Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2312/16.2T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
CONCORRENCIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
REENVIO PREJUDICIAL
PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME O DIREITO EUROPEU
REGULAMENTO (CE) 44/2001
REGULAMENTO (UE) 1215/2012
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Volume III, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 49-50;
- Moitinho de Almeida, O Regulamento Roma II – Lei Aplicável às Obrigações Extracontratuais, Principia, Cascais, 2017, p. 16-20;
- Moura Ramos, Aplicabilidade de cláusulas atributivas de jurisdição em acções de responsabilidade emergente de práticas consideradas de abuso de posição dominante, anotação ao acórdão do STJ de 16-02-2016, RLJ, Ano 147º, p. 265 e ss., 274- 278;
- Teixeira de Sousa e Moura Vicente, Comentário à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, Lex, Lisboa, 1994, p. 19.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 1, ALÍNEA A), 635.º, N.º 4 E 671.º, N.º 3.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DO CONSELHO, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000: - ARTIGO 5.º, N.º 3.
REGULAMENTO (CE) Nº 1215/2012, DO CONSELHO, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012: - ARTIGOS 7.º, N.º 2 E 25.º.
Referências Internacionais:
TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA (TFUE): - ARTIGO 102.°.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 03-10-2007, PROCESSO N.º 07S922;
- DE 21-09-2017, PROCESSO N.º 53/14.4T8CBR-D.C1.S1;
- DE 14-12-2017, PROCESSO N.º 143378/15.0YIPRT.G1.S1;
- DE 13-11-2018, PROCESSO N.º 6919/16.0T8PRT.G1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

- DE 14-10-1976, ACÓRDÃO EUROCONTROL, PROCESSO N.º 29/76, EU:C:1976:137, N.ºS 3 E 5;
- DE 13-07-1993, ACÓRDÃO MULOX, PROCESSO N.º C-125/92, EU:C:1993:306;
- DE 15-03-2011, ACÓRDÃO KOELZSCH, PROCESSO N.º C-29/10, EU:C:2011:151, N.º 32;
- DE 13-03-2014, ACÓRDÃO MARC BROGSITTER, PROCESSO N.º C-548/12, EU:C:2014:148;
- DE 30-04-2014, ACÓRDÃO KÁSLER E KÁSLERNÉ RÁBAI, PROCESSO N.º C-26/13, EU:C:2014:282, N.º 37;
- DE 23-10-2014, ACÓRDÃO FLYLA‑LITHUANIAN AIRLINES AS, PROCESSO N.º C-302/13, EU:C:2014:2319;
- DE 21-05-2015, ACÓRDÃO CARTEL DAMAGE CLAIMS (CDC) HYDROGEN PEROXIDE SA, PROCESSO N.º C-352/13, EU:C:2015:335;
- DE 16-06-2016, ACÓRDÃO PEBROS SERVIZI SRL, PROCESSO N.º C-511/14, EU:C:2016:448;
- DE 24-10-2018, PROCESSO N.º C-595/17, EU:C:2018:854.
Sumário :
I. Sendo aplicáveis à presente acção normas de Direito Comunitário/Direito da União Europeia sobre competência internacional, na sua interpretação, como na interpretação da generalidade das normas jurídicas de fonte supra-estadual, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, em razão da prossecução do objectivo de aplicação uniforme de tais normas.

II. Consequentemente, pode concluir-se que, tal como se encontra formulada, a primeira questão objecto do presente recurso – pela qual as recorrentes pretendem que normas de regulamentos comunitários/da União Europeia sejam interpretadas e aplicadas em função de conceitos normativos e de concepções doutrinais e/ou jurisprudenciais relativos(as) ao ordenamento jurídico português – configura uma metodologia inadequada e que, por isso, deve ser afastada na resolução da questão da competência internacional.

III. Confirmando-se a inserção da presente acção no âmbito temporal, material e espacial de aplicação do Regulamento nº 1215/2012, desta conclusão, conjugada com o enunciado princípio da interpretação autónoma, resulta a essencialidade da segunda questão do presente recurso: saber se a resolução da questão da competência internacional, feita à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, conduz ou não ao afastamento das cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos (cfr. artigo 25º daquele Regulamento), sendo os tribunais portugueses considerados competentes para conhecer das alegadas infracções ao Direito da Concorrência (designadamente, ao abrigo do artigo 102° do TFUE), de acordo com a regra prevista no nº 2, do artigo 7º do mesmo Regulamento.

IV. Sendo que, se se concluir em sentido negativo, isto é, que a questão enuciada em III não se encontra resolvida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, se terá de proceder a reenvio prejudicial para o mesmo Tribunal.

V. Da jurisprudência do TJUE resulta: (i) que as infracções ao Direito da Concorrência originam responsabilidade extracontratual, sendo “matéria civil e comercial” para efeito de aplicação do regime do Regulamento nº 44/2001 (o que, perante o princípio da continuidade interpretativa, é válido para o regime do Regulamento nº 1215/2012); (ii) e que a responsabilidade extracontratual, designadamente por infracção ao Direito da Concorrência, nascida de condutas que, simultânea ou conexamente, constituam incumprimento de obrigações contratuais, deve ser apreciada pelo tribunal competente para conhecer deste incumprimento. Mas resulta também: (iii) que, em acções relativas a responsabilidade por certas infracções ao Direito da Concorrência, a prevalência de cláusulas contratuais atributivas de jurisdição sobre a regra de competência do nº 3, do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001 (como do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012), depende da previsibilidade, pelas partes, de que aquela responsabilidade extracontratual esteja abrangida por tais cláusulas. 

VI. A conjugação entre os critérios enunciados em V, e a sua aplicação ao caso dos autos, suscitou dúvidas a este Supremo Tribunal, equivalentes às questões formuladas em processo de reenvio prejudicial relativas à interpretação de normas do Regulamento nº 44/2001, pendente à data da interposição do presente recurso, apresentadas ao Tribunal de Justiça pela Cour de Cassation francesa, dando origem ao processo C-595/17.

VII. Tais questões prejudiciais foram respondidas pelo Acórdão do TJUE de 24.10.2018 (processo nº C-595/17) da seguinte forma: “1) O artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a aplicação, a uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE, de uma cláusula atributiva de jurisdição contida no contrato que vincula as partes não está excluída pelo simples facto de essa cláusula não se referir expressamente aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência. 2) O artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE não depende da constatação prévia de uma infração ao direito da concorrência por uma autoridade nacional ou europeia.”

VIII. No caso sub judice, ponderados todos os dados, e tendo presente o princípio da continuidade interpretativa entre o Regulamento nº 44/2001 e o Regulamento nº 1215/2012, entende este Supremo Tribunal que: (i) Em resultado da aplicação do Direito da União Europeia, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, em especial no acórdão indicado em VII; (ii) considerando que as infracções jus-concorrenciais invocadas na presente acção, designadamente o abuso de posição dominante, correspondem a alegadas condutas da ré no âmbito das relações contratuais entre as partes, e com estas directamente conexionadas; (iii) de tal forma que se encontra satisfeita a exigência de previsibilidade, pelas partes, da possibilidade de tais infracções estarem abrangidas pelo âmbito das cláusulas atributivas de jurisdição; é de concluir que a questão da competência internacional deve ser resolvida no sentido de que as cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos (pelas quais se atribui a competência aos tribunais irlandeses) prevalecem sobre a norma do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012, de cuja aplicação resultaria serem competentes os tribunais portugueses.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. Massa Insolvente de AA, S.A., e Massa Insolvente BB, S.A., ambas com sede em Portugal, instauraram, em 29 de Março de 2016, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC International, com sede na Irlanda, pedindo que:

a) Seja declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6° da Lei n° 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 11° da Lei nº 19/2012, de 8 de Maio) e do artigoº 102º do Tratado de Funcionamento da União Europeia;

b) Seja declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., ao abrigo do artigo 7° da Lei n° 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 12° da Lei n° 19/2012, de 8 de Maio);

c) Seja a R. condenada a pagar à AA, nos termos discriminados, a quantia de € 39.068.150,95, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e

d) Seja a R. condenada a pagar à BB, nos termos discriminados, a quantia de € 1.035.081,31, acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.


Fundam o seu pedido nos comportamentos alegadamente abusivos por parte da R. CC e que se consubstanciam em:

- Proibição de exportações para outros Estados-Membros da União Europeia, no quadro do contrato de distribuição que vigorava entre a AA e a R.;

- Apropriação do cliente DD e das vendas online, retirando a R. às AA. a parte mais lucrativa dos contratos de distribuição que vigoravam entre as partes;

- Imposição de obrigações suplementares aos contratos de distribuição que vigoravam entre as partes, como seja o despedimento e afastamento de colaboradores da AA, a imposição da venda dos APRs da BB, bem como o despedimento de pessoal associado a esses APRs da BB;

- Definição unilateral dos preços e descontos pelos quais a AA deveria passar a vender produtos da R. aos grandes retalhistas, imposição de encomendas e atrasos nas entregas, definição de quantidades a fornecer aos clientes, recusa de venda de bens e abusos nos serviços de reparação e manutenção;

- Exclusão da AA do mercado, decorrente do facto de a R. ter colocado termo, de forma ilícita e unilateral, à sua relação comercial com a AA, com os consequentes lucros cessantes e despedimento de pessoal daquela A..


Foi proferida pelo tribunal de 1ª instância a seguinte decisão:

 

“Caso Julgado/Incompetência internacional dos tribunais portugueses

A ré começa por invocar na sua contestação a excepção de caso julgado, tendo em conta a decisão proferida no processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do ….

A excepção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira já ter sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigoº 580º, nºs 1 e 2 do C.P.C).

O caso julgado fundamenta-se em razões de segurança e certeza jurídicas.

Efectivamente, as autoras instauraram acção ordinária contra a aqui ré, a qual correu termos como processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do …, a qual terminou com a absolvição da instância da ré, por se ter julgado procedente a invocada excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de … e pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo transitado em julgado.

Com efeito, nesse processo instaurado em 2012 pela AA, S.A. e pela BB, S.A., contra CC International, peticionavam as autoras (cfr. p.i. junta aos autos a fls. 1205 a 1278):

a) Que fosse declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho e do artigo 102.° TFUE;

b) Que fosse declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., designadamente da imposição do contrato AD Agreement, celebrado contra disposição imperativa da lei, proibido ao abrigo do artigo 7.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho;

c) Que fosse a Ré condenada a pagar à AA a quantia de € 39.183.667,40, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento e;

d) Que fosse a Ré condenada a pagar à BB a quantia de €1.042.791,76, acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

As autoras alegavam nessa acção que o peticionado se fundava na responsabilidade civil extra-contratual subjectiva, tendo em conta que a ré alegadamente tinha praticado uma série de actos que consubstanciam práticas restritivas da concorrência, em concreto, práticas abusivas de posição dominante e práticas abusivas de posição dominante e práticas abusivas de dependência económica, previstas nos artigos 6º e 7º da LdC e no artigoº 102º do TFUE.

Esses comportamentos abusivos mostram-se sumariamente descritos nos artigos 529º a 544º da petição inicial apresentada pela autora naquele processo, que infra se transcrevem:

• artigoº 529º: “A AA era informada pela CC dos preços e descontos que esta decidira ou negociara com os clientes da AA, não restando a esta última qualquer opção senão aplica-los”;

• artigoº 530º: “A imposição de um contrato “leonino”, com o súbito, sem precedentes e extraordinário decréscimo das margens de lucro concedidas à AA, e as demais alterações das condições comerciais, nos termos supra descritos, sem que tais modificações fossem objectivamente justificadas nem correspondessem proporcionalmente às alterações das obrigações e à natureza da relação entre as partes, constitui uma imposição unilateral de um preço iníquo como condição para a continuação da relação comercial entre as duas empresas”;

• artigoº 531º: “Estas imposições, bem como todo o conjunto de práticas em seu torno, tiveram por propósito e por efeito tornar economicamente inevitável o negócio da AA, excluindo-a do mercado, e, no entretanto, maximizar a margem de lucro da CC”;

• artigoº 532º: “A CC procurava também impor uma disciplina de preços ao nível retalhista, esforçando-se por impedir importações paralelas de produtos que permitissem aos retalhistas oferecer produtos abaixo dos preços definidos pela CC para o mercado português”;

• artigoº 533º: “A CC pressionava repetidamente a AA a submeter encomendas de produtos, contra a sua vontade, e permitia-se entregar produtos com grandes atrasos que inviabilizavam o seu escoamento pela AA, em especial quando essas entregas eram feitas em cima do lançamento de um novo modelo do mesmo produto e sem o benefício de protecção de preço;

• artigoº 534º: “Quanto à repartição de mercados ou de fontes de abastecimento (alínea d) do nº 1 do artigo 4º da LdC), a CC determinava unilateralmente, como se referiu, não só a quantidade de produtos que fornecia à AA, como ainda as quantidades que deviam ser distribuídos pelos dois canais (Retail e Prosumer) e as quantidades precisas a serem distribuídas pelos principais clientes. Daqui resultou necessariamente uma pré-determinação e limitação pela CC da quota de mercado da AA, ao nível grossista, bem como das quotas de mercado dos grandes e pequenos retalhistas, que não podiam concorrer tão agressivamente quanto desejariam e quanto a AA lhes poderia permitir que fizessem”;

• artigoº 535º: “Em acréscimo, a CC manteve uma política rigorosa e inflexível de repartição dos mercados nacionais da União Europeia, protegendo ilicitamente os territórios atribuídos a cada distribuidor, inviabilizando em geral as exportações pela AA para outros Estados membros e intervindo directamente para impedir a realização de negócios concretos além-fronteiras”;

• artigoº 536º: “A decisão unilateral e injustificada, da CC de se apropriar do principal cliente da AA, a DD, bem como das vendas online em Portugal constituem igualmente abusos desse tipo”;

• artigoºs 537º a 539: “Quanto à aplicação, sistemática ou ocasional, de condições discriminatórias de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes (alínea e) do nº1 do artigoº 4º da LdC, e alínea c) do artigo 102º do TFUE), a CC obrigou sistematicamente a AA a passar aos seus clientes condições discriminatórias por si decididas, tanto no que respeita ao tratamento preferencial das suas lojas especializadas (APRs), como no que respeita à limitação dos produtos que podiam ser disponibilizados aos retalhistas e à imposição de tratamentos preferenciais injustificados entre grandes clientes, tendo ainda repetidamente dado tratamento preferencial à sua Online Store em termos que inviabilizam a concorrência pela AA, nos termos supra referidos”;

• artigoº 540º: “Quanto à recusa, directa ou indirecta, da compra ou venda de bens (alínea f) do n° 1 do artigo 4.°da LdC) e à limitação da distribuição dos investimentos (alínea c) do n° 1 do artigo 4.° da LdC e alínea h) do artigo 102.° do TFUE), a CC recusou injustificadamente fornecer certos produtos a determinados grandes cientes da AA, obrigando esta a recusar as suas encomendas ou mesmo a pôr termo às relações comerciais”;

• artigoº 541º: “Em relação à subordinação da celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objecto desses contratos (alínea g) do n° 1 do artigo 4. da LdC, e alínea d) do artigo 102.° do TFUE), a CC impôs várias condições para manutenção da relação comercial com a BB e a AA que não só não são usuais, como vão muito para além da fronteira de uma relação aceitável entre empresas independentes.

• artigoº 542º: “Assim, a CC tinha por hábito ordenar à AA que nomeasse ou demitisse trabalhadores e mesmo o seu administrador”;

• artigoº 543º: “Recentemente a CC obrigou a BB a vender as lojas de retalho de produtos CC (APRs) que detinha, em condições que sabia que seriam necessariamente muito desvantajosas comercialmente”;

• artigoº 544º: “Quanto à ruptura injustificada, total ou parcial, de uma relação comercial estabelecida (alínea b) do nº 2 do artigo 7º da LdC), a ruptura unilateral da relação comercial, feita de facto pela CC à margem do próprio teor escrito do contrato com a AA, não teve um fundamento legítimo, nem era expectável face à longa duração das relações comerciais das duas empresas, à sucessiva renovação dos contratos, à negociação de um novo contrato meses antes e aos usos neste ramo de actividade económica.”

Em face da factualidade acima elencada, naquele processo foi proferida decisão, entretanto confirmada pelas instâncias superiores, onde se concluiu, ao contrário do que pretendiam as autoras, que a causa de pedir era consubstanciada por factos geradores de responsabilidade civil contratual, derivada da violação por parte da ré de concretos deveres e obrigações que para este resultariam, no caso, de contratos de distribuição celebrados com as autoras.

Sendo certo que, as partes estabeleceram, por escrito, que a competência para dirimir as questões surgidas entre ambas, no âmbito das relações contratuais entre elas estabelecidas, seria dos Tribunais da Irlanda, concluiu-se pela existência de uma excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, decorrente da incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciar as relações contratuais entre as partes.

Transitada em julgado aquela decisão de incompetência internacional dos tribunais portugueses, proferida no referido processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do …, as autoras instauraram a presente acção, também contra a CC International, peticionando:

a) que seja declarada a prática de abusos de posição dominante pela R., ao abrigo do artigo 6.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 11.° da Lei nº 19/2012, de 8 de Maio) e do artigoº 102º TFUE;

b) que seja declarada a prática de abusos de dependência económica pela R., ao abrigo do artigo 7.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho (correspondente ao artigo 12.° da Lei n.° 19/2012, de 8 de Maio);

c) que seja a Ré condenada a pagar à AA, nos termos discriminados, a quantia de €39.068.150,95, acrescidos de juros moratórios à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e

d) que seja a ré condenada a pagar à BB, nos termos discriminados, a quantia de € 1.035.081,31, acrescidos de juros moratórios contados à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.  

Ora, sendo as mesmas partes em ambos os processos, a verdade é que estes pedidos são idênticos aos formulados no referido processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do ….  

Como decorre do artigoº 581º do C.P.C., a repetição de uma causa pressupõe, além da identidade de sujeitos, que se esteja perante o mesmo pedido e a mesma causa de pedir.

Desta forma, resta apurar se a causa de pedir é a mesmo nos dois processos.

Ora, nos presentes autos as autoras fundamentam o peticionado, conforme resulta dos artigos 75º a 88º, 102º a 132º, 151º a 164º, 221º a 281º, 287º a 334º da sua p.i., sintetizados no artigo 400º da p.i., nos seguintes comportamentos abusivos por parte da ré CC:

• proibição de exportações para outros Estados membros da EU, no quadro do contrato de distribuição que vigorava entre a AA e a Ré;

• apropriação do cliente DD e das vendas online, retirando a ré às autoras a parte mais lucrativa dos acordos de distribuição que vigoravam entre as partes;

• imposição de obrigações suplementares aos acordos de distribuição que vigoravam entre as partes, como seja o despedimento e afastamento de colaboradores da AA, a imposição da venda dos APRs da BB, bem como o despedimento de pessoal associado a esses APRs da BB;

• definição unilateral dos preços e descontos pelos quais a AA deveria passar a vender produtos da ré aos grandes retalhistas, imposição de encomendas e atrasos nas entregas, definição de quantidades a fornecer aos clientes, recusa de venda de bens e abusos nos serviços de reparação e manutenção;

• exclusão da AA do mercado, decorrente do facto da CC ter colocado termo de forma ilícita e unilateral à sua relação comercial com a AA, com os consequentes lucros cessantes e despedimento de pessoal daquela autora.  

Desta forma, terá de conclui-se que as autoras voltam a centrar a causa de pedir na execução dos contratos anteriormente celebrados com a ré, uma vez que os ilícitos invocados decorrem da relação contratual que tinham com a ré.

Assim, temos identidade das partes, pedido e causa de pedir nos presentes autos e no referido no processo nº 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do …, onde já foi decidido que os tribunais portugueses não têm competência internacional para apreciar a pretensão das autoras.  

“No entanto, a decisão do tribunal sobre a sua incompetência não tem força alguma fora do processo em que é proferida, o que significa que, transitada em julgado, não é vinculativa nem para o próprio tribunal, em nova acção entre as partes e com o mesmo objecto” – vd. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, fls. 195.

“O caso julgado sobre a incompetência absoluta vale como simples caso julgado formal, não podendo ser alegado pelas partes em processo diferente daquele onde foi proferido” – vd. Ac. do TRP de 09-07-2003, proc. nº 0343295, acessível in www.dgsi.pt.

Dispõe o artigoº 100º do C.P.C que “a decisão sobre incompetência absoluta do tribunal, embora transite em julgado, não tem valor algum fora do processo em que foi proferida, salvo o disposto no artigo seguinte”.

No entanto, o disposto no artigoº 101º não é aplicável às decisões que julguem o tribunal incompetente em razão da nacionalidade, vd. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol 1º, 2º Ed, fls. 324.

Deste modo, terá de concluir-se pela improcedência da invocada excepção de caso julgado, pelo que este tribunal terá se apreciar novamente a questão suscitada pela ré, da incompetência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação do peticionado pelas autoras.  

Ora, as considerações acima expostas quanto a causa de pedir neste processo, em comparação com a causa de pedir no referido processo nº 135/12.7TCFUN, já nos levaram a conclusão que a pretensão indemnizatória das autoras continua a sustentar-se nos contratos celebrados com a ré, ou seja na responsabilidade contratual, pois, caso não existisse tal relação contratual também não se verificavam os alegados ilícitos.

Com efeito, analisada aquela que é a alegação factual apresentada, em tudo idêntica à explanada na anterior acção instaurada pelas autoras contra a ré, concluímos que o peticionado nestes autos se alicerça na forma como se foi desenvolvendo a relação contratual entre autoras e ré, sendo a indemnização peticionada para ressarcir os danos causados pela forma como esse desenvolvimento se foi processando, alegadamente sobre comportamentos violadores daquelas que são as normas de lealdade e cooperação entre partes contratante e dos ditames da boa-fé.

As autoras desenham fundamentalmente a sua acção com base na violação contratual por banda da ré, que, e desde logo, de forma unilateral, sem qualquer justificação para tal, pôs termo ao vínculo entre as partes firmado, sendo essa a essência da acção.  

Toda a alegação factual nos transporta para o comportamento da ré, ao longo da relação contratual entre ambas estabelecida e, na alegação da[s] autoras, pelos comportamentos violadores da boa-fé, das lisura e, também, pelos sucessivos incumprimentos e alterações dos termos dos contratos estabelecidos, culminando numa cessação da relação contratual estabelecida, através de accionamento de garantias bancárias face à falta de pagamento.

Na verdade, conforme se alega na p.i. a autora AA tinha o exclusivo da distribuição no mercado nacional dos produtos produzidos pela ré, sendo que a CC foi adoptando diversos comportamentos que foram colocando em causa essa relação comercial e que terminaram com a alegada cessão ilícita daquela relação contratual.   

Aliás, pretendendo as autoras receber uma indemnização no montante global de €40.103.232,26, a verdade é que desse valor, €33.702.000,00 resultam de lucros cessantes que a AA alega ter deixado de auferir em consequência da ré lhe ter retirado o negócio de distribuição dos seus produtos, o qual perdurava há mais de 20 anos.  

Assim, no essencial, não está em causa uma relação de concorrência entre autoras e ré, mas sim a alegada violação dos contratos que ligavam as partes, sendo certo que as autoras aceitaram determinadas imposições, como contrapartida da manutenção dos contratos que tinham com a ré, para distribuição dos produtos desta.  

Não sendo as autoras entidade terceiras - que sofreram os alegados danos – em função da actuação da ré, mas sim, partes contratantes que alegadamente sofreram tais danos na sequência e por causa da forma como a relação contratual que entre ambas se estabelecera foi desenvolvida, teremos de concluir que está em causa uma violação contratual.

Com efeito, atenta a factualidade carreada pelo p.i., em primeira linha, temos uma violação das normas e cláusulas estabelecidas entre as partes e, bem assim, daquelas que são as regras gerais estabelecidas para a negociação entre as partes, e, simultaneamente e em segunda linha, uma eventual violação das regras de livre concorrência.   

Consubstanciando o mesmo comportamento as duas violações – ou sendo susceptível de o consubstanciar – temos a possibilidade de uma duplicidade de violações, contratual e extracontratual, sendo que esta última, face à alegação apresentada, não se revela susceptível de ser desassociada das violações contratuais.  

Acresce que imputação feita à ré tem o seu ponto de partida na relação contratual entre ambas estabelecida, que as autoras integram como sendo violadora de vários princípios, entre eles o da igualdade das partes (integrado pelo alegado abuso de posição dominante, obtido em função da forma como se desenvolveram os contratos entre ambas celebrados) e da lealdade e boa-fé (integrado pela usurpação de clientes que obteve em função desse mesmo contrato).  

Deste modo, toda a alegação das autoras desemboca em alegados comportamentos da ré, sempre levados a cabo no desenvolvimento dos contratos estabelecidos, susceptível de acusar a existência de uma actuação ilícita (por violação do dever de lealdade e da actuação de acordo com os ditames da boa-fé), desenvolvida no âmbito de uma relação contratual e, consequentemente, entendemos nós, integradora de uma responsabilidade contratual.  

Na verdade, toda a economia do contrato e todo o período de execução do contrato vincula os contraentes, não apenas ao cumprimento formal dos deveres da prestação que sobre eles impende, mas também à observância do comportamento que não destoe da ideia fundamental da leal cooperação que está na base do contrato. Temos, assim, que também a violação de deveres de lealdade, lisura, correcção (no fundo, de boa-fé) pode ser originadora de uma responsabilidade contratual e geradora de uma responsabilidade de indemnizar. Isto porque, um acto que isoladamente - ou seja, retirado de um contexto de relação contratual - possa ser avaliado como lícito (ou ilícito), pode originar, numa análise à luz de uma relação contratual e ponderada a sua natureza violadora dos princípios da boa-fé, da lealdade e dos bons costumes, uma situação de responsabilidade contratual e de obrigação de indemnizar.

Havendo um abuso de direito de uma das partes contratantes – por não cumprir esses deveres de lealdade e de cooperação –, na fase que precede a contratação e na fase que integra a execução contratual, a outra parte tem a possibilidade de accioná-la e pedir-lhe indemnização ressarcitiva, fundada na responsabilidade contratual, por violação desses mesmos limites da boa-fé, dos bons costumes e da lealdade contratual.   

Ponderado tudo quanto vem de dizer-se – e tendo, inclusivamente em atenção o expressamente previsto e exarado no artigo 9º, da Lei da Concorrência – entendemos que no caso concreto nos debruçamos sobre danos advindos do desenvolvimento de uma relação contratual e, consequentemente, integrados no instituto de responsabilidade contratual.  

A conclusão seria diferente caso a alegação efectuada pelas autoras se situasse no âmbito de relações de comércio geral, em que autoras e ré não haviam estabelecido qualquer contratação entre si, mas, sendo concorrentes (exercendo actividade comercial dentro da mesma área de comércio e dentro do mesmo público alvo), as autoras vissem a sua actividade prejudicada pela actuação da ré que, tomando partido da sua maior dimensão, activasse atitude de venda, distribuição e marketing agressivas, em clara violação das regras de mercado. Enquanto entidade de actuação paralela (e já não cruzada, como acontece no caso), as autoras poderiam, aí sim, alegar a existência, tout court, de violação de normas de concorrência, integradoras de ilícito civil e, consequentemente, conducentes a uma situação de exclusiva responsabilidade extracontratual.  

Conforme já referimos, os factos alegados são indissociáveis da relação contratual estabelecida, em especial com a autora AA, da sua forma de desenvolvimento ao longo dos anos e dos sucessivos comportamentos que a ré veio adoptando ao longo dessa relação contratual.  

Deste modo, para apreciar as questões suscitadas pelas autoras, terão sempre de ser analisados os contratos que celebraram com a ré, sendo incontornável que continuamos perante uma causa de pedir centrada na responsabilidade contratual.  

A indemnização peticionada assenta materialmente, e na realidade, num alegado incumprimento de obrigações assumidas e de contratos celebrados entre as partes, bem como nos deveres acessórios de boa fé e lisura nas relações contratuais.  

Estando assente que se discutem in casu questões relativas à responsabilidade contratual e não à extracontratual, não pode deixar de se aceitar a competência convencionada, tanto nos contratos firmados entre a CC e a AA, como nos firmados entre a CC e a BB, dos tribunais da Irlanda (arbitrais ou judiciais), por força do citado artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001.  

Estabelecida a natureza contratual da indemnização peticionada, analisemos a questão da competência internacional, tendo presente que as autoras têm sede no Funchal e a ré tem sede na Irlanda.  

Da análise dos documentos apresentados aos autos, concluímos que as partes estabeleceram, por escrito, que a competência para dirimir as questões surgidas entre ambas, no âmbito das relações contratuais entre elas estabelecidas, seria dos Tribunais da Irlanda (sendo que, nada tendo consignado para além disso, a atribuição de competência se revela exclusiva, conforme disposto pelo artigoº 23º do Regulamento 44/2001).  

Com efeito, no que se refere aos contratos celebrados entre a CC e a AA, dispôs-se na cláusula n.º 16 do contrato IMC Agreement, junto pelas AA. como Doc. 12 da p.i. do processo de 2012, ora junta a fls. 1360v: “All disputes arising out of this Agreement shall be brought before the jurisdiction of the Irish Courts." (tradução: “Todos os litígios decorrentes do presente Acordo serão submetidos à jurisdição dos tribunais irlandeses”).

Por sua vez, a Cláusula 13.1 do VAD Agreement (cfr. fls. 1379) estabelecia: “This Agreement and the corresponding relationship between the parties shall be governed by and construed in accordance with the laws of the Republic of Ireland and the parties submit to the jurisdiction of the courts of the Republic of Ireland.” (tradução: “Este Acordo e a correspondente relação entre as partes serão regidos e interpretados de acordo com as leis da República da Irlanda e as partes submetem-se à jurisdição dos tribunais da República da Irlanda”).   

Por fim, o AD Agreement (cfr. fls. 1381 a 1383) não alterou os termos da Cláusula 13.1 do VAD Agreement, pelo que se manteve, por força da celebração do AD Agreement, a cláusula 13.1 constante do VAD Agreement.  

Também no que se refere aos contratos celebrados entre a CC e a BB, estabelece a Cláusula 12.1 do contrato junto como Doc. 26 da p.i. de 2012, p.i. ora junto a fls. 1423v a 1429, o seguinte: “This Agreement and the corresponding relationship between the parties shall be governed by and construed in accordance with the laws of the Republic of Ireland and the parties submit to the jurisdiction of the courts of the Republic of Ireland.” (tradução: “Este Acordo e a correspondente relação entre as partes serão regidos e interpretados de acordo com as leis da República da Irlanda e as partes submetem-se à jurisdição dos tribunais da República da Irlanda”).  

E, quanto ao contrato firmado entre a CC e a BB junto como Doc. 27 da p.i. do processo de 2012, junto aos presentes autos a fls. 1429v a 1436, denominado “CC Premium Reseller Addendum to CC Authorized Reseller Agreement”, dispunha o respectivo ponto 7 que “This Addendum is incorporated into and made a part of the Reseller Agreement, as if such Reseller Agreement was fully set forth herein. The Reseller Agreement remains in full force and effect, and both the terms of the Reseller Agreement as well as the additional terms in this Addendum govern the relationship between CC and the Reseller.” (tradução: “Esta Adenda é incorporada e faz parte do Acordo de Revenda, como se o Contrato de Revenda estivesse totalmente estabelecido aqui. O Contrato de Revenda permanece em pleno vigor e efeito, e ambos os termos do Contrato de Revenda, bem como os termos adicionais nesta Adenda regem a relação entre a CC e o Revendedor”).

Ora, não constando, do Contrato junto como Doc. 27 da p.i. de 2012, que aqui se mostra junto a fls. 1429v a 1436, qualquer cláusula de jurisdição, há que aplicar-se o que prevê a cláusula 12.1 do “Reseller Agreement” junto como Doc. 26 da p.i. de 2012 (ora junto a fls. 1423v a 1429), que confere competência para dirimir as questões existentes entre as partes ao Tribunal da República da Irlanda.  

Conclui-se que os Tribunais Portugueses carecem de competência internacional para conhecerem das questões suscitadas pelas autoras, relativas à responsabilidade contratual entre empresas de dois Estados-Membros da União – incluindo aí a responsabilidade pré e pós-contratual -, as partes convencionaram entre si, por escrito, atribuí-la aos Tribunais da República da Irlanda.   

Preceitua o artigo 5º, do Regulamento 44/2001, de 16 de Janeiro, que “Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: 1. a) em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados; c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.  

Por seu turno, o artigo 23º, do Regulamento 44/2001, de 16 de Janeiro, estabelece “1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado. 2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à forma escrita”.  

Significa o que vem de dizer-se que às partes é permitido, estabelecer o Tribunal que pretendem que dirima as questões entre elas surgidas, desde que estabeleçam tal cláusula por escrito e que tal Tribunal seja situado num dos Estado membros.  

Da análise dos documentos apresentados aos autos, concluímos que as partes estabeleceram, por escrito, que a competência para dirimir as questões surgidas entre ambas, no âmbito das relações contratuais entre elas estabelecidas, seria dos Tribunais da Irlanda (sendo que, nada tendo consignado para além disso, a atribuição de competência se revela exclusiva, conforme disposto pelo 23º artigo do Regulamento 44/2001).  

Temos, portanto, que as partes estabeleceram um pacto de jurisdição, cumprindo os requisitos próprios do artigo 23º, do Regulamento 44/2001 (aplicável in casu, face ao alegado pelas partes e ao expressamente consignado no artigo 8º, da Constituição da República Portuguesa, no que respeita à aplicação do direito Comunitário) – sendo que a validade deste pacto de jurisdição é aferida à luz do Regulamento nº44/2001, e não segundo o direito interno, pois conforme jurisprudência do TJCE, a noção de pacto atributivo de jurisdição do artigo 17º da Convenção de Bruxelas, extensível ao artigo 23º, do Regulamento, é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados contratantes, prevalecendo sobre estes, designadamente quando fixem requisitos mais exigentes de forma.  

Mostra-se, desta forma, estabelecida a competência nos Tribunais do Estado da Irlanda, razão pela qual se conclui que este Tribunal não possui competência para aferir da matéria em causa.  

Na verdade, tendo as partes celebrado, entre si e ao abrigo da norma supra citada, um pacto de jurisdição, não sendo o mesmo inviabilizado por razões de ordem formal – pois que cumpre os requisitos estabelecidos pelo normativo referido – nem por razões de ordem pública – já que não estão em causa interesses ou direitos que se mostrem elencados nos artigos 63º e 94º, do Código de Processo Civil e artigos 22º e 23º, do Regulamento 44/2001 – concluímos que o acordo celebrado, quanto à competência para dirimir o litígio destes autos se revela válido e, consequentemente, competentes para conhecer destes autos são os Tribunais da Irlanda.

Nestes termos, julgo procedente a excepção dilatória da incompetência internacional, por violação de pacto de atribuição, decidindo-se ser competente para dirimir o presente pleito os Tribunais da Irlanda.  

Sendo os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para julgar a presente acção, por a competência estar deferida pelo Regulamento 44/2001, aos tribunais irlandeses e não concretizando o referido Regulamento as consequências da incompetência do tribunal, entendemos que se deve aplicar ao caso as normas próprias, neste aspecto, do direito interno, que determinam que a incompetência por violação das regras de competência directa nele positivadas, configura uma situação de incompetência absoluta (artigo 96º, do Código de Processo Civil), que implica a absolvição da instância (artigos 278, nº1, alínea a), 576º, n.º2 e 577º, alínea a), todos do Código de Processo Civil). – Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27/11/2007, com o n.º de processo 9/07.3TBOFR.C1.

Em face do exposto:

• julgo improcedente a invocada excepção de caso julgado;

julgo procedente a invocada excepção dilatória de incompetência e, em consequência, absolvo a ré da presente instância”. [negritos nossos]


Inconformadas, as AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a revogação da decisão recorrida.

Por acórdão de fls. 3020 foi o recurso julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida com idêntica fundamentação.


2. Vêm as AA. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, formulando as seguintes conclusões:


“I. A Revista que ora se interpõe tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação de … de 20.3.2018, que, mantendo a decisão proferida em 1.ª instância, confirmou como a procedência da exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses arguida pela Ré CC.

II. Para o efeito, começou o Tribunal recorrido por sustentar que "[a] questão jurídica essencial em apreço centra-se em torno da possibilidade das AA. reacenderem a discussão em juízo dos factos constitutivos do seu direito e da atribuição de uma indemnização neles fundada", entendendo que "o que os AA. visam é, conferindo uma nova perspectiva/roupagem jurídica aos mesmíssimos factos apresentados [no processo n.° 135/12.7TCFUN], lograr obter aquilo que lhes foi anteriormente negado: o julgamento da causa junto das instâncias nacionais, evitando os gastos e e incómodos associados a uma lide processada empais estrangeiro".

III. Assim, a partir deste pré-juízo tácito, o Tribunal a quo parte para a fundamentação da decisão recorrida, a qual se resume, no essencial, à visão (errónea) de que, contrariamente ao por estas expressamente invocado na petição inicial, "o que terá pretensamente acontecido, na óptica das demandantes, foi o incumprimento pela Ré de obrigações jurídicas de natureza jurídico-privada, que manteve durante largos anos comas AA.",

IV. Razão pela qual "[n]ão tem, assim, lugar a aplicação do artigo 5º, n° 3, do Regulamento (CE) n° 44/2001, de 16 de Janeiro - que constitui o actual artigo 7° do Regulamento (EU) 1215/2012, de 12 de Dezembro, do Parlamento do Conselho da União Europeia, no qual se pode ler, a propósito do critério de atribuição de competência internacional dos tribunais de vários Estados-membros: «Em matéria extracontratual, perante o tribunal onde ocorreu, ou poderá ocorrer o facto danoso»".

V. Porém, o Tribunal recorrido andou mal, porque não é de responsabilidade contratual que trata a presente ação - muito menos configurando a mesma uma "segunda ação" em que as Recorrentes pretendem reacender qualquer discussão anterior ou conferir novas roupagens às suas pretensões.

VI. Pelo contrário, as vestes são exatamente as mesmas, sendo certo que, desta vez, as Autoras cuidaram de deixar assinalada, expressamente, na introdução da sua Petição Inicial, que a sua opção era a da responsabilização da demandada com recurso às regras da responsabilidade civil extracontratual.

VII. É essencialmente sobre essa questão que versa a presente Revista.

VIII. Isto é, pretende-se submeter à apreciação deste Supremo Tribunal a questão essencial de saber se existe espaço, no ordenamento jurídico nacional, para a aplicação de um princípio de opção em caso de concurso aparente das normas de responsabilidade civil contratual e extracontratual.

IX. Subsidiariamente, em face da incontornável natureza extracontratual da responsabilidade civil adveniente da violação de normas de direito da concorrência, não podem as Recorrentes deixar de suscitar e requerer, para o caso de o douto Tribunal ad quem entender afastar-se da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que aponta nesse justo sentido, o acionamento do mecanismo de reenvio prejudicial imposto pelo artigo 267.°, § 3, do TFUE.

Assim:

X. As Recorrentes AA e BB desempenharam, respetivamente, desde há mais de 20 anos e até outubro de 2011, as atividades de distribuidor e revendedor autorizados, e exclusivos, de produtos CC no território nacional.

XI. A Recorrida, por seu turno, era detentora em Portugal, à data dos factos em apreço, de uma posição dominante correspondente a uma variação entre 61,5% e 75% de quota no mercado dos tablets (ditos "iPads"), e correspondente a uma variação entre 92,4% e 96,3% de quota no mercado dos leitores digitais de música (ditos "iPods").

XII. No entanto, a partir de meados de 2008, a CC iniciou uma estratégia comercial que teve como único e exclusivo objetivo a exclusão da AA e da sua acionista BB do mercado em que competiam, e a qual implicou a exploração pela CC da posição de subordinação económica em que se encontravam as Recorrentes em favor dos interesses e do lucro da Recorrida.

XIII. No quadro da execução dessa estratégia, a Recorrida adotou uma série de comportamentos abusivos, ostensivamente violadores das regras da concorrência, entre os quais:

i. fixação de preços e descontos;

ii. imposição de encomendas e definição de quantidades a fornecer a determinados clientes;

iii. proibição de exportações para outros Estados membros da UE;

iv. apropriação do cliente DD;

v. apropriação do canal de vendas online;

vi. aplicação de condições discriminatórias e apropriação das vendas online;

vii. recusa no fornecimento de bens destinados a grandes clientes da AA;

viii. ingerência na estrutura de recursos humanos da AA;

ix. imposição à BB de venda dos seus dois estabelecimentos comerciais.

XIV. Ora, em decorrência desses comportamentos, as Recorrentes sofreram prejuízos patrimoniais de elevado montante, e que ditaram a sua evicção do mercado.

XV. Tais comportamentos constituem - todos eles - práticas restritivas da concorrência, mais especificamente, práticas abusivas de posição dominante e práticas abusivas de dependência económica, previstas e punidas, respetivamente, nos artigos 4.°, 6.° e 7.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de junho (e nos correspondentes e, para este efeito, inalterados artigos 11.° e 12.° da Lei n.° 19/2012, de 8 de maio), e no artigo 102.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

XVI. Durante o período temporal em apreço nos presentes autos, a Recorrida cometeu, portanto, relativamente às Recorrentes e, direta ou indiretamente, aos seus clientes, práticas comerciais tipificadas como abusivas na legislação de defesa da concorrência aplicável.

XVII. E esta é a verdadeira e única causa dos pedidos formulados pelas Recorrentes da presente ação.

XVIII. Com efeito, o que se pretende discutir é, única e exclusivamente, a aferição da responsabilidade civil extracontratual da Recorrida CC pela prática de condutas manifestamente violadoras de normas de Direito da Concorrência.

XIX. Não obstante, unicamente com base numa circunstância acidental e independentemente dos pedidos, da causa de pedir e de toda a argumentação, as instâncias entenderam, como se viu, que a eventual responsabilidade civil que haverá de ser assacada à Ré reveste natureza contratual, e não extracontratual, e que o fundamento da ação proposta pelas ora Recorrentes residiria numa (não alegada) violação por parte da Ré das obrigações contratuais estabelecidas naqueles acordos.

XX. Assim, tendo as instâncias decidido como decidiram, a questão essencial que se coloca à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça prende-se, conforme supra se identificou, com a questão de saber se, deparado perante uma situação de facto que, em abstrato, convoque tanto a aplicação do regime da responsabilidade civil contratual como da responsabilidade civil extracontratual, assiste ou não ao sujeito lesado o direito de optar pelo regime que, em concreto, se lhe mostre mais favorável.

Ora,

XXI. As Recorrentes têm como incompreensível o entendimento, que perpassa pela decisão recorrida, de que a simples existência de uma relação comercial entre as partes conduz, necessariamente, a que qualquer litígio que as venha a opor se haja de resolver com recurso às regras que regulam a responsabilidade civil contratual.

XXII. Não obstante, a presente hipótese admite que no caso vertente se esteja, como o assinalaram as instâncias, perante um exemplo típico de concurso de responsabilidades, no sentido em que uma mesma factualidade, ao mesmo tempo que representaria uma violação de deveres contratuais (principais ou acessórios), representa também uma violação culposa de direitos absolutos e normas de proteção.

XXIII. Assim, sempre se terá de aceitar, nesse caso, que estarão em causa factos ilícitos geradores de duas espécies de responsabilidades;e se terá de perguntar se poderia o credor optar por um ou outro regime, ou, concretamente, se é admissível que o titular do direito opte pelo regime delitual em detrimento do regime da responsabilidade civil contratual.

XXIV. Apesar de a questão ter sido expressamente suscitada pelas Recorrentes logo na Petição Inicial - por se mostrar a mesma relevante para a solução a dar aos autos -, o Tribunal da Relação de … absteve-se de se pronunciar sobre a mesma, antes a contornando habilidosamente, como já havia sucedido, de resto, no texto da decisão da 1.ª instância, onde se referia apenas que, "consubstanciando o mesmo comportamento as duas violações - ou senão susceptível de o consubstanciar - temos a possibilidade de uma duplicidade de violações, contratual e extracontratual, sendo que esta última, face à alegação apresentada, não se revela susceptível de ser desassociada das violações contratuais".

XXV.         Com o devido respeito, esta jurisprudência não tem qualquer racionalidade nem razoabilidade, além de não obter qualquer amparo na doutrina ou na jurisprudência, pois conduz a um resultado de nunca serem admissíveis ações de indemnização por violação das proibições legais (de direito da concorrência ou outras) sempre que existam relações comerciais entre as partes em litígio.

XXVI. Como se demonstrou na Petição Inicial, a doutrina nacional já se debruçou sobre a questão em apreço, formulando-a nos seguintes termos: "poderá o credor/lesado optar pelo regime da responsabilidade extracontratual, por este o favorecer melhor, no caso concreto, apesar de estarem preenchidos os requisitos da responsabilidade contratual do devedor/lesante?" (por todos, António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, 2.ª reimp., Coimbra: Almedina, 2011, p. 429).

XXVII. Com efeito, "[n]ão se trata, é bom de ver, de o credor obter duas indemnizações, mas antes de obter uma única, gozando, porém, da liberdade de escolher, para esse efeito, o regime contratual ou o regime extracontratual"', "[n]em se trata, de igual modo, de várias pretensões, mas de uma única pretensão, só que várias vezes fundada (einen einzigen nur mehrfach begründeten Anspruch) e, por isso, de um concurso de normas que fundamentam a mesma pretensão (Anspruchnormenkonkurrenz), não de um concurso de pretensões (Anspruchskonkurrenz) - António Pinto Monteiro, cit., p. 429.

XXVIII. A resposta a este problema já havia sido conferida, entre nós, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, por Vaz Serra, justamente no sentido de que "com o contrato, se não exclui o dever geral de não ofender os direitos ou interesses alheios protegidos pelas regras da responsabilidade delitual" e de que, portanto, "quando a violação do contrato for, ao mesmo tempo, um facto ilícito gerador de responsabilidade delitual nos termos gerais desta responsabilidade, o lesado parece dever ter o direito de invocar, à sua escolha, as regras de uma ou da outra responsabilidade, conforme melhor lhe convier" - Adriano Paes da Silva Vaz Serra, Responsabilidade contratual e extracontratual, in BMJ, n.° 85, 1959, pp. 230 e 231.

XXIX. E é também nesse sentido que apontam as teses de Rui de Alarcão (Direito das Obrigações, ed. policopiadas, Coimbra, 1983, pp. 209 e ss.), Mota Finto (Cessão da Posição Contratual, Coimbra, 1970, p. 411), Mota Pinto/Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor, in Direito Civil, Coimbra, 1980, pp. 148-149), Pedro Romano Martinez (Cumprimento Defeituoso - Em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Coimbra: Almedina, 2.ª reimp., 2015, pp. 232-233) e de António Pinto Monteiro, que conclui que "a solução mais razoável, dentro do espírito que enforma a ordem jurídica portuguesa, é a que Vaz Serra propunha, devendo permitir-se ao lesado, em principio, a faculdade de optar por uma ou outra espécie de responsabilidade (e, quiçá, de cumular, na mesma acção, regras de uma e outra, à sua escolha)" (António Pinto Monteiro, cit., pp. 430 e 431).

XXX.          O escopo de proteção do lesado é, efetivamente, o que tem levado o douto Supremo Tribunal de Justiça a considerar que, em caso de concurso, a opção pelo regime da responsabilidade contratual é a que se revela tipicamente mais adequada a essa proteção, por se mostrar genericamente mais favorável ao lesado (assim, os acórdãos do STJ de 1.10.2015, proc. 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, de 2.6.2015, proc. 1263/06.3TVPRT.P1.S1, de 11.6.2013, proc. 544/10.6TBSTS.PI.SI, de 15.12.2011, proc. 209/06.3TVPRT.P1.S1, de 15.09.2011, proc. 674/2001.P1.S1, de 17.12.2009, proc. 544/09.9YFLSB, todos em www.dgsi.pt).

XXXI. E assim, nos casos em que, diferentemente, seja o regime da responsabilidade extracontratual o que mais garantias e maior proteção confira ao lesado, a opção pela via aquiliana tem necessariamente de lhe ser admitida.

XXXII. Por isso, como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em caso análogo, "a causa de pedir invocada [nos presentes autos] corresponde [justamente] à opção pela responsabilidade civil delitual e não à responsabilidade contratual" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.1987, in BMJ, n.° 370, pp. 529 e ss.

XXXIII. Também segundo o mesmo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 9.4.2003, "a competência material tem de ser aferida pelos termos em que o Autor propõe a acção, seja quanto aos elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde deriva esse direito) seja quanto aos elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal, ensina Redenti, afere-se pelo "quid disputantum" ("quid decidendum em síntese, com aquilo que será mais tarde o "quid decisum"); é o que se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. [...] Afere-se, portanto, a competência material do tribunal pela substância do pedido formulado e pelos factos concretizadores da causa de pedir".

XXXIV. Por isso, centrando-se a causa de pedir apresentada pelas Recorrentes na responsabilidade civil extracontratual que para a Recorrida deriva da prática de comportamentos abusivos contrários às normas de defesa da concorrência, não pode assistir nenhuma razão ao Tribunal a quo quando este confirma a decisão de incompetência proferida nos presentes autos.

XXXV. Pelo contrário, sendo extracontratual a causa dada pelas Recorrentes à presente ação, a competência para o seu julgamento é dos tribunais portugueses, atendendo a que foi em Portugal que os factos ilícitos foram praticados e produziram os seus efeitos, dispondo o Regulamento (CE) n.° 1215/2012, no § 2) do seu artigo 7.° que as pessoas domiciliadas num Estado membro podem ser demandadas noutro Estado membro, "[e]m matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso".

XXXVI. A solução perfilhada na decisão recorrida mostra-se, por tudo o exposto, desacertada tanto no plano fáctico como jurídico, conduzindo, na verdade, a uma verdadeira denegação de justiça por parte dos tribunais portugueses, ao obrigar as Recorrentes a submeterem-se à discussão judicial dos seus direitos nos tribunais da Irlanda, com os encargos a isso inerentes, os quais se mostram totalmente incomportáveis para as Recorrentes em face do estrangulamento financeiro a que foram votadas pela Recorrida, o qual despoletou inclusivamente a sua atual situação de insolvência.

XXXVII. E com um risco elevadíssimo de também estes - os tribunais do Estado membro onde está sedeada a CC - se declararem incompetentes, justamente pelas razões que, no entender da Recorrente, determinam a competência internacional dos Tribunais portugueses.

XXXVIII. Deverá, por isso, ser revogada a decisão recorrida e substituída a mesma por outra que, em conformidade, julgue competentes os tribunais portugueses para a apreciação da presente ação, determinando o prosseguimento dos presentes autos até final.

Assim não se entendendo,

XXXIX. In casu, as instâncias socorreram-se, como se viu, da aplicação, ao presente caso, do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 (doravante, "Regulamento Bruxelas I" ou "Regulamento n.° 44/2001"; hoje, Regulamento (UE) n.° 1215/2012), relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, para concluir pela validade das cláusulas atributivas de jurisdição constantes dos vários contratos celebrados.

XL. Fizeram-no, porém, sem fundamento.

XLI. Com efeito, é hoje jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia, por um lado, que a violação de normas de direito da concorrência carece de ser apreciada com recurso às regras que regulam a responsabilidade civil extracontratual;

XLII. E, por outro lado, que mesmo nos casos em que tal responsabilidade seja enquadrada por relações contratuais, presentes ou passadas, no âmbito das quais hajam sido convencionadas cláusulas atributivas de foro ou competência para a resolução dos litígios surgidos dessas mesmas relações, tais cláusulas não abrangem, por natureza, os litígios que surjam com base na violação por uma contraparte de normas de Direito da Concorrência, salvo quando tiverem sido expressamente previstas regras quanto à jurisdição nestas matérias específicas.

XLIII. Com efeito, quanto ao primeiro aspeto mencionado, tal é o que resulta diretamente da legislação da União Europeia, em especial, do Regulamento Roma II, e, mais recentemente, da Diretiva 2014/104/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014.

XLIV. Além disso, como não poderia deixar de suceder, tal solução é também a que se encontra consagrada no artigo 3.° do diploma de transposição para a ordem jurídica nacional da citada Diretiva, aprovado em votação final global na Assembleia da República no passado dia 20.4.2018, que expressamente dispõe que a responsabilidade decorrente de uma infração jus-concorrencial é sempre de natureza extracontratual, independentemente de ter subjacente uma relação contratual ou não: «a empresa ou associação de empresas que cometer uma infração ao direito da concorrência fica obrigada a indemnizar integralmente os lesados pelos danos resultantes de tal infração, nos termos previstos no artigo 483.° do Código Civil».

XLV. E é também nesse sentido a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, com destaque para o acórdão flyLAL-Lithuanian Airlines, proc. C-302/13, de 23.10.201411, no qual o Tribunal de Justiça decidiu, de forma perentória, que tendo a ação proposta pelo demandante "por objeto a reparação do prejuízo associado a uma alegada infração ao direito da concorrência"', a mesma "ê do domínio do direito da responsabilidade civil extracontratual" (parágrafo 28).

XLVI. Por outro lado, no que ao segundo aspeto evidenciado diz respeito, e ainda que fosse possível afastar a evidência de que as normas de direito da concorrência consubstanciam normas de ordem pública material e que a sua violação acarretaria responsabilidade extracontratual, a verdade é que o Tribunal de Justiça pronunciou-se, também muito recentemente, no acórdão CDC/Evonik Degussa e o., de 21.5.2015, proc. C-352/1312, em termos que, aderindo na perfeição aos factos do caso sub juãice, contrariam, porém, frontalmente, o juízo do Tribunal recorrido de que ora se recorre.

XLVII. O que estava em causa no processo era, justamente como nos presentes autos, a "articulação entre, por um lado, disposições do direito primário que garantem uma livre concorrência na União Europeia e, por outro, disposições do direito internacional privado da União que dizem respeito à competência judiciária em matéria civil e comercial".

XLVIII. Desde logo, as empresas diretamente lesadas no proc. CDC/Evonik Degussa e o. tinham, tal como nos presentes autos, uma prévia relação comercial com as empresas infratoras, assente em vários contratos de onde constavam cláusulas atributivas de jurisdição que derrogavam as regras de competência internacional previstas, designadamente, o artigo 5.°, n.° 3 do Regulamento n.° 44/2001.

XLIX. As semelhanças com os presentes autos são evidentes, pois que em ambos os casos:

i. as infrações às normas de concorrência têm por base a existência de uma prévia relação contratual entre as partes;

ti. os contratos celebrados entre as partes dispunham de cláusulas atributivas de jurisdição que dizem respeito a litígios que tenham surgido ou que possam surgir dessa relação jurídica;

iii. foi suscitada a exceção de incompetência do órgão jurisdicional, através da invocação das referidas cláusulas atributivas de jurisdição constantes desses contratos;.

L. Em suma, em ambos os casos, a questão principal - tal como o órgão jurisdicional de reenvio no proc. CDC/Evonik Degussa e o. a colocou - está em saber se, no caso de as cláusulas atributivas de jurisdição abrangerem os direitos de indemnização alegados, o princípio de uma execução eficiente da proibição de violação das regras de direito da concorrência no direito da União Europeia (esteja em causa o artigo 101.° e/ou o artigo 102.° do TFUE ou mesmo disposições equivalentes de direito nacional) impede que essas cláusulas sejam aplicadas quando o tribunal chamado a pronunciar-se sobre um pedido desta natureza tem competência ao abrigo do artigo 5.°, n.° 3 do Regulamento Bruxelas I.

LI. Ora, na análise que fez no proc. CDC/Evonik Degussa e o., o Tribunal de Justiça começou por sufragar a posição do órgão jurisdicional de reenvio que tinha dado "por adquirido" que ações desta natureza (i.e., ações de indemnização por infração ao direito da concorrência) dizem respeito à matéria extracontratual visada pelo artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento Bruxelas I.

LII. Depois, o Tribunal de Justiça chegou à análise concreta da questão principal: saber se quando esteja em causa uma violação do direito da concorrência, a existência de uma cláusula atributiva de jurisdição que figure num contrato pode ou não continuar a produzir os seus efeitos na esfera das relações entre as partes que concordaram em celebrar esse contrato, e derrogar a norma de atribuição de competência internacional constante do artigo 5.°, n.° 3 do Regulamento Bruxelas I.

LIII. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que "[u]ma cláusula atributiva de jurisdição só pode dizer respeito a litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, o que limita o alcance de um pacto atributivo de jurisdição apenas aos litígios que têm a sua origem na relação de direito na altura em que esse pacto foi celebrado. Esta exigência tem por objetivo evitar que uma parte seja surpreendida pela atribuição, a um foro determinado, dos litígios que surjam nas relações havidas com a outra parte contratante e que encontrariam a sua origem noutras relações para além das surgidas na altura em que a atribuição de jurisdição foi acordada".

LIV. Para afastar qualquer tipo de dúvida, o Tribunal de Justiça esclareceu que "[à] luz deste objetivo, o órgão jurisdicional de reenvio deverá considerar designadamente que uma cláusula que se refere, de modo abstrato, aos litígios surgidos nas relações contratuais não abrange um litígio relativo à responsabilidade extracontratual em que um cocontratante alegadamente incorreu em resultado do seu comportamento conforme com um cartel ilícito".

LV. Com efeito, "dado que tal litígio não é razoavelmente previsível para a empresa vítima no momento em que deu o seu consentimento à referida cláusula, por, nessa época, desconhecer o cartel ilícito que envolve o seu cocontratante, não se pode considerar que o mesmo tem origem nas relações contratuais. Em consequência, tal cláusula não derroga validamente a competência do órgão jurisdicional de reenvio".

LVI. Este entendimento deve ser integralmente aplicado nos presentes autos, uma vez que jamais se poderá concluir no caso vertente que, na data em que celebraram os referidos acordos, as Recorrentes, anteviam ou deviam antever que a CC adotasse práticas de abuso cujo objetivo ou efeito seria a exclusão/evicção das Recorrentes do contrato, do mercado, e posteriormente, a sua própria insolvência.

LVII. Só não seria assim se as cláusulas contratuais já visassem direta e explicitamente esses litígios: "[e]m contrapartida, perante uma cláusula que faz referência aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência e que designa um tribunal de um Estado-Membro diferente do Estado-Membro do órgão jurisdicional de reenvio, este deve declarar-se incompetente, mesmo quando essa cláusula exclui as regras de competência especiais, previstas nos artigos 5.° e/ou 6° do Regulamento n.° 44/2001".

LVIII. Ou seja, para o pacto atributivo de jurisdição poder ser aplicado, seria necessário que as Partes visassem regular estes litígios expressamente no contrato.

LIX. O que não sucede no caso em apreço. O pacto atributivo constante dos acordos entre as Partes, mormente, do AD Agreement ou do VAD Agreement, não se refere a litígios que tenham na sua origem a violação da lei (para mais de normas materialmente auto-limitadas ou de aplicação necessária e imediata) mas apenas os litígios "arising out of this agreeement"!

LX. Deste modo, a resposta do Tribunal de Justiça à questão prejudicial suscitada deverá ser inteiramente aplicável aos presentes autos: «o artigo 23°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que permite, em caso de pedido de indemnização em razão de uma infração ao artigo 101.° TFUE (...) ter em conta cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos de fornecimento, mesmo que isso implique a derrogação das regras de competência internacional previstas nos artigos 5°, n.° 3 e/ou 6.°, n.° 1, do referido regulamento, desde que essas cláusulas se reportem aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência».

LXI. Não poderá, por isso, também por esta via, deixar de se dar por não verificada qualquer exceção de incompetência material dos tribunais portugueses, impondo-se a revogação do acórdão recorrido por esta via.

Caso assim não seja entendido:

LXII. Pelas razões e jurisprudência constante do Tribunal de Justiça referidas supra, entendem as Recorrentes que, caso o digno Tribunal ad quem se entenda afastar da mesma, é fundamental e, por se tratar de decisão em última instância que se confronta com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, obrigatório que seja desencadeado o mecanismo de reenvio imposto pelo artigo 267. °, § 3, do Tratado FUE, e suscitadas diversas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça da União Europeia

LXIII. Tendo em mente a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, só este poderá reconhecer que, no caso de ações de indemnização por violação das regras de direito da concorrência, as cláusulas atributivas de jurisdição possam implicar a derrogação das regras de competência internacional previstas no artigo 5.°, n.° 3, desse regulamento, e se são compatíveis com o princípio de uma execução eficiente da proibição de violação dos artigos 101.° e 102.° do TFUE.

LXIV. Com efeito, o pleno efeito dos artigos 101.° e 102.° do TFUE (e das normas de ordem pública adotadas, hoje na Lei n.° 19/2012, em execução do comando constitucional do artigo 81. °, alínea f), da Constituição) seria irremediavelmente perdido se a AA e a BB, empresas sedeadas em Portugal, fossem obrigadas a interpor uma ação perante o Tribunal irlandês com vista à reparação de danos sofridos em Portugal por restrição da concorrência traduzida em abusos de exclusão.

LXV. A garantia do direito de pedir essa reparação contribui substancialmente para a manutenção de uma concorrência efetiva na União.

LXVI. Assim, considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça citada, impõe-se a aplicação da jurisprudência comunitária sobre (i) o carácter de ordem pública das proibições resultantes das normas de concorrência; (ii) a natureza extracontratual da infração consistente num abuso de exclusão ou exploratório por parte de uma multinacional contra um distribuidor exclusivo; (iii) irrelevância de um pacto atributivo de jurisdição que apenas abrange matéria contratual e não prevê expressamente litígios jus-concorrenciais, tanto mais quanto se trata de um litígio em que nem a causa de pedir nem o pedido invocam qualquer violação de uma obrigação contratual ou de qualquer dever acessório de cariz contratual, mas apenas a reparação de prejuízos decorrentes da violação de normas legislativas de ordem pública.

LXVII. Neste sentido, e subsidiariamente, entendem as Recorrentes que, atenta a existência de uma jurisprudência constante e inequívoca do Tribunal de Justiça, e os pressupostos da responsabilidade do próprio Estado, mormente expressas no acórdão Köbler, de 30.9.2003, proc. C-224/01, é obrigatório o reenvio para o Tribunal de Justiça e a interpretação do Direito pela única instância competente para assegurar a uniformidade na aplicação do direito da União Europeia (artigo 19.° do TUE): o Tribunal de Justiça da UE.

LXVIII. Pelo que, num caso [como] o presente, deve o Supremo Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional nacional cuja decisão não é suscetível de recurso judicial previsto no direito interno, ao abrigo do disposto no § 3 do artigo 267.° do TFUE, suspender a instância e colocar obrigatoriamente as seguintes questões ao Tribunal de Justiça da UE:

i. Constitui a norma que, no artigo 102.° do TFUE, estabelece a proibição de abusos de posição dominante e, em particular, de abusos de exclusão, uma norma de ordem pública material que pode originar responsabilidade civil extracontratual em favor da vítima do abuso?

ii. A circunstância de um abuso de posição dominante surgir no contexto em que entre as empresas (a que praticou o abuso e a que foi vítima do abuso e foi excluída do mercado) existiam relações contratuais duradouras impõe a qualificação da ação de responsabilidade civil tendente à reparação desses danos como ação sobre matéria "contratual" ou permite que seja qualificável como sendo referida a "matéria extracontratual", no sentido previsto no artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001, ou no artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (UE) n.° 1215/2012, e no acórdão flyLAL-Lithuanian Airlines (proc. C-302/13, n.° 28-29, 38)?

iii. O princípio da proteção jurisdicional efetiva permite que, não invocando a causa de pedir nem o pedido na ação de reparação qualquer violação de uma obrigação constante do contrato ou derivada de qualquer dever contratual acessório ao contrato, seja excluída a natureza extracontratual da questão sub judice, em especial quando se trate de um abuso de exclusão cujo resultado é a total reconfiguração da estrutura do mercado, a insolvência e a evicção do mercado das demandantes?

iv. No caso de ações de indemnização por infração à proibição de abusos de posição dominante contida no artigo 102.° do TFUE, c princípio, consagrado no direito da União, de execução eficiente dessa proibição, permite ter em conta cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos que impliquem a derrogação das regras de competência internacional previstas no artigo 5.°, n.° 3 do Regulamento n.° 44/2001 (ou artigo 7.°, n.° 2 do Regulamento (UE) n.° 1215/2012), em termos similares ao que já foi decidido, a propósito do artigo 101.° do TFUE, pelo Tribunal de Justiça no acórdão CDC/Evonik Degussa e o., de 21.5.2015, proc. C-352A3?

Nestes termos (…) deverá a presente revista ser julgada procedente e, em consequência, se necessário mediante o obrigatório acionamento prévio do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.° do TFUE, nos termos suscitados, ser o acórdão recorrido revogado e substituído por outro que declare competente o Juízo Central Cível do Funchal para o conhecimento da presente ação”


A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões (após convite, ao abrigo do artigo 652º, nº 1, alínea a), do CPC, a sintetizar as conclusões iniciais):


“I. O presente recurso, não inovatório, vem interposto do Acórdão do TRL, que confirma, em dupla conforme, a sentença do Tribunal da Comarca da …, proferido nos autos em referência, o qual julgou procedente a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses.

II. A matéria versada no recurso das RECORRENTES foi objeto de dupla conforme por douto aresto do TRL, proferido na anterior ação judicial (135/12.7TCFUN.L1.S1), em 25 de junho de 2015, o qual confirmou a primitiva decisão judicial do Tribunal do Funchal no pretérito processo. E cujo Aresto em triplo grau de jurisdição foi ainda confirmado pelo STJ por Acórdão de 16.02.2016.

III. Com toda a lealdade processual ancora-se que o articulado de recurso de revista das RECORRENTES é um pleonasmo do recurso anteriormente apresentado pelas RECORRENTES no referido processo 135/12.7TCFUN.L1.S1 para o STJ, com ajustes aqui e ali, e que foi considerado in totum improcedente e negado.

IV. As presentes contra-alegações são, pois, avançadas por dever de patrocínio, considerando, a RECORRIDA, com o devido respeito, que é muito, que estão reunidas as condições para a adoção de Decisão Sumária, ao abrigo do artigo 656.º, ex vi artigo 679.º, ambos do CPC.  

V. O recurso, como resulta do que se passa a exarar, está votado ao insucesso uma vez que a dupla conforme (e triplo grau de jurisdição no anterior processo) incidiu precisamente sobre a procedência da exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses, tendo por base as mesmíssimas partes, causa de pedir e pedido.

VI. O Tribunal a quo exarou de forma cristalina o raciocínio por si seguido que conduziu à procedência da exceção dilatória atenta a validade do pacto de jurisdição firmado entre as partes. E fê-lo, absorvendo, entre o mais, os ensinamentos que resultam do Acórdão do STJ no processo 135/12.7TCFUN.L1.S1.

VII. As RECORRENTES, repetem, tudo aquilo que já foi objeto de análise pelas instâncias judiciais na anterior e na presente ação. Novamente nesta ação o Tribunal da … cimentou, que a causa de pedir se fundamenta na relação contratual de mais de 20 anos entre as RECORRENTES e a RECORRIDA, e nas vicissitudes da mesma. E que, sendo a causa de pedir de natureza contratual é de analisar a validade da cláusula de jurisdição contida nos contratos celebrados. Cláusula essa que, de acordo com o Tribunal da …, é válida ao abrigo do artigo 23.º do Reg. (CE) n.º 44/2001 (atual artigo 25.º do Reg. (UE) 1215/2012), do que deflui que os Tribunais Portugueses são incompetentes para dirimir o litígio.

VIII. A decisão proferida nestes autos funda-se na mesma incindibilidade: causa de pedir de natureza contratual e validade da cláusula de jurisdição contida nos contratos celebrados. 

IX. Termos em que o Tribunal da …, com confirmação pelo Tribunal a quo, concluiu que assumindo a ação natureza contratual, deve ser respeitado e acautelado o pacto de jurisdição celebrado entre as partes, que é válido e que confere competência exclusiva aos Tribunais da República da Irlanda.

X. Entendem as RECORRENTES que, pelo alegado facto de a sua causa de pedir e o seu pedido assentarem supostamente na pretensa – e inverídica – violação (não demonstrada e não aceite sequer indiciariamente pela AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA ou pela COMISSÃO EUROPEIA) de normas jusconcorrenciais e de tal apontada violação supostamente configurar responsabilidade extracontratual, o Tribunal da …, bem como o Tribunal a quo, deviam, sem mais, terem-se declarado internacionalmente competentes, por força do artigo 5.º, n.º 3, do Reg. n.º 44/2001 (atual artigo 7.º , n.º 2, do Reg. (UE) 1215/2012).

XI. Obnubilando as RECORRENTES que no quadro da duradoura relação contratual de mais de 20 anos, celebraram de forma voluntária pactos de atribuição de jurisdição aos Tribunais da Irlanda, nos termos das referidas normas de direito da União, – conforme densificado pelo Tribunal da …: “Da análise dos documentos apresentados aos autos, concluímos que as partes estabeleceram, por escrito, que a competência para dirimir as questões surgidas entre ambas, no âmbito das relações contratuais entre elas estabelecidas, seria dos Tribunais da Irlanda (sendo que, nada tendo consignado para além disso, a atribuição de competência se revela exclusiva, conforme disposto pelo artigoº 23º do Regulamento 44/2001). (…). Conclui-se que os Tribunais Portugueses carecem de competência internacional para conhecerem das questões suscitadas pelas autoras, relativas à responsabilidade contratual entre empresas de dois Estados-Membros da União – incluindo aí a responsabilidade pré e pós-contratual -, as partes convencionaram entre si, por escrito, atribuí-la aos Tribunais da República da Irlanda.”

XII. Tanto basta para concluir que as RECORRENTES confundem o que se entende como relação jurídica controvertida tal como definida pelos Autores com qualificação jurídica da relação existente, o que constitui realidade distinta. Compulsado o teor da p.i. das RECORRENTES e malgrado a qualificação jurídica que as mesmas fazem no final do seu articulado – a que o Tribunal não está vinculado desde logo para determinação da sua competência, conforme prevê o artigo 5.º n.º 3 do CPC – se constata liminarmente que estão em causa nestes autos factos atinentes ao desenrolar de uma relação contratual – que “remonta”, de acordo com as próprias RECORRENTES, e como por si prolatado, “desde há mais de 20 anos” – e ao eventual incumprimento de tal relação contratual por banda da RECORRIDA.

XIII. A relação jurídica material que as RECORRENTES trazem aos autos é integrada, nuclearmente, pelos alegados prejuízos de ordem patrimonial que para elas advieram, num primeiro plano, daquilo que denominam de “comportamentos abusivos” da RECORRIDA no âmbito da execução dos contratos. Só que tais ficcionados comportamentos alegadamente abusivos, todos eles, se inserem no âmbito do feixe de relações contratuais existentes e alegadamente em confronto, isto é, em suposto desrespeito frontal com o que dispunham as cláusulas contratuais e, em segunda linha, em confronto com deveres acessórios de nível contratual.

XIV. Desta forma, apesar do esforço das RECORRENTES em neutralizar quaisquer referências às relações contratuais existentes entre as partes, tal exercício revela-se infrutífero, pois a realidade é só uma, sendo a presente ação uma tentativa, por não se conformarem com as decisões unanimemente proferidas em processo anterior, já transitado em julgado, de obter um segundo julgamento sobre a mesma matéria.

XV. Começam as RECORRENTES por confessar, no artigo 5.º do petitório inicial, que “os comportamentos que fundamentam a presente ação configuram, por isso, conforme se indicia, simultaneamente um caso de violação de contrato e um caso de violação de lei”,

XVI.  No artigo 35.º da p.i., dizem as RECORRENTES que “a AA, hoje insolvente, dedicou-se exclusivamente, durante mais de 20 anos, e até outubro de 2011, à importação e distribuição de produtos CC”, e no artigo 37.º “tendo sido, de facto, até à sua exclusão do mercado, em 2011, o único distribuidor grossista CC em Portugal”, e no artigo 38.º “desempenhando ainda funções de marketing, de promoção, de protecção de “branding”, logística, construção do canal de vendas, serviços de reparação e manutenção, exclusivamente para os produtos CC”.

XVII. As RECORRENTES prosseguem, nos arts. 39.º e 40.º da p.i., com a descrição das relações comerciais existentes, mencionando, no artigo 41.º que “a ligação entre a AA e a CC remontava ao início da presença da CC em Portugal, ou seja, pelo menos a 1985, sem prejuízo da sucessão de empresas, designadamente no interior do grupo EE, que deteve o controlo da AA até 1999” e no artigo 51.º que “a AA desde a sua constituição (1991) a única distribuidora de produtos CC em Portugal”, bem como nos arts. 55.º e 56.º da p.i..

XVIII. O mesmo sucedendo com a BB, que admite a existência de uma relação contratual com a CC, mormente nos arts. 46.º, 50.º, 57.º, 59.º, 62.º, 63.º, todos da p.i.

XIX. No artigo 58.º da p.i., dizem as RECORRENTES que “a partir de 2008, no quadro de uma reorganização geral das suas actividades, a CC começou a promover alterações no modo como se relacionava com a AA, tendo como objectivo último maximizar tanto quanto possível a sua margem de lucro e de colocar, de mogo progressivo ao longo do tempo, a AA fora do mercado”.

XX. Por sua vez, a partir do capítulo 2.1.2, subcapítulo 2.1.2.1, é notório que a causa de pedir das RECORRENTES assenta em alegados incumprimentos e na violação de deveres acessórios na execução de contratos, por banda da RECORRIDA (precisamente o que se verificava na primitiva ação transitada em julgado). Vejamos as alegações das RECORRENTES: Artigo 75.º - A CC geria, direta e sistematicamente, as condições comerciais a serem aplicadas pela AA nas suas relações com os grandes retalhistas, emitindo instruções quanto aos pequenos retalhistas; Arts. 76.º e 77.º - A estrutura financeira, logística e de recursos humanos da AA foi desenvolvida seguindo as orientações e exigências da CC; Arts. 78.º a 82.º - Era a CC que definia as quantidades de produtos a comprar; quais os clientes; em que proporção e estratégia; só permitindo vender no interior do território; Arts. 83.º a 88.º - Era a CC quem definia a política de existências, bem como as políticas e requisitos sobre distribuição e alocação de produtos, as previsões de encomendas; Arts. 102.º et seq: A atividade da AA estava vocacionada para servir a cadeia de distribuição de produtos CC, estando ainda obrigada a conceder aos retalhistas descontos decididos unilateralmente pela CC, Arts. 104.º a 106.º - A partir de 2011, o território concedido à AA passou a estar limitado a Portugal; Arts. 107.º a 113.º - Acrescem uma série de mudanças que foram implementadas pela CC a partir de 2011: a atividade da AA passou a limitar-se à gestão financeira e à logística, o que implicou uma redução de mão-de-obra; Arts. 114.º a 132.º - A influência da CC na AA colocou-se ao nível das decisões sobre a estrutura de gestão e de recursos humanos; Arts. 151.º a 164.º - A AA foi forçada a iniciar negociações tendentes à cessão da sua posição contratual; Arts. 221.º a 236.º - A CC, a partir de 2008, teria começado a implementar uma estratégia para excluir a AA e a BB do mercado, que passou por ter criado, em maio de 2007, a CC Portugal Unipessoal, Lda, e em apoderar-se em 15 de novembro de 2007, dos domínios internet que antes eram propriedade da AA, apropriando-se, ainda da loja online até então detida e gerida pela AA, passando a vender produtos CC diretamente a consumidores portugueses e, em particular, a fornecer diretamente os seus produtos à loja DD, retirando à AA o seu principal cliente; Arts. 237.º a 242.º - Desde 2008, a CC passou a definir unilateralmente, as quantidades de produtos a fornecer à AA; a repartição a que a AA deveria proceder dos produtos e as quantidades de produtos que a AA deveria vender, impondo a sua vontade à AA; Arts. 242.º a 258.º - Embora em teoria a AA fosse livre de exportar produtos CC, a CC, na realidade, repartia, unilateral e inflexivelmente, os mercados nacionais da União Europeia, intervindo para impedir a concretização de negócios entre a AA com outros Estados Membros, exigindo que as transações se fizessem segundo as suas instruções; Arts. 259.º a 265.º - A CC prometera à AA que não lhe seriam retirados clientes, contudo, passou a fornecer diretamente à DD; Arts. 266.º a 271.º - A CC exigiu, em 15 de novembro de 2007, que a loja online, até então gerida pela AA, passasse para a CC, passando a vender diretamente os produtos CC através de tal loja; Arts. 272.º a 281.º - Desde 2008, a CC obrigou sistematicamente a AA a passar aos seus clientes condições discriminatórias decididas pela CC, tanto no que respeita ao tratamento preferencial das suas lojas especializadas (APRs), como no que respeita à gestão de grandes clientes; Arts. 282.º a 281.º - Desde 2008, a CC recusou injustificadamente fornecer certos produtos a determinados grandes clientes da AA, obrigando esta a recusar as suas encomendas ou mesmo a pôr termo às relações comerciais; Arts. 287.º a 297.º - Pelo menos desde 2008, a CC impôs à AA a assunção de encargos que não lhe eram exigíveis, no plano dos serviços de reparação e manutenção de produtos CC; Arts. 298.º a 310.º - A partir de 5 de setembro de 2011, a CC começou a pressionar a BB no sentido de esta transmitir os dois Estabelecimentos Comerciais que explorava no âmbito da respetiva atividade de comércio a retalho; Arts. 311.º a 323.º - A CC pôs, de forma ilícita, termo à sua relação com a AA, invocando falta de pagamento de faturas; Arts. 324.º a 337.º - Desde outubro de 2008, a CC passou a definir sistematicamente, de modo unilateral, os preços pelos quais a AA deveria vender os produtos CC aos retalhistas, mantendo uma disciplina de preços e impedindo as importações paralelas que colocassem em risco o equilíbrio de preços por si decidido para o mercado nacional; Arts. 338.º a 344.º - A CC pressionou frequentemente a AA a submeter-lhe encomendas de produtos em conformidade com as previsões da CC sobre o mercado português, contra a vontade desta, indicando os tipos e quantidades de produtos que deviam ser encomendados, fornecendo encomendas com atraso, e recusando-se a anular encomendas.

XXI. É com base nestes alegados factos (todos do foro das relações contratuais existentes) que as RECORRENTES prosseguem com o pedido de indemnização de alegados prejuízos, constante do artigo 345.º et seq da sua petição inicial.

XXII. A causa de pedir na ação radica, assim, na forma como vieram a ser executados os contratos firmados entre as partes, não obstante o que dispunham as respetivas cláusulas contratuais.

XXIII. Do que resulta que o facto de as RECORRENTES terem supostamente sustentado o seu pedido de ressarcimento de prejuízos no regime da responsabilidade extracontratual não vincula nem pode vincular o Tribunal quando é chamado a decidir da sua própria competência para dirimir a ação, dado que este não está vinculado à qualificação jurídica das partes – nesse sentido, vide, entre tantos outros, os Acórdãos do STJ de 04.03.2010, proc. 2425/07.1.TBVCD.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA, e de 03.03.2005, proc. 05B316, Relator CANELAS BRÁS; bem como os Acórdãos do TRC de 28.09.2010, proc. 512/09.0TBTND.C1, Relator ISAÍAS PÁDUA, de 13.03.2007, no proc. 3142/04.0TBVIS-A.C1, Relator SERRA BAPTISTA, e de 05.12.2006, no proc. 2/04.8TBAVR.C1, Relatora REGINA ROSA.

XXIV. Da jurisprudência identificada decorre que, havendo elementos seguros no sentido de entender que a qualificação jurídica é diferente daquela apontada pelo Autor, nada impede o Tribunal de se declarar incompetente, não estando este vinculado a acolher a qualificação jurídica do Autor para decidir da sua competência, por força do que dispõe o artigo 5.º, n.º 3, do CPC.

XXV.   Por outro lado, o facto de se entender que estamos perante responsabilidade contratual, não afasta, ao contrário do que pretendem sustentar as RECORRENTES, que não pudessem, em tese, igualmente existir violações de direito da concorrência.

XXVI. Tais supostas violações são, porém, enquadradas no âmbito da relação contratual existente, por causa dela e, sobretudo, por causa do suposto incumprimento, por uma das partes, do que se encontrava vertido nos contratos e dos deveres acessórios que para ela surgem em resultado da celebração de certo contrato.

XXVII. Assim, atento o artigo 581.º, n.º 4, do CPC, pode definir-se causa de pedir como sendo o ato ou facto jurídico de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor e não a qualificação jurídica que este lhe emprestou ou a valoração jurídica que o mesmo entende atribuir-lhe – no mesmo sentido, Acórdãos do STJ (i) de 20.01.1994, in BMJ, 433.º, p. 495; (ii) de 06.07.2004, proc. 04B835, Relator ARAÚJO BARROS; (iii) de 11.27.1990, proc. n.º 079019, Relator SIMÕES VENTURA; (iv) de 07.02.1991, proc. n.º 080329, Relator SIMÕES VENTURA; e do TRL (v) de 11.06.2003, proc. n.º 7651/2003-6, Relator GIL ROQUE, e (vi) de 05.04.1995 proc. n.º 0084636, Relator DAMIÃO PEREIRA; assim como do TRP (vii) de 04.15.1993, proc. n.º 9110028, Relator COSTA MORTÁGUA, e (viii) de 02.24.2000, proc. n.º 9931634, Relator TELES DE MENEZES.

XXVIII. Por outro lado, ainda que o Tribunal viesse a entender que os alegados comportamentos abusivos da RECORRIDA também configuram violação de normas jusconcorrenciais, estava afastada a respetiva competência internacional, precisamente porque em primeira linha estamos sempre perante um caso de responsabilidade contratual, que consome a extracontratual – vide, hoc sensu, o Acórdão do STJ de 20.06.2013 proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA, e o Acórdão do TRL 04.10.2011, proc. n.º 107/2001.L1-7, Relator TOMÉ GOMES, bem como o Acórdão adotado no anterior processo 135/12.7TCFUN.L1.S1 pelo STJ, sendo que face àquele na atual ação “temos identidade das partes, pedido e causa de pedir nos presentes autos e no referido processo n.º 135/12.7TCFUN, da … Secção das Varas de Competência Mista do …, onde já foi decidido que os tribunais portugueses não têm competência internacional para apreciar a pretensão das autoras” – in decisão do Tribunal da …, confirmada pelo Tribunal a quo.

XXIX. Por sua vez, nunca poderíamos estar perante um caso de responsabilidade extracontratual: isto porque a responsabilidade extracontratual, ocorre quando, antes de o dano acontecer, não há vínculo jurídico preexistente entre o prejudicado e aquele que se atribui o prejuízo. Esta tem como fonte a Lei. Ora, contrariamente ao que se passa em matéria de delito, as perdas e danos incidentes em caso de inexecução da obrigação não têm por objeto reparar um prejuízo, mas unicamente propiciar ao credor, por equivalência, a vantagem que ele esperava do contrato e não obteve.

XXX.    E que é exatamente o que se passa na presente ação, atendendo a que o pedido, da forma como se encontra formulado, pretende repor a vantagem que as RECORRENTES entendem ser-lhes devida caso os contratos tivessem sido cumpridos adequadamente pela RECORRIDA! Motivo pelo qual a responsabilidade subjacente à ação deve ser qualificada como contratual – no mesmo sentido, Acórdão do TRG de 31.01.2013, proc. n.º 500/08.4TBMNC.G1, Relator AMÍLCAR ANDRADE.

XXXI. Como tal, as violações (inexistentes) apontadas pelas RECORRENTES estão submetidas ao pacto de atribuição de jurisdição que confere aos Tribunais Irlandeses competência para dirimir os litígios entre as partes – cláusula essa válida ao abrigo, entre o mais, do artigo 23.º do Reg. n.º 44/2001 e do atual artigo 25.º do Reg. 1215/2012, dado estarem reunidos todos os requisitos legais de aplicação daquelas disposições.

XXXII. Acresce que a circunstância de as alegadas obrigações contratuais adicionais intersubjetivas (infundadas), que as RECORRENTES invocam, não estarem refletidas nos contratos celebrados sob a forma escrita, não as afasta da relação contratual, porquanto estas podem, de outro modo, configurar-se como deveres acessórios contratuais, tal como o dever de boa-fé, de lisura, de lealdade e de igualdade. Os referidos deveres de proteção são, na sua génese, deveres acessórios de conduta, que têm vindo a ser considerados pela doutrina como violação positiva do contrato, a qual consubstancia um tertium genus no universo do incumprimento em sentido lato – vide hoc sensu MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, Tomo I, p. 480.

XXXIII. E ainda que, por hipótese remota, se pudesse falar de uma eventual responsabilidade pré-contratual, no que se refere à alegada negociação de condições abusivas quanto ao AD Agreement ou eventualmente pós-contratual no que toca à alegada rutura ilícita do contrato, como vem entendendo maioritariamente a jurisprudência, tanto a responsabilidade pré-contratual como a pós contratual têm, ainda, índole contratual – veja-se (i) o Acórdão do STJ de 14.11.2006, proc. n.º 06A3304, Relator FARIA ANTUNES; (ii) o Acórdão do TRL, de 30.10.2003, proc. n.º 4201/2003-6, Relatora FERNANDA ISABEL PEREIRA; e (iii) o Acórdão do TRP, de 08.09.2009, proc. n.º 2425/07.1TBVCD.P1, Relator CANELAS BRÁS.

XXXIV. Acresce que, na definição do regime aplicável, deve atender-se à vontade das partes, expressa no clausulado contratual, uma vez que foi na execução da sedimentada relação negocial estabelecida entre elas que ocorreu o alegado facto lesivo, devendo respeitar-se essa vontade em tudo o que não contrarie normas imperativas (artigo 406.º do CC).

XXXV. Não sendo conhecida qualquer previsão neste âmbito, deve aplicar-se o regime subsidiário legal, especialmente previsto para as consequências da violação positiva do contrato. Nestes casos, em que ocorre um concurso ideal dos dois regimes de responsabilidade, o da responsabilidade contratual consome o da responsabilidade extracontratual, sendo ele o aplicável, uma vez que entre lesante e lesado existe uma relação obrigacional na qual ocorreu o facto lesivo, justificando-se, pois, a sobreposição da responsabilidade adequada à violação dos contratos – ALMEIDA E COSTA, “Direito das obrigações”, pp. 490-496, 8.ª ed., Almedina, e em “O concurso da responsabilidade contratual e extracontratual”, em “Ab vno ad omnes - 75 anos da Coimbra Editora”, pp. 555-565, ed. de 1998, Coimbra Editora, e ÂNGELA CERDEIRA, em “Da responsabilidade civil dos cônjuges entre si”, pp. 113-114, ed. de 2000, Coimbra Editora.

XXXVI. Prevalece que a decisão doutamente proferida não conduz, ao contrário do que alegam de forma genérica as RECORRENTES, a qualquer denegação de justiça por parte dos Tribunais da República Portuguesa.

XXXVII. Os fatores de atribuição de competência internacional aos Tribunais Portugueses só são de sopesar se tal matéria não estiver estabelecida em tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais – no mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 9.12.2004, no proc. 04B3939, Relator CUSTÓDIO MONTES. Destarte, o Regulamento n.º 44/2001 e o atual Regulamento 1215/2012 prevalecem sobre as normas do CPC que regulam a matéria de competência internacional – no mesmo sentido, Acórdão do TRC, de 12.06.2007, proc. 5888/05.6TBAVR-A.C1, Relator HÉLDER ALMEIDA; e Acórdão de 03.11.2005 do TRL, proc. 9115/2005-8, Relator SALAZAR CASANOVA. Desta jurisprudência resulta claro não ser de avocar, nesta sede, a competência internacional do Tribunal Português regulada no artigo 62.º, al. c), do CPC.

XXXVIII. Também se esquecem as RECORRENTES de alegar os pressupostos de aplicação da al. c), do artigo 62.º, do CPC: de acordo com a al. c) do referido preceito, doutrinalmente apelidado de critério da necessidade, tal dificuldade tem de ser verdadeira e materialmente manifesta, concluindo-se não ser toda e qualquer dificuldade (para mais alegada em termos manifestamente vagos) que espoleta a aplicação do critério de necessidade como critério de competência internacional.

XXXIX. As RECORRENTES abstêm-se de justificar a razão pela qual o direito invocado não pode tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em Portugal, abstendo-se igualmente de fundamentar a alegação de que a propositura da ação na Irlanda constitui dificuldade apreciável. No caso, o critério da necessidade, previsto no citado preceito, sendo um critério de aplicação excecional, não se encontra minimamente demonstrado. No mais tentam confundir o Tribunal ad quem, através da arte de corte e costura de doutrina e decisões judiciais, maxime do TJUE, de que o entendimento deste infirma o decidido pelos tribunais nacionais, quando o acervo jurisprudencial por estas versado do TJUE já constava das alegações do recurso de revista por si RECORRENTES apresentado ao STJ no processo 135/12.7TCFUN.L1.S1 e que não colocaram em crise a negada revista.

XL. Por estrito dever de patrocínio, quanto à validade do pacto de atribuição de jurisdição veja-se o Acórdão do TJUE de 14.12.1976, Estasis Salotti c. Ruewa, proc. 24/76, § 7: “As condições de aplicação deste artigo [artigo 17.º da Convenção de Bruxelas, análogo ao artigo 23.º do Reg. 44/2001] devem ser interpretadas à luz do efeito da extensão da competência, da qual deve ser excluída tanto a competência determinada pelo princípio geral consagrado no artigo 2.° como as competências especiais previstas nos artigos 5.° e 6.° da convenção.”.

XLI. O TJUE tem declarado reiteradamente que, para assegurar a plena eficácia e aplicação uniforme do Reg. 44/2001 no território de todos os Estados-membros, os conceitos do mesmo devem ser interpretados não como uma simples remissão para a legislação interna de um ou outro dos Estados-membros em causa, mas de forma autónoma, fazendo principalmente referência ao sistema e aos objetivos do texto – vide os Acórdãos do TJUE de 16.07.2009, Zuid Chemie, proc. C-189/08, § 17, de 02.10.2008, Hassett e Doherty, proc. C-372/07, § 17, e de 23.04.2009, Draka NK Cables e o., proc. C-167/08, § 19.

XLII. Arrimando também o TJUE que as normas da Convenção de Bruxelas, análogas às do Reg. 44/2001 (e do atual do Reg. 1215/2012), são obrigatórias e não estão sujeitas à exceção do forum non conveniens – in Acórdão do TJUE de 01.03.2005, Owusu, proc. C-281/02, § 38. Para mais, conforme decidido pelo TJUE, no Acórdão de 16.03.1999, Trasporti Castelletti Spedizioni, proc. 159/97: “A este propósito, há que recordar que a convenção não respeita às regras do direito substantivo (acórdão de 13 de Novembro de 1979, Sanicentral, 25/79, Recueil, p. 3423, n.º 5), mas tem como objectivo a criação de regras uniformes em matéria de competência jurisdicional internacional (acórdão (…)). 48. Tal como o Tribunal de Justiça afirmou em diversas ocasiões, obedece ao espírito de segurança jurídica, que constitui um dos objectivos da convenção, o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (acórdãos (…)). Nos n.os 28 e 29 do acórdão Benincasa, já referido, o Tribunal de Justiça precisou que esta preocupação de garantir a segurança jurídica através da possibilidade de prever com segurança o foro competente foi interpretada, no âmbito do artigo 17.° da convenção, através da fixação de condições de forma estritas, tendo esta disposição por objectivo designar, de forma clara e precisa, um tribunal de um Estado contratante a quem é atribuída competência exclusiva em conformidade com o consenso das partes. 49. Resulta do exposto que a escolha do tribunal designado só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.°. 50. Foi por estas razões que o Tribunal de Justiça concluiu em várias ocasiões que o artigo 17.° da convenção abstrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdãos (…). 51. Pelas mesmas razões, numa situação como a dos autos no processo principal, deve excluir-se o controlo suplementar do mérito da cláusula e do objectivo prosseguido pela parte que a inseriu, e não pode ser reconhecida qualquer incidência, quanto à validade da referida cláusula, das normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido.”

XLIII. E, de igual modo, no Acórdão de 03.07.1997 do TJUE, Benincasa, proc. C-269/95: “26. Cabe sublinhar em seguida que, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o objectivo da Convenção consiste, designadamente, na uniformização das regras de competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes, evitando, na medida do possível, a multiplicação da titularidade da competência judiciária a respeito de uma mesma relação jurídica, e em reforçar a protecção jurídica das pessoas domiciliadas na Comunidade, permitindo, simultaneamente, ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele perante o qual pode ser demandado (acórdãos (…)). 27. O facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da Convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito, também obedece a este espírito de segurança jurídica. 28. Esta preocupação de garantir a segurança jurídica através da possibilidade de prever com certeza o foro competente foi interpretada no âmbito do artigo 17.° da Convenção, que favorece a vontade das partes contratantes e introduz uma competência exclusiva abstraindo de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado, através da fixação de condições de forma estritas (v., a este respeito, acórdão (…)). 29. (…). A segurança jurídica pretendida por essa disposição podia facilmente ficar comprometida se se reconhecesse a uma parte contratante a possibilidade de se subtrair a essa regra da Convenção através da alegação da nulidade de todo o contrato com base em razões que decorrem do direito material aplicável.”

XLIV. Em conformidade com o versado e quanto às normas do Reg. 1215/2012, novo regulamento, relativo à competência judiciária, e cujas normas em nada contendem com a posição adotada pelos Tribunais no caso sub judice, cumpre salientar que, no que releva para o caso controvertido, análogos às do Regulamento 44/2001, “uma vez que o Regulamento n.º 1215/2012 veio substituir o Regulamento n.º 44/2001, importa recordar que a interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça no que respeita às disposições deste último regulamento é igualmente válida para o Regulamento n.º 1215/2012, quando as disposições destes dois instrumentos de direito da União possam ser qualificadas de equivalentes (acórdão de 16 de novembro de 2016, Schmidt, C-417/15, EU:C:2016:881, n.º 26 e jurisprudência referida).” – in Acórdão de 09.03.2017 do TJUE, Pula Parking, proc. C-551/15, § 31.

XLV. Os arestos convocados pelas RECORRENTES nas alegações também não têm aplicabilidade aos presentes autos, entre o mais, ao não estar em causa em qualquer uma das decisões por estas citadas uma prévia relação intersubjetiva que não projete responsabilidade contratual e/ou a existência entre as partes de um pacto de atribuição de jurisdição.

XLVI. O Acórdão fly LAL Lithuanian Airlines, proc. C-302/13 (ativado nos arts. 31, 35 e 43 e nota-de-rodapé n.º 9, todos da Motivação e arts. XLV e LXVIII das Conclusões de recurso), não contém um único segmento sobre a validade de pactos atributivos de jurisdição. Subjacente ao pedido de reenvio prejudicial estava o exequatur na Letónia (através do arresto de bens móveis e imóveis) de uma decisão judicial cautelar proferida por um tribunal Lituano, tendo o TJUE concluído pela aplicação das regras do Reg. 44/2001, tal como operou o Tribunal a quo no caso dos autos. Refere o dispositivo do aresto: “O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 (…), relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante de alegadas violações do direito da concorrência da União é abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, entra no âmbito de aplicação desse regulamento.”, nem mais, nem menos.

XLVII. O pugnado com base no citado aresto no artigo XLV das Conclusões de recurso enferma de erro de raciocínio, ao querer fazer crer que naquele acórdão o tribunal decidiu que, estando em causa a reparação de prejuízo associado a uma alegada infração jusconcorrencial, esta será sempre de natureza extracontratual, o que objetivamente não resulta do decidido, pois o TJUE não apresenta tal conclusão.

XLVIII. Falece assim a alegação recursiva “a violação das normas de direito da concorrência carece de ser apreciada com recurso às regras que regulam a responsabilidade extracontratual” (in artigo XLI das Conclusões de recurso das RECORRENTES) face à extensa jurisprudência do TJUE e do STJ, que se recorda respetivamente: (i) Acórdão de 13 de março de 2014 do TJUE, Marc Brogsitter c. Fabrication de Montres Normandes, proc. C-548/12: “As ações de responsabilidade civil, como as que estão em causa no processo principal, de natureza extracontratual nos termos do direito nacional, devem, no entanto, ser consideradas abrangidas pela «matéria contratual», na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais, tal como podem ser determinadas tendo em conta o objeto do contrato.”; (ii) Acórdão do STJ, de 20 de junho de 2013, proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA: “E, assim, sem embargo de nada se ter apurado com relevo quanto aos lucros cessantes pela autora estimados em € 436762,35 a que atrás se aludiu, também aqui se entende, na sequência do decidido na sentença de 1ª instância, confirmado pela Relação no seu acórdão ora recorrido, dever a autora ser pelas rés indemnizada, a título de responsabilidade civil contratual, pelo abuso de dependência económica previsto na LdC [Lei da Concorrência] então em vigor”. A que acrescem os Acórdãos proferidos pelo STJ e pelo TRL no anterior processo 135/12.7TCFUN.L1.S1, com as mesmíssimas partes, causa de pedir e pedido da presente ação.

XLIX. Quanto ao aresto de 25.05.2015 do TJUE, CDC c. Degussa, o floreado pelas RECORRENTES nos arts. 32, 33.º e 43.º e notas de rodapé n.os 5 e 6, todos da Motivação e arts. XLVI, XLVIII, L, LI e LXVIII das Conclusões, configura argumentário especulativo. As RECORRENTES olvidam que naquele caso estava em causa (i) um cartel, que não se confunde com o alegado abuso de posição dominante ou abuso de dependência económica, sendo que nestes dois últimos quadros jurídicos inexiste desconhecimento pelas RECORRENTES do feixe de comportamentos adotados pela RECORRIDA; (ii) que a demandante naquele processo a CDC tinha celebrado “acordos de cessão de direitos de indemnização, celebrados com 32 empresas estabelecidas em treze Estados-membros”; (iii) que a ação no tribunal nacional alemão tinha por fundamento uma decisão condenatória da COMISSÃO EUROPEIA, Decisão 2006/903/CE, de 03.05.2006, no proc. 38.620, composta por 530 artigos(!), com aplicação de coimas, que constatava uma infração ao artigo 101.º do TFUE no quadro de um cartel, decisão essa já transitada em julgado, no seguimento de recursos apresentados pelas empresas visadas junto do Tribunal Geral e, em momento subsequente, do TJUE – vide Acórdãos, todos proferidos em 05.12.2013, Comissão c. Edison, proc. C 446/11 P; Caffaro c. Comissão, proc. C-447/11 P; SNIA c. Comissão, proc. C 448/11 P; Solvay Solexis c. Comissão, proc. C 449/11 P; e Solvay c. Comissão, proc. C-455/11 P.

L. No caso sub judice as RECORRENTES dispõem de uma mão cheia de nada, inexistindo qualquer indiciário inquérito jusconcorrencial contraordenacional, ou decisão administrativa definitiva ou decisão judicial transitada em julgado que incida sobre a RECORRIDA que ateste ou fundamente um qualquer ilícito jusconcorrencial; tendo cumulativamente as RECORRENTES conhecimento direto de todos os comportamentos adotados pela RECORRIDA.

LI. E, continuando a grassar em erro nos pressupostos avançados, as RECORRENTES esquecem, quando invocam o referido acórdão, tudo o que in casu resulta do domínio da relação sinalagmática intersubjetiva no quadro da responsabilidade contratual. E cuja causa de pedir não tem por fundamento uma qualquer decisão jusconcorrencial condenatória da COMISSÃO EUROPEIA ou da AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA, seja esta definitiva ou não definitiva, transitada ou não transitada em julgado. A causa de pedir subjacente ao processo CDC, uma follow-on action fundada em decisão condenatória da COMISSÃO EUROPEIA confirmada judicialmente, com base em “acordos de cessão de direitos de indemnização, celebrados com 32 empresas estabelecidas em treze Estados-membros”, não se confunde com a causa de pedir avançada pelas RECORRENTES nos presentes autos: o fundamento da ação sub judice, a factualidade controvertida estampada e subjacente à ação, não é estruturalmente uma decisão condenatória da AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA ou da COMISSÃO EUROPEIA.

LII. Do que se conclui que a jurisprudência invocada pelas RECORRENTES, não belisca a cimentada posição adotada pelas instâncias. As Recorrentes tentam ainda amalgamar e confundir foro competente com lei aplicável à composição do litígio ao convocarem o Reg. (CE) 864/2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (artigo 29 da Motivação do Recurso).

LIII. Ipsis verbis no que tange a invocação nas alegações de recurso (cfr. arts. 29 e 30 da motivação e respetivas Conclusões XLIII e XLIV) da Diretiva 2014/104/UE, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia. Diretiva que (i) ainda não foi transposta para o ordenamento jurídico nacional (o prazo termo operava a 27 de dezembro de 2016 – cfr. respetivo artigo 21.º); (ii) não tem efeitos retroativos (cfr. artigo 22.º); (iii) não regula os pactos atributivos de jurisdição; (iv) não impede as RECORRENTES de demandarem a RECORRIDA nos Tribunais da Irlanda e, por fim, (v) não anula a relação contratual sinalagmática mantida pelas RECORRENTES com a RECORRIDA por mais de 20 anos.

LIV. Bem decidiu o Acórdão recorrido neste thema ao estampar: “a Directiva 2014/104/UE (…) não se debruça sobre a competência dos tribunais dos diversos Estados-membros, procurando apenas que “quem sofra danos causados por uma infração ao direito da concorrência por uma empresa ou associação de empresas possa exercer efectivamente o direito a pedir a reparação integral desses danos causados por uma empresa ou associação”, o que tanto poderá acontecer junto dos tribunais portugueses, irlandeses ou outros no Espaço da União Europeia. Ou seja, tais considerações valem se não afrontarem as regras de atribuição de competência internacional legitimamente fixadas pelas partes e que resultam igualmente de normas jurídicas emanadas da União Europeia.”

LV. No tema do reenvio prejudicial, as RECORRENTES, inter alia¸ nos arts. 27, 42 e 45 da motivação e nos arts. IX, LXII, LXVII e LXVIII das respetivas Conclusões tentam reescrever a matéria factual e jurídica vertida nos autos com o propósito de ressuscitar o reenvio, exercício que fazem sem sucesso, ao fundarem tal pedido em considerações hipotéticas, sem adesão ao que resulta dos autos e da jurisprudência: a delimitação proposta pelas RECORRENTES parte do pressuposto (errado) de ser matéria assente (que não é) a existência de uma qualquer infração das regras do direito da concorrência, nomeadamente do artigo 102.º do TFUE ou de norma equivalente do direito indígena, matéria que integra uma apreciação do mérito da causa – passo esse subsequente e a jusante da verificação da competência do Tribunal e não aflorado por este – vide, neste sentido, o Acórdão do STJ de 04.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA.

LVI. Para mais as questões de reenvio prejudicial suscitadas correspondem também às anteriormente suscitadas perante o STJ na pretérita ação transitada em julgado – confrontar, data venia, o artigo 45.º das alegações e o artigo LXVIII. da motivação do atual recurso das RECORRENTES com o artigo 278.º da motivação e com o artigo CXLVIII. das conclusões do anterior recurso das RECORRENTES para o STJ de 14.09.2015 (a fls. …), cujo recurso de revista foi considerado improcedente.

LVII. Parafraseando o decidido pelo Tribunal a quo: as Recorrentes antes de apresentarem supostas (irrelevantes) questões de reenvio prejudicial, deveriam ex ante “ler” o decidido pelo STJ no proc. 135/12.7TCFUN.L1.S1: “Basta lê-lo.”, diz-se no Acórdão recorrido.

LVIII. No artigo 43.º da sua motivação de recurso (que corresponde, mutatis mutandis, ao artigo 268.º das pretéritas alegações de recurso junto do STJ no processo 135/12.7TCFUN.L1.S1 …), as RECORRENTES alegam que “Tendo em mente a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, (…) só este poderá reconhecer que, no caso de ações de indemnização por violação das regras de direito da concorrência, as cláusulas atributivas de jurisdição possam implicar a derrogação das regras de competência internacional previstas no artigo 5.º, n.º 3, desse regulamento, e se são compatíveis com uma execução eficiente da proibição de violação dos artigos 101.º e 102.º do TFUE”. Ao avançarem com tal argumentação não tomam em consideração que um dos pressupostos mais importantes, quanto ao tribunal, é o da sua competência, porquanto “para que se possa decidir sobre o mérito ou fundo da causa, é necessário que o tribunal, perante o qual a ação foi proposta, seja competente.” – in Acórdão do STJ, de 04.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA.

LIX. A delimitação proposta parte, assim, do pressuposto de ser matéria assente a existência de uma qualquer putativa infração jusconcorrencial, nomeadamente do artigo 102.º do TFUE ou de disposições equivalentes de direito nacional – matéria essa que diz respeito à aplicação ao caso concreto de normas de direito substantivo, e que implica necessariamente uma apreciação do mérito da causa – passo esse subsequente e a jusante da verificação da competência do Tribunal.

LX. Ao tomar uma posição a este respeito e no sentido proposto pelas RECORRENTES, o Tribunal estaria a fazê-lo, por antecipação, sem antes verificar os critérios determinativos da competência que lhe atribuem uma medida de jurisdição que seja suficiente para essa apreciação, que é conditio sine qua non para o legitimar dos poderes de que se pode servir para apreciar a admissibilidade da ação, instrui-la e julgá-la – veja-se, neste sentido, o Ac. do STJ, de 04.03.2010, no proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA.

LXI. O argumento apresentado pelas RECORRENTES subverte o propósito e objetivo que estiveram na génese do Reg. n.º 44/2001 e do atual Reg. 1215/2012 – o de estabelecer critérios claros, objetivos e harmonizados, garantindo um elevado grau de certeza jurídica, relativos à competência judiciária, necessários para o bom funcionamento do mercado interno, ou, mesmo, contribui para a ineficácia dos referidos regulamentos, afrontando os princípios do primado do direito da União Europeia e da aceitação da vigência interna das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal é parte, quando é certo que tal vigência interna resulta do estabelecido nos respetivos Tratados Constitutivos, conforme expressamente previsto no artigo 8.º da CRP.

LXII. De acordo com a tese das RECORRENTES, bastaria invocar a violação de qualquer normativo do acervo legal da União Europeia, suportando tal argumentação no pleno efeito de tais normas, para afastar um pacto de jurisdição validamente estabelecido pelas partes numa relação sólida contratual – note-se que se a RECORRIDA e as RECORRENTES, que acordaram, livremente, na escolha do foro, nada disseram a respeito da violação de quaisquer normas (sejam do direito da concorrência, sejam outras) para além do que está referido no pacto de jurisdição, não cabe ao intérprete reforçar-lhes a tutela – vide, neste sentido, o Acórdão do STJ de 28.02.2008, no proc. 07B1321, Relator RODRIGUES DOS SANTOS.

LXIII. Ou seja, sempre que a aparente substância de um litígio fundado numa relação contratual tivesse como pano de fundo normas decorrentes do direito da União Europeia, no entender das RECORRENTES qualquer uma das partes, alegando a violação de tais normas, poderia afastar a aplicação de um pacto de jurisdição, livre e validamente acordado – e, consequentemente, afastar a norma constante do artigo 23.º do Reg. 44/2001 e do artigo 25.º do Reg. 1215/2012 (que integra o direito da UE).

LXIV. Face à causa de pedir e conforme já doutamente prolatado pelo Tribunal a quo, a presente ação tem fundamento contratual, não colhendo minimamente as afirmativas das RECORRENTES enunciadas no artigo 44.º(iii) da motivação de recurso (que configura mero espelho do artigo 277.º(iv) do pretérito recurso das RECORRENTES para o STJ), no qual estas alegam que “se trata de um litígio em que nem a causa de pedir nem o pedido invocam qualquer violação de uma obrigação contratual ou de qualquer dever acessório de cariz contratual, mas apenas a reparação de prejuízos decorrentes de normas legislativas de ordem pública”; nem a alegação estampada na sua 3.ª questão prejudicial, onde aquelas pretendem dar a entender que não está em causa “qualquer violação de uma obrigação constante do contrato ou derivada de um qualquer dever contratual acessório ao contrato”.

LXV. Por ser elucidativa, remetemos para a análise que o Tribunal da … operou: “Assim, no essencial, não está em causa uma relação de concorrência entre autoras e ré, mas sim a alegada violação dos contratos que ligavam as partes, sendo certo que as autoras aceitaram determinadas imposições, como contrapartida da manutenção dos contratos que tinham com a ré, para distribuição dos produtos desta.” Ou seja, e de igual modo com assento nas palavras do tribunal de primeira instância: “Não sendo as autoras entidades terceiras – que sofreram os alegados danos – em função da actuação da ré, mas sim, partes contratantes que alegadamente sofreram tais danos na sequência e por causa da forma como a relação contratual que entre ambas se estabelecera foi desenvolvida, teremos de concluir que está em causa uma violação contratual.”

LXVI. No mesmo sentido arrimou de forma irrepreensível o Tribunal a quo: «A possibilidade de lançar mão do mecanismo do reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia foi objecto de análise e decisão do mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2016 (relator Gabriel Catarino). Ou seja, foi matéria já devidamente equacionada pela instância superior à presente. Foi escrito, a esse respeito no aresto: “(…)” Ou seja, a ponderação acerca da necessidade ou pertinente do reenvio prejudicial já foi analisada e julgada, sobre a mesma questão fundamental de direito que qui se discute, pelo Supremo Tribunal de Justiça, não fazendo sentido que este Tribunal da Relação perfilhe entendimento diverso.».

LXVII. As RECORRENTES, desresponsabilizando-se da relação contratual de 20 anos, alegam que estamos, afinal, e porque sim, perante responsabilidade extracontratual, querendo igualmente extrapolar tal tese para servir de base a um pedido de reenvio prejudicial – ao arrepio da jurisprudência do TJUE e do STJ, em particular no quadro do princípio estruturante da consumpção no instituto da responsabilidade civil, conforme exarado no dispositivo do Acórdão de 13.03.2014 do TJUE, Brogsitter, proc. C-548/12 (supra citado); e pelo STJ no Acórdão de 20.06.2013, proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA.

LXVIII. São desprovidas de relevância as (não) questões prejudiciais colocadas pelas RECORRENTES: não está em causa nos presentes autos a discussão sobre a efetivação do direito a uma reparação por violação das regras de concorrência, mas tão só a verificação da (in)competência dos Tribunais Portugueses para dirimir o presente litígio, emergente da relação contratual estabelecida entre as partes.

LXIX. A prática judicial identificada pelas RECORRENTES ou não tem qualquer conexão com o controvertido nestes autos ou, ainda, infirma a sua tese, conforme resulta dos arestos do TJUE, acima analisados, de 21.05.2015, CDC c. Degussa, proc. C-352/13 e de 23.10.2014, fly LAL Lithuanian Airlines, proc. C-302/13 e também sopesados no acórdão do Tribunal a quo.

LXX. Neste quadro a jurisprudência Köbler (proc. C-224/01) tentativamente ativada pelas RECORRENTES no artigo 43 da Motivação e no artigo LXVII das Conclusões recursivas é inaplicável, inexistindo in casu qualquer responsabilidade do Estado-Juiz, e, muito menos, qualquer pseudo corrente jurisprudencial contraditória pelas instâncias nacionais, aliás no caso sub judice com decisões em dupla conforme – em antítese ao pugnado pelas RECORRIDAS com suposto assento, designadamente, nos acórdãos ERGO (C-359/14 e C-475/14), ECO-Swiss (C-126/97), João Brito (C-160/14, em particular § 44) e Dansk Industri (C-441/14).

LXXI. A que se cumula a jurisprudência trazida aos autos pela RECORRIDA, que atesta a improcedência da construção pugnada pelas RECORRENTES, e a validade do pacto atributivo de jurisdição ao abrigo das normas e princípios estruturantes do Reg. 44/2001 (atual Reg. 1215/2012), e que se passa a elencar de forma não exaustiva: (i) Acórdão do STJ, de 11.02.2015, proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, Relator GREGÓRIO JESUS; (ii) Acórdão do STJ, de 20.06.2013, proc. 178/07.2TVPRT.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA; (iii) Acórdão do STJ, de 04.03.2010, proc. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, Relator SERRA BAPTISTA; (iv) Acórdão do STJ, de 28.02.2008, proc. 07B1321, Relator RODRIGUES DOS SANTOS; (v) Acórdão do STJ, de 14.10.2004, proc. 05B316, Relator SALVADOR DA COSTA; (vi) Acórdão de 13.03.2014 do TJUE, Brogsitter, proc. C-548/12; (vii) Acórdão de 07.02.2013 do TJUE, Refcomp SpA v. Axa Corporate Solutions Assurance S.A., proc. C-543/10, § 40; (viii) Acórdão de 16.07.2009 do TJUE, Zuid Chemie, proc. C-189/08, § 17; (ix) Acórdão de 23.04.2009 do TJUE, Draka NK Cables e o., proc. C 167/08, § 19; (x) Acórdão de 02.10.2008 do TJUE, Hassett e Doherty, proc. C 372/07, § 17; (xi) Acórdão de 13.07.2006 do TJUE, Reisch Montage, proc. C 103/05, § 29; (xii) Acórdão de 19.02.2002 do TJUE, Besix, proc. C-256/00, § 24; (xiii) Acórdão de 28.09.1999 do TJUE, GIE Groupe Concorde e o., proc. C-440/97, § 23; (xiv) Acórdão de 16.03.1999 do TJUE, Trasporti Castelletti Spedizioni, proc. C-159/97, § 47; (xv) Acórdão de 03.07.1997 do TJUE, Benincasa, proc. C-269/95, §§ 27-29; (xvi) Acórdão de 29.06.1994 do TJUE, Custom Made Commercial, proc. C-288/92, § 20; (xvii) Acórdão de 13.07.1993 do TJUE, Mulox IBC, proc. C-125/92, § 11; (xviii) Acórdão de 10.03.1992 do TJUE, Powell Doffryn c. Wolfang Petereit, proc. C-214/89, §§ 13 e 14; (xix) Acórdão de 22.03.1983 do TJUE, Peters, proc. 34/82, § 17; (xx) Acórdão de 04.03.1982 do TJUE, Effer SPA c. Hansjoaquim Kantner, proc. 38/81, § 7; (xxi) Acórdão de 24.06.1981 do TJUE, Soc. Elefanten Schuh GmbH vs Jacqmain, proc. 150/80, § 26; (xxi) Acórdão de 17.01.1980 do TJUE, Zeiger, proc. 56/79, § 4; (xxii) Acórdão de 13.11.1979 do TJUE, Sanicentral, proc. 25/79, § 5; e (xxiii) Acórdão de 06.10.1976 do TJUE, De Bloos, proc. 14/76, § 14.

LXXII. Não relevando aqui, nem fazendo sentido, com o devido respeito, de igual forma, quaisquer considerações a respeito de ordem pública, no sentido pugnado pelas RECORRENTES, isto porque o pleno efeito do artigo 102.º do TFUE (a ser indiciada alguma infração, o que não se concede) não seria afetado em caso algum, porquanto as RECORRENTES sempre veriam o seu pedido indemnizatório apreciado junto dos Tribunais da Irlanda, os quais (qua tale os Tribunais Portugueses) também se pautam pelas normas e princípios conformadores da União Europeia.

LXXIII. A jurisprudência do STJ – em particular o Acórdão tirado no proc. 135/12.7TCFUN.L1.S1 – estritamente articulada com o acquis judicial Europeu, é elucidativa da ausência de dúvidas quanto à aplicação da norma ínsita no artigo 23.º do Reg. 44/2001 (atual artigo 25.º do Reg. 1215/2012) ao caso dos autos, pelo que fica naturalmente prejudicada a necessidade e adequação do pedido de reenvio prejudicial das RECORRENTES.

LXXIV. No caso em apreço defrontamo-nos com pedidos de reenvio sem qualquer relevância. Resulta do Acórdão de 06.10.1982 do TJUE, Cilfit, proc. 283/81, que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando: (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; (ii) o TJUE já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.

LXXV. Nessa esteira, tem sido uniforme a jurisprudência no sentido de que a apreciação das exceções à obrigatoriedade de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial em direito interno, independentemente de as partes no processo principal o terem ou não requerido – vejam-se o Acórdãos do TJUE de 09.09.2015, X c. Inspecteur c. Financiën, procs. apensos C-72/14 e C-197/14 e de 18.07.2013, Consiglio nazionale, proc. C-136/12, § 26.

LXXVI. No sólido acervo judicial do STJ salientam-se, entre tantos outros, os arestos de: (i) 14.10.2004, proc. 05B316, Relator SALVADOR DA COSTA; (ii) de 20.01.2009, proc. 08B2777, Relator GARCIA CALEJO; (iii) de 03.12.2009, proc. 9180/07.3TBBRG.G1.S1, Relator MOREIA CAMILO; (iv) de 29.01.2015, proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1, Relator BETTENCOURT DE FARIA.

LXXVII. É notório o decaimento das questões prejudiciais que as RECORRENTES suscitam, que têm por tronco comum premissas incorretas, densificando e entre tantas outras, o decidido pelo STJ no proc. 135/12.7TCFUN.L1.S1 quanto às questões prejudiciais por si suscitadas (a fls. …) exatamente com o mesmíssimo teor.

LXXVIII. Não resultando violado qualquer normativo e estando a decisão judicial fundamentada, conforme à lei vigente e aos princípios jurídicos aplicáveis ao presente caso, deve a decisão recorrida ser mantida, negando-se provimento ao recurso.”


Cumpre decidir.


3. Estando em causa unicamente a questão da alegada violação das regras de competência internacional, pelo disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 629º, do Código de Processo Civil, conjugado com a ressalva ao regime da dupla conforme prevista no artigo 671º, nº 3, primeira parte, do mesmo Código, o recurso é admissível.


4. Entre os factos dados como provados constantes do relatório supra, relevam apenas aqueles que respeitam às cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos, que aqui se reproduzem:

- Cláusula nº 16 do contrato IMC Agreement (cfr. fls. 1360v): “All disputes arising out of this Agreement shall be brought before the jurisdiction of the Irish Courts." (tradução: “Todos os litígios decorrentes do presente Acordo serão submetidos à jurisdição dos tribunais irlandeses”);

- Cláusula 13.1 do VAD Agreement (cfr. fls. 1379): “This Agreement and the corresponding relationship between the parties shall be governed by and construed in accordance with the laws of the Republic of Ireland and the parties submit to the jurisdiction of the courts of the Republic of Ireland.” (tradução: “Este Acordo e a correspondente relação entre as partes serão regidos e interpretados de acordo com as leis da República da Irlanda e as partes submetem-se à jurisdição dos tribunais da República da Irlanda”); 

- O AD Agreement (cfr. fls. 1381 a 1383) não alterou os termos da Cláusula 13.1 do VAD Agreement, pelo que se manteve, por força da celebração do AD Agreement, a cláusula 13.1 constante do VAD Agreement;

- Contrato celebrado entre a CC e a BB - Cláusula 12.1 do contrato de fls. 1423v a 1429: “This Agreement and the corresponding relationship between the parties shall be governed by and construed in accordance with the laws of the Republic of Ireland and the parties submit to the jurisdiction of the courts of the Republic of Ireland.” (tradução: “Este Acordo e a correspondente relação entre as partes serão regidos e interpretados de acordo com as leis da República da Irlanda e as partes submetem-se à jurisdição dos tribunais da República da Irlanda”); 

- Contrato celebrado entre a CC e a BB de fls. 1429v a 1436, denominado “CC Premium Reseller Addendum to CC Authorized Reseller Agreement” - ponto 7: “This Addendum is incorporated into and made a part of the Reseller Agreement, as if such Reseller Agreement was fully set forth herein. The Reseller Agreement remains in full force and effect, and both the terms of the Reseller Agreement as well as the additional terms in this Addendum govern the relationship between CC and the Reseller.” (tradução: “Esta Adenda é incorporada e faz parte do Acordo de Revenda, como se o Contrato de Revenda estivesse totalmente estabelecido aqui. O Contrato de Revenda permanece em pleno vigor e efeito, e ambos os termos do Contrato de Revenda, bem como os termos adicionais nesta Adenda regem a relação entre a CC e o Revendedor”).

Por último, entendeu a 1ª instância, e não foi impugnado, que, “não constando, do Contrato junto como Doc. 27 da p.i. de 2012, que aqui se mostra junto a fls. 1429v a 1436, qualquer cláusula de jurisdição, há que aplicar-se o que prevê a cláusula 12.1 do “Reseller Agreement” (…)(ora junto a fls. 1423v a 1429), que confere competência para dirimir as questões existentes entre as partes ao Tribunal da República da Irlanda.” 


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do artigo 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo. Assim, no presente recurso estão em causa as seguintes questões:        

- Saber se o ordenamento jurídico português, numa situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual como a dos autos, atribui às AA. a faculdade de optar pelo regime da responsabilidade extracontratual, com a consequência de se entender, quanto à questão da competência internacional, serem os tribunais portugueses competentes para conhecer das alegadas infracções ao Direito da Concorrência (designadamente, ao abrigo do artigo 102° do TFUE), de acordo com a regra prevista no nº 3, do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001 (equivalente à regra do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012);

- Subsidiariamente, saber se a resolução da questão da competência internacional, feita à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE], conduz ao afastamento das cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos, sendo os tribunais portugueses considerados competentes para conhecer das alegadas infracções ao Direito da Concorrência (designadamente, ao abrigo do artigo 102° do TFUE), de acordo com a regra prevista no nº 3, do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001 (equivalente à regra do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012);

- Subsidiariamente, saber se a instância deve ser suspensa a fim de proceder a reenvio prejudicial para o TJUE com o intuito de resolver a questão anterior.


Esclareça-se que, conforme decidido pelas instâncias e perante o regime do artigo 100º do Código de Processo Civil, a decisão final proferida na acção nº 135/12.7TCFUN não produz efeito de caso julgado fora daquele processo, não relevando assim as conclusões da Recorrida a esse respeito (cfr. concls. II a VI, XXXIX, LVI a LVIII e LXXVII das contra-alegações).

Assinale-se também ser irrelevante a invocação pela Recorrente (cfr. concls. XXXVI e XXXVII) de princípios ou critérios (como o denominado princípio ou critério da necessidade) acolhidos na ordem jurídica portuguesa, designadamente no artigo 62º, alínea c), do Código de Processo Civil), mas não no Direito Comunitário/Direito da União Europeia, salvo se (diversamente do que as partes alegaram e do que as instâncias entenderam) se vier a apurar, no presente recurso, que à resolução da questão da competência internacional dos autos, é antes aplicável o direito interno português.


6. Quanto à primeira questão – saber se o ordenamento jurídico português, numa situação de concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual como a dos autos, atribui às AA. a faculdade de optar pelo regime da responsabilidade extracontratual, com a consequência de se entender, quanto à questão da competência internacional, serem os tribunais portugueses competentes para conhecer das alegadas infracções ao Direito da Concorrência (designadamente, ao abrigo do artigo 102° do TFUE), de acordo com a regra prevista no nº 3, do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001(equivalente à regra do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012) – alegam as partes desenvolvidamente, convocando (cfr. concls. III a XXXV das alegações de recurso e concls. VII a XXXV e LIX a LXV das contra-alegações), em sentidos divergentes, tanto posições da doutrina nacional como decisões dos tribunais superiores portugueses, umas e outras relativas à controvertida problemática da determinação do regime aplicável ao concurso de modalidades de responsabilidade na ordem jurídica portuguesa.

Vejamos.


6.1. Compreende-se que as partes tenham seguido a referida estratégia alegatória, tendo em conta que as instâncias, por um lado, consideraram que a questão da competência internacional dos autos deve ser resolvida em função do regime do Regulamento nº 44/2001, e, por outro lado, ao interpretar as regras deste mesmo Regulamento, fizeram-no à luz dos conceitos normativos da ordem jurídica portuguesa – tal como desenvolvidos pela jurisprudência e pela doutrina – salvo no que se refere ao conceito de pacto de jurisdição (uma vez que a decisão da 1ª instância entendeu que “a noção de pacto atributivo de jurisdição do artigo 17º da Convenção de Bruxelas, extensível ao artigo 23º, do Regulamento, é autónoma relativamente aos direitos nacionais dos Estados contratantes, prevalecendo sobre estes, designadamente quando fixem requisitos mais exigentes de forma”).

Contudo, importa esclarecer desde já que, confirmando-se serem aplicáveis à presente acção as normas de Direito Comunitário/Direito da União Europeia sobre competência internacional, na sua interpretação, como na interpretação da generalidade das normas jurídicas de fonte supra-estadual, vale o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, em razão da prossecução do objectivo de aplicação uniforme de tais normas.

Esta orientação tem sido adoptada pela jurisprudência europeia: inicialmente, no acórdão Eurocontrol, de 14 de Outubro de 1976 (processo 29/76, EU:C:1976:137, nºs 3 e 5); posteriormente, de forma constante. Ver, entre outros, o acórdão Koelzsch, de 15 de Março de 2011 (processo C-29/10, EU:C:2011:151, nº 32), o acórdão Kásler e Káslerné Rábai, de 30 de Abril de 2014 (processo C-26/13, EU:C:2014:282, nº 37) e o acórdão Pebros Servizi srl , de 16 de Junho de 2016 (processo C-511/14, EU:C:2016:448), cujo nº 36 aqui se transcreve:

“Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 5 de dezembro de 2013, Vapenik, C‑508/12, EU:C:2013:790, n.° 23 e jurisprudência referida).       


A interpretação autónoma das normas jurídica de fonte supra-estadual, com ressalva das remissões expressas para os direitos nacionais, é comummente defendida pela doutrina especializada (ver, por todos, Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, 2ª ed. refundida, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 49-50; a respeito da concretização dos critérios do processo de interpretação autónoma, cfr. Moitinho de Almeida, O Regulamento Roma II – Lei Aplicável às Obrigações Extracontratuais, Principia, Cascais, 2017, págs. 16-20).

Especificamente em relação à interpretação autónoma da Convenção de Bruxelas de 1968, que antecedeu o Regulamento nº 44/2001, cfr. Teixeira de Sousa/Moura Vicente, Comentário à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, Lex, Lisboa, 1994, págs. 19 e segs. Na jurisprudência do Tribunal de Justiça, para além do supra citado acórdão Eurocontrol (nºs 3 e 5), refira-se o acórdão Mulox, de 13 de Julho de 1993 (processo C-125/92, EU:C:1993:306) em cujo nº 11 se afirma o seguinte:  

A interpretação autónoma“(...) é a única que permite assegurar a aplicação uniforme da convenção, cujo objectivo consiste, designadamente, na uniformização das regras de competência dos órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes, evitando, na medida do possível, a multiplicação da titularidade da competência judiciária a respeito de uma mesma relação jurídica, e em reforçar a protecção jurídica das pessoas domiciliadas na Comunidade, permitindo, simultaneamente, ao requerente identificar facilmente o órgão jurisdicional a que se pode dirigir e ao requerido prever razoavelmente aquele perante o qual pode ser demandado”.


Existindo um princípio de continuidade interpretativa entre a Convenção de Bruxelas de 1968 e o Regulamento nº 44/2001 (cfr. Considerando 19 do Regulamento), a orientação relativa à interpretação das normas da Convenção vale também para a interpretação das normas do Regulamento nº 44/2001.


6.2. Não é de mais acentuar a importância metodológica do princípio da interpretação normativa autónoma para a resolução da questão da competência internacional objecto do presente recurso.

Com efeito, se a interpretação das normas de fontes de Direito Comunitário/Direito da União Europeia, como são o Regulamento nº 44/2001 e o Regulamento nº 1215/2012, fosse levada a cabo, total ou parcialmente, em função dos conceitos normativos da ordem jurídica de cada Estado-Membro, assim como das respectivas concepções doutrinais e jurisprudenciais, não seria possível garantir a uniformidade dos resultados interpretativos alcançados, pondo em crise a própria razão de ser da existência de um regime unificado. Neste mesmo sentido, a respeito de diversas regras jurídicas europeias, se tem pronunciado este Supremo Tribunal, designadamente nos acórdãos de 3 de Outubro de 2007 (processo nº 07S922), de 21 de Setembro de 2017 (processo nº 53/14.4T8CBR-D.C1.S1), de 14 de Dezembro de 2017 (processo nº 143378/15.0YIPRT.G1.S1) e de 13 de Novembro de 2018 (processo nº 6919/16.0T8PRT.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt.

Consequentemente, pode concluir-se que, tal como se encontra formulada, a primeira questão objecto do presente recurso – pela qual as Recorrentes pretendem que normas de regulamentos comunitários/da União Europeia sejam interpretadas e aplicadas em função de conceitos normativos e de concepções doutrinais e/ou jurisprudenciais relativos(as) ao ordenamento jurídico português – configura afinal uma metodologia inadequada e que, por isso, deve ser afastada na resolução da questão da competência internacional.

Aqui chegados, importa, pois, confirmar se o regime de Direito Comunitário/Direito da União Europeia, regulador da competência internacional, é ou não aplicável à presente lide.


6.3. Compulsados os autos, verifica-se que as partes tanto invocaram a aplicação do Regulamento nº 44/2001 (Regulamento Bruxelas I) como do Regulamento nº 1215/2012 (Regulamento Bruxelas I Bis), enquanto as instâncias deram como assente ser aplicável aquele primeiro Regulamento.

Apesar da similitude das soluções adoptadas num e noutro regulamento, importa certificar se, ao caso sub judice, é efectivamente aplicável o Regulamento nº 44/2001, o qual, nos termos do respectivo artigo 66º nº 1, abrange as acções judiciais interpostas após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Março de 2002 (cfr. artigo 76º). Quanto ao Regulamento nº 1215/2012, de acordo com o disposto no respectivo artigo 66º, nº 1, é aplicável às acções judiciais intentadas a partir de 10 de Janeiro de 2015.

Tendo a presente acção sido proposta em 29 de Março de 2016, insere-se já no âmbito temporal de aplicação do regime do Regulamento nº 1215/2012, faltando ainda confirmar se se encontra abrangida pelo âmbito material e espacial de aplicação do mesmo Regulamento.  

Porém, antes de mais, convém recordar que o princípio da continuidade interpretativa, supra referido a respeito da relação entre a Convenção de Bruxelas de 1968 e o Regulamento nº 44/2001, vale também para a relação entre estes dois instrumentos e o Regulamento nº 1215/2012, conforme previsto no Considerando 34 (segunda parte) deste Regulamento, que aqui se transcreve:

“Para assegurar a continuidade entre a Convenção de Bruxelas de 1968, o Regulamento (CE) n.º 44/2001 e o presente regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deverá ser assegurada no que diz respeito à interpretação, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, da Convenção de Bruxelas de 1968 e dos regulamentos que a substituem.”


Passemos então a verificar da inserção do caso dos autos no âmbito material e espacial de aplicação do Regulamento nº 1215/2012.

Quanto ao âmbito material, prescreve o artigo 1º:


“1. O presente regulamento aplica-se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»).

2. O presente regulamento não se aplica:

a) Ao estado e à capacidade jurídica das pessoas singulares ou aos regimes de bens do casamento ou de relações que, de acordo com a lei que lhes é aplicável, produzem efeitos comparáveis ao casamento;

 b) Às falências, concordatas e processos análogos;

 c) À segurança social;

d) À arbitragem;

 e) Às obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco, casamento ou afinidade;

 f) Aos testamentos e sucessões, incluindo as obrigações de alimentos resultantes do óbito.”

 

Não se tratando de lide que integre qualquer das excepções do nº 2, é aplicável o nº 1, podendo, no entanto, suscitar-se dúvidas sobre a natureza de uma acção de responsabilidade civil por infracções jus-concorrenciais. Dúvidas que, a respeito da norma equivalente do Regulamento nº 44/2001 (artigo 1º, nº 1), foram resolvidas pelo TJUE no Acórdão flyLA‑Lithuanian Airlines AS, de 23 de Outubro de 2014 (processo C-302/13, EU:C:2014:2319), em termos que, mais uma vez de acordo com o princípio da continuidade interpretativa, são inteiramente válidos em relação ao regime do Regulamento nº 1215/2012.

No referido processo de reenvio prejudicial a questão formulada era a seguinte:

Deve ser considerado um processo que tem por objeto matéria civil ou comercial, na aceção do Regulamento [n.° 44/2001], um litígio em que se pede uma indemnização e a declaração da ilicitude do comportamento das demandadas, que consiste num acordo ilícito e num abuso de posição dominante, e que se baseia na aplicação de atos normativos de alcance geral de outro Estado‑Membro, tendo em consideração que os acordos ilícitos são nulos desde o momento em que são celebrados e que, em contrapartida, a adoção de uma norma é um ato do Estado no âmbito do Direito público (acta iure imperii), ao qual se aplicam as normas de Direito internacional público sobre a imunidade jurisdicional de um Estado em relação aos órgãos jurisdicionais de outros Estados?”


Em sede de fundamentação, o Tribunal de Justiça considerou:

“28 A ação proposta pela flyLAL tem por objeto a reparação do prejuízo associado a uma alegada infração ao direito da concorrência. Assim, a ação é do domínio do direito da responsabilidade civil extracontratual (v., por analogia, acórdão Sunico e o., EU:C:2013:545, n.° 37). [negrito nosso]

29 Deste modo, uma ação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante da violação das regras do direito da concorrência é de natureza civil e comercial.”


Decidindo a final:

“1) O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante de alegadas violações do direito da concorrência da União é abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, entra no âmbito de aplicação desse regulamento.” [negrito nosso]


Perante esta decisão do Tribunal de Justiça, considera-se, interpretando e aplicando o Direito da União Europeia, ser de concluir que a presente acção de responsabilidade civil por alegadas violações ao Direito da Concorrência, se insere no âmbito material de aplicação do Regulamento nº 1215/2012.


Quanto ao âmbito espacial de aplicação do Regulamento, dispõe o nº 1, do artigo 6º:

Se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro.”


Por interpretação a contrario desta norma (tal como, anteriormente, do nº 1, do artigo 4º do Regulamento nº 44/2001), entende-se comummente que a regra geral para definir o âmbito espacial de aplicação do regime comunitário é a de que o demandado tenha domicílio no território de um dos Estados-Membros.

Ressalva-se a hipótese contemplada no artigo 25º do Regulamento (equivalente ao artigo 23º do Regulamento nº 44/2001) referente, precisamente, aos pactos de jurisdição, cujo nº 1 prevê o seguinte:

Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário.”


No que aqui releva, esta norma desvia-se da regra do, supra transcrito, nº 1, do artigo 6º do Regulamento nº 1215/2012, na medida em que, existindo um pacto de jurisdição que atribua a competência aos tribunais de um Estado-Membro, a acção correspondente se insere no respectivo âmbito espacial de aplicação, ainda que nenhuma das partes tenha o seu domicílio em território de um Estado-Membro (nisto se diferenciando do regime do artigo 23º, nº 1, do Regulamento nº 44/2001, no qual se exigia que pelo menos uma das partes, mas não necessariamente o demandado, tivesse domicílio em território de um Estado-Membro).

No caso dos autos, verifica-se que, tendo as AA. sede em Portugal e a R. sede na Irlanda – e de acordo com o disposto no artigo 60º, nº 1, alínea a), do Regulamento nº 1215/2012, conjugado com o nº 2 do mesmo artigo – tanto aquelas como esta estão domiciliadas em território de Estados-Membros. Ainda que assim não fosse, perante a redacção da previsão da norma do citado nº 1, do artigo 25º do Regulamento nº 1215/2012, tal não obstaria à aplicação da respectiva estatuição, bastando que, como é o caso, o pacto de jurisdição atribua a competência aos tribunais de um Estado-Membro.

Assim, e não tendo a validade das cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos sido posta em causa no presente recurso, conclui-se que o caso sub judice se insere no âmbito espacial de aplicação do Regulamento nº 1215/2012, devendo, por isso, a questão da competência internacional ser decidida em função das regras estabelecidas neste diploma de Direito da União Europeia.

          

6.4. Conjugando esta última conclusão com o enunciado princípio da interpretação autónoma das fontes normativas supra-estaduais, resulta que a segunda questão do presente recurso – saber se a resolução da questão da competência internacional, feita à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, conduz (ou não) ao afastamento das cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos, sendo os tribunais portugueses considerados competentes para conhecer das alegadas infracções ao Direito da Concorrência (designadamente, ao abrigo do artigo 102° do TFUE), de acordo com a regra prevista no nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012 – constitui a questão essencial a dilucidar.

Sendo que, se se concluir em sentido negativo, isto é, que tal questão não se encontra ainda resolvida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, se terá de proceder ao reenvio prejudicial para o mesmo Tribunal (o que corresponde ao que, no presente recurso, surge como terceira questão/pretensão das Recorrentes).

Assim, não pode deixar de se reconhecer assistir razão às AA., aqui Recorrentes, ao virem, em sede de recurso de revista, insistir em que a apreciação da questão da competência internacional terá de ser realizada em função das normas jurídicas europeias, tal como interpretadas pelo TJUE. Determinar se, a final, esta alteração metodológica terá ou não consequências no desfecho da presente lide, dependerá, naturalmente, do resultado da averiguação que nos propomos realizar de seguida.


7. Passemos a apurar se a questão da competência internacional, resolvida à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, deve ou não conduzir ao afastamento das cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos, devendo os tribunais portugueses ser considerados competentes para conhecer das alegadas infracções ao Direito da Concorrência (designadamente, ao abrigo do artigo 102° do TFUE), de acordo com o previsto no nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012, segundo o qual “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 2) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso).


7.1. Importa ter presente a seguinte jurisprudência do TJUE:


a) Como se viu supra, no ponto 6.3. do presente acórdão, pelo acórdão flyLAL - Lithuanian Airlines AS, de 23 de Outubro de 2014 (processo C-302/13, EU:C:2014:2319), entendeu-se:

- Que “uma ação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante de alegadas violações do direito da concorrência da União é abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial» para efeitos de aplicação do Regulamento nº 44/2001 (e portanto também do Regulamento nº 1215/2012);

- E que assim é porque “a reparação do prejuízo associado a uma alegada infração ao direito da concorrência. Assim, a ação é do domínio do direito da responsabilidade civil extracontratual [negrito nosso]


b) No Acórdão Marc Brogsitter, de 13 de Março de 2014 (processo C-548/12, EU:C:2014:148), em resposta à seguinte questão prejudicial:

“Deve o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 ser interpretado no sentido de que um demandante que alega ter sido lesado por um ato [constitutivo de concorrência desleal] que, nos termos do direito alemão, deve ser considerado um ilícito praticado pelo seu cocontratante estabelecido noutro Estado‑Membro, pode também invocar contra o referido cocontratante direitos relacionados com um contrato, quando baseia a sua ação em atos ilícitos?”


O Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

As ações de responsabilidade civil, como as que estão em causa no processo principal, de natureza extracontratual nos termos do direito nacional, devem, no entanto, ser consideradas abrangidas pela «matéria contratual», na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais, tal como podem ser determinadas tendo em conta o objeto do contrato.” [negrito nosso]


c) No Acórdão Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Peroxide SA, de 21 de Maio de 2015 (processo C-352/13, EU:C:2015:335), em resposta à seguinte questão prejudicial:

“No caso de ações de indemnização por infração à proibição de cartéis enunciada no artigo 81.° CE/artigo 101.° TFUE e no artigo 53.° do Acordo EEE, o princípio, consagrado no direito da União, de execução eficiente dessa proibição permite ter em conta cláusulas de arbitragem e cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos de fornecimento se isso implicar, face a todos os demandados e/ou em relação a todos ou a uma parte dos direitos invocados, a derrogação das regras de competência internacional previstas no artigo 5.°, n.° 3, e/ou no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 44/2001?]”


O Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

“O artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que permite, em caso de pedido de indemnização em razão de uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, ter em conta cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos de fornecimento, mesmo que isso implique a derrogação das regras de competência internacional previstas nos artigos 5.°, n.° 3, e/ou 6.°, n.° 1, do referido regulamento, desde que essas cláusulas se reportem aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência.” [negrito nosso]


7.2. Perante as decisões dos dois primeiros acórdãos do TJUE supra indicados (acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines AS e acórdão Marc Brogsitter), afigura-se ser de concluir que:

1º) As infracções ao Direito da Concorrência originam responsabilidade extracontratual, sendo “matéria civil e comercial” para efeito de aplicação do regime do Regulamento nº 44/2001 (o que, perante o princípio da continuidade interpretativa, é válido também para o regime do Regulamento nº 1215/2012);

2º) A responsabilidade extracontratual, designadamente por infracção ao Direito da Concorrência, nascida de condutas que, simultânea ou conexamente, constituam incumprimento de obrigações contratuais, deve ser apreciada pelo tribunal competente para conhecer deste incumprimento.


Da aplicação destas conclusões ao recurso interposto neste Supremo Tribunal, resultaria que, estando em causa infracções ao Direito da Concorrência que correspondem a alegadas condutas da R. no âmbito das relações contratuais existentes entre as partes, e com elas directamente conexionadas, os tribunais competentes para dirimir o litígio seriam os tribunais competentes para conhecer dos litígios relativos a essas relações contratuais. Incluindo, em princípio, os tribunais convencionalmente escolhidos pelas partes.

Contudo, da decisão do terceiro acórdão do TJUE supra indicado (acórdão Cartel Damage Claims (CDC)) pode extrair-se uma outra conclusão relevante, e não inteiramente coincidente com o anteriormente afirmado, que é a seguinte:

Em acções relativas a responsabilidade por infracções ao Direito da Concorrência, a prevalência de cláusulas contratuais atributivas de jurisdição sobre a regra de competência do nº 3, do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001 (como do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012) depende da previsibilidade, pelas partes, de que aquela responsabilidade de natureza extracontratual esteja abrangida por tais cláusulas.  


Esta conclusão, se aplicada ao caso pendente neste Supremo Tribunal, uma vez que as cláusulas dos contratos dos autos, que atribuem a competência aos tribunais irlandeses, não se referem expressamente a acções por infracções jus-concorrenciais, poderia levar a considerar que a regra de competência do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012 (segundo a qual “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 2) Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”) prevaleceria sobre aquelas cláusulas.

Mas esta solução não se apresenta isenta de dúvidas, atendendo, nomeadamente, às diferenças existentes entre a presente lide e o processo judicial que deu origem ao acórdão do TJUE Cartel Damage Claims (CDC), entre as quais se destacam as seguintes: a diferente natureza das (aqui alegadas) infracções jus-concorrenciais em causa; a (aqui) não existência de prévia declaração de infracção jus-concorrencial por autoridade competente para o efeito.


7.3. Perante as dúvidas subsistentes, este Supremo Tribunal admitiu a hipótese de estar obrigado a proceder a reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça (neste sentido, cfr. Moura Ramos, Aplicabilidade de cláusulas atributivas de jurisdição em acções de responsabilidade emergente de práticas consideradas de abuso de posição dominante, anotação ao acórdão do STJ de 16 de Fevereiro de 2016, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 147º, págs. 265 e segs. especialmente, pág. 278); só que, entretanto, apurou-se estar já pendente, à data da interposição do presente recurso, um reenvio prejudicial apresentado ao Tribunal de Justiça pela Cour de Cassation em 11 de Outubro de 2017 (dando origem ao processo C-595/17), no âmbito de acção interposta nos tribunais franceses, equivalente à presente acção interposta nos tribunais portugueses, e na qual a aqui R. foi demandada (sendo que, na acção pendente na Cour de Cassation, se provou que, em 10 de Outubro de 2002, a CC International, sociedade de direito irlandês, celebrou com a sociedade eBizcuss um contrato em que lhe reconhecia a qualidade de revendedor autorizado dos produtos da marca CC; e que esse contrato, pelo qual a eBizcuss se comprometeu a distribuir, em quase exclusividade, os produtos do seu co-contratante, continha uma cláusula atributiva de jurisdição a favor dos tribunais irlandeses; vindo a sociedade eBizcuss, em Abril de 2012, a intentar contra a CC International, a CC Inc., sociedade de direito americano, e a CC retail France, sociedade de direito francês, uma acção de indemnização por actos de concorrência desleal e abuso de posição dominante, nos termos do artigo 1382° do Código Civil francês, do artigo L 420º, 2 do Código Comercial francês e do artigo 102° do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Neste reenvio prejudicial, cuja existência era naturalmente conhecida pela aqui R., foram formuladas as seguintes questões prejudiciais:


“1) Deve o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 ser interpretado no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º [TFUE] aplicar uma cláusula atributiva de jurisdição prevista no contrato que vincula as partes?


2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 ser interpretado no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º [TFUE] aplicar uma cláusula atributiva de jurisdição constante do contrato que vincula as partes, incluindo no caso de a referida cláusula não se referir expressamente aos diferendos relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência?


3) Deve o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 ser interpretado no sentido de que permite ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.ª [TFUE] afastar uma cláusula atributiva de jurisdição prevista no contrato que vincula as partes no caso de uma autoridade nacional ou europeia não ter constatado uma violação ao direito da concorrência?”



7.4. Em resposta ao reenvio prejudicial da Cour de Cassation, foi proferido, em 24 de Outubro de 2018, acórdão do TJUE, (processo C-595/17, EU:C:2018:854), que fundamentou a resolução das questões prejudicais enunciadas, nos seguintes termos:


Quanto à primeira e segunda questões


20. Com a primeira e segunda questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que está excluída a aplicação, a uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE, de uma cláusula atributiva de jurisdição contida no contrato que vincula as partes, que não se refere expressamente aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência.

21. A este respeito, cumpre recordar que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a interpretação de uma cláusula atributiva de jurisdição, a fim de determinar os diferendos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, é da competência do órgão jurisdicional nacional onde foi invocada (Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.º 67 e jurisprudência referida).

22. No entanto, uma cláusula atributiva de jurisdição só pode dizer respeito a litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, o que limita o alcance de uma cláusula atributiva de jurisdição apenas aos litígios que têm a sua origem na relação de direito existente na altura em que essa cláusula foi acordada. Esta exigência tem por objetivo evitar que uma parte seja surpreendida pela atribuição, a um foro determinado, dos litígios que surjam nas relações havidas com a outra parte cocontratante e que encontrariam a sua origem noutras relações para além das surgidas na altura em que a atribuição de jurisdição foi acordada (Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.º 68 e jurisprudência referida).

23. À luz deste objetivo, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que uma cláusula que se refere, de modo abstrato, aos litígios surgidos nas relações contratuais não abrange um litígio relativo à responsabilidade extracontratual em que um cocontratante alegadamente incorreu em resultado do seu comportamento conforme com um cartel ilícito (Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.º 69).

24. Dado que tal litígio não é razoavelmente previsível para a empresa vítima no momento em que deu o seu consentimento à referida cláusula, por, nessa época, desconhecer o cartel ilícito que envolve o seu cocontratante, não se pode considerar que o mesmo tem origem nas relações contratuais (Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.º 70).

25. Tendo em conta estas considerações, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001 permite, em caso de pedido de indemnização em razão de uma infração ao artigo 101.º TFUE e ao artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), ter em conta cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos de fornecimento, desde que essas cláusulas se reportem aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência (Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide, C‑352/13, EU:C:2015:335, n.º 72).

26. À luz desta jurisprudência, há que examinar se esta interpretação do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 e os seus fundamentos são igualmente válidos em relação a uma cláusula atributiva de jurisdição invocada no âmbito de um litígio relativo à responsabilidade extracontratual em que um cocontratante alegadamente incorreu em resultado de uma violação do artigo 102.º TFUE.

27. É esse o caso quando o comportamento anticoncorrencial alegado for alheio à relação contratual no âmbito da qual a cláusula atributiva de jurisdição foi acordada.

28. Ora, como o comportamento anticoncorrencial referido no artigo 101.º TFUE, a saber, um cartel ilícito, não está, em princípio, diretamente ligado com a relação contratual entre um membro desse cartel e um terceiro, sobre a qual o cartel produz os seus efeitos, o comportamento anticoncorrencial referido no artigo 102.º TFUE, a saber, o abuso de uma posição dominante, pode concretizar‑se nas relações contratuais que uma empresa em situação de posição dominante estabelece e através das condições contratuais.

29. Assim, há que salientar que, no âmbito de uma ação ao abrigo do artigo 102.º TFUE, não se pode considerar que a tomada em consideração de um pacto atributivo de jurisdição que faz referência a um contrato e à relação correspondente ou às relações dele decorrentes entre as partes surpreenda uma das partes na aceção da jurisprudência referida no n.º 22 do presente acórdão.

30. Em face do exposto, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a aplicação, a uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE, de uma cláusula atributiva de jurisdição contida no contrato que vincula as partes não está excluída pelo simples facto de essa cláusula não se referir expressamente aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência.


 Quanto à terceira questão


31. Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE depende da constatação prévia de uma infração ao direito da concorrência por uma autoridade nacional ou europeia.

32. Esta questão deve ser respondida negativamente.

33. Com efeito, tal como observou o advogado‑geral no n.º 83 das suas conclusões, a existência ou não de uma declaração prévia por uma autoridade da concorrência de uma infração às regras da concorrência é uma consideração alheia às que devem prevalecer para concluir pela aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição a uma ação destinada à reparação de danos alegadamente sofridos em consequência de uma violação das regras da concorrência.

34. No contexto do artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001, uma distinção em função da existência ou não de uma declaração prévia, por uma autoridade da concorrência, de uma infração às regras da concorrência colidiria igualmente com o objetivo de previsibilidade que inspira esta disposição.

35. Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.º 60 e jurisprudência referida), e conforme mencionam os considerandos 3, 12 e 13 da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infrações às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), os artigos 101.º e 102.º TFUE produzem efeitos diretos nas relações entre particulares e criam, para as pessoas em causa, direitos e obrigações que os tribunais nacionais devem tutelar. Por conseguinte, o direito de as pessoas que se considerem lesadas por uma infração às regras do direito da concorrência pedirem a reparação do prejuízo sofrido é independente da constatação prévia dessa infração por uma autoridade da concorrência.

36. Em face do exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE não depende da constatação prévia de uma infração ao direito da concorrência por uma autoridade nacional ou europeia.[negritos nossos]

 

7.5. A final, o Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão:


“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:


1) O artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a aplicação, a uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE, de uma cláusula atributiva de jurisdição contida no contrato que vincula as partes não está excluída pelo simples facto de essa cláusula não se referir expressamente aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência.


2) O artigo 23.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição no âmbito de uma ação de indemnização intentada por um distribuidor contra o seu fornecedor ao abrigo do artigo 102.º TFUE não depende da constatação prévia de uma infração ao direito da concorrência por uma autoridade nacional ou europeia.” [negritos nossos].


8. Após notificação das partes quanto ao facto de ter sido proferido o referido acórdão do Tribunal de Justiça, cumpre decidir a questão objecto do presente recurso.

Ponderados todos os dados supra enunciados, e tendo presente o princípio da continuidade interpretativa entre o regime do Regulamento nº 44/2001 e o regime do Regulamento nº 1215/2012 (cfr. Considerando 34 deste último), entende este Supremo Tribunal que:

(i) Em resultado da aplicação do Direito da União Europeia, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, em especial no indicado acórdão de 24 de Outubro de 2018, proferido no processo C-595/17;

(ii) Considerando que as infracções jus-concorrenciais invocadas na presente acção, designadamente o abuso de posição dominante, correspondem a alegadas condutas da R. no âmbito das relações contratuais entre as partes, e com estas directamente conexionadas;

(iii) De tal forma que se encontra satisfeita a exigência de previsibilidade, pelas partes, da possibilidade de tais infracções estarem abrangidas pelo âmbito das cláusulas atributivas de jurisdição (neste sentido, cfr. Moura Ramos, Aplicabilidade de cláusulas atributivas de jurisdição, cit., págs. 274-277, afirmando não existir ausência de previsibilidade “em casos de relações verticais de distribuição em que ao fornecedor seja imputado um abuso de posição dominante, traduzido em condutas que não podem deixar de ter uma marcada conexão com a relação contratual que ligava as partes”);

É de concluir que a questão da competência internacional deve ser resolvida no sentido de que as cláusulas atributivas de jurisdição dos contratos dos autos (pelas quais se atribui a competência aos tribunais irlandeses) prevalecem sobre a norma do nº 2, do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012, de cuja aplicação resultaria serem competentes os tribunais portugueses.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se – com fundamentação distinta, i.e., por via da aplicação das normas do Direito da União Europeia, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia – a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.


Lisboa, 19 de Dezembro de 2018


Maria da Graça Trigo (Relator)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho