Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
Data do Acordão: | 05/19/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : |
O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.º do CPC, a prática de um ato inútil. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º1429/18.3T8VLG.P1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório AA, intentou, mediante o formulário previsto nos artigos 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra Coresa – Conserveiros Reunidos, S.A., requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do despedimento, com as legais consequências. O empregador apresentou articulado, afirmando existir justa causa de despedimento, mais concretamente uma alegada apropriação pelo Autor de bens pertencentes à Ré, além da violação dos deveres de respeitar e tratar o empregador e as pessoas que se relacionem com a empresa com probidade, de realizar o trabalho com zelo e diligência, de cumprimento de ordens e instruções da entidade empregadora no que diz respeito à execução e à disciplina do trabalho e, ainda, dos deveres de guardar lealdade ao empregador, de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados. O Autor contestou e deduziu reconvenção, pedindo, entre outras importâncias, a indemnização substitutiva da reintegração. A Ré apresentou articulado de resposta. Foi ordenada, sem oposição das partes, a apensação aos presentes autos do Processo n.º ..., em que o trabalhador era Autor e em que, entre outros pedidos, pedia uma compensação pelos danos sofridos por ter sido alegadamente vítima de assédio moral e uma indemnização pela privação de uso de viatura automóvel. Realizado o julgamento foi proferida sentença, terminando a parte decisória, com o seguinte dispositivo: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, declara-se ilícito o despedimento do autor, promovido pela Ré, e condeno a Ré: A pagar ao Autor uma indemnização, em substituição do direito à reintegração, no valor de € 27.201,24 (vinte e sete mil duzentos e um euros e vinte e quatro cêntimos) (sem prejuízo da ulterior atualização do valor da pensão em razão da data do trânsito da decisão final); A pagar ao Autor a importância correspondente às retribuições que deixou de auferir desde trinta dias antes da data da instauração da ação até ao trânsito da decisão final, deduzida das quantias que o autor recebeu e/ou venha a receber a título de subsídio de desemprego, importância essa a liquidar através do competente incidente; A pagar ao Autor a quantia (global) de € 2.352,63 (dois trezentos e cinquenta e dois euros e sessenta e três cêntimos), a título de férias não gozadas e de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal; A pagar ao Autor a quantia que vier a apurar-se, através do incidente de liquidação, a título de retribuição por trabalho suplementar, nos termos supra delimitados (trabalho que o Autor prestou para além do respetivo horário por força de participar nas reuniões e evento identificados). São devidos juros de mora como peticionado, à taxa legal, sobre as retribuições que o Autor deixou de auferir a partir da data em que cada uma deveria ter sido paga, e sobre o valor de € 2.352,63 e o valor que vier a apurar-se a título de trabalho suplementar desde a data da cessação do contrato de trabalho. Relativamente ao mais peticionado, julgo improcedentes a ação/reconvenção”
Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação. Nesse recurso impugnou a matéria de facto e recorreu em matéria de direito.
O Tribunal da Relação não conheceu de parte do recurso em sede de impugnação da matéria de facto por considerar inócua nessa parte a referida impugnação, invocando o artigo 130.º do CPC e a proibição da prática pelo Tribunal de atos inúteis, vindo a confirmar a decisão recorrida.
A Ré interpôs recurso de revista excecional, mas expressamente afirmou que recorria igualmente de um segmento da decisão do Acórdão recorrido sobre o qual não existia” dupla conformidade”, o qual que se referia à decisão do Tribunal da Relação sobre o seu recurso de impugnação da matéria de facto, apresentando a respeito deste segmento as seguintes Conclusões:
”X - Sendo (aparentemente) inequívoca a existência de uma dupla conforme, salvo melhor opinião, ocorreram vícios e irregularidades no próprio acórdão da Relação recorrido, uma vez que este não fez um adequado exercício dos seus poderes em sede de impugnação da matéria de facto. Trata-se de “questão nova”, apenas revelada no âmbito do julgamento e da intervenção do tribunal de recurso em 2.ª instância e alheia ao tribunal da sentença. E quanto a ela, salvo melhor opinião, não faz sentido pensar em conformidade ou desconformidade decisória.
Y - Enquanto objeto de recurso para o STJ está, portanto, à margem da revista excecional, e não podem deixar de ser objeto de recurso de revista normal, caso aquela não seja atendida (neste sentido a Revista n.º 668/15.3T8FAR.E1.S2 -6.ª Secção -José Raínho (Relator), Graça Amaral e Henrique Araújo, de 18-01-2018, in www.stj.pt).
Z - Assim, a Recorrente, sem prejuízo de ter pedido a revista excecional, e em caso do mesmo ser considerada inadmissível, o que não se concede, vem mui respeitosamente requerer ao STJ que a Formação remeta o recurso ao relator para julgamento do objeto da revista, no que respeita a este “vício novo”, e considere o recurso procedente e que o processo desça ao Tribunal da Relação do Porto.
AA - A Relação, no uso dos seus poderes de modificação da decisão de facto, decide não alterar a realidade fáctica, não aditando os factos que a Recorrente solicitou que fossem acrescidos à matéria provada, com o fundamento de que estas não têm qualquer influência ou relevância para a decisão.
BB - E esta decisão do douto Tribunal da Relação do Porto viola o disposto no n.º 3 do art.º 351.º do CT, que dispõe: “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias do caso que se mostrem relevantes.”
CC - Ao negar-se a aditar à matéria de facto os factos que, em sede de recurso de apelação, a Recorrente solicitou, indicando os meios de prova que impunham decisão diferente, considerando-os irrelevantes para a questão de direito, o douto Tribunal da Relação do Porto cerceou o processo de factualidade que esclarecia as circunstâncias em que ocorreram os comportamentos imputados ao Recorrido, e que foram essenciais para esclarecer o caráter da relação entre as partes e o elemento volitivo da Recorrente quando entendeu que estava definitivamente prejudicada a confiança que nele depositava.
DD - A transformação que não foi operada na factualidade jurídica, pelos fundamentos acima referidos, com os quais a Recorrente discorda, não permitiu uma nova ordenação da matéria que densifica as normas jurídicas de direito material, e não é indiferente para a verificação da dupla conforme.
EE - Essa alteração da matéria de facto teria repercussão na solução jurídica encontrada para o litígio ao nível da existência, ou não, de justa causa de despedimento, ou, pelo menos, implicaria um descolamento decisivo na fundamentação de direito, uma vez que teria repercussão essencial no enquadramento de direito, ao contrário do que, com o devido respeito, erradamente, se considerou na 2ª instância.
FF - Estabelece o artigo 672º, nº 5, que “Se entender que, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excecional, nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, a formação prevista no nº 3 determina que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respetivo exame preliminar”.
GG - Salvo melhor opinião, existe ofensa de uma disposição expressa que a lei laboral exige para a prova e ponderação da existência de justa causa de despedimento (o art.º 351.º/3 do CT), o que se alega nos termos e para os efeitos do art.º 674.º/3, parte final, do CPC.
HH - Sempre com o devido respeito, nos termos e com os fundamentos acima referidos, deve o processo voltar ao douto Tribunal da Relação do Porto para proceder à ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para (re)apreciação da justa causa de despedimento, nos termos do art.º 351.º/3 do Código do Trabalho, remessa que está processualmente prevista no art.º 682.º/2 e 3 do CPC.
II - Se, ao invés, o acórdão recorrido for nulo, o regime de substituição, que é pleno no recurso de apelação (artigo 665º do CPC), mas é mitigado no caso da revista, neste caso entendemos que o mesmo deve baixar para o douto Tribunal da Relação do Porto, para suprir e julgar, tudo nos termos do art.º 684.º do CPC.
JJ - Pode ser objeto de recurso de revista, ainda que a título subsidiário, a alteração da decisão proferida pela Relação quanto à matéria de facto, uma vez que existe uma ofensa de uma disposição expressa de lei laboral, (“in casu” os arts. 351.º/3 e 357.º/4 do Código do Trabalho), que exigem certa espécie de prova para a existência de determinados factos, cuja ponderação é legalmente obrigatória, uma vez que se entende que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (neste sentido a Revista n.º 1330/13.7TBMCN.P1.S1, de 19-09-2017- -1.ª Secção – Hélder Roque (Relator) - Roque Nogueira-Alexandre Reis, disponível em www.stj.pt).
KK - Assim, salvo melhor opinião, e sempre com o devido respeito, nos termos do disposto nos arts. 672.º/5 do CPC, deve ser determinado pelo STJ a baixa do processo à 2ª instância para que esta faça um uso correto e adequado dos seus poderes em sede de impugnação da matéria de facto, aditando à matéria de facto provada a factualidade requerida em sede de recurso de apelação, nos termos e com os fundamentos aí constantes, que nesta sede se renovam”.
Ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
De facto
1 – a) O autor/trabalhador é funcionário da ré desde .../2002, reportando-se a sua antiguidade a essa data. 2 - b) O autor tem a categoria profissional de ... desempenhando as suas funções na zona ... do país. 4 - d) No desenvolvimento da sua atividade, o autor detém uma carteira de clientes que vai gerindo na zona ... do país, desempenhando as suas funções nos distritos de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... 6 - f) Sendo seu superior hierárquico CC, responsável do departamento ... de ... de ... da Coresa. 7 - g) O autor gere uma carteira de clientes e, entre eles, a S……, S.A. 8 - h) O cliente S……, S.A. é uma empresa que se dedica ao comércio por grosso de produtos alimentares desenvolvendo a sua atividade essencialmente no ... do país. 11 - l) Neste contexto, sempre que há necessidade de tratar de algum assunto relativamente a este cliente é solicitada a intervenção do autor. 13 - n) Em 31/10/2017, foi enviado pela Coresa novo email à S…..., com o conhecimento, entre outros, a CC, BB e AA, pedindo os documentos de transporte, porque as guias de devolução não tinham qualquer “assinatura legível, nem carimbo do transportador”, o que dificultava a verificação de entrada das mercadorias em causa no armazém. 14 - o) Em 03/11/2017, CC envia um email para o autor, reencaminhando os emails trocados com o cliente S…….. no dia 30/10/2017, solicitando que este o ajude a perceber a razão destes débitos que o cliente afirma serem devolução de mercadoria. 16 - q) No dia 08/11/2017, CC enviou novo email para o autor, insistindo na necessidade de esclarecimento sobre esta matéria por parte deste. 17 - r) Foi enviado em 23/11/2017 novo email para o autor, insistindo na necessidade deste prestar os esclarecimentos necessários relativamente a este tema (alegado desaparecimento de mercadoria). 19 - t) Ainda em 06/12/2017, o autor informa FF (responsável ...) e CC (... da unidade de n...) que não tinha computador porque o mesmo tinha sido entregue na Coresa uma vez que só funcionava ligado à corrente. 20 - u) Terminada a análise referida, CC enviou em 12/12/2017 um email para o autor com o seguinte conteúdo: “Boa tarde AA, por forma a facilitar e tornar célere a tua análise sobre este assunto, envio-te em anexo as cópias das encomendas realizadas nos meses relativos aos débitos de devolução do cliente S.... Envio-te também os respetivos débitos de devolução. Queria ainda informar-te do seguinte: Confrontámos o cliente com o facto de 2 dos 3 débitos não terem a tua habitual assinatura tendo o cliente esclarecido que só tu tinhas autorização para levantar produto; Se necessitares de mais alguma informação/documento para poderes esclarecer o que se está a passar, agradeço que me digas já que no nosso sistema, temos o registo de toda a operação. 21 - v) A este email, o autor respondeu através do email profissional ...@coresa.pt, em 15/12/2017, informando que já se tinha passado muito tempo, pelo que não se recordava do assunto, mas que era quase impossível ter sido ele a “trazer tanta caixa”, levantando a hipótese de ter sido transportado pela T…. 1º No dia 07/03/2014 foi-te entregue um computador portátil … com o nº de série … e com o nº interno de imobilizado …; “Boa tarde, CC, Relativamente ao computador, e se não existe registo de reclamações ou defeitos, foi porque foram feitas verbalmente, como em muitas outras situações. Comecei a usar o meu pessoal por iniciativa própria. Só que infelizmente, como tens conhecimento “verbalmente”, foi-me assaltado o carro e roubaram o meu computador, tendo estado a trabalhar no da minha irmã desde então. Relembro, que quando deixei a pen de dados, quando nos foi solicitado há pouco tempo atrás, também não assinei nenhum documento que a mesma tinha sido entregue. O mesmo se passou com a entrega da minha viatura, do meu tablet e cartão de dados ao GG. Estando ao dispor para qualquer esclarecimento.” 24 - aa) Reanalisados todos os registos e documentos da empresa sobre os instrumentos de trabalho afetos e à ... do autor apurou-se que o último equipamento atribuído ao autor foi um computador portátil da marca e modelo …, com o número de série …, adquirido pela empresa em 19/02/2014, entregue ao autor no dia 07/03/2014 e com registo interno de imobilizado nº …. 25 - bb) O valor em euros do computador em causa é de € 200,00 (duzentos euros). 26 - cc) As funções de comercial implicam deslocações a vários clientes, com a entrega e manuseamento de diversa mercadoria. 28 - ee) O autor encontrou-se de baixa médica entre 24-07-2017 a 26-03-2018. 29 - gg) No dia 07/02/2018 foi recebida na morada da sede da Coresa uma carta registada com aviso de recepção com o número de registo … remetida por “HH Rua …, …, …. …, … …” que continha, pelo menos: i. Uma carta manuscrita com o seguinte teor “Exmos. Senhores venho por este meio colocar esta carta que erradamente colocaram na minha caixa de correio. Cumprimentos” ii. A comunicação da instrutora datada de 01/02/2018 de fls. 101 e 102, que agora foi anexada a fls. 130 e 131 do PD. 31 - ii) Nem tão pouco apresentou defesa escrita ou manifestou vontade de apresentar defesa oral. 32 - jj) O trabalhador arguido também não juntou qualquer documentação, nem arrolou quaisquer testemunhas e/ou requereu a realização de quaisquer diligências probatórias. 34 - mm) O autor à data da cessação do contrato auferia a retribuição base mensal de 1.511,18€. 35 - nn) O horário de trabalho do autor, pelo menos até 31-10-2013, era de Segunda a Sexta feira, das 9 horas às 17 horas, com intervalo para almoço das 13 horas às 14 horas. 40 – Procedimento, de enviar diretamente a comunicação ao cliente, que foi seguido no dia 30/10/2017 relativamente a três documentos da S….... relativos a alegadas devoluções de mercadoria que motivaram o desconto dos respetivos valores nos pagamentos de faturas relativas a fornecimentos de produto da Coresa. Devolução de mercadoria ... datada de 30/03/2016, de 100 caixas de 25 unidades de ... B… com o valor líquido de € 3.057,69 (três mil e cinquenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos), b) o autor pedia autorização ao responsável de... da S......., II para levantar mercadorias com a justificação de que necessitava de “desenrascar” outros clientes que não tinham ... B…..; 46 – Nos procedimentos internos do departamento comercial da Coresa o levantamento de mercadoria junto de clientes depende de autorização prévia da Direção, com o conhecimento do ... respetivo. 47 – Uma vez que o cliente S... apenas identificava a assinatura do autor numa das guias de devolução de produto, mais precisamente na guia nº … das guias de devolução de produto, BB enviou em 03/11/2017 novo email para II (S...) questionando-o sobre a autoria/identidade das rubricas/assinaturas que constam das restantes duas guias. 48 – Em resposta e no mesmo dia (03/11/2017, a II enviou um email para BB, dizendo “Não sei. Questionei a receção de mercadorias que só tem memória de ser o AA a levantar”. 49 – Destes emails, BB dá conhecimento a CC. 51 – Durante esse contacto telefónico e com o telefone em alta voz, II da S….... chamou o seu chefe de armazém que confirmou que esses levantamentos tinham sido efetuados pelo autor, com a justificação de que “precisava de desenrascar outros clientes”. 52 – Ainda nessa conferência telefónica CC perguntou ao referido responsável de ... da S….. sobre a “possibilidade dessa mesma mercadoria corresponder aos bónus de “sell-out” que, nos mesmos meses, foram “pagos” através de envio sob a forma de “oferta” nas encomendas efetuadas nos meses a que os débitos/devoluções dizem respeito (Março, Abril e Maio de 2016), uma vez que se tratavam das mesmas quantidades. 54 – Não obstante os esclarecimentos prestados pelo responsável da S.…, foram tomadas por CC outras providências para confirmação daquelas informações. 55 – Na sequência do descrito em s), foi enviado email para o responsável da informática da empresa FF, pedindo que ajudasse o autor a ter condições para prestar informações urgentes sobre o assunto. 60 – Na sequência do email do autor de 06/12/2017, referido em t), foi feita uma análise aos computadores e restantes equipamentos da Coresa que estavam afetos ao autor e à sua .... 62 – Existem registos de reclamações sobre a bateria e lentidão apresentadas pelo autor relativamente ao seu anterior computador (… com o número de série …. e com o número de imobilizado ….), reclamações estas que também estiveram na origem da decisão de substituição de computador no ano de 2014. 64 – Existe ainda uma pen de dados que foi entregue pela ré ao autor e que este nunca entregou na empresa. 65 – Não há registo da entrega do computador que lhe estava afeto (desde 07.03.2014) e lhe foi entregue pela empresa para o desempenho das suas funções. 67 – Poucos meses antes de o autor ficar de baixa médica, o seu veículo foi vandalizado, tendo-lhe sido furtados alguns bens pessoais que lá se encontravam, onde se incluía o computador (pessoal) do autor. 71 – O autor sofria entre outros sintomas, de ataques de pânico, e já antes do Natal de 2017 foi viver com a sua mãe, inclusive por indicações médicas, pelo que não estava a viver em sua casa, e ali permaneceu durante algum tempo. 72 – Desde o início das suas funções, o autor utilizava uma viatura da empresa, sendo que a última que lhe estava adjudicada, era da marca …, modelo …, …, cinco lugares, carrinha. 79 – do quesito 51 – O preço de aluguer por mês, por uma viatura similar à utilizada pelo autor é de cerca de 500€. 81 – Foi entregue ao aqui autor um telemóvel da empresa, para uso profissional e pessoal, com chamadas ilimitadas. 83 – Cumulativamente, foi-lhe entregue um computador da empresa, para uso, pelo menos, profissional, podendo levá-lo para casa, em conjunto com um cartão de dados, para acesso à internet, ilimitado. 85 – O autor não gozou em 2018 quaisquer férias, designadamente as reportadas ao trabalho prestado em 2017. 87 – Em 01/02/2013 para todos os comerciais que desempenhavam funções na zona ... do país (escritórios do …) foi estabelecido que o cumprimento do horário de trabalho seria feito de forma flexível com uma plataforma fixa obrigatória das 10h às 12h e das 15h às 17h com um mínimo de 1h para almoço, que também seria flexível, de forma a assegurar 7h diárias e 35 semanais. 88 – O autor era, por norma, obrigado a sair de casa pelas 6h/7h da manhã, usualmente ia buscar uma sua colega de trabalho MM e em algumas outras vezes com LL e NN, e nos últimos tempos – desde Agosto de 2016 – GG – o que fazia a pedido da empresa – para assim conseguir cumprir com as indicações recebidas e chegar a … à hora marcada para o início das reuniões referidas em oo), que começavam por regra por volta das 10h mas que, pontualmente, começavam mais tarde, e que acabavam a horas variáveis, por regra depois das 16h, mas por vezes só cerca das 18/19 horas, precisando o autor de cerca de 3/4 horas para fazer o trajeto de regresso a casa. 89 – No início de 2014 ao autor foram atribuídas algumas tarefas de... de contas para o autor, cumulando com as que já tinha (de ...), passar a executar sob a supervisão do director CC, com vista à avaliação da sua capacidade para o exercício das funções de ... e à sua eventual promoção a essa categoria. 90 – O autor não veio a ser promovido à categoria de .... 91 – O vencimento base mensal dos trabalhadores da ré com as funções de ... era de cerca de 1.600,00€, a que acrescia o valor mensal de cerca de € 400,00 a título de subsídio por isenção de horário. 93 – O motivo para tal, segundo avançou CC, seu chefe, era de que o aqui autor era do …e como era responsável por uma ... da empresa de cerca de 6.500,000 euros anuais (nas suas funções de ...), ou seja, bastante importante na facturação da zona ..., e também porque entendia que o autor não reunia as condições inerentes à categoria profissional de .... 94 – Tal decisão abalou profundamente o autor, que tudo apostou para crescer na sua empresa e carreira. 98 – Quando se procedeu à notificação da nota de culpa, o autor não levanta a correspondente carta do correio, que foi devolvida por “não reclamada”. 100 – Considerando que em 31/01/2018 a carta registada com aviso de receção enviada para o trabalhador, ainda não tinha sido por este levantada junto dos correios, foi solicitado ao trabalhador GG que se deslocasse à morada da residência do trabalhador, no dia 01/02/2018, para proceder à entrega, em mão, de cópia da comunicação de instauração de processo disciplinar anexando a nota de culpa junta a fls. 103 a 112 v. e ainda da comunicação junta a fls. 114 v. a 115 dos autos. 101 – Em cumprimento da solicitação feita pela instrutora do procedimento disciplinar, no dia 01/02/2018, o trabalhador GG deslocou-se ao prédio onde se situa a morada da residência do trabalhador sita na ... ..., …, …, em ..., para lhe entregar cópia da comunicação da nota de culpa junta a fls. 103 a 112v. e da comunicação junta a fls. 114v. a 115 dos autos, tendo deixado pelo menos a nota de culpa numa das caixas de correio do prédio, não se apurando em concreto se a correspondente à residência do autor se a correspondente à residência de um seu vizinho. 102 – Atendendo a que o trabalhador comunicava frequentemente com a empregadora através do seu email profissional ...@coresa.pt, em 02/02/2018 foi enviado um email para o trabalhador anexando cópia de todos os documentos depositados na caixa de correio do trabalhador, junto a fls.117v. a 127 dos autos. 105 – Na sequência da receção destes documentos, mais precisamente em 08/02/2018, foi enviado novo email para o trabalhador, informando que se considerava notificado em 01/02/2018 (ou mesmo que assim não se entenda em 02/02/2018) da nota de culpa e reiterando que dispunha de 10 dias úteis para consultar o processo, podendo caso assim o entendesse, apresentar resposta à nota de culpa. 106 – Em anexo ao email referido no ponto anterior, foram enviados para o trabalhador os comprovativos de entrega e leitura do email da instrutora datado de 01/02/2018. 112 – As funções exercidas por AA eram as seguintes: - gestão e acompanhamento de uma carteira de clientes, de venda direta, inserida dentro da área geográfica do ... do país e enquadrados num rooting de visitas pré-definido; - cumprimento da política comercial definida para os produtos e para os clientes; - cumprimento do orçamento de vendas que lhe está atribuído; - negociação, implementação e controlo de ações de comércio integrado; - controlo de ações de destaque acordadas com clientes; - controlo de stocks da sua carteira de clientes; - acompanhamento dos PVP´s em mercado; - acompanhamento das ações da concorrência no mercado; - ter sempre a preocupação de salva...r a rentabilidade do negócio; - assegurar a boa cobrança dos produtos vendidos. 113 – As funções definidas pela ré para a categoria profissional de ... foram e são as seguintes: - colaborar na conceção do plano estratégico do cliente e assegurar a sua implementação; - contribuir para o atingimento das metas da empresa: vendas em valor e volume, “market share” e rentabilidade. - acompanhar a negociação dos acordos anuais;- conhecer e compreender aprofundadamente os seus clientes (histórico, estrutura, P&L, estratégia dos clientes, etc.); - manter/desenvolver/estreitar relacionamento profissional com todas as pessoas relevantes dentro da organização do cliente (desde as centrais às lojas e com todos os departamentos influentes – compra, vendas, logística, marketing e financeira); - contactar de forma permanente com o comprador e em complementaridade, realizar “Business Reviews” periódicos com ele e/ou com outros departamentos do cliente, a fim de optimizar a compreensão do cliente e a antecipação de oportunidades e promover a comunicação; - analisar dados de mercado (N…..) e comunicar/apresentar as principais conclusões aos seus clientes; - garantir que os investimentos promocionais nos seus clientes são otimizados; - gerir e acompanhar a implementação das atividades promocionais (topos, folhetos, expositores, ilhas) e desenvolver ações tailor made; - analisar continuamente o atual sortido de modo a garantir a introdução das inovações, e a conquistar distribuição numérica e ponderada; - apoiar os departamentos de marketing e planeamento com feedbacks atempados; - implementar e acompanhar projetos específicos relacionados com os seus clientes; - analisar, implementar e realizar a gestão do placement nos seus clientes; - acompanhar as lojas que lhes estão afetas, garantindo a minimização de ruturas e boa visibilidade e comunicação dos seus produtos e marcas, acompanhando e apoiando o trabalho realizado pela equipa de merchandisers nas lojas dos seus clientes; - representar adequadamente as empresas do grupo em todas as ocasiões. 114 – Após o exercício de 2014 iniciou-se um processo de reestruturação organizacional, tendo sido decidido contratar e/ou promover 3 (três) trabalhadores para desempenharem funções de ... – ... – e mais 1 ou 2 .../técnicos de... para a zona ... do país. 115 – Terminado o período de análise acima referido, foi decidido promover unicamente BB a ... uma vez que o diretor CC entendeu que o AA ainda não reunia as condições para o desempenho das funções inerentes a essa categoria profissional, na medida em que no entender daquele diretor não revelou capacidades estratégicas e analíticas essenciais para o desempenho das mesmas nem capacidade para trabalhar com a autonomia requerida para a função, contrariamente ao que sucedeu com BB, e também porque entendia que o autor fazia falta como .... 119 – A necessidade de 2 (dois) técnicos de ../.. na zona ... do país prendeu-se com o seguinte: - perda de negócio no canal cash no ano de 2014 por falta de cobertura dos clientes de grande dimensão; - incapacidade para conquistar novos clientes, uma vez que o ... existente não conseguia dar resposta sequer aos clientes existentes. 120 – A CORESA facultou ao então trabalhador AA a utilização de bens considerados necessários ou convenientes para o exercício das suas funções, a saber: - cartão ... telemóvel com …, sendo que o equipamento por opção do trabalhador era pessoal; - a viatura é colocada à disposição do colaborador com a finalidade exclusiva da sua utilização ao serviço da empresa; - entre o termo do dia de trabalho e o início do trabalho do dia seguinte, a CORESA autoriza o colaborador a utilizar a viatura em regime de comodato; - entre o termo do dia de trabalho e o início do trabalho do dia seguinte, o colaborador deverá utilizar o cartão de abastecimento de combustível com probidade; - em caso de suspensão de contrato de trabalho, a viatura deverá ser colocada nas instalações da empresa. 124 – Nos termos do “ponto 11” da política de utilização das viaturas, que é do conhecimento do trabalhador, nos seguintes termos: “Em caso de suspensão do contrato de trabalho, quer por suspensão preventiva em processo disciplinar, quer por aplicação de sanção disciplinar, quer ainda por impedimento prolongado por parte do colaborador, a viatura deverá ser colocada nas instalações da empresa.”.
Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa, designadamente dos alegados pelas partes nos respetivos articulados, nomeadamente não se provou, dos levados à BI, a matéria do quesito 18 (A mercadoria identificada na guia de devolução rubricada pelo autor foi por ele levantada nos armazéns da S... e não deu entrada em nenhum dos estabelecimentos da Coresa) nem do quesito 19 (Relativamente à mercadoria identificada nas restantes duas guias de devolução, o autor também procedeu ao seu levantamento nos armazéns da S..., não tendo a mesma dado entrada em nenhum dos estabelecimentos da Coresa), estando consequentemente prejudicadas as respostas aos quesitos 22 e 23, sempre não provados).
O Tribunal da Relação aditou o facto 126 correspondente ao teor da nota de culpa:
A) O presente processo disciplinar foi ordenado no dia 20 de Dezembro de 2017 pelos administradores dos pelouros jurídico e de recursos humanos da CORESA- CONSERVEIROS REUNIDOS, S.A. (adiante designada por CORESA), para apurar e esclarecer um conjunto de factos relatados na comunicação interna datada de 18/12/2017 e respetivos anexos que indiciam a prática de infrações disciplinares muito graves por parte do trabalhador AA, com a categoria profissional de ..., adiante designado por trabalhador-arguido ou AA. i. Comunicação interna do Diretor de ... CC datada de 18/12/2017 e respetivos anexos (...). D) Com base nos factos apurados no decurso do processo e na documentação junta aos autos, elabora-se a presente Nota de Culpa, nos termos do previsto no art. 353.s do Código do Trabalho, imputando-se ao trabalhador-arguido, os seguintes comportamentos: ENQUADRAMENTO 1.2 O trabalhador arguido é funcionário da empresa desde .../2002, reportando-se a sua antiguidade a essa data. 2.2 O trabalhador arguido tem a categoria profissional de ....- ... de Zona. 3.2 Não existe, desde a data da contratação, qualquer registo de infracções disciplinares do trabalhador arguido. ll. Como é procedimento da empresa, sempre que existe alguma divergência nos movimentos em aberto da conta corrente de um cliente, o Departamento de Contabilidade envia uma comunicação diretamente ao cliente, pedindo os documentos e/ou informações necessárias para a regularização da divergência, dando conhecimento ao departamento comercial das comunicações trocadas. DA MERCADORIA MELHOR IDENTIFICADA NAS GUIAS DE DEVOLUÇÃO DE FLS. 14, 15, 17, 46, 47 E 48 DOS AUTOS (...) Assim 40.2Relativamente à mercadoria identificada nas guias de devolução constantes de fls. 14 e 15, o trabalhador arguido também procedeu ao seu levantamento nos armazéns da S...., não tendo a mesma dado entrada em nenhum dos estabelecimentos da CORESA. 41.2 A justificação apresentada pelo trabalhador arguido à S…... para efetuar os 3 (três) levantamentos de mercadoria não corresponde à verdade, porque o produto em causa não estava em rutura de stock na CORESA naquelas datas. 42.2 Apesar das quantidades entregues pela CORESA ao cliente S…. no denominado "bónus de "sell-out" serem coincidentes com as quantidades de produto levantado pelo trabalhador arguido no armazém da S……, as primeiras foram entregues ao cliente S…... em data imediatamente posterior a cada um dos levantamentos, não se tratando por isso do mesmo produto. 43.2 A T.... não transportou o produto identificado nas guias de devolução de mercadoria de fls. 14,15 e 17 dos presentes autos. 45.2 Na medida em que, à data, o veículo era uma carrinha da marca ..., cfr. fls.63 dos autos. 46.2A CORESA desconhece o paradeiro e o destino que o trabalhador arguido deu a toda a mercadoria por ele levantada no armazém da S…... 48.9 Valor que a S…... descontou ao pagamento de faturas da CORESA relativas a fornecimento de conservas de peixe, na medida em que entregou ao trabalhador todo o produto melhor identificado nas respetivas guias de devolução. DO COMPUTADOR DA MARCA … COM O N2 DE SÉRIE … E COM O N2 INTERNO DE IMOBILIZADO … (...). 56.2 Não existe qualquer registo de entrega feita pelo trabalhador arguido relativamente a este equipamento, nem mesmo da entrada do mesmo no Departamento .... 57.2 O referido computador não se encontra na empresa. 58.2 Não existe qualquer registo de reclamação apresentada pelo trabalhador arguido relativamente a este computador (…..., com o número de série …); 61.2 Existe ainda uma pen de dados que está na posse do trabalhador arguido e que este nunca entregou na empresa. 64.2 Prejudicando a empresa nesse valor. 65.2 Com a adoção dos comportamentos supra descritos, o trabalhador AA violou os seguintes deveres laborais: - Cumprir as ordens do empregador e superiores hierárquicos respeitantes à execução e disciplina no trabalho; - Velar pela conservação e e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador; 66.2 Encontrando-se assim indiciado pela prática de comportamentos que consubstanciam a violação de deveres dos trabalhadores previstos nas alíneas a), c)/ e), f), g) e h) do n.º 1 do art. 128.^ do Código do Trabalho. 68.2 Os comportamentos supra foram adotados pelo trabalhador arguido de forma totalmente consciente e voluntária, sendo que, mesmo quando confrontado com eles, o trabalhador arguido decidiu não os reconhecer. 69.2 Denotam ausência de sentido de responsabilidade e causam descredibilidade no seu trabalho. 73.2 Revelam mau exemplo para os demais trabalhadores e colegas. 74.2 Afetam a imagem da empresa junto de um cliente tão importante como a S.... 75.2 0s comportamentos supra revelam também uma atitude irresponsável e censurável, quebrando de forma irremediável a necessária confiança que existe na sua relação laboral. 76.2 Neste contexto, considera-se que os comportamentos do trabalhador-arguido constituem um ilícito de natureza criminal e ainda uma infração disciplinar muito grave, porquanto, a confirmarem-se, constituem uma violação grave dos deveres laborais acima referidos, que afetam e tornam imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral e são passíveis de justificar a aplicação da sanção disciplinar prevista no art. 3289 n.2 1 alínea f) do Código do Trabalho, face ao disposto nos nºs 1 e 2 do art.2 351.2 do Código do Trabalho. 77.2 Assim, deverá remeter-se uma cópia da presente nota de culpa ao trabalhador arguido, com a menção expressa de que é intenção da empresa proceder ao seu despedimento se se confirmarem as acusações que lhe são dirigidas, dispondo o trabalhador AA, nos termos do disposto no art. 3552 nºs 1 do Código do Trabalho, "de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade". Lisboa, 26 de janeiro de 2018 A Instrutora,”.
De Direito
A Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC junto da Secção Social decidiu não ser admissível a revista excecional interposta pela Recorrente. A única questão sobre a qual não existe ”dupla conformidade” e que importa conhecer no presente recurso refere-se, por conseguinte, à recusa do Tribunal da Relação em conhecer de uma parte do recurso de impugnação da matéria de facto por considerar que respeita a factos que seriam irrelevantes para a decisão de direito.
Afirma-se no Acórdão recorrido o seguinte:
Cumpre apreciar.
Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao julgamento da impugnação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação são muito limitados como resulta do n.º 4 do artigo 662.º e do n.º 3 do artigo 674.º do CPC. No entanto, no caso vertente, o que é invocado pelo Recorrente não é um qualquer erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, mas a decisão do Tribunal da Relação de não conhecer uma parte do recurso de impugnação da matéria de facto, afirmando que certos factos seriam irrelevantes e que o conhecimento do recurso nessa redundaria na prática de um ato inútil (artigo 130.º do CPC). Tratou-se, pois, de uma aplicação de uma regra jurídica sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. Cumprindo o Recorrente os ónus que lhe são impostos pelos artigos 639.º e 640.º e estando reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, o Tribunal da Relação deve, em princípio, conhecer o recurso de impugnação da matéria de facto, tal como este foi interposto.. No caso dos autos o Tribunal da Relação recusou-se, todavia, a conhecer de um segmento do recurso em matéria de facto por considerar que o mesmo seria inútil. Identificou, assim, tal segmento: ” Os quesitos impugnados, dados como provados e não provados e que a recorrente considera deviam ser dados como “parcialmente provados”, “acrescentado” e “provados na sua totalidade”, são do seguinte teor: 19 – Relativamente à mercadoria identificada nas restantes duas guias de devolução, o autor também procedeu ao seu levantamento nos armazéns da S…..., não tendo a mesma dado entrada em nenhum dos estabelecimentos da Coresa? 21 – Apesar das quantidades entregues pela Coresa ao cliente S…... no denominado “bónus de “sell-out” serem coincidentes com as quantidades de produto levantado pelo autor no armazém da S……, as primeiras foram entregues ao cliente S….... em data imediatamente posterior a cada um dos levantamentos? **** 16 – Não obstante os esclarecimentos prestados pelo responsável da S....., foram tomadas por CC, as seguintes providências para confirmação daquelas informações: a. reanálise de “todos os documentos relativos àquela mercadoria (encomendas, faturas, guias de devolução e conta corrente do cliente)”; c. análise dos “níveis de stock daquela referência no período de tempo acima referido”; d. confirmadas as “receções de produto ... B... 120 gramas, no armazém da Coresa, naquele período de tempo”; e. reanálise de toda a correspondência trocada com o autor “no primeiro semestre do ano de 2016 sobre devoluções de produto e sobre eventuais bónus acordados com clientes”? 92 – O trabalhador GG depositou na caixa do correio do domicílio do trabalhador, 3º centro frente do prédio sito na ... ..., nº …, em ... (morada de residência do trabalhador), a comunicação da instauração do processo e respetiva nota de culpa, bem como a comunicação de fls. 114v., 115, 126v. e 127 dos autos? 93 – O trabalhador GG, apôs, pelo seu próprio punho, na comunicação que o trabalhador se recusou a receber, “Uma vez que o AA recusou receber em mão coloquei na caixa de correio do andar 3º, centro frente, em 1 de Fevereiro de 2018”? 94 – Mais colocou, também pelo seu próprio punho, nessa comunicação, “foi também deixado na caixa de correio comunicação e nota de culpa”?”.
Ora importa, desde logo, avaliar se estes factos seriam efetivamente inúteis para a decisão da causa, mormente para verificação de existência ou não de justa causa para o despedimento. Começando pelos quesitos 88 a 93 há que afirmar que, fosse qual fosse a sua relevância disciplinar em tese geral, no caso concreto são inteiramente irrelevantes pela simples razão de que não constam da nota de culpa e se o empregador pretendesse atribuir-lhes relevância neste contexto deveria ter reelaborado a nota de culpa, o que não fez. Trata-se, em suma, de factos que não podem legalmente ser considerados para decidir se existe ou não justa causa de despedimento e o Tribunal cometeria efetivamente um ato inútil se conhecesse dessa parte do recurso de impugnação da matéria de facto. Mas, em rigor, o mesmo se pode afirmar em relação aos quesitos 16, 18, 19 e 21. Com efeito, cabia ao empregador a prova da justa causa de despedimento que aqui consistiria (para lá da alegada não devolução do computador que aqui não está agora em causa) em ter-se o trabalhador indevidamente apropriado das mercadorias devolvidas. Ora, mesmo que as mercadorias não tivessem dado entrada nos estabelecimentos do empregador, não estaria provada a existência da referida apropriação, já que o trabalhador no exercício da ampla autonomia técnica de que gozava poderia ter entregado as mercadorias a outros clientes (cfr. facto 15). Em suma, perante factos com esta gravidade não pode ser suficiente para despedir uma mera suspeita ou a afirmação constante da nota de culpa de que ”não é impossível que a mercadoria em causa fosse transportada pelo trabalhador arguido utilizando o veículo automóvel que lhe estava afeto para o desempenho das suas funções de ...” (facto 126). E incidindo o ónus da prova da justa causa de despedimento sobre o empregador o estado de dúvida que continuaria a subsistir mesmo que os factos impugnados fossem provados implicaria que a decisão teria de ser a mesma, isto é, teria de se concluir não ter sido provada a existência de justa causa. Pelo que o Acórdão recorrido teve razão ao considerar que seria inócuo ou inútil conhecer este segmento do recurso de impugnação da matéria de facto. Decisão: Negada a revista Custas pelo Recorrente
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)
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