona como último recurso, “para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo”, designadamente do direito a uma indemnização, “quando o valor exacto dos danos não foi apurado” [4]. Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil) [5]. A equidade funciona como único recurso,


“ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)” [6] [7].


    22. Em tema de indemnização dos danos patrimoniais, o acórdão recorrido fundamentou o recurso à equidade na passagem seguinte:


“Como é fácil de ver, qualquer que seja o horizonte temporal que se considere para efeitos de definição do ‘futuro’, não é possível averiguar com exactidão a incidência do défice permanente da integridade física e psíquica nos resultados patrimoniais do lesado.

E assim sendo, manda o n.º 3 do artigo 566º do Código Civil que o tribunal julgue ‘equitativamente dentro dos limites que tiver por provados’”.


    O argumento é exacto — o cálculo da indemnização dos danos patrimoniais futuros reveste-se de “grande complexidade”; “obriga a uma previsão dificilmente fundamentável em termos objectivos sobre danos que, naturalmente, se destinam a compensar perdas patrimoniais apenas futuramente concretizadas e, consequentemente, apenas futuramente quantificáveis” [8].

   O Supremo Tribunal de Justiça tem admitido o recurso à equidade para a fixação da indemnização — como se disse, p. ex., no acórdão de 23 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 1046/15.0T8PFN.P1.S1,


“I. — É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda de capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.

II. — Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda de capacidade aquisitiva futura, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente”.


    Em consequência, “[a] determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade, assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum […] [9].


   23. Estando preenchidos os pressupostos da fixação equitativa da indemnização, deve averiguar-se — I. — se foram consideradas as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida e — II. — se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados.


  I. — O acórdão recorrido explicou que “[o] julgamento equitativo […], segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, deve atender essencialmente às seguintes circunstâncias: ao grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (a tendência é a de que quanto maior for o défice maior será a indemnização) à idade do lesado; ao período de vida activa do lesado; à esperança média de vida; à actividade profissional do lesado; [à]s qualificações profissionais do lesado; [aos] casos já julgados pelos tribunais”:


“No caso, o défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, que se refere ‘à afectação definitiva da integridade física e psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da via diária, incluindo familiares e sociais’, foi fixado em 2 pontos, numa escala de 100 pontos (que exprime a capacidade geral do indivíduo), ou seja, no ponto imediatamente a seguir ao mais baixo da escala.

A lesada é jovem (tem 22 anos de idade) e, aquando da propositura da acção, era estudante do 1.º ano da Faculdade de … .

O défice funcional da autora, embora compatível com a sua condição de estudante do Curso de …, limita-a, no entanto, quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito. Em relação a estas deve evitá-las.

Pelo exposto, afigura-se equitativo a este tribunal compensar o défice da sua integridade física com o montante de € 10 000,00 [dez mil euros]”.


  II. — As categorias ou tipos de danos e os critérios de fixação da indemnização considerados no acórdão recorrido correspondem exactamente àqueles que deveriam ter sido considerados — como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 — processo n.º 1046/15.0T8PFN.P1.S1 —,“a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência […]”.


   III. — Finalmente, o resultado alcançado é comparável com o do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1 —, expressamente invocado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.


  24. Em resposta à segunda questão, deverá negar-se provimento à pretensão da Ré, agora Recorrente, de que a indemnização por danos patrimoniais seja reduzida pela um montante não superior a 3000 euros.


   25. Em tema de danos não patrimoniais, o acórdão recorrido fundamentou a fixação equitativa da indemnização na seguinte passagem:

 

“O quadro legal a atender é constituído pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 496.º do Código Civil e pelo artigo 494.º do mesmo diploma.

O n.º 1 do artigo 496.º estabelece que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito

Por sua vez, o n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil estabelece que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º.

O artigo 494.º refere como circunstâncias atendíveis o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e quaisquer outras que se justifiquem no caso.

Apesar de a letra da lei – n.º 4 do artigo 496.º - não dizer expressamente que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais dever ser proporcional à gravidade dos danos, a proporcionalidade entre a gravidade dos danos e o montante da indemnização tem apoio tanto neste número como no n.º 1 do mesmo preceito.

Tem apoio no n.º 1 porque, segundo esta norma, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Tem apoio no n.º 4 porque, dizendo esta norma que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, não se concebe que haja equidade se o montante da indemnização não for proporcional à gravidade dos danos.

Como escreve Maria Manuel Veloso […]: ‘A ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial que se reflecte na fixação do montante da indemnização deve ter em conta uma ideia de proporcionalidade. A danos mais graves correspondem montantes mais avultados’.

Visto que o Código Civil não contém quaisquer tabelas que estabeleçam montantes de indemnização em função da gravidade dos danos e que a compensação devida pelos danos não patrimoniais prevista na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, serve para efeitos de apresentação aos lesados, por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, por parte das seguradoras, não afastando a fixação de valores superiores aos aí previstos (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Portaria), os tribunais procuram alcançar a equidade, a proporcionalidade na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos análogos.

Este caminho tem apoio no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que estabelece que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” e no princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. […]

Tendo presentes estas considerações, temos no caso, que estão provados danos não patrimoniais com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito. É o caso: (1) [d]as dores físicas e psíquicas desde o acidente até à data da consolidação das lesões avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (2) [d]as dores sentidas na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; (3) [d]o dano estético, representado pela cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; (4) [d]o desgosto que a autora sofre pelo facto de ter ficado com a cicatriz na omoplata; (5) [d]as limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; (6) [d]o condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, que experimentou desde o acidente até à consolidação das lesões.

No entender deste tribunal, é equitativo indemnizar os danos não patrimoniais com o montante de € 20 000,00.

Este (€ 20 000,00) foi o montante que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 5-12-2017, no processo 505/15.9T8AVR, publicado em www.dgsi.pt., julgou equitativo num caso que tem algumas semelhanças com o caso dos autos, quanto à origem dos danos (acidente de viação), quanto à ausência de culpa da vítima, quanto sofrimento físico e psíquico (quantum doloris de grau 4, quanto ao dano estético (grau 3) e quanto à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (grau 2)”. 


 26. A fundamentação — a todos os títulos exemplar — do acórdão recorrido é demonstrativa de que considerou os critérios de avaliação dos danos que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados e respeitou os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

   Em primeiro lugar, considerou, como devia, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e do lesante e as circunstâncias do caso (art. 494.º, por remissão do art. 496.º do Código Civil); em segundo lugar, entre as circunstâncias do caso, considerou, como devia considerar, a gravidade do dano, para que a compensação lhe fosse proporcional; e, em terceiro lugar, chegou a um resultado comparável com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2017 — processo n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1 —, expressamente invocado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.


  27. Em resposta à terceira questão, deverá negar-se provimento à pretensão da Ré, agora Recorrente, de que a indemnização por danos patrimoniais seja reduzida pela um montante não superior a 10000 euros.


III. — DECISÃO


   Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

    Custas pela Recorrente DD, S.A.


Lisboa, 20 de Novembro de 2019


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo dos Santos Geraldes

____________

[1] Sobre o recurso à equidade, vide designadamente António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, pág. 244; ou Manuel Carneiro da Frada, “A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 653-687.

[2] Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018, no processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1; de 6 de Dezembro de 2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2; e de 14 de Março de 2019, no processo n.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1.

[3] Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1, de 17 de Maio de 2018, processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1, de 18 de Outubro de 2018, no processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1; de 6 de Dezembro de 2018, processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2; e de 14 de Março de 2019, no processo n.º 9913/15.4T8LSB.L1.S1.

[4] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018, no processo n.º 661/16.9T8BRG.G1.S1.

[5] Está em causa o “arbitramento de uma quantia monetária, cujo montante resulta da ponderação de critérios de equidade e que toma em conta, tanto a gravidade objectiva dos factos geradores do dano e do dano em si, como os contornos subjectivos desse mesmo dano” — cf. Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, in: Diário da República, 2.ª série, de 30 de Novembro de 2017 — págs. 27202(4) a 27202 (7) = In: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 10 (2017), págs. 135-147.

[6] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019, no processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[7] Sobre a compensação dos danos não patrimoniais, vide Maria Manuel Veloso Gomes, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma Manuel Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil português. Tutela da personalidade e dano existencial”, in: Themis — Edição especial: Código Civil português: Evolução e perspectivas de reforma, 2008, págs. 47-68 = in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 289-313; Rui Soares Pereira, A responsabilidade por danos não patrimoniais do incumprimento das obrigações no direito civil português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009; João Mendonça Pires da Rosa, “Cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais”, in: Centro de Estudos Judiciários, O dano na responsabilidade civil, Outubro de 2014, págs. 45-62; e Rute Teixeira Pedro, “Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: A emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa — Reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil”, in: Estudos comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 637-665.

[8] Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”in: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, cit., pág. 144.

[9] Cf. acórdão do STJ de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1.