Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
936/18.2PBSXL.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O objecto do recurso interposto – tal como definido pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação e que delimitam o objecto do recurso - cingiu-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada.
II - Com efeito, inconformado com o Acórdão que o condenou, em autoria material e concurso efectivo, pela prática de 1 crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2 , als. a) e b) e 23.º, do CP e 86.º, n.º 3, do RJAM, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e por 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, na pena única de 6 anos de prisão, dele veio o arguido interpor o recurso para este Supremo Tribunal (decidido por acórdão de 19-11-2020). No essencial, discorda do quantum da pena, e de a mesma ser efectiva.
III - É de indeferir a reclamação do acórdão que negou provimento ao recurso do arguido, quando este pretende por via da reclamação, fazer valer a sua tese, reiterando os argumentos esgrimidos na sua peça recursória e que o acórdão agora reclamado tratou e decidiu.
De acordo com o art. 379.º, do CPP, aplicável ex vi art. 425.º, n. º4, do CPP: “1- É nula a sentença: c). Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
Omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, seja esta questão suscitada, no recurso, pelos sujeitos processuais, seja a mesma de conhecimento oficioso.
Entendemos, assim, que existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.
Em síntese, verifica-se que questão é o dissídio ou problema concreto a decidir que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido e que só existe omissão de pronúncia quando não se pondera a questão e impunha-se conhecer da mesma.
IV - Diga-se que inexiste a alegada omissão de pronúncia relativamente a qualquer um dos pontos alegados pelo recorrente neste seu requerimento.
Percorrendo o acórdão agora reclamado mais se disse, após uma súmula dos factos assentes no acórdão proferido em 1.ª Instância, e recorrendo ainda à exaustiva fundamentação deste acórdão (de 1.ª Instância) onde, entre o mais, é reconstruída a dinâmica dos factos, sendo patente que carece razão ao recorrente quando entende que lhe deve ser reduzida a pena.
Assim, contrariamente ao que o ora reclamante diz, o acórdão pronunciou-se sobre as questões que suscitou, aliás como decorre do que ficou transcrito. Ora, não conceder provimento à versão/argumentação defendida pelo recorrente não quer dizer, como entende o ora reclamante, que exista omissão de pronúncia. Aliás, resulta claramente do acórdão ora reclamado (a fls. 30 a 32) a fundamentação dos factos não provados, que traduzem a alegação do recorrente (que não se provou).
V. Entende ainda o ora reclamante que não foram tidos em conta, ou melhor que o acórdão omitiu e não ponderou todos os factos necessários à redução da pena que lhe foi aplicada. Também aqui, carece de razão, uma vez que resulta à saciedade que o acórdão se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas, sendo a presente arguição de nulidade improcedente, uma vez que resulta à saciedade que o acórdão se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas.
VI. Uma vez que o requerente decaiu quanto ao pedido que formulou, é responsável pelo pagamento de taxa de justiça. De acordo com o disposto no n.º 9, do art. 8.º do RCP e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 1 a 3 UC, que são fixadas em 3UC, ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.
Decisão Texto Integral:

Proc. N. º 936/18.2 PB SXL .S1

Recurso penal

Arguido preso

(reclamação)

Acordam, precedendo conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

1. Nos autos de processo comum em referência, por Acórdão de ….. de 2020, proferido no Juízo Central Criminal de …………-J1- Tribunal Judicial da Comarca…………., foi decidido condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:

- um crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 22.º, n.º 1 e 2 als. a) e b) e 23.º do CP e 86.º, n.º 3 do Regime Jurídico das Armas e sua Munições (RJAM), na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

2. O arguido não se conformando com este Acórdão, dele veio interpor recurso, per saltum, para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido proferido acórdão em 19 de Novembro de 2020, que negou provimento ao recurso.

3. Notificado deste Acórdão, veio o recorrente dele reclamar, por entender que o mesmo padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 380.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1 al. c) e 425.º, nº 4, do CPP, o que alegou com os fundamentos seguintes:

(…)

Analisando a decisão recorrida, constatamos que a mesma não se debruçou, pelo menos, sobre todos os argumentos vertidos nas seguintes conclusões:

“3ª - Na verdade, o ofendido introduziu-se num local reservado a uma festa privada, à qual não pertencia, onde consumiu bebidas alcoólicas, saiu e tentou voltar a entrar. O arguido opôs-se à reentrada do ofendido na dita festa, segurando-o pelo braço, após o que o ofendido agrediu o arguido com um murro no peito.

4ª - Dos factos provados resulta também que o arguido possui hábitos de trabalho, é tido e reconhecido como uma pessoa trabalhadora, calma, cordata, respeitadora e respeitada. Está inserido em termos socioeconómicos, laborais e familiares.

5ª - Resulta igualmente que:

b) A que acresce o já referido e ora reiterado contexto muito específico em que os factos foram levados a cabo, mormente;

c) Existência prévia de uma discussão, com entrada por banda do arguido num espaço reservado de uma festa;

d) Agressão prévia por banda do ofendido ao recorrente;

e) A atitude de agressão/desafio por banda da vítima, contribuiu, de forma decisiva para a produção do resultado;

f) Tanto mais que tudo ocorreu no final de uma longa noite, num contexto de consumo de bebidas excessivo de álcool.

7ª - Ora tais circunstâncias, e sem de modo algum pretender branquear a gravidade da conduta do recorrente, o facto é que não podemos olvidar que, num contexto de crispação/discussão, antecedido do consumo de álcool, a provocação da vítima ao pretender de novo entrar numa festa privada, e perante a oposição do arguido, de imediato, desfere-lhe um forte. soco no peito, foi o "rastilho" que conduziu e "catapultou" o arguido para a produção do resultado;

8ª - Seguramente sem tal atitude motivada por um comportamento abusivo da própria vítima e no quadro em que se desenrolou, alteração de ambos os intervenientes na sequência do consumo de álcool, a situação não teria ocorrido.

9ª - Ora todo o contexto supra enunciado, contribuiu de forma decisiva para que, no tipo social a que pertencia o recorrente, ainda por cima alcoolizado o resultado tivesse sido aquele.

10ª - E, obviamente, não estando nós perante qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, tal contexto deverá fazer com que a reacção penal contra a conduta delituosa, deva ser mitigada.

12ª - Salientamos aliás que o Digníssimo Sr. Procurador da República, no final do julgamento, nas suas doutas alegações, enfatizou, e bem, o circunstancialismo específico dos factos praticados, anteriormente referido.

13ª - Ponderado devidamente o supra exposto, conjugado com a correcta apreciação crítica das atenuantes que militam a favor do recorrente, entendemos que a pena concreta aplicada é algo elevada, motivo pelo qual deverá ser objecto de compressão.

14ª - Assim, quanto ao crime de tentativa de homicídio, e dentro de uma moldura penal, especialmente atenuada por efeitos do disposto no artigo 23°, n.º 2, do Código Penal deve ser aplicada pena não superior a 4 anos e 6 meses pelo crime de homicídio na forma tentada e 1 ano pelo crime de detenção de arma proibida.

19ª - Como bem salientou o Digníssimo Sr. Procurador nas suas alegações em julgamento, nas anteriores condenações do arguido foram-lhe aplicadas penas de multa, nunca antes beneficiou de uma pena suspensa, pelo que pugnou, e bem, pela aplicação de uma pena suspensa na sua execução.

22ª - Tal como anteriormente mencionado o recorrente reúne os pressupostos básicos da aplicação de pena de substituição, motivo pelo qual este Tribunal Superior poderá e deverá formular um juízo de prognose positivo, logo favorável.”

Termos em que, deve a presente arguição de nulidade ser considerada procedente por provada e o douto acórdão, pronunciar-se sobre todas as questões, que lhe foram colocadas, mormente os restantes argumentos mencionados nas conclusões anteriormente reproduzidas. (…).

4. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.

II.

5. O objecto do recurso então interposto  – tal como definido pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação e que delimitam o objecto do recurso -cingiu-se, unicamente, à apreciação da medida da pena aplicada.

Com efeito, inconformado com o Acórdão que o condenou, em autoria material e concurso efectivo, pela prática de um crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2 , als. a) e b) e 23.º, do CP e 86.º, n.º 3, do RJAM, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão e por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, na pena única de 6 anos de prisão, dele veio o arguido interpor o recurso para este Supremo Tribunal (decidido por acórdão de 19.11.2020). No essencial, discorda do quantum da pena, e de a mesma ser efectiva.

6. Apreciemos a reclamação.

Diga-se, em 1.º lugar, que pretende o recorrente por via da reclamação, fazer valer a sua tese, reiterando os argumentos esgrimidos na sua peça recursória e que o acórdão agora reclamado tratou e decidiu.

De acordo com o artigo 379.º, do CPP, aplicável ex vi artigo 425.º, n. º4, do CPP: “1- É nula a sentença: c). Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.

Omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, seja esta questão suscitada, no recurso, pelos sujeitos processuais, seja a mesma de conhecimento oficioso.

Entendemos, assim, que existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.

Em síntese, verifica-se que questão é o dissídio ou problema concreto a decidir que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido e que só existe omissão de pronúncia quando não se pondera a questão e impunha-se conhecer da mesma.

Diga-se, desde já, que inexiste a alegada omissão de pronúncia relativamente a qualquer um dos pontos alegados pelo recorrente neste seu requerimento.

Senão vejamos:

Diz-se no acórdão agora reclamado que, e recorde-se (págs. 14, 15 e 16) (…):

Para tal alega que na génese da prática dos factos, se encontra a reiterada atitude provocatória do ofendido, que contribuiu, de forma decisiva para a produção do resultado, ao ter-se introduzido num local reservado a uma festa privada, à qual não pertencia, onde consumiu bebidas alcoólicas, saiu e tentou voltar a entrar. O arguido opôs-se à reentrada do ofendido na dita festa, segurando-o pelo braço, após o que o ofendido agrediu o arguido com um murro no peito. Tratou-se, acrescenta, de um acto ocasional.

Acresce, no seu entender, que dos factos provados resulta que possui hábitos de trabalho, é tido e reconhecido como uma pessoa trabalhadora, calma, cordata, respeitadora e respeitada,  estando inserido em termos socioeconómicos, laborais e familiares.

Entende o recorrente que o tribunal não teve em conta, na subsunção dos factos ao direito, as atenuantes  e os motivos que determinaram a prática do crime, os quais deverão ser levados em conta, tal como estatui a última parte da al. c), do n.º 2 do artigo 72.º do CP.

Entende, para tal, que as circunstâncias em que o crime ocorreu,“num contexto de crispação/discussão, antecedido do consumo de álcool, a provocação da vítima ao pretender de novo entrar numa festa privada, e perante a oposição do arguido, de imediato, desfere-lhe um forte soco no peito, foi o “rastilho” que conduziu e “catapultou” o arguido para a produção do resultado.”

Entende ainda que, ao contrário do mencionado na decisão recorrida, o grau ilicitude não é elevado, mas sim médio, atento o circunstancialismo e o modo de acção, e mitigado pela provocação da vítima.

Pelo que, quanto ao crime de tentativa de homicídio, e dentro de uma moldura penal, especialmente atenuada por efeitos do disposto no artigo 23°, n.º 2, do CP deve ser aplicada pena não superior a 4 anos e 6 meses pelo crime de homicídio na forma tentada e 1 ano pelo crime de detenção de arma proibida. E, em cúmulo jurídico, deverá ser aplicada a pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
Considera, por último, que atualmente representa uma forte censura quanto aos factos que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advieram para todos os envolvidos, o que demonstra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade. Tem mantido, em meio prisional, um comportamento exemplar.

O Ministério Público na instância recorrida sufraga uma alteração “ da medida da(s) pena(s) e aplicando o “direito penal reeducativo-pedagógico”, dar-se -à cumprimento ao Direito e às preocupações de política-criminal que o legislador aponta e privilegia (arts 71º,2, CP e 50º,1, CP), superando a excessividade punitiva, que impediu sequer a ponderação do regime de suspensão.

Por seu turno, o Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, entende que não se descortina, (…) no contexto dos factos provados (e só estes relevam, e não aqueles que se intentou provar, mas que figuram nos não provados) como se pode construir um juízo de «diminuição acentuada da ilicitude do facto ou a necessidade da pena» conditio sine qua non  da aplicação da reclamada atenuação especial da pena-ut CP 72º do Código Penal, nem a que propósito vem convocada a alínea c), do seu número 2. já que, patentemente, nenhuma das hipóteses aí previstas se verifica.(…).

Termina defendendo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

De tudo o exposto, decorre que o acórdão agora reclamado enquadrou todo o argumentário recursivo, agora reiterado na sua reclamação, tendo seguidamente feito a sua análise e fundamentando todas as questões suscitadas, como se verá em seguida.

7. Percorrendo o acórdão agora reclamado mais se disse, após uma súmula dos factos assentes no acórdão proferido em 1.ª Instância (págs. 19, 20), e recorrendo ainda à exaustiva fundamentação deste acórdão (de 1.ª Instância) ( págs. 20 a 27) onde, entre o mais, é reconstruída a dinâmica dos factos, sendo patente que carece razão ao recorrente quando entende que lhe deve ser reduzida a pena. Recordemos:

Ora, o desentendimento entre arguido e ofendido, ocorrido no exterior do bar onde se realizava uma festa, que originou agressões múltiplas (sendo certo que não se apurou a existência de qualquer lesão no arguido), vindo apenas assente que este “sofreu um murro no peito”, não explica a reacção do recorrente que, uma vez finda a contenda, logo anunciou o que se propunha fazer: ir buscar uma arma ao seu carro.

O que fez.

E de seguida, munido de uma pistola de calibre …., logo se dirigiu à vítima, e não obstante a interposição da sua mulher, que de pronto o arguido afastou da frente do ofendido, desfechou na direcção deste, pelo menos três tiros, sendo que “ pelo  menos o primeiro em distância inferior a um metro, atingindo-o na mão e na região do abdómem e do tórax”.

Tal conduta, em relação à qual o recorrente contrapõe apresentando para os factos, razões que não só não se provaram, como as imagens do sistema de videovigilância desmentem categórica e definitivamente, reveste elevada gravidade, constituindo uma tentativa declarada e executada de pôr fim à vida do ofendido, o que só não aconteceu por motivos alheios aos desígnios do recorrente.

Para concluir (págs. 32 a 34):

                   Em síntese:

Assim como se decidiu no acórdão recorrido, mostram-se integralmente preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo penal de homicídio, que no caso se entende por agravado pois resultou que, com o intuito de tirar a vida ao ofendido, o arguido recorreu ao uso de um revólver de calibre……., cujas características conhecia.

Mais resultou provado que o arguido guardava e detinha na sua disponibilidade um revólver de calibre ……, arma que se encontrava municiada com pelo menos 3 munições correspondentes e que, na sequência do confronto físico com o ofendido, o arguido foi buscar ao local onde a guardava, transportando-a consigo e empunhando-a até ao local dos factos, onde veio a realizar os disparos. E que o arguido não tem qualquer arma registada ou manifestada em seu nome, nem é titular de licença de uso e porte de arma e, apesar de conhecer a natureza da arma e munições que detinha na sua posse e transportou consigo, sabendo ser tal conduta proibida por lei, o arguido não se inibiu de como tal actuar.

Constata-se, pois, que o arguido estava na posse de revólver que corresponde a arma da classe C, bem como na posse de munições correspondentes, pelo que, não sendo titular de qualquer das licenças a que alude o art. 7.º, n.º 2 als. a) e b) do RJAM, a conduta do arguido é integralmente subsumível ao crime previsto no artigo 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM. A detenção das munições correspondentes àquela arma de fogo, na mesma exacta ocasião, embora em abstracto apta a integrar o tipo penal previsto na al. d) do mesmo normativo, é de considerar encontrar-se em concurso aparente com aquele outro ilícito.

De igual modo será de referir que embora o uso da arma de fogo haja já constituído fundamento de agravação do crime de homicídio imputado ao arguido, tal não afasta a ocorrência de um concurso efectivo com o crime de detenção de arma proibida, na medida em que a guarda da arma em local onde a foi buscar e a sua detenção e transporte até ao local onde o arguido viria a usá-la, são perfeitamente autonomizáveis.

Nestes termos e verificando-se não ocorrer qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se a condenação do arguido também pelo crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1 al. c) do RJAM.

Assim, e não ocorrendo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, foi ainda o arguido condenado pela prática do crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do CP, agravado pelo uso de arma de fogo, nos termos do art. 86.º, n.º 3 do RJAM, na forma tentada. Neste plano, não pode senão avocar-se, reiterando-se, o sentido da decisão levada em 1.ª instância.

Pelo que, contrariamente ao que alega o recorrente, não se provou que na génese da prática dos factos, se encontra a reiterada atitude provocatória do ofendido, que terá contribuído, de forma decisiva para a produção do resultado, tratando-se de um acto ocasional.

Assim, contrariamente ao que o ora reclamante diz, o acórdão pronunciou-se sobre as questões que suscitou, aliás como decorre do que ficou transcrito. Ora, não conceder provimento à versão/argumentação defendida pelo recorrente não quer dizer, como entende o ora reclamante, que exista omissão de pronúncia. Aliás, resulta claramente do acórdão ora reclamado (a fls. 30 a 32) a fundamentação dos factos não provados, que traduzem a alegação do recorrente (que não se provou):

(…)

Os factos dados como não provados, assim se consideraram por não ter sido feita prova suficientemente segura e devidamente circunstanciada acerca dos mesmos.

No tocante ao descrito em a), considerou-se todo o circunstancialismo em que os factos ocorreram: no final de uma noite de festa, depois de o arguido ter ingerido bebidas alcoólicas, junto a estabelecimento comercial que estava reservado para a dita festa por pessoas  ..........., tendo ali surgido o ofendido, indivíduo …….., que igualmente se encontrava alcoolizado (conforme depoimento do próprio e de BB), tendo ocorrido uma discussão e confronto físico entre ambos, que terminou com o ofendido a desferir um valente murro no arguido à frente de quem ali se encontrava. Neste contexto, e sabedor de que tinha uma arma no carro, o facto de ir buscá-la para atacar o ofendido não demonstra particular frieza de ânimo ou reflexão, correspondendo ainda a um mero impulso de retaliação por parte do arguido.

Quanto ao aludido nas alíneas b) e c), verifica-se que a celebração que estava subjacente à festa e o número de pessoas que nela estiveram presentes não foram objecto de prova em sede de audiência. Por seu turno no tocante à hora a que o ofendido chegou ao bar ou à ordem pela qual ali entraram o ofendido e as testemunhas CC e DD, constata-se que apesar de o ofendido ter dito que quando entrou as amigas ficaram no carro à sua esperam estas últimas afirmam ter entrado em primeiro lugar, por terem saído primeiro da discoteca onde haviam entrado anteriormente, sendo certo que nenhum deles conseguiu indicar a que horas ali chegaram.

Por seu turno, a sucessão de acontecimentos constante das alíneas d) a l) corresponde à versão que o arguido entendeu trazer aos autos e que foi corroborada pela sua companheira EE.

Ambos referiram que o ofendido entrou sem autorização numa festa reservada a pessoas ........... e que depois de ter estado a ingerir bebidas alcoólicas, começou a “meter-se com as mulheres da festa”, pelo que foi chamado à atenção pelos homens, tendo havido alguma confusão, mas que depois acalmou, acabando o ofendido por sair.

Uma tal versão era já pouco verosímil, pois que, entrar numa festa de pessoas ........... e começar a “meter-se” com as mulheres daquela ….. seria, como espontaneamente afirmou o ofendido, “suicídio”, não sendo necessário conhecer muito da cultura …….  para se perceber que uma tal atitude seria certamente fonte de conflito em defesa da honra das mulheres …….

Em todo o caso, existindo igualmente nos autos imagens captadas no interior do bar, o que nelas se vê é que, como afirmou o ofendido, este foi muito bem-recebido por alguns indivíduos ..........., com quem conversou por momentos, tendo estado essencialmente junto ao balcão, sem que nunca o ofendido se tenha aproximado das mulheres da festa. Também contrariamente à versão do arguido e sua companheira, nunca ocorreu qualquer discussão no interior do bar, e muito menos o ofendido ficou no seu exterior à espera do arguido.

É também frontalmente contrariada pelas imagens a alegada violência com que o ofendido teria agredido o arguido, ou a perseguição daquele a este, ou que o arguido tivesse agido com intuito de defesa, por não ter sido auxiliado por mais ninguém.

Antes pelo contrário, das imagens retira-se claramente que estavam outros indivíduos ........... no exterior do estabelecimento, que não só intervieram de imediato para os separar, quando o ofendido desferiu o murro no peito do arguido, como ainda tentaram acalmar os ânimos quando o arguido chegou ao local com a arma na mão.

Aliás, decorre igualmente do relatório de exame pericial de fls. 86 a 98 e do relatório de exame comparativo de fls. 506 que, examinado o local pelos elementos da polícia judiciária, e recolhidos diversos vestígios hemáticos, o único perfil identificado em todos os vestígios correspondia ao do ADN do ofendido, nada apontando para que o arguido tivesse, nessa noite, sofrido quaisquer lesões.

Resulta, por isso, totalmente falsa e - em face das imagens - fantasiosa, toda a versão dos acontecimentos que tanto o arguido como a sua companheira vieram trazer aos autos em audiência de julgamento, para justificar a produção dos disparos pelo primeiro.(…).

8. Entende ainda o ora reclamante que não foram tidos em conta, ou melhor que o acórdão omitiu e não ponderou todos os factos necessários à redução da pena que lhe foi aplicada.

Também aqui, carece de razão.

Vejamos. Diz-se no acórdão ora reclamado (págs. 34 a 38):

13. Da medida da pena

13.1. Dito isto, vejamos a medida da pena aplicada em concreto e qual o critério seguido pelo Tribunal “a quo”, com a qual o recorrente discorda.

Importa, assim, ponderar, à luz dos factos arrolados como provados (supra 9.), o seguinte:

-As exigências de prevenção geral que são muito elevadas, quer quanto ao crime de homicídio (que tutela o bem jurídico supremo que é a vida humana), quer quanto ao crime de detenção de arma proibida (que tutela a ordem e segurança públicas);

-As exigências de prevenção especial, para o que releva a circunstância de o arguido registar já três condenações (por crimes de furto, de condução sem habilitação legal, falsificação de documento), a última das quais pelo crime de detenção de arma proibida, sendo que as penas não privativas da liberdade que sofreu não se revelaram suficientes para o dissuadir da repetição do ilícito;

-O grau de ilicitude, elevada, o modo de execução e gravidade das consequências do facto, relevando o facto de o arguido:

.  deter e guardar arma de fogo nas imediações de local onde decorria uma festa e existiam estabelecimentos ainda abertos ao público;

. e, quanto ao crime de homicídio agravado na forma tentada, o facto de o arguido ter efectuado pelo menos três disparos visando zonas vitais do ofendido, na via pública, nas imediações de festa onde se encontravam mulheres e crianças, sendo ainda de relevar, por um lado, o período relativamente reduzido de incapacidade sofrido pelo ofendido, mas, por outro, o facto deste ter ficado com diversas cicatrizes;

-A intensidade do dolo, que é elevada, quer no tocante à detenção da arma, quer quanto ao crime de homicídio agravado tentado, pela energia criminosa revelada no número de disparos efectuados;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, tendo ambos, arguido e ofendido ingerido bebidas alcoólicas, tendo-se envolvido em discussão seguida de confrontos físicos, no final dos quais o ofendido desferiu um murro no peito do arguido, na presença de outras pessoas;

-As condições pessoais e económicas do arguido, relevando a este propósito a circunstância de o arguido se encontrar familiarmente inserido, mas por outro lado, os hábitos de consumo de estupefacientes e a permeabilidade que revela a um grupo de pares com estilos de vida desviantes.

-A conduta posterior aos factos, sendo de atender neste âmbito à circunstância de, tendo optado por prestar declarações, delas não ser possível extrair uma capacidade séria de juízo crítico sobre os seus comportamentos e sobre a gravidade concreta dos factos, que antes denotou desvalorizar, atribuindo a culpa dos factos ao comportamento do ofendido.

E mais adiante:

No caso dos autos, muito embora o crime de detenção de arma proibida admita a aplicação de pena de multa, considerando os antecedentes criminais que o arguido já regista, bem como as circunstâncias concretas do caso e a gravidade a elas inerente, entendeu, e bem, o Tribunal recorrido, que a aplicação de pena não privativa da liberdade quanto a este crime se revelaria de todo inadequada, não sendo em prognose suficiente para salvaguardar de forma séria e eficaz, as finalidades da punição.

Ora, tendo em conta a moldura penal atrás apontada, que situa o limite mínimo em 2 anos, 1 mês e 18 dias, e o limite máximo em 14 anos, 2 meses e 10 dias, para o crime de homicídio agravado na forma tentada, e de 1 a 5 anos de prisão para o crime de detenção de arma proibida, e ponderando as circuntâncias relevantes nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do CP, não se encontra motivo que possa justificar fundada divergência quanto ao decidido, no sentido da diminuição da medida das penas.

Na ponderação, em conjunto, de todos os factores relevantes por via da culpa e da prevenção e dos factos e da personalidade do arguido, neles manifestada, nomeadamente a interconexão e a concentração espácio-temporal dos factos e tendo presente a moldura penal do cúmulo, situada entre o limite mínimo de 5 anos e 6 meses de prisão e o limite máximo de 7 anos de prisão, considera-se adequada e proporcional a pena aplicada, de 6 anos de prisão, em respeito pelo disposto no artigo 77.º, n.º 1 do CP.
14. Concluímos, deste modo, que ao contrário do alegado pelo recorrente, na determinação da medida concreta da pena, o acórdão recorrido levou em conta e ponderou as circunstâncias concretas em que os crimes foram cometidos, nomeadamente, quanto ao elevado grau de ilicitude do facto relativo ao cometimento do crime de homicídio agravado pelo uso de arma de fogo, e na forma tentada, considerando o modo de execução, e o facto de não ter qualquer arma registada ou manifestada em seu nome, nem ser titular de licença de uso e porte de arma, as suas consequências, a intensidade do dolo (dolo directo), bem como a conduta do arguido anterior e posterior ao crime, as suas condições pessoais e os seus antecedentes criminais.

Assim, considerando os factos na sua globalidade, as circunstâncias anteriormente referidas e as qualidades de personalidade do arguido manifestada na sua prática, tudo ponderando em conjunto, como impõe o artigo 77.º, n.º 1, do CP, não se encontra fundamento que permita justificar a redução da pena única conjunta aplicada, na base da consideração de esta não se mostrar adequada e proporcional à gravidade dos factos e às necessidades de prevenção e de socialização que a sua aplicação visa realizar (artigo 40.º, n.º s e 2, do CP).

Pelo que não se concede provimento ao recurso.

9. Destarte,

a presente arguição de nulidade é improcedente, uma vez que resulta à saciedade que o acórdão se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas.

10. Uma vez que o requerente decaiu quanto ao pedido que formulou, é responsável pelo pagamento de taxa de justiça.

De acordo com o disposto no n.º 9, do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 1 a 3 UC.

III.

11. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
a) Indeferir o pedido formulado pelo requerente AA;
b)  Condenar o arguido em custas, que se fixam em 3UC, – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.

10 de Dezembro de 2020

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Conselheiros signatários.





Margarida Blasco (Relatora) – Eduardo Loureiro