Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | LETRA DE FAVOR CONVENÇÃO DE FAVOR RELAÇÕES IMEDIATAS REFORMA CAMBIÁRIA NOVAÇÃO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 06/16/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | I) - Na letra de favor inexiste correspondência entre a obrigação cambiária e a relação extracartular ou subjacente. II) – A letra de favor é usada meio financiamento bancário em regra através de desconto bancário; o favorecente, normalmente, figura na letra como aceitante, mas na realidade nada deve ao sacador. III) – O favorecente (quem assina a letra com a única intenção de facilitar a obtenção de crédito), não tem perante o sacador ou tomador qualquer responsabilidade emergente de uma qualquer relação extracartular. IV) – A subscrição cambiária do favorecente ancora na existência de um acordo entre ele e o favorecido visando a facilidade de circulação do título, uma vez que a assinatura do favorecente assume o cariz de “garantia”. V) - Contudo, o favorecente assume uma obrigação cambiária. Se a letra entrar em circulação, não pode opor a terceiro portador do título a convenção de favor que só vale no domínio das relações imediatas entre ele e o favorecido. VI) – Se a pretensão do favorecido, na exigência de responsabilidade cambiária, visar o favorecente, este pode opor-lhe a convenção de favor, porque nada deve e apenas quis com o favor ajudar à obtenção do crédito ou facilitar a circulação do título no interesse do favorecido. VII) – O elemento fundamental da reforma cambiária, no caso da letra, é a sua substituição por outra, o que poderá ser motivado por diversas circunstâncias como a amortização parcial do débito, o mero diferimento da data do vencimento, a alteração do montante, a intervenção de novos subscritores ou a eliminação de algum dos anteriores. VIII) – A reforma, por si só, não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária, sendo indispensável, para esse efeito, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade no sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição da inicial. IX) – A vontade de substituir a obrigação antiga pela obrigação nova tem de ser inequívoca – art. 859º do Código Civil – pressupondo um acordo entre credor e devedor sem o qual não pode falar-se de substituição consentida. X) - No domínio cambiário vigoram os princípios da literalidade – segundo o qual a mera inspecção do título deve demonstrar a constituição da obrigação e os respectivos obrigados; o da abstracção, segundo o qual, a letra ou a livrança é independente da obrigação subjacente ou da causa do débito; o da independência recíproca das várias obrigações contidas no título, cuja nulidade não é comunicável; o da autonomia, segundo o qual o portador tem o direito do credor originário e, finalmente, o princípio da incorporação, segundo o qual são uma identidade a obrigação e o título que a exprime. XI) – Estando a letra nas relações imediatas, isto é, não tendo entrado em circulação, não valem os princípios cambiários da literalidade e abstracção (segundo este a letra é independente da “causa debendi”). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A Sociedade de AA, Ldª, executada nos autos de Execução Comum para Pagamento de Quantia Certa fundada em letra de câmbio, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Bragança com o nº344/05.5TBBGCA, instaurada pela exequente BB, Ldª, deduziu, em 9.1.2006, oposição à referida execução, alegando, em síntese, que nenhuma relação comercial teve com a exequente, que não subscreveu a letra exequenda nem aceitou a obrigação de a pagar e que nada deve à exequente. A exequente contestou, alegando, em síntese, que a oponente/executada aceitou a letra em execução, que foi emitida para reforma de uma outra letra, também aceite pela executada, que juntou a fls. 22 e que esta letra se destinou a garantir o pagamento de bebidas que forneceu à executada. *** A final foi proferida sentença, fls. 82-88, que, julgando procedente a oposição, absolveu a oponente/executada do pedido contra si formulado na acção executiva e declarou-a extinta. *** A exequente apelou dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 9.12.2008, – fls. 113 a 117 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. *** De novo inconformada, a exequente recorreu para este Supremo Tribunal e alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª. O douto acórdão recorrido baseou a sua decisão no pressuposto de que o caso dos autos se circunscreve a uma letra de favor, partindo do pressuposto que o favorecido é a exequente-sacador, ora recorrente. 2ª. Porém, os autos não demonstram minimamente que o favorecido fosse a exequente, e no sentido de que entre esta e a executada-aceitante existisse qualquer acordo de favor nomeadamente visando a obtenção de financiamento por parte daquela ou a facilitação da circulação do título. Não houve relação de garantia entre exequente e executada. 3ª Os autos antes nos provam que o favorecido foi um terceiro de nome CC Ldª, pela qual a executada assumiu a dívida que aquela tinha para com a exequente, entregando-lhe a letra dada à execução. Assunção de dívida que é a fonte desse mesmo favor. Isto mesmo se concluiu da resposta-fundamentação dada à base instrutória, nomeadamente quando se invoca o depoimento da testemunha CG. 4ª. Assim sendo, por força do princípio da abstracção cambiária é direito da exequente exigir da executada o pagamento da letra dada à execução, sem que esta possa opor-lhe a convenção de favor que entendeu prestar ao terceiro. O acórdão recorrido fez errónea interpretação e consequente aplicação das normas do art. 17º e art.48° da LULL (Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças). Termos em que na procedência do presente recurso deve ser revogado o douto acórdão recorrido, e em consequência, ordenar-se o prosseguimento da execução. Não houve contra-alegações. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1) A exequente deu à execução a letra que constitui o documento de fls. 20 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta: - como data de emissão: 05.11.2004; - importância: € 22.184,02; - vencimento: 2004.12.07; - sacador: BB, Ldª; - sacado: Sociedade de AA, Ldª; - no lugar do aceite uma assinatura de DD e um carimbo com a indicação de “Sociedade AA, Ldª” – (cfr. al. A) dos factos assentes). 2) Na citada letra dada à execução consta ainda a referência “reformado” – (cfr. al. B) dos factos assentes). 3) A sociedade executada está registada na Conservatória do Registo Comercial de Bragança com o nº1000/000000, com o nome “Sociedade de AA, Ldª” constando como sócios: A – DD, B – Teresa ...., C – Manuel ..., D-António ..., e como gerentes todos os sócios, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes, sendo obrigatória a do sócio A – DD, sendo o objecto social a construção e reparação de estradas e de vias urbanas para veículos e peões, construção de pontes, túneis e viadutos, parques de estacionamento, campos desportivos, arenas e piscinas, terraplanagens, desaterros, aterros, escavações e nivelamento de terrenos; construção de redes de transporte de água e distribuição de energia, como consta do documento junto a fls. 4-7, cujo teor de dá aqui por reproduzido – (al. C) dos factos assentes). 4) A sociedade exequente dedica-se à comercialização e venda de bebidas – (al. D) dos factos assentes). 5) A sociedade exequente juntou aos presentes autos a letra que consta de fls. 22, com data de emissão de 08.05.2004 e vencimento em 07.11.2004, no valor de € 24.648,91, sendo sacadora a exequente e sacada a executada, com os demais dizeres que dela constam, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – (al. E) dos factos assentes). 6) Pela sociedade executada foi emitido o cheque que consta de fls. 23 destes autos, à ordem da sociedade exequente, no montante de € 2.464,89, datado de 2004.12.06, e com as assinaturas dele constantes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – (al. F) dos factos assentes). 7) A executada/oponente jamais comprou qualquer bebida ou outro produto à exequente – (resposta dada ao nº1 da Base Instrutória.). 8) A executada/oponente jamais manteve relações comerciais com a exequente – (resposta dada ao nº2 da B.I.). 9) Por acordo particular entre a exequente e o referido DD, este assinou e entregou à exequente a letra dada à execução, apondo-lhe, porém, o carimbo usado pela executada/opoente (resposta dada ao nº3 da B.I.). 10) Os outros sócios-gerentes da executada/oponente não tiveram intervenção no acordo referido em 9) – (resposta dada ao nº4 da B.I.). 11) A letra dada à execução é a reforma da letra referida em 5), em resultado do pagamento do cheque referido em 6) – (resposta dada ao nº7 da B.I.). Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a oponente está cambiariamente obrigada perante a exequente. As instâncias buscaram a resposta para a questão no contexto da definição e regime legal da denominada letra de favor para concluir que, no caso, a letra exequenda é uma letra desse tipo e que estando no domínio das relações imediatas, pese embora se tratar de uma letra reformada, à exequente-sacadora é oponível a convenção de favor. Vejamos: Resultou provado que a exequente deu à execução a letra que constitui o documento de fls. 20 dos autos de execução, da qual consta: como data de emissão 05-11-2004 a importância € 22.184,02; vencimento 2004.12.07; sacador “BB, Ldª”, sacado “Sociedade de AA, Ldª.” e no lugar do aceite uma assinatura de DD e um carimbo com a indicação de “Sociedade AA, Ldª”. O art. 17º da LULL estabelece: “As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor". Segundo Abel Delgado, in “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças” em anotação àquele art. 17º: “O subscritor cambiário demandado não pode, por conseguinte, opor meios defesa fundados nas suas relações pessoais como sacador ou subscritores anteriores, mas pode opor os das relações pessoais que eventualmente tenha com o portador da letra [...] subscritores anteriores a si são, evidentemente, aqueles cuja assinatura firma uma obrigação cambiária precedente da sua. Como o sacado é o primeiro obrigado directo, temos assim que o anterior a ele, será unicamente o sacador ou o avalista deste.” – Pinto Furtado, in “Títulos de Crédito” – págs. 209-210 (sublinhámos). No caso em apreço, pese embora ter havido reforma da letra, estamos no domínio das relações imediatas, já que os sujeitos cambiários da letra reformada são os mesmos da letra inicial que foi amortizada parcialmente. O elemento fundamental da reforma cambiária, no caso da letra, é a sua substituição por outra, o que poderá ser motivado por diversas circunstâncias como a amortização parcial do débito, o simples diferimento da data do vencimento, a alteração do montante, a intervenção de novos subscritores ou a eliminação de algum dos anteriores. Ora, desde logo, importa referir que a executada/recorrente, provou: |