Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
344/05.5TBBGC-A.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: LETRA DE FAVOR
CONVENÇÃO DE FAVOR
RELAÇÕES IMEDIATAS
REFORMA CAMBIÁRIA
NOVAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I) - Na letra de favor inexiste correspondência entre a obrigação cambiária e a relação extracartular ou subjacente.
II) – A letra de favor é usada meio financiamento bancário em regra através de desconto bancário; o favorecente, normalmente, figura na letra como aceitante, mas na realidade nada deve ao sacador.
III) – O favorecente (quem assina a letra com a única intenção de facilitar a obtenção de crédito), não tem perante o sacador ou tomador qualquer responsabilidade emergente de uma qualquer relação extracartular.
IV) – A subscrição cambiária do favorecente ancora na existência de um acordo entre ele e o favorecido visando a facilidade de circulação do título, uma vez que a assinatura do favorecente assume o cariz de “garantia”.
V) - Contudo, o favorecente assume uma obrigação cambiária. Se a letra entrar em circulação, não pode opor a terceiro portador do título a convenção de favor que só vale no domínio das relações imediatas entre ele e o favorecido.
VI) – Se a pretensão do favorecido, na exigência de responsabilidade cambiária, visar o favorecente, este pode opor-lhe a convenção de favor, porque nada deve e apenas quis com o favor ajudar à obtenção do crédito ou facilitar a circulação do título no interesse do favorecido.
VII) – O elemento fundamental da reforma cambiária, no caso da letra, é a sua substituição por outra, o que poderá ser motivado por diversas circunstâncias como a amortização parcial do débito, o mero diferimento da data do vencimento, a alteração do montante, a intervenção de novos subscritores ou a eliminação de algum dos anteriores.
VIII) – A reforma, por si só, não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária, sendo indispensável, para esse efeito, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade no sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição da inicial.
IX) – A vontade de substituir a obrigação antiga pela obrigação nova tem de ser inequívoca – art. 859º do Código Civil – pressupondo um acordo entre credor e devedor sem o qual não pode falar-se de substituição consentida.
X) - No domínio cambiário vigoram os princípios da literalidade – segundo o qual a mera inspecção do título deve demonstrar a constituição da obrigação e os respectivos obrigados; o da abstracção, segundo o qual, a letra ou a livrança é independente da obrigação subjacente ou da causa do débito; o da independência recíproca das várias obrigações contidas no título, cuja nulidade não é comunicável; o da autonomia, segundo o qual o portador tem o direito do credor originário e, finalmente, o princípio da incorporação, segundo o qual são uma identidade a obrigação e o título que a exprime.
XI) – Estando a letra nas relações imediatas, isto é, não tendo entrado em circulação, não valem os princípios cambiários da literalidade e abstracção (segundo este a letra é independente da “causa debendi”).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

A Sociedade de AA, Ldª, executada nos autos de Execução Comum para Pagamento de Quantia Certa fundada em letra de câmbio, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Bragança com o nº344/05.5TBBGCA, instaurada pela exequente BB, Ldª, deduziu, em 9.1.2006, oposição à referida execução, alegando, em síntese, que nenhuma relação comercial teve com a exequente, que não subscreveu a letra exequenda nem aceitou a obrigação de a pagar e que nada deve à exequente.

A exequente contestou, alegando, em síntese, que a oponente/executada aceitou a letra em execução, que foi emitida para reforma de uma outra letra, também aceite pela executada, que juntou a fls. 22 e que esta letra se destinou a garantir o pagamento de bebidas que forneceu à executada.
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A final foi proferida sentença, fls. 82-88, que, julgando procedente a oposição, absolveu a oponente/executada do pedido contra si formulado na acção executiva e declarou-a extinta.
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A exequente apelou dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 9.12.2008, – fls. 113 a 117 – negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
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De novo inconformada, a exequente recorreu para este Supremo Tribunal e alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª. O douto acórdão recorrido baseou a sua decisão no pressuposto de que o caso dos autos se circunscreve a uma letra de favor, partindo do pressuposto que o favorecido é a exequente-sacador, ora recorrente.

2ª. Porém, os autos não demonstram minimamente que o favorecido fosse a exequente, e no sentido de que entre esta e a executada-aceitante existisse qualquer acordo de favor nomeadamente visando a obtenção de financiamento por parte daquela ou a facilitação da circulação do título.

Não houve relação de garantia entre exequente e executada.

3ª Os autos antes nos provam que o favorecido foi um terceiro de nome CC Ldª, pela qual a executada assumiu a dívida que aquela tinha para com a exequente, entregando-lhe a letra dada à execução.

Assunção de dívida que é a fonte desse mesmo favor.

Isto mesmo se concluiu da resposta-fundamentação dada à base instrutória, nomeadamente quando se invoca o depoimento da testemunha CG.

4ª. Assim sendo, por força do princípio da abstracção cambiária é direito da exequente exigir da executada o pagamento da letra dada à execução, sem que esta possa opor-lhe a convenção de favor que entendeu prestar ao terceiro.

O acórdão recorrido fez errónea interpretação e consequente aplicação das normas do art. 17º e art.48° da LULL (Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças).

Termos em que na procedência do presente recurso deve ser revogado o douto acórdão recorrido, e em consequência, ordenar-se o prosseguimento da execução.

Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1) A exequente deu à execução a letra que constitui o documento de fls. 20 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta:

- como data de emissão: 05.11.2004;
- importância: € 22.184,02;
- vencimento: 2004.12.07;
- sacador: BB, Ldª;
- sacado: Sociedade de AA, Ldª;
- no lugar do aceite uma assinatura de DD e um carimbo com a indicação de “Sociedade AA, Ldª” – (cfr. al. A) dos factos assentes).

2) Na citada letra dada à execução consta ainda a referência “reformado”(cfr. al. B) dos factos assentes).

3) A sociedade executada está registada na Conservatória do Registo Comercial de Bragança com o nº1000/000000, com o nome “Sociedade de AA, Ldª” constando como sócios: A – DD, B – Teresa ...., C – Manuel ..., D-António ..., e como gerentes todos os sócios, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois gerentes, sendo obrigatória a do sócio A – DD, sendo o objecto social a construção e reparação de estradas e de vias urbanas para veículos e peões, construção de pontes, túneis e viadutos, parques de estacionamento, campos desportivos, arenas e piscinas, terraplanagens, desaterros, aterros, escavações e nivelamento de terrenos; construção de redes de transporte de água e distribuição de energia, como consta do documento junto a fls. 4-7, cujo teor de dá aqui por reproduzido – (al. C) dos factos assentes).

4) A sociedade exequente dedica-se à comercialização e venda de bebidas – (al. D) dos factos assentes).

5) A sociedade exequente juntou aos presentes autos a letra que consta de fls. 22, com data de emissão de 08.05.2004 e vencimento em 07.11.2004, no valor de € 24.648,91, sendo sacadora a exequente e sacada a executada, com os demais dizeres que dela constam, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – (al. E) dos factos assentes).

6) Pela sociedade executada foi emitido o cheque que consta de fls. 23 destes autos, à ordem da sociedade exequente, no montante de € 2.464,89, datado de 2004.12.06, e com as assinaturas dele constantes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – (al. F) dos factos assentes).

7) A executada/oponente jamais comprou qualquer bebida ou outro produto à exequente – (resposta dada ao nº1 da Base Instrutória.).

8) A executada/oponente jamais manteve relações comerciais com a exequente – (resposta dada ao nº2 da B.I.).

9) Por acordo particular entre a exequente e o referido DD, este assinou e entregou à exequente a letra dada à execução, apondo-lhe, porém, o carimbo usado pela executada/opoente (resposta dada ao nº3 da B.I.).

10) Os outros sócios-gerentes da executada/oponente não tiveram intervenção no acordo referido em 9) – (resposta dada ao nº4 da B.I.).

11) A letra dada à execução é a reforma da letra referida em 5), em resultado do pagamento do cheque referido em 6) – (resposta dada ao nº7 da B.I.).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a oponente está cambiariamente obrigada perante a exequente.

As instâncias buscaram a resposta para a questão no contexto da definição e regime legal da denominada letra de favor para concluir que, no caso, a letra exequenda é uma letra desse tipo e que estando no domínio das relações imediatas, pese embora se tratar de uma letra reformada, à exequente-sacadora é oponível a convenção de favor.

Vejamos:

Resultou provado que a exequente deu à execução a letra que constitui o documento de fls. 20 dos autos de execução, da qual consta: como data de emissão 05-11-2004 a importância € 22.184,02; vencimento 2004.12.07; sacador “BB, Ldª”, sacado “Sociedade de AA, Ldª.” e no lugar do aceite uma assinatura de DD e um carimbo com a indicação de “Sociedade AA, Ldª”.

O art. 17º da LULL estabelece:

“As pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor".

Segundo Abel Delgado, in “Lei Uniforme sobre Letras e Livranças” em anotação àquele art. 17º:

A letra está no domínio das relações imediatas, quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, sacador-tomador, tomador primeiro endossado, etc.), isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares.
A letra está no domínio das relações mediatas, quando na posse duma pessoa estranha às convenções extracartulares”.

“O subscritor cambiário demandado não pode, por conseguinte, opor meios defesa fundados nas suas relações pessoais como sacador ou subscritores anteriores, mas pode opor os das relações pessoais que eventualmente tenha com o portador da letra [...] subscritores anteriores a si são, evidentemente, aqueles cuja assinatura firma uma obrigação cambiária precedente da sua. Como o sacado é o primeiro obrigado directo, temos assim que o anterior a ele, será unicamente o sacador ou o avalista deste.” – Pinto Furtado, in “Títulos de Crédito” – págs. 209-210 (sublinhámos).

No caso em apreço, pese embora ter havido reforma da letra, estamos no domínio das relações imediatas, já que os sujeitos cambiários da letra reformada são os mesmos da letra inicial que foi amortizada parcialmente.

O elemento fundamental da reforma cambiária, no caso da letra, é a sua substituição por outra, o que poderá ser motivado por diversas circunstâncias como a amortização parcial do débito, o simples diferimento da data do vencimento, a alteração do montante, a intervenção de novos subscritores ou a eliminação de algum dos anteriores.

A reforma, por si só, não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária, sendo indispensável, para esse efeito, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade no sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição da inicial.

A vontade de substituir a obrigação antiga pela obrigação nova tem de ser inequívoca – art. 859º do Código Civil – pressupondo um acordo entre credor e devedor sem o qual não pode falar-se de substituição consentida.

A novação traduz-se na convenção através da qual as partes extinguem uma obrigação para criarem uma nova em lugar daquela” – Ac. deste STJ, de 13.1.77, in BMJ, 262-265.

A vontade de contrair nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada, conforme dispõe o art. 859 do Código Civil. Logo: não havendo declaração expressa de que se pretende novar, a obrigação primitiva não se extingue”. - Ac. deste STJ, de 26.3.1998, in BMJ., 475, 725.

A executada opôs à execução argumentos baseados no título cambiário e na relação extracartular.

Fê-lo com toda a legitimidade face ao disposto no art. 17º da LULL.

No domínio cambiário vigoram os princípios da literalidade – segundo o qual a mera inspecção do título deve demonstrar a constituição da obrigação e os respectivos obrigados; o da abstracção, segundo o qual, a letra ou a livrança é independente da obrigação subjacente ou da causa do débito; o da independência recíproca das várias obrigações contidas no título, cuja nulidade não é comunicável; o da autonomia, segundo o qual o portador tem o direito do credor originário e, finalmente, o princípio da incorporação, segundo o qual são uma identidade a obrigação e o título que a exprime.

Mas estando a letra nas relações imediatas, isto é, não tendo entrado em circulação, não valem os princípios cambiários da literalidade e abstracção (segundo este a letra é independente da “causa debendi”).

Ora, o que a oponente se propôs demonstrar, independentemente da questão de saber se se tratava de letra de favor ou não, foi que entre ela e a exequente-sacadora nenhuma relação extracartular se estabeleceu, pelo que não se encontra vinculada em função do título cambiário, ou seja, que não houve qualquer convenção executiva ou pactum de cambiando (1).



Assim sendo, impendia sobre si o ónus da prova dada a até a natureza da oposição – anteriormente designada de “embargos de executado”.

O art. 342º do Código Civil estatui:

“1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”

O Professor Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 201, escreveu sobre a repartição do “onus probandi”:

“a) Cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do seu direito: dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa o título ou causa desse direito;
b) O réu não carece de provar que tais factos não são verdadei­ros: “reo sufficit vincere per non ius actoris; actore non pro­bante reus absolvitur”.
O que lhe compete é a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor; dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas impediti­vas ou extintivas [...]”.

O mesmo civilista define tal conceito do seguinte modo:

“Ónus da prova – respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios.
Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas conse­quências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais conse­quências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto – trazida ou não pela mesma parte” – “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979­-196).

Os embargos de executado (actualmente oposição) não se destinam a contestar o requerimento executivo, sendo antes: - “Acções declarativas estruturalmente autónomas, porém instrumental e funcionalmente ligadas às acções executivas – nelas correndo por apenso – pelas quais o executado pretende impedir a produção dos efeitos do título executivo ” – cfr. “Curso de Processo Executivo Comum”, de Remédio Marques, págs. 150-151, e “inter alia” Ac. deste STJ, de 29.2.1996, in CJSTJ, 1996, I, 102.

Ora, desde logo, importa referir que a executada/recorrente, provou:

“A executada/oponente jamais comprou qualquer bebida ou outro produto à exequente – (resposta dada ao nº1 da Base Instrutória.).
A executada/oponente jamais manteve relações comerciais com a exequente – (resposta dada ao nº2 da B.I.)”.

A exequente, na contestação da oposição alegara – art. 3º – que a letra exequenda se destinou a pagar-lhe várias quantidades de bebidas que forneceu, negando que a assinatura de AA no lugar destinado ao aceite tivesse sido de favor.

Na letra de favor inexiste correspondência entre a obrigação cambiária e a relação extracartular ou subjacente.

A letra de favor é usada como meio de financiamento bancário por meio do desconto; o favorecente, normalmente figura na letra como aceitante, quando na realidade nada deve ao sacador.

Segundo Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial” – 1966-III, 49, a letra de favor tem duas características:

“O subscritor não tem intenção de vir a desembolsar o montante da letra apenas apondo nela a sua assinatura para facilitar, pela garantia que esta representa a circulação do título.
Todavia não deixará de agir com a consciência de ficar obrigado cambiariamente; subjacente à obrigação cambiária assumida pelo favorecente, não se encontra uma relação jurídica fundamental estabelecida entre ele e o favorecido, além da que decorre da própria convenção de favor.
O favorecente torna-se obrigado apenas pelo “favor” e não porque já o fosse em virtude de outra relação extracartular”

Como se sentenciou no Acórdão deste – Ac. deste STJ, de 26.4.1995, in BMJ, 446, 296:

“ [...] A subscrição cambiária de favor tem uma função de garantia atípica, normalmente precedida de uma convenção.
Nesta convenção de favor são partes aquela que assume o compromisso de subscrever o título (favorecente) e aquela a quem a subscrição aproveita (favorecido).
O favorecente não pretende obrigar-se perante o favorecido, a quem nada deve, mas tão-só perante terceiro portador do título.
Resulta como efeito natural da convenção de favor, entre o favorecente e terceiro, a posição de um obrigado cambiário.
A manifestação mais simples e habitual da subscrição de favor é aquela em que a subscrição cambiária do favorecente se destina a obtenção pelo favorecido de crédito em operação de desconto do título”.

Temos assim que o favorecente (quem assina a letra com a única intenção de facilitar a obtenção de crédito) não tem perante o sacador ou tomador qualquer responsabilidade emergente de uma qualquer relação extracartular.

A subscrição cambiária do favorecente ancora na existência de um acordo entre ele e o favorecido visando também a facilidade de circulação do título, uma vez que a assinatura do favorecente assume o cariz de “garantia”.

Contudo, o favorecente assume uma obrigação cambiária. Se a letra entrar em circulação, não pode opor a terceiro portador da letra a convenção de favor que só vale no domínio das relações imediatas entre ele e o favorecido.

Se a pretensão do favorecido na exigência da responsabilidade cambiária visar o favorecente, este pode opor-lhe a convenção de favor, no fundo porque nada deve e apenas quis com o favor ajudar à obtenção do crédito ou facilitar a circulação do título no interesse do favorecido.

O facto de se ter provado que, por acordo particular entre a exequente e DD que é sócio da executada, este assinou e entregou à exequente a letra dada à execução, apondo-lhe o carimbo usado pela executada/oponente e que os outros sócios gerentes da executada não tiveram intervenção nesse acordo, não revela a existência de uma convenção de favor, desde logo, por daí não poder concluir-se qual o fim tido em vista pelo alegado favorecente – AA – que, ademais, é sócio-gerente da sociedade executada que na letra figura como sacada.

Como se sabe o sacado apenas se obriga pelo aceite – art. 28º da LULL:

Bem poderia tal assinatura pretender vincular a sacada, mesmo que esta se obrigasse mediante a assinatura de outros sócios-gerentes.

Isto para dizer que, mesmo sem fazer apelo ao regime jurídico da letra de favor que aqui nos parece pelo menos temerário em função da escassez da prova acerca da “convenção de favor”, a conclusão que há que tirar dos factos provados é que a oponente fez prova de que nada deve à exequente, prova essa que é relevante por a letra estar no domínio das relações imediatas onde não valem os princípios da literalidade, autonomia (2) e abstracção dos títulos cambiários, sendo oponíveis ao portador as excepções fundadas na relação extracartular.

Foi o que a oponente fez com êxito, pelo que na procedência de tal oposição a execução se extinguiu.

Decisão:

Nestes termos, ainda que com fundamentação não coincidente com a do Acórdão recorrido, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Junho de 2009

Fonseca Ramos (relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova

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(1) É a convenção ou acordo pelo qual, credor e devedor estipulam, com referência à sua função recíproca na relação fundamental, a função ou finalidade com que emitem o título.
(2) “Esta autonomia do direito cambiário do portador não é absoluta. Desde logo, o princípio geral da autonomia cartular e conexa inoponibilidade das excepções causais, previsto no art. 17.° da LULL, apenas vale relativamente aos portadores mediatos e de boa fé. Com efeito, tal princípio não vale no plano das relações cartulares imediatas — ou seja, entre subscritores cartulares sucessivos (sacador e sacado, sacador e tomador, endossante e endossado, avalista e avalizado) …” – Engrácia Antunes, in “Os Títulos de Crédito-Uma Introdução” – 2009 – págs.100-101.