Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6/2002.L2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: COAÇÃO MORAL
ACÇÃO EXECUTIVA
PROPOSITURA DA ACÇÃO
AVAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, III-249.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, p. 405.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil “, Anotado, Vol. I, 4ª Ed., p. 238.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 255.º, 288.º, N.º2, 342.º, 363.º, 369.º, 371.º, Nº1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 268.º, 273.º, 467º, Nº1, AL. E), 516.º, 646º, Nº4, 660.º, N.º2, 661.º, 672.º, 684.º, N.º3, 684º-A, Nº/S 1 E 2, 690.º, N.º1, 722º, Nº2, “IN FINE”, 726.º, 727.º, 729º, Nº1.
LEI Nº3/99, DE 13-01: - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15/12/2005, PROC. 05B3974, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 10/01/2007, AD, 545º-930;
-DE 07/02/2007, PROCESSO N.º06S3538, EM WWW.DGSI.PT .
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ASSENTO – HOJE, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA – DE 21.06.83 (R.L.J., ANO 117º, P.. 26 E SEGS.).
Sumário :
I - A possibilidade de execução de aval prestado pela autora, além de não constituir, em si, uma ameaça, não pode deixar de ser considerada como o exercício normal de um direito cambiário por parte do avalizado, não sendo, pois, portadora de aptidão para, acompanhada dos demais requisitos, poder consubstanciar coacção moral.

II - Acresce que a autora, se executada, sempre poderia lançar mão de oposição à execução para proclamação e defesa dos seus eventuais direitos.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 6/2002.L2.S1[1]

         (Rel. 104)[2]

                          Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1AA instaurou, em 07.01.02, no Tribunal Cível da comarca de Lisboa (com distribuição à 13ª Vara/1ª Secção), acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra “BB S. A.” (Ex “CC, S. A.”), ora “C... – DD, S. A.”, pedindo que seja decretada a nulidade do acordo celebrado em 05.05.93, bem como a invalidade das “ilegalidades antes cometidas e nele referidas” ou, se assim não se entender, que seja decretada a anulação ou a ineficácia do mencionado “acordo”, ou, ainda e subsidiariamente, a restituição à A. daquilo com que a R. injustamente se locupletou, devendo, ainda, esta ser condenada a pagar-lhe indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a apurar.

       Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência:

                                                   /

--- Exerceu funções como corretora da Bolsa de Valores de Lisboa, no âmbito da sociedade corretora “CC, S. A.”, de que era Presidente do Conselho de Administração;

--- A referida sociedade começou a registar problemas de funcionamento, tendo, através da actuação de alguns dos representantes dos parceiros sociais, procedido ilegalmente a operações a descoberto no valor de dois milhões de contos e que não foi possível resolver internamente;

--- Na sequência da degradação da situação, foi deliberada por todos os co-accionistas a destituição da A. das funções que desempenhava na “CC, S. A.” e a exigência de execução das garantias prestadas pela A. com vista ao financiamento da sociedade;

--- Em 05.05.93, foi celebrado um “acordo” que não corresponde à sua vontade real e a que só aderiu por a tal ter sido forçada sob a ameaça de execução de todo o seu património.

       Contestando, a R. deduziu, entre outras, as excepções (dilatória e peremptória, respectivamente) da ineptidão da p. i. (por ininteligibilidade e/ou ausência de causa de pedir e falta de causa de pedir quanto ao pedido subsidiário) e da prescrição, com simultânea impugnação da relevante factualidade aduzida pela A., concluindo com o pedido de condenação desta, como litigante de má fé.

       A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela R. e reiterando o peticionado, a que fez acrescer, por seu turno, o pedido de condenação da R., como litigante de má fé.

       No mesmo articulado, a A. ampliou o pedido e requereu a intervenção principal, ao lado da R., dos accionistas da “CC, S. A.”, “Banco EE”, “FF”, “GG, Grupo Segurador, S. A.”, “Companhia HH” e “II – ..., S. A.”.

       Seguiu-se novo articulado da R., em que tomou posição sobre o alegado na réplica e pugnou pela nulidade da pretendida ampliação do pedido.

       Respondeu a A., nos termos do articulado de fls. 274 e segs.

       A A. foi convidada a corrigir a p. i., na sequência do que apresentou novo articulado (Fls. 321 e segs.), que concluiu da forma que fizera na primeira petição.

       Voltou a contestar a R., deduzindo, agora e entre o mais, a excepção de incompetência em razão da matéria, a ininteligibilidade e ausência de causa de pedir, falta de causa de pedir quanto ao pedido subsidiário, omissão de factos e ilegitimidade da R., com simultânea impugnação da relevante factualidade invocada pela A., por cuja condenação, como litigante de má fé, voltou a pugnar

       Na sequente réplica, reiterou a A. o alegado no correspondente e originário articulado por si apresentado.

       Também a R. voltou a tomar posição em novo articulado, pedindo a nulidade da ampliação do pedido e o indeferimento do pedido de intervenção principal.

       Por decisão de 10.12.04, foi indeferido o incidente de chamamento de terceiros.

       Interposto recurso de tal decisão, foi o mesmo admitido como agravo, o qual, todavia, foi julgado deserto, por falta de apresentação das respectivas alegações, por douto despacho de 15.02.08 (Fls. 1296), transitado em julgado.

       Por decisão de 15.07.05, foi afirmada a competência do tribunal, em razão da matéria, julgando-se inepta a p. i., por ininteligibilidade do pedido, com a inerente absolvição da R. da instância.

       No recurso de agravo interposto desta decisão, foi proferido o acórdão de 12.12.06 (Fls. 1114 a 1133), da Relação de Lisboa, onde se decidiu que a p. i. apresentada não era inepta, por ininteligibilidade, quanto aos pedidos de declaração de nulidade, de anulação e de declaração de ineficácia do acordo de 05.05.93, tendo sido ordenado o correspondente prosseguimento dos autos.

       Teve lugar uma audiência preliminar no âmbito da qual foi seleccionada a matéria de facto assente e a que deveria integrar a base instrutória (b. i.).

       No decurso da audiência de julgamento e na sequência do depoimento de parte prestado pela A. à matéria do art. 24º da b. i., foi interposto e admitido recurso de agravo em cujas conclusões a R.-agravante pugnou pela substituição do despacho recorrido por decisão que considere confessado o facto vertido no sobredito art. da b. i.

       Decidida a matéria de facto que integrava a b. i., foi proferida (em 18.01.11) sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a R. do pedido.

       Tendo apelado a A., a Relação de Lisboa, por acórdão de 25.11.11 (Fls. 2701 a 2722vº):

----- Concedeu provimento ao agravo, considerando, em conformidade, que o facto mencionado no ponto 37 da matéria de facto foi objecto de confissão judicial por parte da A., no âmbito do respectivo depoimento de parte (não sem que, antes, se tenha, pertinentemente, ponderado que, dado o facto vertido no art. 24º da b. i. ter sido considerado provado, de alguma forma ficou desprovida de conteúdo útil a decisão do agravo);

----- Julgou improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.

       Daí a presente revista interposta pela A., visando a revogação do acórdão (na parte em que julgou improcedente a respectiva apelação), conforme alegações culminadas com a formulação (após convite para a respectiva síntese…) das seguintes e sumariadas “conclusões”:

                                                    /

1ª – O facto de, ao abrigo do art. 337º e segs. do CPC, a A. se ter constituído assistente no Proc. nº 12906/94, que corre termos na 2ª secção da 10ª Vara Cível de Lisboa (facto provado nº 36), não é suficiente para a confirmação do negócio jurídico;

2ª – Desde logo, porque esse comportamento não resulta de uma obrigação expressa no acordo de 05.05.93, dado como provado no facto 20, para que da prática desta conduta se retirasse inequivocamente a confirmação do negócio nulo;

3ª – “Colaborar” não significa constituir-se assistente numa acção cível ordinária, cuja posição processual é subordinada à da parte principal, não tendo, por isso, qualquer poder de intervenção directa no pleito;

4ª – Por outro lado, a exigência de colaboração referida no acordo de 05.05.93 tinha como único propósito a obtenção de êxito nas diligências que a apelada levasse a cabo. Assim…a constituição como assistente por parte da apelante em nada condiciona ou contribui para o êxito na acção ordinária nº 12906/94, que corre termos na 2ª Secção da 10ª Vara Cível de Lisboa;

5ª – Não se apurou que a apelante tivesse praticado outros actos concretos no Proc. 12906/94, ou, de que outra forma concreta auxiliou materialmente a apelada para o sucesso daquele pleito, donde se infira com toda a probabilidade que a apelante quis a execução do referido contrato e, como tal, o confirmou;

6ª – Tendo a apelante assinado o acordo de 05.05.93 num momento de grande fragilidade pessoal, tendo por isso agido condicionada e, como tal, encontrando-se a sua vontade viciada por coacção moral, a acrescer ao facto do negócio ser usurário, como o tribunal de 1ª instância reconheceu, a única forma que a apelante encontrou para, de alguma forma poder, naquela data, fiscalizar a acção da apelada foi através da sua constituição como assistente, até para que a cláusula 2ª, nº5 do referido acordo dado como provado em 20 tivesse efectiva aplicabilidade;

7ª – Assim, pela análise do comportamento da apelante posterior à assinatura do acordo, desde logo deveria ter sido improcedente a excepção peremptória de confirmação prevista no art. 288º do CC, porquanto do mesmo não se verifica inequivocamente a confirmação, ainda que tácita, do acordo;

8ª – Ademais, dispõe o nº2 do art. 288º do CC que a confirmação “só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação”;

9ª – Se é admissível que a partir da devolução da livrança em brando inutilizad, na qual a apelante havia prestado o seu aval pessoal, cessou o instrumento de coacção moral, o mesmo argumento já não colhe para o vício do negócio usurário que, ao contrário daquele, perdura no tempo e não se esgotou com a devolução da referida livrança;

10ª – Enquanto que para o vício da coacção moral o facto causal constituiu a ameaça do aproveitamento indevido do aval pessoal prestado pela apelante aposto na livrança em branco dada como garantia (facto provado nº28); para o vício da usura, para além deste facto, designadamente, a exploração por parte da apelada do estado psicológico diminuído em que se encontrava a apelante: “estando angustiada, diminuída mentalmente e em situação de desespero, cedeu assinar o escrito de 05.05.93 referido no ponto 20 dos factos provados” – facto 28 dado como provado – concorreu ainda a situação de necessidade explorada pela apelante e melhor descrita no facto provado 29;

11ª – Finalmente, não se verifica, contudo, o requisito da posterioridade da confirmação ao conhecimento do vício e do direito à anulação, pois o acordo cuja invalidade foi reconhecida foi assinado sob aquele forte condicionalismo em 05.05.93, a constituição da apelante como assistente na acção ordinária  nº12906/94…ocorreu em 23.09.96 e só no ano de 2002 a apelante deu entrada da p. i. que moveu contra a R. CC;

12ª – “A eventual confirmação tácita de um negócio anulável não tem qualquer relevância se a pessoa não souber que o acto estava viciado e que era possível a sua anulação”, a qual, de harmonia com o art. 287º, nº1 do CC, só pode ter lugar “dentro de um ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”;

13ª – Do texto do acordo resulta que a apelada não só reconhece o direito de crédito da apelante (através da sub-rogação), como reconhece ser devedora desta;

14ª – O tribunal recorrido interpretou mal o preceituado no art. 238º, nº1, do CC, como interpretou mal a vontade negocial das partes, pelo menos no que a si lhe diz respeito, porquanto a figura da novação não tem correspondência no texto do referido acordo, como, em caso de dúvida, deveria conduzir as declarações negociais para o maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC, que foi violado), o que não fez, na medida em que deixou completamente desprotegida a apelante;

15ª – Não obstante não existir qualquer relação causal entre o penhor das acções entregues pela apelante ao EE, não se pode confundir com a relação causal que passou a existir entre a apelante e apelada pela execução do penhor daquela por parte do credor EE e respectivo pagamento parcial da dívida desta à qual a apelante era alheia;

16ª – Ou seja, a partir da execução do penhor, a apelante não está a assumir já qualquer dívida (art. 595º, nº1, al. b), do CC), mas a pagar parcialmente a dívida ao EE por conta da apelada, razão pela qual na cláusula 1ª, nº4 do acordo se reconhece inequivocamente qua a apelante PAGOU parcialmente a dívida e não apenas a assumiu, reconhecendo, ainda, em consequência, as partes, na cláusula 2ª, nº1 do mesmo acordo que a apelante é credora da apelada a título de sub-rogação;

17ª – Como interpretar então a cláusula 2ª, nº2, als. a) e b), ínsitas no acordo, no que tange ao modo de satisfação do crédito da apelante?

18ª – Tal interpretação deve fazer-se pelo figurino jurídico da dação pro solvendo e não pelo instituto da novação;

19ª – Em primeiro lugar não se exige para a dação pro solvendo apenas a prestação de algo que vise a satisfação do credor, podendo também consistir num esquema diverso que tenha como objectivo o pagamento deste de uma forma aparentemente mais facilitada. Nem se exige que a nova prestação em função do cumprimento seja de igual valor, bastando que o credor se ache satisfeito com a mesma no sentido de vir a extinguir a obrigação através do seu cumprimento;

20ª – Em segundo lugar, para a novação exige-se que a intenção de novar a obrigação seja manifestada de forma expressa, o que, no caso sub judice, por não o ter sido, logo afastaria este figurino jurídico;

21ª – Em terceiro lugar, cumpre a quem invoca a novação o ónus de a invocar e de provar os factos constitutivos da mesma;

22ª – Finalmente, dispõe o nº2 do art. 840º do CC que se a dação tiver por objecto a cessão de um crédito sempre se presumirá feita nos termos da dação pro solvendo;

23ª – Em suma, a vontade convencionada pelas partes nas supra citadas cláusulas do acordo de 05.05.93, foi a de facilitar o cumprimento ou satisfação do crédito da apelante através da realização de uma prestação diferente, sem contudoporque as partes assim o não manifestaramextinguir  imediatamente a obrigação anterior;

24ª – O Tribunal “a quo” errou manifestamente ao interpretar e subsumir a questionada vontade das partes ao instituto jurídico da novação, previsto nos arts. 857º e segs. do CC, devendo ter sido aplicado o figurino jurídico  da dação pro solvendo (em função do cumprimento) previsto no art. 840º, nº1 do CC, que não só melhor acautela de forma equilibrada e justa a vontade de ambas as partes, como melhor se subsume juridicamente aos factos provados.

       Termos em que deve ser revogado o acórdão recorrido na parte em que julga confirmado o negócio nulo por coacção moral e usura celebrado em 05.05.93 entre apelante e apelada e, em consequência:

       a) – Manter a decisão de 1ª instância na parte em que declarou a nulidade do acordo de 05.05.93 por coacção e usura e nesse sentido condenar a apelada a restituir imediatamente à apelante o valor correspondente ao prestado nos termos do art. 289º, nº1 do CC no montante correspondente às sua 200 000 acções, isto é, o crédito em que a apelante ficou sub-rogada na quantia de 200 000 contos, acrescidos dos respectivos juros moratórios à taxa legal.

       Ou, quando assim não se entenda, deverão V. Exas. revogar a decisão recorrida e, em consequência:

       b) – Subsumir a vontade das partes expressa no mencionado acordo ao figurino jurídico da dação pro solvendo previsto no art. 840º, nº1 do CC e, como tal, porque a prestação diferente da devida não se concretizou, condenar a apelada para o cumprimento da obrigação principal, designadamente para o pagamento imediato dos 200 000 contos acrescidos dos juros moratórios à taxa legal.

       Contra-alegando, pugna a recorrida pela improcedência da revista.

       Simultaneamente e no uso da faculdade prevista no art. 684º-A, nº1 do CPC, procedeu a recorrida à ampliação do âmbito do recurso, tendo culminado as contra-alegações com a formulação das seguintes conclusões:

                                                 /

1ª – A fundamentação invocada pela 1ª instância e pelo acórdão recorrido para a total improcedência da acção, mostra-se de exacta justiça, correcta e legal interpretação da matéria de facto provada no tocante à verificação da sanação de quaisquer hipotéticas causas de anulação do acordo invocado pela A.-recorrente (o contrato de 05.05.93, celebrado entre ela e a, então, “CC – ..., S. A.”) – por confirmação, nos termos do disposto no art. 288º do CC;

2ª – A matéria de facto provada, e da qual resulta a verificação dos pressupostos daquele instituto jurídico, não consiste apenas na constituição da A.-recorrente como assistente da, aqui, R.-recorrida, nos termos do art. 355º do CPC, em acção declarativa para recuperação do crédito cedido parcialmente à A. naquele acordo cuja invalidade a A. vem invocar nestes autos;

3ª – Com efeito tal facto mostra-se integrado, no mesmo sentido, por outros, como os constantes, nomeadamente, nos nº/s 21 e 37 da matéria provada, tal como, de resto, mesmo na sua alegação neste recurso, nas conclusões 21ª a 25ª – na qual a A.-recorrente invoca o dito contrato e o direito dele derivado de constituir-se assistente da R., ali A., «para poder verificar a conduta da apelada, designadamente a cobrança de créditos judiciais com o objectivo de satisfazer o seu [dela, aqui A.] crédito» (sic concl. 25ª);

4ª – Assim, apesar de ser já uma contradição a A. afirmar que a sua constituição de assistente (na acção provada sob o nº35) foi efectuada apenas «para poder verificar a conduta da apelada, designadamente a cobrança de créditos judiciais com o objectivo de satisfazer o seu [dela, aqui A.] crédito», é manifesto que tal acto ou factualidade – que persiste (cfr. certidão junta aos autos) é de per si mais do que suficiente para sustentar a decisão recorrida, quanto à sanação da anulabilidade do acordo de Maio de 1993;

5ª – Portanto, improcedem, logo por aqui, totalmente, as conclusões 1ª a 45ª da recorrente;

6ª – O teor das conclusões 46ª a final, bem como os dois pedidos formulados na alegação da apelante constituem causas de pedir e pedidos novos, relativamente ao que vinha formulado dos articulados – porém, e uma vez que o direito processual (arts. 467º, 268º, 273º, 690º e 691º do CPC)não admite nova causa e novo pedido do recurso, essas conclusões devem rejeitar-se liminarmente;

7ª – Com efeito, a acção e os pedidos da A. nunca foram estruturados sobre alguma dação pro solvendo, e nunca a R. invocou como causa extintiva seja do que for, a novação (???);

8ª – A introdução destas questões na discussão e temas decidendos constitui actuação processual anómala – que deve rejeitar-se liminarmente;

9ª – Se não fosse assim, violar-se-ia grosseiramente o direito da R. à defesa, em articulado, meios de prova e fase processual adequada à defesa, e violar-se-ia desse modo a densidade normativa do direito constitucional a um processo justo e equitativo, de plena defesa e contraditório;

10ª – Assim, nos termos do art. 704º, nº1 e do disposto, nomeadamente, em arts. 273º, 268º, 467º, 690º e 691º do CPC, por o recurso de apelação não servir para a apreciação de novas questões (face à sentença), nem de novas causas e pedidos, deve rejeitar-se liminarmente a apreciação daquela matéria, condenando-se a recorrente em custas, pelo anómalo procedimento;

11ª – Se o que antecede não bastar para a improcedência da apelação e confirmação do acórdão recorrido, e caso se vislumbre a possibilidade de procedência da apelação, então, deverá ampliar-se o seu objecto, nos termos do art. 684º-A, nº/s 1 e 2 do CPC, uma vez que o julgamento da Relação deve ser corrigido em diversas questões que, também a este título, lhe estavam colocadas pela R.-recorrida. Assim:

12ª – Por resultar alegado pela R. e estar documentado em certidão comercial, deve aditar-se ao facto nº21(do acórdão) que:

- JJ era, então, administrador da “CC – ..., S. A.”;

- Os activos e passivos desta sociedade vieram a integrar-se, por fusão por incorporação, na actual R.;

13ª – Deve excluir-se do facto nº35 a afirmação de que «o acordo referido no ponto 20 dos factos provados quanto à cláusula 2ª pontos 1. 2. e 3. não se mostra concretizado» - por se tratar não de um facto, mas de um juízo jurídico, conclusivo e, até, ininteligível;

14ª – Deve eliminar-se do elenco dos factos provados o teor do nº28, pois o mesmo não expressa factos, mas apenas um juízo final, conclusivo, valorativo de uma relação causal cujos factos pressupostos, contudo, mostram-se inexistentes ou não provados;

15ª – A Relação deveria ter efectuado estas correcções ao julgamento dos factos, desde logo, ao abrigo dos poderes oficiosos do Tribunal, nomeadamente nos termos do art. 712º, nº/s 2 e 4;

16ª – Ou, se assim não se julgar admissível em toda a sua amplitude, então e prevenindo o risco de procedência da apelação, a, ora, recorrida requer a ampliação do objecto do recurso, nos termos do disposto no art. 684º-A, nº2 do CPC, para o mesmo efeito, conforme o nº1 daquele preceito – correcções que o Supremo pode efectuar nos termos dos arts. 722º, nº2 e 729º, nº3 do CPC;

17ª – As instâncias – em concreto, a 1ª instância – não podiam apreciar da hipotética anulação do acordo, por alegada usura: o disposto nos arts. 264º, nº/s 1 e 2 e 660º, nº2 do CPC proibiam que o julgador apreciasse a causa de pedir (da anulação do acordo) com base em vício de negócio usurário – uma vez que tal pretensão não constituía matéria dos articulados, pelo que, nessa parte, a sentença é nula, conforme o disposto no art. 668º, nº1, al. d) do CPC e o acórdão isso mesmo deveria ter logo exarado;

18ª – Em segundo lugar, da matéria factual provada – expurgada de juízos conclusivos e valorativos como acima referido – não se pode retirar a conclusão de que se verificou a coacção moral da A. para assinar o acordo de Maio de 1993, visto que não há prova sobre quais os concretos factos, se da autoria da “CC”, se de terceiros, que terão gerado o alegado medo da A., ou o seu «forte receio do aval» (Cfr. resposta aos quesitos 11º a 14º, facto nº28 da sentença);

19ª – Tão pouco existe prova de factos de que tais actos/factos fossem objectivamente adequados a coagir a A. a celebrar o acordo em causa;

20ª – Por outro lado, a ameaça de utilização do aval, validamente subscrito pela A., em livrança em branco, a favor do EE, por dívida da “CC”, não integra o conceito legal ou matéria jurídico-factual de ameaça ilícita – tanto mais que não vem provado que o EE tivesse executado a A., como seria legítimo à sua qualidade de credor;

21ª – E nem tão pouco se provou que a A. tivesse património “em perigo”, por causa dessa hipotética ameaça, sendo certo que, como se mostra longamente pelos seus próprios pedidos e documentos relativos ao apoio judiciário, a A. afirma não ter património algum desde muito antes da data do acordo, Maio de 1993…Não se vê como poderia ter medo de perder o que não tinha!...

22ª – Ainda que não se jugasse assim, deveria sempre improceder a acção, por estar caducado, muito antes da instauração desta acção, o direito de arguir validamente a anulabilidade, conforme art. 287º do CC, face à matéria provada e à expurgação dos juízos conclusivos do facto nº35 da sentença;

23ª – Finalmente, se não fosse assim, toda e qualquer pretensão da A. contra a, ora, R., derivada da sua qualidade de accionista da “CC”, e tendo em conta que esta foi incorporada na sociedade que é, hoje, a R., estaria sempre prescrita, nos termos do disposto no art. 174º, nº1, al. b) do CSCom.;

24ª – Ora, para além da defesa por excepção referente à sanação de quaisquer vícios do acordo de 05.05.93, a R. invocou quer na 1ª instância, quer na Relação, todas as questões supra referidas – o que reitera, de novo, aqui, para o caso de se julgar não verificável a confirmação.

       Termos em que deve:

                                   A) – Julgar-se não admissível a matéria de conclusões 49º até final, e os respectivos pedidos, com custas pela apelante, pelo anómalo procedimento;

                                   B) – Corrigir-se o julgamento da matéria, oficiosamente e/ou nos termos da ampliação do objecto do recurso, conforme art. 684º-A, nº2 do CPC;

                                   C) – Julgar-se improcedente a apelação (sic), confirmando-se totalmente o sentido da decisão recorrida;

                                   D) – Caso se julgue de eventual procedência alguma questão da apelação (sic), deve admitir-se a ampliação do seu objecto, ao abrigo do art. 684º-A, nº1, do CPC, concluindo-se pela improcedência da acção e confirmação da sentença, ainda que por outros fundamentos.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                  *

2 – Na Relação, tiveram-se por provados os seguintes factos:

                                                  /

1. A A. (…) foi nomeada corretora da Bolsa de Valores de Lisboa, por despacho de 19.01.88, do Secretário de Estado do Tesouro (A);

2. Por escritura pública de 12.11.90, a A., conjuntamente com “FF, S. A.”, “Banco EE, S. A.”, “GG …, S. A.”, “Companhia HH, S. A.”, “II - ..., S. A.”, constituíram a sociedade “CC - ... (Dealers), S. A.”, nos termos constantes do documento de fls. 38 a 55 do Apenso A, cujo teor aqui se dá por reproduzido (B);

3. Em 22.05.91, reuniu o Conselho de Administração da “CC - ... (Dealers), S. A.”, com a presença dos administradores, constando da acta o seguinte:

“(…) Foi proposta a seguinte ordem de trabalhos:

1. Análise das contas relativas ao 1º trimestre;

2. Pelouros a atribuir aos membros do Conselho de Administração;

3. Reestruturação Interna

1. Este ponto apesar de apresentado, não foi tratado.

2. Pelouros a atribuir aos membros do conselho de Administração. O Dr. KK insistiu na necessidade de definir áreas de actividade com perspectivas de mercado, após o que deverão ser constituídas as equipas de trabalho respectivas. Cada área deverá ser organizada verticalmente funcionando sob a responsabilidade de um administrador.

Foi deliberado pôr em funcionamento os serviços que se indicam, distribuídos pelos seguintes administradores:

1. Drª LL: a) Mercado Secundário; b) Área Internacional; c) Marketing;

2. Senhor MM: a) Mercado Primário; b) Fusões e Aquisições; c) Créditos por conta-margem;

3. Dr. KK: a) Engenharia Financeira; b) Gestão de Carteiras; c) Gestão de carteira própria; d) Custódia e Exercício de direitos; e) Consultoria Jurídica;

 4. Senhor NN: a) Serviços financeiros; b) Contabilidade; c) Informática; d) Área Administrativa: Pessoal; Património Seguros.

Todas as áreas serão organizadas verticalmente com excepção dos serviços jurídicos que se estenderão a todos os outros. O Dr. KK solicitou que se procedesse à caracterização do pessoal actualmente ao serviço indicando-se, nomeadamente, o seguinte: habilitações literárias, experiência profissional, idades e outras informações reputadas úteis. O mesmo administrador solicitou ainda a apresentação de relatórios sobre o trabalho já realizado e a realizar em cada área (…) (C);

4. A destituição da A. das funções de Presidente do Conselho de Administração de “CC - ... (Dealers), S. A.” teve lugar na Assembleia Geral de Accionistas que decorreu em 31.03.92 (D);

5. Em Fevereiro de 1992, a sociedade “CC, S. A.” veio a efectuar operações na Bolsa de Valores de Lisboa cuja liquidação financeira ficou a descoberto, por um valor de cerca de Esc. 2 000 000 000$00, por não dispor dos meios financeiros cujos títulos adquirira (E);

6. (…) o que levou a que a Bolsa de Lisboa não encerrasse no dia 19.02.92, dada a impossibilidade de compensação financeira dos títulos transaccionados, tendo a sessão sido transferida para o dia seguinte, por negociação entre a “CC, S. A.”, e o Banco de Portugal (F);

7. A Bolsa de Valores de Lisboa emitiu a comunicação, fotocopiada a fls. 92 do Apenso A, dirigida a todas as instituições intervenientes no SICOB (Sistema de Compensação e Liquidação de Operações de Bolsa) nos seguintes termos: “Assunto - Liquidação financeira das operações efectuadas na sessão de bolsa de 19.02.92 - Nos termos de informação recebida do Banco de Portugal, de seguida transcritas, "Por falta de cobertura da operação a débito da CC não lançamos o mapa da Bolsa referente à sessão de 19.02.92, cuja liquidação financeira deveria ser efectuada ( ... ) dia 25", pelo que não foi realizada na data aprazada - 25.02.92 - a liquidação financeira das operações efectuadas na sessão de bolsa de 19.02.92. Assim, a liquidação financeira de tais operações será realizada, hoje, conjuntamente com a liquidação financeira das operações efectuadas na sessão de bolsa de 20.02.92" (G);

8. A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) emitiu um comunicado à Imprensa e dele deu conhecimento à “CC, S. A.”, em 20.03.92, nos termos constantes de fls. 96 do Apenso A e com o seguinte teor: “(…) A CMVM confirma a existência de um processo de averiguações relacionado com o atraso da liquidação financeira ocorrido no dia 25 de Fevereiro de 1992. A CMVM confirma ter integrado nesse processo de averiguações a participação referente a irregularidades, entretanto apresentada pela CC e que tem acompanhado o apoio que os accionistas têm vindo a prestar a esta sociedade financeira de corretagem. A CMVM confirma que, à luz dos resultados preliminares das averiguações acima referidas e de outras acções de fiscalização efectivadas, não entendeu necessário tomar quaisquer medidas para além da prossecução daquelas averiguações até completo esclarecimento dos factos e apuramento de eventuais responsabilidades (…)" (H);

9. Para fazer face ao facto aludido em 5., e com vista à solução do mesmo, foi concedido pelo EE à "CC-... (Dealers), S. A." um empréstimo no montante de Esc. 2 000 000 000$00 (I);

10. Para garantia do empréstimo concedido pelo EE e referido em 9., foram dadas de penhor acções pertencentes à A. (J);

11. A “CC, S. A.” enviou ao EE a carta, datada de 05 de Março de 1992, fotocopiada a fls. 130 e 131 do Apenso A, através da qual refere: "(...) Na sequência das conservações mantidas com V. Exa. junto remetemos uma livrança por nós subscrita e avalizada por Dra. AA. A livrança encontra-se em branco e destina-se a garantir todas as responsabilidades emergentes do financiamento feito hoje à CC no montante de até dois milhões de contos. Em caso de incumprimento de qualquer das referidas modalidades pode esse Banco proceder ao preenchimento da referida livrança pelo montante global que se encontrar em dívida, fixando-lhe vencimento sob qualquer uma das responsabilidades legalmente permitidas e podendo proceder ou não ao desconto da referida livrança, conforme melhor lhe aprouver. A presente livrança mantém-se válida ainda que venha a verificar-se novação da dívida, podendo o banco, nesse caso, fazer da mesma o uso indicado, preenchendo a livrança pelo montante que efectivamente for devido após a novação. O preenchimento e execução da livrança não obsta, invalida ou suspende o recurso do Banco a outros meios de que dispõe para se ressarcir do seu crédito (... )" (K);

12. A A. apôs a sua assinatura na livrança referida em 11., na qualidade de avalista (L);

13. A A. enviou a FF, em 15.03.92, o telefax, fotocopiado a fls. 132 e 133 do Apenso A, no qual refere: “Caro OO, Como é do seu conhecimento, para garantir o financiamento do EE face à situação de emergência com que a CC se defrontou no dia 05/03/92, com vista à liquidação financeira da Bolsa, a nossa sociedade subscreveu uma livrança em branco ao EE. Paralelamente - e face à urgência - eu, pessoalmente, concedi o meu aval àquela livrança no pressuposto de o mesmo ser completado com o da FF (de acordo com a proposta da CC de 02/03/92) e ainda, adicionalmente, entreguei as minhas acções da CC (200.000) em penhor ao EE, igualmente na pressuposição de iguais garantias serem oferecidas pela FF. Neste momento importa regularizar a situação ao EE, fixando o montante exacto do empréstimo, e as condições de juro e o prazo, tendo em conta que já entregámos a carteira de título dos clientes faltosos (PP e outros) que se estima valha cerca de um milhão de contos, com hipóteses de valorizações no futuro próximo, face à alta bolsista. Por outro lado, nada justifica manterem-se apenas garantias da minha parte que, aliás, são excessivas e, porque fora dos pressupostos da sua concessão, contrárias à minha vontade. Deste modo, solicito a sua intervenção para dar instruções ao representante da FF no Conselho de Administração da CC para, igualmente, oferecerem garantias proporcionais e, inclusive o penhor das vossas acções, que permitam a subtracção parcial das minhas responsabilidades (…)”  (M);

14. A sociedade “CC, S. A.” remeteu ao EE a carta datada de 19.03.92, fotocopiada a fls. 123 e 124 do Apenso A, na qual refere: “(...) Referimo-nos à facilidade de crédito de até dois milhões de contos que nos concederam, e lamentamos ter de informar V. Exas. de que, não tendo até agora conseguido recuperar do nosso devedor a totalidade da importância do crédito de que sobre ele somos titulares, também nos não encontramos em posição de poder cumprir hoje perante V. Exas. É por isso que, para início da amortização do empréstimo, não vemos melhor solução do que o recurso à venda imediata do penhor de títulos das carteiras de D. QQ, para o qual nos pomos à vossa disposição para obter as melhores condições de venda nomeadamente no caso da carteira da RR. O nosso objectivo comum é além de reduzir a importância do crédito, eliminar a maior parte possível do serviço da dívida. Para regularização do saldo que ficar em dívida, pedimos a V. Exas. nos seja concedido mais algum tempo a fim de nos proporcionarmos a oportunidade de concertar uma forma de liquidação. Estamos à vossa disposição para concretizar a solução para esta situação (…)” (N);

15. O EE enviou à A. a carta datada de 05.05.93, fotocopiada a fls 86, através da qual refere: “(...) Na sequência das conversações havidas juntamos livrança em branco, já inutilizada, subscrita pela “CC - ... (Dealers), S. A.” e avalizada por V. Exa., ficando assim extintos para todos os efeitos quaisquer direitos deste Banco sobre V Exa. à dívida que a referida livrança titulava (...) (O);

16. Com a carta referida em 15., o EE devolveu à A. a livrança, nela tendo sido aposta a declaração "Sem Efeito", conforme fotocópia constante de fls. 87 (P);

17. Em 16.06.92, teve lugar a Assembleia Geral da "CC", cuja acta consta de fls. 219 a 223 do Apenso A e nos termos da qual foi deliberado, designadamente, “(…) 1 ­– Reafirmar a desconfiança na anterior Presidente do Conselho de Administração, Dra. LL e confirmar e renovar a destituição da mesma do respectivo cargo que teve lugar na sessão da Assembleia Geral ocorrida em trinta e um de Março último; 2 – Instaurar acção de responsabilidade civil contra a ex-Presidente do Conselho de Administração Dra. LL com vista ao ressarcimento dos prejuízos por ele causados à sociedade enquanto exerceu aquele referido cargo (...) (Q);

18. No relatório e contas de 1991, subscrito pelo Conselho de Administração da R. e que se mostra fotocopiado a fls. 184 a 205 do Apenso A, consta uma enumeração dos factos relevantes já ocorridos no exercício de 1992, designadamente a insuficiência de saldo para suportar o débito da liquidação financeira das operações de bolsa realizadas na sessão do dia 19.02.92 (R);

19. Em 28.04.93, teve lugar a Assembleia Geral da "CC, S. A.", cuja acta consta de fls. 91 a 93 e nos termos da qual foi deliberado, designadamente:------------------------------------

"(...) Ponto 5 - acordo com a Doutora LL. ---------------------------------

O Presidente da mesa, Senhor Doutor SS, declarou aberta a sessão, após o que verificou estar presente ou representado a totalidade do capital social, conforme lista de presenças que fica arquivada, podendo a Assembleia deliberar validamente. Encontravam-se igualmente presentes os membros do conselho Fiscal e Conselho de Administração. ---------------------------------------

Dando início à ordem de trabalhos, foi apresentada pelos representantes dos accionistas, FF e Banco EE, uma proposta no sentido de alteração da Ordem de Trabalhos, iniciando-se pelo ponto cinco - Acordo com a Doutora LL, tendo a mesma sido aprovada por unanimidade.----

Relativamente a este ponto, foi apresentada a seguinte proposta, subscrita pelos representantes dos accionistas, FF e Banco EE: Considerando: As deliberações tomadas na Assembleia Geral de dezasseis de Junho de mil novecentos e noventa e dois, relativas ao exercício de acção de responsabilidade civil; Que nenhuma acção foi proposta até esta data tendo em conta a circunstância de terem decorrido negociações com vista a soluções extra-judiciais do litígio que opunha a sociedade à Doutora LL; Que foi agora concluído o acordo com a Doutora LL que definitivamente põe fim ao referido litígio, acordo esse que os accionistas conhecem, A Assembleia Geral delibera:------------------------

Alínea a) - Aprovar o projecto de Acordo a celebrar com a Doutora LL e por ela já rubricado.---------------------------------------------------------------------------------------------

Alínea b) - Relevar o Conselho de Administração actual nomeadamente o seu Presidente, Doutor TT, pelo facto de não ter sido proposta qualquer acção judicial e atendendo às motivações precedentes. ---------------------------------------------------------------------------------------------

Alínea c) - Renunciar ao exercício de qualquer acção de responsabilidade contra todos os Membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal pelos factos e omissões praticados na sociedade até trinta de Março de mil novecentos e noventa e dois, no exercício das respectivas funções.---------------------------------------------------------------------------------------------

Alínea d) - Incumbir o conselho de Administração de intensificar as diligências, aliás já encetadas, no sentido de propositura das acções apropriadas à recuperação dos créditos da sociedade contra os responsáveis pelos factos a que se refere o acordo celebrado com a Doutora LL.    

O Presidente da mesa colocou esta proposta à discussão e votação, tendo a mesma sido aprovada por unanimidade. Foi de seguida apresentada pelo representante do accionista II - Equipamento e Serviços de Informática, S.A., Senhor Doutor UU, a seguinte proposta: "Mantendo-se ainda os condicionalismos que justificaram a suspensão da Assembleia Geral de trinta e um de Março, relativamente ao parecer do Banco de Portugal quanto às contas da empresa, proponho que esta Assembleia seja suspensa, reiniciando-se os trabalhos no próximo dia vinte e nove de Maio pelas dez horas. Posta à discussão e votação, foi esta proposta aprovada por unanimidade.       

Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão e lavrada a presente acta, que vai ser assinada pelo Senhor Presidente da mesa e Secretário (…)” (S);

20. Em 05.05.93, foi firmado entre a A. e a R. o acordo fotocopiado a fls. 232 a 238 do Apenso A, nos seguintes termos:------------------------------------------------------------------------


“ACORDO

Entre----------------------------------------------------------------------------

1ª – CC - ... (Dealers), SA. (…), doravante designada como CC ou primeira contraente;

2ª - AA (...) doravante designada como Dra. LL ou segunda contraente.

CONSIDERANDO

a) que, por factos decorrentes de ordens de compra e venda dadas pelo Dr. PP, a CC se viu na necessidade de contrair, em cinco de Março de mil novecentos e noventa e dois, junto do Banco EE (doravante designado como EE), um empréstimo no montante de dois milhões de contos, para ocorrer à liquidação financeira de compras efectuadas por ordem do referido Dr. PP;

b) que, em segurança desse empréstimo, além de garantia prestada pela própria CC, consistente no penhor de títulos que haviam sido entregues, em nome próprio ou alheio, pelo Dr. PP, para satisfação parcial da divida perante a CC, e de fiança parcial da FF (doravante designada como CFCM), a segunda outorgante, com o objectivo de assegurar a continuidade do funcionamento da CC no Mercado de Capitais:

- constituiu penhor sobre as duzentas mil acções representativas do capital social da CC de que era titular, e avalizou livrança em branco subscrita pela CC e destinada a garantir a sua quota parte na responsabilidade emergente do mencionado financiamento;

c) que o empréstimo não foi pago na data do vencimento;

d) que, a solicitação aliás da CC, o EE procedeu à venda dos títulos que aquela havia dado em penhor, pagando-se por esse meio em cerca de 1 100 000 (um milhão e cem mil contos);

e) que o EE procedeu ainda à execução, por venda extrajudicial, do penhor que havia sido constituído pela Dra. LL havendo cem mil acções representativas do capital social da CC sido vendidas à CFCM, por 100 000 contos (cem mil contos), e as outras cem mil acções sido vendidas igualmente por 100 000 contos (cem mil contos) à EE - …, SA (doravante designada cano EE - Capital), que mais tarde as veio a vender ao EE;

f) que as partes consideram que a CC é credora do Dr. PP e/ou dos representados em nome dos quais agia por importância correspondente pelo menos ao valor dos títulos cuja compra ordenou e não pagou, deduzida da quantia obtida com a venda dos títulos mencionados nos considerandos b) e d) que entregou ou fez entregar;

g) que o EE, a CFCM e a Dra. LL assumiram, entre si, nas proporções das participações no capital social, as perdas que resultem para a CC dos apontados factos associados com ordens de compra e venda dadas pelo Dr. PP; e do risco de incobrabilidade, total ou parcial, do crédito mencionado na alínea precedente ou de outros igualmente ligados às relações da CC com o Dr. PP, as partes estabelecem o seguinte acordo, que vale, na parte que caiba, como transacção:


-1ª-

1 – A Dra. LL reconhece, nesta data, a inteira validade tanto da constituição, em favor do EE como da execução por este do penhor sobre as duzentas mil acções representativas do capital social da CC de que era titular; e ainda a regularidade dos respectivos registos; reconhecendo assim em particular a validade, a eficácia e a oponibilidade das vendas efectuadas à CFCM de cem mil acções pelo preço de cem mil contos e à EE – Capital igualmente de cem mil acções pelo preço de cem mil contos, bem como a posterior venda por esta ao EE das mesmas cem mil acções.

2 – Por cautela, a Dra. LL assina neste momento documentos de transmissão das mencionadas duzentas mil acções representativas do capital da CC, respeitando um dos documentos à transmissão de cem mil acções para a CFCM, outro à transmissão de cem mil acções para o EE, sempre ao valor nominal de mil escudos por acção, ficando entendido que, se alguma vez for posta em causa a validade ou a eficácia da constituição ou da execução do penhor, se considera que em qualquer caso as acções se encontram transmitidas para a CFCM e para o EE por força deste contrato e das declarações de transmissão nesta data efectuadas.

3 – As transmissões referidas no número precedente entender-se-ão feitas a título de dação em pagamento parcial da divida da CC perante o EE, decorrente do empréstimo mencionado no considerando a), efectuando-as a Dra. LL em cumprimento da garantia pessoal que deu e sendo a transmissão a favor da CFCM efectuada por indicação do EE, que da CFCM recebeu a importância de 100.000.000$00 (cem mil contos).

4 – As partes reconhecem para todos os efeitos que da importância pela qual o EE era credor da CC em resultado do empréstimo a que se refere o considerando a), a segunda contraente pagou duzentos mil contos, sem prejuízo do estabelecido no número um da presente cláusula.


-2ª-

1 – As partes reconhecem que, em consequência da satisfação parcial do crédito do EE sobre a CC mencionado no número quatro da cláusula precedente, a Dra. LL - seja a título de direito de regresso, seja a título de subrogação - é credora da CC pela importância de 200 000 contos (duzentos mil contos).

2 – Em cumprimento do propósito no Considerando g):

a) A Dra. LL, pelo presente contrato, cede à própria CC o crédito mencionado no número anterior, com todos os frutos ou acréscimos que porventura coubessem.

b) Em consequência, a CC, por seu turno e em contrapartida da cessão mencionada na alínea anterior reconhece à Dra. LL o direito a 40% (quarenta por cento) do produto da cobrança líquido de encargos ou de quaisquer outras quantias que a segunda contraente haja recebido que a CC venha a efectuar dos créditos não satisfeitos e eventualmente litigiosos a seguir referidos:

(i) créditos sobre o Dr. PP e/ou pessoas em nome das quais agia, constituídos anteriormente a 31 de Março de 1992;

(ii) créditos sobre a VV/… resultantes de responsabilidade civil por comportamentos desta no âmbito de relações comerciais entre a CC e a VV/…, conexas ou não com o Dr. PP, anteriores a 31 de Março de 1992, nomeadamente daquele que consistiu na modificação do sistema de pagamento por transferência de conta, usual entre a VV/… e a CC, para o sistema de saque de cheque sobre praça diferente.

3 – Para os fins do estabelecido no número precedente, a primeira contraente desenvolverá os esforços e utilizará os meios convenientes à obtenção do resultado, incluindo a propositura de acções judiciais, se necessário e justificado, sendo, todavia, livre de conduzir a sua actuação do modo que julgar mais adequado e oportuno, podendo designadamente transigir nos termos que entender.

4 – A segunda contraente informará a CC de quanto conheça relativamente aos casos mencionados na alínea b) do nº 2 da cláusula 2a e colaborará, no que lhe for possível, para que se obtenha êxito nas diligências a levar a cabo.

5 – A primeira contraente manterá a segunda contraente informada das diligências, do andamento e dos resultados do que é referido no número três.

6 – As quantias que resultem do direito previsto no número dois serão pagas à vista à segunda contraente, no prazo de dez dias contados daquele em que a CC, comprovadamente, tiver obtido quaisquer pagamentos.

7 – A Dra. LL desistirá do pedido formulado na acção de anulação de deliberação social que instaurou contra a CC e que corre termos no 17° Juízo Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa, pela 3a. Secção, com o 7781. Esta desistência efectuar-se-á no prazo de cinco dias úteis sobre a data em que se verificar o último dos seguintes factos:

- entrega de fotocópia autenticada da acta da Assembleia Geral da CC;

- entrega da livrança a que se refere a cláusula 4a. deste acordo.

8 – As custas totais do processo referido na alínea anterior, incluindo as respeitantes a recursos nele interpostos, serão suportadas em partes iguais pela Dra. LL e pela CC, o que tem o significado de que não se trata apenas de dividir as custas em dívida mas de fazer com que todas as importâncias já pagas ou a pagar ao tribunal sejam consideradas e suportadas a meias pelas partes.

9 – No prazo de dez dias úteis após a recepção dos avisos enviados à Dra. LL e à CC relativamente às contas de custas elaboradas no processo, as partes calcularão a parte das custas devidas pela CC e esta entregará à Dra. LL a importância que deva suportar nos termos do referido no número anterior.


-3ª-

1 – As partes renunciam a qualquer eventual pretensão relativa a responsabilidade dos administradores ou membros do Conselho Fiscal da CC por factos anteriores ao presente contrato e nomeadamente pelos factos ligados às ordens de compra e venda dadas pelo Dr. PP.

2 – Para os fins do número precedente, foi tomada a competente deliberação da Assembleia-Geral da CC, tendo também todos os accionistas desta, renunciado individualmente a qualquer pretensão abrangida pelo número precedente.


-4ª-

1 – Com a assinatura do presente acordo e o cumprimento integral do que se encontra nele estipulado, as partes declaram inteiramente saldadas as suas contas e findos todos os seus diferendos, nada mais tendo qualquer uma a reclamar de qualquer outra por factos passados relacionados com a CC.

2 – Foi neste acto inutilizada e entregue à Dra. LL a livrança avalizada pela segunda contraente, a que se refere o considerando b);-----------------------------------------------------

3 – O presente acordo vale também, no que diz respeito à cláusula primeira, como contrato em favor do EE, da EE - Capital e da CFCM, e, no que diz respeito à cláusula terceira, número um, como contrato em favor dos demais administradores e membros do Conselho Fiscal, actuais ou passados, da CC.

Lisboa, 5 de Maio de 1993” (T);

21. A A. enviou a carta, datada de 14.01.98, dirigida a JJ, nos termos constantes do documento de fls. 169, cujo teor aqui se dá por reproduzido (U);

22. Até à data da elaboração do escrito referido no ponto 20 dos factos provados, as participações no capital da "CC, S. A.", que, de início, eram de 40% para a A., que correspondiam a 200 000 acções, 20% para o EE, 5% para a GG, 5% para a HH, 5% para a II e 25% para a FF …, com a elaboração do escrito na referida data foi reconhecido pela A. como válida a execução do penhor das acções da A., com venda das mesmas, a qual aconteceu em momento anterior a 5 de Maio de 1993, sendo, consequentemente, realizada a recomposição das participações, com 20% dessas acções vendidas ao EE, que passou a deter 40%, e 20% dessas acções vendidas à FF …, que passou a deter 45% (1º, 5º e 6º);

23. MM era o representante na "CC" do EE/Grupo CG, e NN representava o accionista "GG" (2º);

24. O administrador MM tinha, na prática, a seu cargo a permanente gestão ordinária da "CC", estando incumbido do controlo da cobertura das operações de compra/venda de valores mobiliários (3º);

25. A "CC S.A." como património, para além de outros bens, dispunha de 115 152 contos a título de carteira própria e a sua actividade comercial permitia-lhe a concessão de crédito a prazo, junto de uma instituição financeira, com vista à liquidação de uma dívida na ordem dos 800 000 contos, suportando os respectivos encargos dos juros e amortizações ([3]) (8º);

26. PP, Director da VV …, foi o autor das operações referidas no ponto 5. dos factos provados (9º);

27. PP dispunha das acções em carteira, as quais integravam as acções da RR que tinha posições estratégicas, sendo essa carteira uma vez entregues à "CC", esta as vendeu em conjunto, incluindo as da RR com voto, sem que estas últimas fossem negociadas isoladamente, obtendo-se apenas o valor de cerca de 1 200 000 contos; a sociedade "VV …", para além de património não apurado, dispunha dos rendimentos provenientes da sua actividade comercial, também em valor não apurado (10º);

28. A A. com o forte receio do aval prestado e referido no ponto 12 dos factos provados vir a ser utilizado contra si, 14 meses depois de ter sido destituída da Presidência do Conselho de Administração da “CC, S. A.”, estando angustiada, diminuída mentalmente, e em situação de desespero, cedeu assinar o escrito de 5 de Maio de 1993, referido no ponto 20 dos factos provados (11º, 12º, 13º e 14º);

29. A A., no momento em que apôs a sua assinatura na livrança referida no ponto 12 dos factos provados encontrava-se ansiosa, sentindo-se pressionada pela emergência da situação em que, na altura, se encontrava a "CC" (15º);

30. A A., somente após a assinatura do aval, e, subsequentemente, no decurso do ano de 1992 e 1993, é que veio a apresentar sequelas de perturbação do sono, redução do rendimento cognitivo, diminuição substancial do interesse e do prazer com progressivo isolamento social (16º);

31. A situação descrita nos pontos 28. e 30. dos factos provados manteve-se, desde data não concretamente apurada de 1992 e até tempo não, igualmente, concretamente apurado, mas depois de 1993 (17º);

32. A livrança e o aval prestado pela A., que, inicialmente, havia sido proposto a esta, o foi na suposição de que outros accionistas financeiros como a "FF Madrid", prestariam as suas garantias, como forma de viabilizar o empréstimo do EE de 2 000 000 de contos, em data posterior à emissão e subscrição do aval pela A., foi esse aval utilizado pelos accionistas para a A. perder as suas acções e o controlo accionista, concretizado pela execução do penhor das suas acções (7º e 18º);

33. Desde a destituição do cargo de presidente do conselho de administração da "CC", a A., durante alguns anos, não desenvolveu a actividade de corretora e qualquer actividade remunerada (19º);

34. A A. sofreu perdas de valor não concretamente apurado, embora reportadas à exclusão do seu património de 40% das acções da "CC", quer na valorização nominal subsequente das acções, quer na distribuição de dividendos (20º);

35. O acordo referido no ponto 20. dos factos provados quanto à cláusula 2ª pontos 1.2. e 3. não se mostra concretizado, embora corra termos acção judicial instaurada contra o PP, “B… Banco ZZ, S. A.”, entre outros RR., que corre termos, como acção ordinária nº 12906/1994, na 2ª secção da 10ª Vara Cível de Lisboa (21º);

36. A A. deu as entrevistas aos jornais "..." e "..." de 21.12.92 e 24.12.92, respectivamente, exprimindo as ideias que vieram a ser redigidas nesses textos (23º);

37. A A. remeteu ao Presidente da Caixa Geral de Depósitos a carta datada de 22.11.00, nos temos constantes do documento de fls. 170 (24º).

                                                  /

                Factos provados por documento e considerados na sentença, nos termos do artigo 659º nº 3 do Código de Processo Civil:

Foram considerados na sentença os factos comprovados através da certidão de fls 1320 e seguintes, em especial 1401 a 1403 e 1415, relativa à intervenção da A., como assistente, na acção ordinária nº 12906/1994, da 2ª secção da 10ª Vara Cível de Lisboa, nomeadamente, que, em 23 de Setembro de 1996, a autora requereu a sua admissão como assistente e que, à data de 2 de Janeiro de 2008, a A. mantinha essa qualidade.

                                                 *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 690º, nº1 e 726º todos do CPC na pregressa e, aqui, aplicável redacção[4]) –, constata-se que a única questão por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso (atendendo a que as demais suscitadas se reportam a causa de pedir – negócio usurário – e pedido – datio pro solvendo e consequente condenação da R. na restituição de 200 000 contos à A., acrescidos dos respectivos juros de mora, à taxa legal – que exorbitam do objecto do processo, atento o teor dos articulados apresentados pela A. e o, doutamente, decidido, com força de caso julgado formal, no douto acórdão de fls. 1114 a 1133 – Cfr., designadamente, os arts. 268º, 273º, 467º, nº1, al. e) e 672º) consiste em saber se – como decidiram as instâncias e sustenta a recorrida – o sobredito acordo de 05.05.93 foi objecto de confirmação por parte da recorrente.

       Apreciando:

                                                *

4I - Em anotação ao Assento – hoje, Acórdão Uniformizador de Jurisprudência – deste Supremo, de 21.06.83 (R.L.J., Ano 117º, pags. 26 e segs.) e após estabelecer a clara distinção entre factos constitutivos e factos extintivos do direito ou da pretensão, ponderou o saudoso e insigne Mestre Antunes Varela: “A mesma facilidade se não encontra já na aplicação prática da destrinça entre os factos constitutivos e os factos impeditivos do direito ou da pretensão relativamente à repartição do ónus da prova (…) Ambas as categorias se referem a ocorrências ou situações imputadas ao mesmo momento ou período temporal: o da formação do direito ou da pretensão (…) Mas enquanto os factos constitutivos são essenciais à criação do direito ou pretensão, os factos impeditivos obstam, pelo contrário, à formação de um ou de outra”.

       E, após considerar que “o critério da normalidade ou anormalidade do facto (solto de qualquer outro elemento ou ponto de referência) não pode, pela extrema imprecisão do seu subjectivismo, servir de base a uma distinção tão importante, do ponto de vista prático, como a fixada no art. 342º do CC”, continua, na linha do sustentado, na Alemanha, por ROSENBERG (aí citado): “…a repartição do ónus da prova entre as partes tem que processar-se de harmonia com a previsão (geral e abstracta) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas (teoria da norma) (…) Ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido. O autor terá assim o ónus de provar os factos (constitutivos) correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão (…) Ao réu incumbirá, por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva (do efeito jurídico pretendido pelo autor) por ele (réu) invocada. Compete-lhe, portanto, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão da contraparte, determinados de acordo com a norma em que assenta a excepção por ele invocada (…) Cada uma das partes terá, em suma, de alegar e provar, sobre o terreno da situação concreta em exame, os pressupostos da norma que lhe é favorável”. Apontando, em jeito de conclusão, que “…a distinção entre os factos constitutivos e os factos impeditivos da pretensão formulada pelo autor se deve procurar na interpretação e aplicação da norma substantiva que serve de fundamento à pretensão de cada uma das partes”.

                                                           /

II – Perfilhando-se, embora, as demais considerações a propósito tecidas no acórdão recorrido – reforçadas com os demais elementos fácticos invocados, com total pertinência, pela recorrida, nas suas doutas contra-alegações e que, aqui, se têm por reproduzidos – entendemos, todavia e na senda do expendido em I antecedente, que, perante a factualidade provada, não pode haver-se por ocorrida a sobredita confirmação negocial.

       Com efeito, após se prescrever que “a anulabilidade é sanável mediante confirmação (nº1)”, dispõe-se no nº2 do art. 288º do CC que “A confirmação compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação” (negrito de nossa autoria).

       Ora, estes últimos requisitos não se mostram provados, impendendo, no caso, o correspondente ónus processual, nos termos assinalados em I antecedente, sobre a R., uma vez que têm a natureza de elementos constitutivos do respectivo direito (Cfr. art. 342º, nº/s 1 e – até – 3, do CC).

       Assim, considerando o preceituado no art. 516º, a dúvida emergente da aludida ausência de prova só contra a R. poderá volver-se, uma vez que seria esta quem de tais factos aproveitaria.

       Não podendo, pois, haver-se por verificada a questionada confirmação, o que, na ausência da despoletada ampliação do âmbito do recurso, determinaria a correspondente e parcial concessão da revista.

       NO ENTANTO,

                                                 *

5Da ampliação do âmbito do recurso (art. 684º-A, nº/s 1 e 2):

                                                 /

       Tendo presentes os correspondentes ditames enunciados em 3 supra, são, nesta parte, suscitadas as seguintes questões:

                                                /

I – Admissibilidade processual da junção de documentos aos autos, efectuada pela R.;

II – Aditamento de factos e expurgação de outros tidos por provados;

III – Se a A. foi vítima da invocada coacção moral, determinante da celebração do mencionado acordo de 05.05.93; Na afirmativa,

IV – Se ocorre caducidade do direito de arguir validamente a anulabilidade de tal acordo; e se

V – O eventual direito da A. se encontra prescrito.

       Apreciando:

                                                  *

6I – Em 31.05.12, juntou a R. aos autos os documentos que constituem fls. 1948 a 2035.

       Nos termos do disposto no art. 727º, “Com as alegações podem juntar-se os documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no nº2 do art. 722º e no nº2 do art. 729º”.

       Conforme se decidiu no Ac. deste Supremo, de 15.12.05 (Proc. 05B3974.dgsi.Net) “Para efeitos de junção no âmbito do recurso de revista, são supervenientes os documentos que não podiam ser apresentados até ao início dos vistos aos juízes adjuntos no recurso de apelação”.

       No caso dos autos, tal início ocorreu, em 31.10.11.

       Assim, porque poderiam ter sido apresentados em data anterior, não se admite a junção aos autos dos documentos que constituem fls. 1948 a 2015vº, os quais deverão ser devolvidos à apresentante, que suportará as custas correspondentes ao procedimento anómalo, assim, suscitado, com fixação da respectiva taxa de justiça em 1 UC.

       Em consequência do, ora, decidido, onde, após o facto nº 37, se lê “à data de 2 de Janeiro de 2008”, deverá ler-se “à data de 19 de Outubro de 2011” (Arts. 363º, 369º e 371º, nº1, todos do CC e 722º, nº2, “in fine”).

                                                /

II – As certidões de fls. 1416 e segs. e de fls. 1577 e segs. provam (força probatória plena – arts. 363º, 369º e 371º, nº1, todos do CC), respectivamente, que JJ era, em 14.01.98, administrador da R. e que o activo e passivo da “CC” vieram a integrar-se, por incorporação, na actual R., extinguindo-se aquela.

       Assim, tendo em consideração o preceituado no art. 722º, nº2, “in fine”, o facto nº21 passará a ter a seguinte redacção:

21. A A. enviou a carta, datada de 14.01.98, dirigida a JJ, então administrador da R., nos termos constantes do documento de fls. 169, cujo teor aqui se dá por reproduzido;

       Aditando-se, por outro lado, à factualidade provada o seguinte:

O activo e passivo da “CC” vieram a integrar-se, por incorporação, na actual R., extinguindo-se aquela”.

       Pretende também a R. que seja eliminado o facto acolhido em 28 (por o mesmo não expressar factos, mas apenas um juízo final, conclusivo, valorativo de uma relação causal cujos factos pressupostos, contudo, mostram-se inexistentes ou não provados) e, bem assim, que seja excluída do facto nº 35 a afirmação de que «o acordo referido no ponto 20 dos factos provados quanto à cláusula 2ª pontos 1. 2 e 3. não se mostra concretizado» (por se tratar não de um facto, mas de um juízo jurídico, conclusivo e, até, ininteligível).

       Concordando-se nesta última parte, discorda-se, todavia, naquela parte remanescente, uma vez que, aí, são mencionados factos, ainda que constituindo manifestações do mundo interior ou psíquico.

       Não assim na destacada parte do facto nº 35, a qual – concorda-se – tem natureza conclusiva, próxima ou coincidente com um juízo estritamente jurídico.

       Assim, mantém-se o facto 28, ainda que expurgado do adjectivo “forte” e, nos termos do preceituado no art. 646º, nº4 – porque consentido ao STJ, dado tratar-se de uma questão de direito (arts.729º, nº1, 26º da Lei nº3/99, de 13.01 e Acs. deste Supremo, de 10.01.07: AD, 545º-930, e de 07.02.07 – Proc.06S3538.dgsi.Net), tem-se por não escrita a expressão «O acordo referido no ponto 20 dos factos provados quanto à cláusula 2ª pontos 1.2 e 3 não se mostra concretizado».

                                                    /

III – Mas, será que ocorreu a coacção moral alegada pela A. e tida por verificada (ainda que com dúvidas, na Relação), nas decisões das instâncias?

       Nos termos preceituados pelo art. 255º do CC,

      “Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração (1).

       A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro (2)

       Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial (3)”

       Como ensina o saudoso Prof. Mota Pinto[5], a coacção exercida pelo outro contraente “só produzirá a anulabilidade, quando concorram os seguintes requisitos:

       1 – Que se trate de uma coacção essencial ou principal; mas a coacção incidental pode, igualmente, conduzir à anulação nos mesmos termos do «dolus incidens»;

       2 – Intenção de extorquir a declaração; trata-se dum elemento da noção de coacção moral (art. 255º - «com o fim de obter»);

       3 – Ilicitude da ameaça – Não é fácil a definição deste requisito. A ilicitude ou injustiça da cominação pode resultar da:

--- ilegitimidade dos meios empregues, por ex., ameaça de agressão, de morte, etc, mesmo que o autor da ameaça não pretenda senão a satisfação do seu direito;

--- ilegitimidade do fim, ou, melhor, ilegitimidade da prossecução daquele fim com aquele meio, por ex., ameaça de recurso às vias de direito (participação criminal, penhora, declaração de falência) para conseguir uma vantagem indevida; mas pode tratar-se igualmente duma ameaça de exercício abusivo extrajudicial dum direito…

       Já não haverá coacção, se há apenas a ameaça do uso dum direito para conseguir a satisfação ou garantia dum direito existente (por ex., ameaça de penhora do devedor, se ele não pagar ou não fizer uma dação em pagamento razoável, ou oferecer uma garantia ou subscrever um documento de dívida; reconhecimento de dívida (art. 458º), correspondente ao valor da coisa apropriada, pelo autor de um furto ou de um abuso de confiança, sob a ameaça de procedimento criminal (…) Com o intuito de esclarecer este ponto, o nº2 do art. 255º consagrou a formulação do art. 100º do Código brasileiro, invocada por M. de Andrade: «não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito»

       Aditando, a propósito da coacção exercida por terceiro, que “O novo Código, equiparando, em princípio, os efeitos da coacção de terceiro aos da coacção do declaratário, exige, todavia, exclusivamente para aquela, os dois requisitos seguintes (art. 256º, 2ª parte):

--- Gravidade do mal cominado, apreciada objectivamente, mas em relação aos vários tipos de indivíduos;

--- Justificado receio da consumação do mal: deve ser uma ameaça de viável execução, atendendo à capacidade de resistência, em confronto com as possibilidades do cominante, do tipo médio de indivíduo com as condições pessoais (sexo, idade, cultura, etc) do declarante”.

       Também os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[6] sustentam que “a ameaça, para que constitua coacção, deve ser ilícita. A ameaça lícita, isto é, a ameaça do exercício de um direito não constitui coacção. Não há coacção, por exemplo, se se ameaça o devedor com uma execução ou uma falência, se ele não assinar o reconhecimento da dívida, se não entregar em pagamento um  objecto de valor correspondente à dívida, se não prestar uma garantia, etc”.

       Igualmente, no ensino do saudoso Prof. Castro Mendes[7], “São elementos da coacção moral: a) ameaça de um mal (ameaça que pode consistir no surgir desse mal ou na sua continuação; b) intencionalidade da ameaça (esta tem de ser feita com o fim de obter a declaração negocial); c) ilicitude da ameaça (esta ilicitude pode resultar ou da actuação fora do direito, contra um dever, ou do abuso do direito). Estes são os requisitos necessários para haver a coacção moral, mas um outro requisito é ainda necessário para a coacção ser relevante e que é a dupla causalidade – a coacção deve ter sido causa do medo e este do negócio em concreto”.

       Ora, no caso dos autos, a exígua e quase totalmente ausente factualidade provada e com incidência na questão que prende a nossa atenção não consente que possa ser havida como integrada a sobredita figura ou instituto jurídico da coacção moral invocada pela A.

       Neste aspecto, apenas poderá convocar-se a factualidade acolhida nos nº/s 28 e 29, a qual não permite dar como preenchidos os mencionados elementos ou requisitos integrantes da coacção moral: dela não decorre que tenha havido ameaça, muito menos a respectiva proveniência, da mesma forma que se encontra ausente a prova da existência de qualquer intencionalidade – fosse de quem fosse – dirigida à obtenção da correspondente declaração negocial da A.

       Aliás, a possibilidade de execução antevista pela A., para além de não constituir, em si, uma ameaça, não pode deixar de ser considerada como o exercício normal de um direito cambiário por parte do avalizado, não sendo, pois, portadora de aptidão para, acompanhada dos demais requisitos, poder consubstanciar coacção moral, sendo também certo que a A., se executada, sempre poderia lançar mão de oposição à execução para proclamação e defesa dos seus eventuais direitos, tanto mais que, sendo economista e inserida no “coração” do mercado de valores mobiliários, é de presumir que tais questões lhe fossem familiares e que não se deixasse intimidar facilmente.

       Concluímos, pois, pela inexistência da alegada coacção moral, o que nos dispensa, por prejudicadas (art. 660º, nº2), da apreciação e decisão das demais questões suscitadas pela recorrida.

                                                 *

7 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, com a aduzida fundamentação e na parte impugnada, o acórdão recorrido.

      Custas pela recorrente.

                                                  /

    Lisboa, 13 de Fevereiro de 2013 

Fernandes do Vale (Relator)

Marques Pereira

Azevedo Ramos

__________________________________                                                              
[1]  Processo distribuído, neste Tribunal, em 02.05.12.
[2]  Relator: Fernandes do Vale (18/12)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Marques Pereira
   Cons. Azevedo Ramos
([3]) Apesar de ser essa a descrição dos factos feita na sentença o certo é que o artigo 8º da base instrutória foi considerado provado, com o esclarecimento que agora constitui o ponto 25. A redacção do artigo 8º da base instrutória era a seguinte: “A ré dispunha de património para amortizar o empréstimo concedido pelo EE e referido em i), sendo desnecessário executar o penhor das acções pertencentes à autora”.
[4]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.
[5]  In “Teoria Geral do Direito Civil”, 1976, pags. 405.
[6]  In “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 238.
[7]  In “Teoria Geral”, 1979, III-249.