Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
512/14.9TBTNV.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: HIPOTECA
EXTINÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
BEM IMÓVEL
ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
REGISTO
VENCIMENTO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / HIPOTECA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, Vol. V, 1932, 533 e 536 e ss..
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil”, Vol. 1,.º, 115.
- Vaz Serra, «Hipoteca», no B.M.J., n.º 63, fevereiro de 1957, 307, § 51, 308/309.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 323.º, 342.º, N.º2, 696.º, 730.º, AL. B).
Sumário :
I - A hipoteca extingue-se por prescrição a favor do terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco anos sobre o vencimento da obrigação (art. 730.º, al. b), do CC), verificando-se, no caso, a prescrição, considerando que a autora é terceiro adquirente das frações do imóvel edificado em prédio edificado sobre terreno hipotecado à construtora, que já decorreram, proposta a presente ação em 23-04-2014, vinte anos sobre o registo de aquisição das frações ocorrido 11-03-1994 e que a dívida se venceu em 27-07-1993.

II - A prescrição como causa de extinção da hipoteca é independente da extinção da obrigação principal e, por isso, não constitui ato interruptivo da prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente do imóvel hipotecado, a interrupção da prescrição relativamente à obrigação contraída com garantia real pelo devedor junto da instituição de crédito, interrupção que decorreu da reclamação de créditos que a instituição de crédito deduziu em execução instaurada contra o devedor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou no dia 23-4-2014 ação declarativa com processo comum contra Banco BB, SA deduzindo os seguintes pedidos:

- Que a ré seja condenada a reconhecer o direito de propriedade pleno sobre as identificadas frações autónomas designadas pelas letras "E" e "Q" nos artigos 1.º e 2.º da petição - frações do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. ..., lote 1, Torres Novas, descritas na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 34....

- Que se reconheça e declare a prescrição da hipoteca registada como AP. 13 de 1991/06/24 que incide sobre as frações "E" e "Q" identificadas nos artigos 1.º e 2.º desta petição.

- Que se ordene o cancelamento do registo da hipoteca registada como PA 13 de 1991/06/24 que incide sobre as frações "E" e "Q" identificadas nos artigos 1.º e 2.º desta petição inicial junto da Conservatória do Registo Predial de Torres Novas.

2. Alegou a A. o seguinte:

- Que adquiriu as frações em 20-11-1993.

- Que estão registadas na CRP desde 11-3-1994.

- Que está registada sobre os imóveis hipoteca a favor do Banco CC desde 24-6-1991.

- Que essa hipoteca foi constituída para garantia do contrato de abertura de crédito outorgado com a Construtora DD, Lda.

- Que a hipoteca incidiu sobre dois lotes de terreno onde foram edificados imóveis sobre os quais foi constituída em 2-3-1992 a propriedade horizontal.

- Que, por incumprimento do contrato de abertura de crédito, o CC considerou automaticamente vencidas todas as dívidas da construtora em 27-7-1993.

3. Assim, a hipoteca incidente sobre as aludidas frações está prescrita face ao disposto no artigo 730.º, alínea c) do Código Civil pois decorreram mais de 20 anos sobre o registo de aquisição e mais de 5 sobre o vencimento da dívida.

4. Na contestação o réu alegou que reclamou o seu crédito no âmbito da reclamação de créditos deduzida em execução instaurada contra a devedora (P. 221/93) e reclamou o crédito ainda em 9-5-1994 no P. 22/94.

5. No que respeita à reclamação de créditos apresentada no P. 221/93 o trânsito em julgado ocorreu depois de 19-4-2001, data em que foi graduado o crédito do CC; e também em 2001 foi proferida decisão nesse processo, razão por que ainda não decorreu o prazo de 20 anos sobre o registo de aquisição das frações em causa, estando pelo menos desde 2001 interrompida a prescrição.

6. A sentença considerou que não se verificava a prescrição da hipoteca, agora incidente sobre as frações autónomas da autora, pois com as reclamações do crédito deduzidas em 1993 e em 1994 contra a construtora, devedora do crédito constituído por contrato de abertura de crédito, interrompeu-se o prazo de prescrição que se reiniciou com o trânsito das sentenças de graduação de créditos em 2001.

7. O Tribunal da Relação revogou a sentença, julgando a ação procedente por provada, declarando-se, em consequência, a extinção, por prescrição, da hipoteca que incide sobre as frações "E" e "Q" do prédio sito na Av. ..., lote 1, Torres Novas, inscritas na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo 1178, e descritas na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º 348, ordenando-se o seu cancelamento no registo (Ap 13 de 24-6-1991).

8. Considerou-se no acórdão que, a admitir-se que as reclamações dos crédito se reportam às frações da autora, o que não tem por provado, não está provado que as sentenças de graduação tenham sido notificadas à autora, não está provado que contra a autora tenha sido dirigido qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de a ré exercer o seu direito ou que contra ela tenha sido praticado qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.

9. Sustenta o acórdão recorrido que a reclamação de créditos por parte da instituição de crédito no âmbito das aludidas execuções instauradas contra a construtora não é idónea para interromper a prescrição da hipoteca.

10. Conclui o acórdão recorrido que "correndo em paralelo dois prazos de prescrição, o prazo de prescrição da dívida garantida por hipoteca e o prazo de prescrição da hipoteca de terceiro adquirente do prédio hipotecado e não prevendo a lei que este se interrompa com a interrupção daquele, o ato judicial suscetível de interromper o prazo de prescrição da hipoteca há de ocorrer perante o terceiro adquirente, por ser contra este que o direito pode ser exercido".

11. Interposto recurso de revista, o réu concluiu a minuta nos termos que se transcrevem.

  1) Não assiste razão, pelos fundamentos invocados nas alegações, ao Venerando Tribunal da Relação de Évora, ao revogar a sentença do tribunal a quo, com o fundamento que "correndo em paralelo dois prazos de prescrição, o prazo de prescrição da dívida garantida por hipoteca e o prazo da prescrição da hipoteca de terceiro adquirente do prédio hipotecado e não prevendo a lei que este se interrompa com a interrupção daquele, o ato judicial suscetível de interromper o prazo de prescrição de hipoteca há de ocorrer perante o terceiro adquirente, por ser contra este que o direito deverá ser exercido (cf. artigo 56.°, n.° 2 do CPC vigente) ou mais concretamente, atenta a data do alegado facto interruptivo da prescrição, podia ser exercido (cf. artigo 56.°, n.° 2 do CPC de 1961)."

2) Não assistindo razão ao considerar que, como consta do acórdão que ora se coloca em crise, "o ato judicial suscetível de interromper o prazo de prescrição há de ocorrer perante terceiro adquirente, por ser contra este que o direito poderá ser exercido".

3) Pese embora a bondade da decisão em causa, não se pode concordar, quer face à factualidade dada como assente, quer face ao plano jurídico da questão a decidir, que tinha de ser dado conhecimento à A. da intenção do Banco se fazer pagar pelo valor das frações hipotecadas, como decidido, nomeadamente pela existência de ato judicial.

4) A questão levantada pela A., na resposta à contestação, relativamente à matéria de exceção aí aduzida, quando muito, não tendo o douto tribunal a quo se pronunciado expressamente quanto à mesma, poderia ter sido invocada pela A. a nulidade da sentença, quanto a tal ponto, o que contudo não fez, limitando-se a discordar, com os fundamentos constantes nas sua alegações, da decisão de mérito proferida.

5) Vem a Veneranda Relação de Évora decidir que deveria ter ocorrido qualquer ato judicial suscetível de interromper o prazo de prescrição da hipoteca, perante o terceiro adquirente, fundando-se no disposto no artigo 54.° n.° 2 do CPC de 1961, uma vez que tal direito podia ser exercido contra a A.

6) Contudo, salvo respeito por melhor e douto entendimento, não se percebe claramente a que direito em causa se reporta o douto acórdão, que ora se coloca em crise, pois a razão de ser de tal artigo tinha a ver com questões relacionadas com a legitimidade do exequente e do executado, e respetivos desvios à regra geral da determinação da legitimidade

7) Não figurando a aqui A. como executada, nas execuções referidas nos autos (cf. alíneas J) a N) da factualidade dada como assente, bem como das certidões juntas aos autos a fls. (...), e igualmente no âmbito das reclamações de créditos apresentadas pelo então Banco CC (ora R.), não se configura nem descortina que ato judicial deveria ou poderia o então Banco CC ter deduzida ou efetuado e muito menos qualquer citação ou notificação judicial de qualquer ato relativo à intenção de exercer o direito, ou a "prática de qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido".

8) É aliás, a própria A. que em 14° da P.I afirma que teve conhecimento que a credora CC, S.A, reclamou o seu crédito no âmbito do processo n.° 221/93, do 1o Juízo do tribunal de Torres Novas, como é aliás igualmente referido no douto acórdão proferido, a fls. (...)

9) A A., aqui recorrida, é apenas um terceiro adquirente de bem hipotecado com garantia real, não detendo o Banco contra aquela qualquer direito de crédito, mais designadamente o derivado das responsabilidades vencidas da Construtora DD, Lda., perante o Banco, ou seja, em súmula, não existia qualquer direito de crédito que o Banco pudesse exercer contra a A., com base nas responsabilidades não cumpridas, referidas no ponto G) da factualidade assente.

10) Pelo que inexistiu (e inexistia), qualquer necessidade de citar ou notificar a A. de qualquer ato que exprimisse direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito (entenda-se, o direito de crédito do Banco sobre o devedor).

11) O decurso do tempo, na hipótese, e em tutela do terceiro adquirente do bem hipotecado, tem o exato alcance que a lei refere (não outro) e que é o estabelecido pelo artigo 730.° alínea b) do Código Civil, ou seja, o prazo de 20 anos referido em tal alínea b), tem de ser conjugado e interpretado com as regras dos artigos 300.° a 311e 327°, todos do Código Civil, incluindo as relativas à suspensão e interrupção da prescrição, sendo que os prazos de prescrição, nos termos gerais, se aferem em relação à pessoa/entidade onerada com a dívida e com a hipoteca que a garante, não em relação ao terceiro adquirente de bem sobre o qual incide hipoteca prévia.

12) O Banco teria assim de interromper tais prazos prescricionais, relativamente ao devedor, responsável pela obrigação, o que, manifestamente fez.

13) Nenhum reparo merece a douta sentença proferida ao ter considerado, que, referindo-se ao caso dos autos, "são aplicáveis a essa situação as regras dos artigos 300.° a 311.º do CC sobre tal instituto, "incluindo as relativas à suspensão e interrupção da prescrição" - neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao CC, Coimbra Editora, Lda., 1967, pag. 565, e que, portanto, também à prescrição da hipoteca se aplicam as regras do instituto da prescrição, designadamente, quanto à interrupção do respetivo prazo de prescrição.

14) Bem como colhe razão o entendimento do douto Tribunal a quo, no sentido de que as reclamações de crédito apresentadas, melhor identificadas nos autos, têm eficácia interruptiva da prescrição da hipoteca, contrariamente ao decidido no acórdão que ora se coloca em crise.

15) Pese embora o ora decidido pela Veneranda Relação de Évora, com o que não se concorda, não era a A que tinha de ser notificada ou citada, mas sim o devedor.

16) Aplicam-se também à prescrição da hipoteca as regras do instituto da prescrição, designadamente, quanto à interrupção do respetivo prazo de prescrição

17) São aplicáveis a essa situação as regras dos artigos 300.° a 311.o do CC sobre tal instituto, "incluindo as relativas à suspensão e interrupção da prescrição

18) A reclamação de crédito apresentada pela ré tem eficácia interruptiva da prescrição de hipoteca

19) A ré, aqui recorrente, reclamou o seu crédito e invocou as garantias registadas a seu favor, as quais incidem sobre as frações propriedade da autora, em 1993 e Í994, em processos de execução contra a construtora, já identificados

20) Ou seja, aquando da apresentação da reclamação de créditos pela ré no referido processo, não haviam decorrido sequer dois anos sobre a data do registo de aquisição da propriedade das frações em nome da autora.

21) Significa, pois, que as hipotecas constituídas a favor do Banco não se encontravam prescritas naquela data.

E mais, a circunstância de terem sido reclamados créditos com base nas garantias hipotecárias que os garantem, levam a que se tenha interrompido o prazo de prescrição, quer do crédito, quer das hipotecas, sendo certo que os bens onerados na execução respondem primacialmente pelo pagamento dos créditos. Desta forma, a interrupção inutiliza para efeitos da prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.

Por sua vez, dispõe o art. 327.° do CC que se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. As sentenças de graduação de créditos transitaram em 30 de julho de 2001 data a partir da qual se inicia nova contagem do prazo de 20 anos.

24) Pelo que, bem esteve o tribunal a quo, ao não reconhecer a prescrição da hipoteca objeto deste litígio e ter considerado improcedente o pedido da A.

A circunstância de terem sido reclamados créditos com base nas garantias hipotecárias que os garantem, levam a que se tenha interrompido o prazo de prescrição, quer do crédito, quer das hipotecas.

O prazo de prescrição, quer do crédito, quer das hipotecas, se interrompeu com a "circunstância de terem sido reclamados créditos com base nas garantias hipotecárias que os garantem e que o novo prazo prescricional de 20 anos, começou a correr a partir de 30 de julho de 2001, data do trânsito em julgado da sentença de reclamação de créditos.

27) Face ao supra exposto, salvo o devido respeito, não se pode concordar com a decisão vertida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ao decidir no sentido de que "o ato judicial suscetível de interromper o prazo de prescrição da hipoteca há de ocorrer perante o terceiro adquirente, por ser contra este que o direito pode ser exercido" e, em consequência, ter revogado a decisão do Tribunal a quo, julgando a ação procedente.

28) Termos em que, pelos argumentos e fundamentos supra aduzidos, entende-se, salvo o devido respeito, que é muito, enfermar o douto acórdão que ora se coloca em crise, de violação, por erro de interpretação e aplicação, bem como erro na determinação da norma aplicável, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 674.° do CPC, bem como de violação ou errada aplicação da lei de processo, nos termos da alínea b) da mesma disposição legal, nomeadamente do disposto nos artigos 730.º, alína b), 318.º a 317.º, 300.º a 311.º, 323.º, n°s 1 e 4, 342.º, n.° 2, todos do CC, bem como o artigo 54/2 do CPC vigente e art. 54.º n.° 2 do CPC de 1961.

29) O Banco, em súmula, fez prova de facto suscetível de interromper a prescrição, bem decidindo o tribunal a quo no sentido de que "o prazo da prescrição, quer do crédito, quer das hipotecas, se interrompeu com a circunstância de terem sido reclamados créditos com base nas garantias hipotecárias que os garantem" e que o novo prazo prescricional, de 20 anos, começou a correr a partir de 30/7/2001, data do trânsito em julgado da sentença de reclamação de créditos."

30) Pelo que deve manter-se a douta Sentença proferida, nos defendidos termos.

Termos em que, deve negar-se provimento ao recurso da A., revogar-se o douto acórdão do tribunal da Relação de Évora e confirmar-se a douta decisão recorrida, nos defendidos termos, como é de Justiça!

12. Factos provados:

A) A Autora é dona da fração autónoma designada pela letra “E”, que correspondente ao 2º andar direito e da fração autónoma designada pela letra “Q”, pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida ..., Lote 1, em Torres Novas, inscritas na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art. 1.178, e descritas na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º 348, com a licença de utilização n.º 78, emitida pela Câmara Municipal de Torres Novas em 23.10.92.

B) A dita fração "E" destina-se a habitação, é composta por 2 divisões, tem uma permilagem de 80,0000, ocupa 70,5500 m2 de área bruta privativa e 3,0000 m2 de área bruta dependente e tem o valor patrimonial de 32.750,00€.

C) E a fração Q destina-se a estacionamento coberto e fechado, tem uma permilagem de 10,0000, ocupa 17,8000 m2 de área bruta privativa e tem o valor patrimonial de 3.270,00€.

D) Os imóveis advieram à A. por compra, em virtude do contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública, em 20/11/1993, no Cartório Notarial de Torres Novas, ratificado pela A. em 03/01/1994.

E) O registo da aquisição data de 11/03/1994 na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, através da cota G-1, Ap. 20/110394.

F) Sobre os imóveis está registada uma hipoteca, a favor do Banco CC, conforme inscrição C1 de 24/06/1991.

G) Esta hipoteca foi constituída para segurança e garantia do contrato de abertura de crédito celebrado através da escritura pública de 3 de julho de 1991, lavrada no Cartório Notarial de Torres Novas, de fls. 17 a 60, do Livro 112-E de escrituras diversas, entre o Banco CC, SA e Construtora DD, Lda.

H) Aquela hipoteca recaiu sobre os dois lotes de terreno para construção urbana, sitos na Av. dos ..., freguesia de ..., concelho de Torres Novas, estando o Lote 1 descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº 348 e o Lote 2 sob o nº 349.

I) A hipoteca referente aos prédios em causa, registada a favor do Banco em 24/06/1991, posteriormente incidiu sobre a propriedade horizontal constituída e registada em 02/03/1992.

J) Com carimbo de entrada datado de 13 de setembro de 1995 a ré (à data Banco CC, SA) propôs execução com processo ordinário para pagamento de quantia certa contra a Construtora DD, Lda. declarando no artigo 9º da petição inicial que “ a executada, porém, não procedeu ao pagamento pontual das suas dividas, designadamente de juros face ao Banco, pelo que este em 27 de julho de 1993 ao abrigo da cláusula 12ª do contrato considerou automática e antecipadamente vencidas todas as dividas da mutuária, emergentes do empréstimo(…)” conforme consta de fls. 167 dos presentes autos.

K) Nos autos n.º 221-D/1993 e 221-E/1993 a aqui ré apresentou reclamação de créditos conforme fls. 92 e segs e fls. 100 segs dos presentes autos em que figura como executada Construtora DD, Lda. e exequente Caixa EE.

L) A decisão nos autos supra referidos transitou em 30/07/2001 conforme consta de fls. 91 e segs dos presentes autos.

M) O réu apresentou uma outra reclamação de créditos, em 9/5/1994, no Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, 1º juízo, 1ª secção, no Proc. n.º 22/94, no âmbito dos autos de execução ordinária movida contra a Construtora DD, Lda. em que foi exequente FF, Lda. que interveio na qualidade de credor da Construtora DD, e cujos créditos gozavam de garantia hipotecária.

N) Nos autos n.º 22/1994 a autora deduziu embargos de terceiro em 9 de maio de 1994 (fls. 149 dos presentes autos) tendo desistido da instância em 16 de junho de 1994 conforme termo de fls. 161 dos presentes autos.

Apreciando

13. A questão que aqui se suscita é a de saber se a interrupção da prescrição da obrigação de pagamento de dívida, que foi contraída pelo devedor por contrato de abertura de crédito, garantida por hipoteca incidente sobre terrenos para construção, interrupção determinada por via de reclamação de créditos deduzida em execução instaurada contra o devedor que transitou em julgado no dia 30-7-2001, interrompe igualmente a prescrição da hipoteca que onera as frações adquiridas pela autora no imóvel edificado nos aludidos terrenos e sobre as quais passou a incidir a hipoteca.

14. Prescreve o artigo 730.º, alínea b) do Código Civil que a hipoteca se extingue por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação.

15. No caso vertente não está em discussão que a autora é terceiro adquirente das frações do imóvel edificado em prédio hipotecado, que já decorreram vinte anos sobre o registo de aquisição ocorrido no dia 11-3-1994 e que a dívida se venceu em 27-7-1993 (ver J da matéria de facto), ou seja, salvo interrupção, decorreu o prazo de prescrição do prédio hipotecado a favor de terceiro.

16. A questão que importava resolver no novo Código Civil, e que já se punha à luz do artigo 1027.º do Código Civil de 1867, era a da admissibilidade, ou não, da prescrição, como causa extintiva das hipotecas, independentemente da extinção da obrigação principal. Cunha Gonçalves entendia que sim, que "a prescrição, quanto à hipoteca, pode ser invocada: a) pelo devedor, enquanto conservar a propriedade do prédio hipotecado; b) pelo terceiro adquirente deste prédio, o qual pode também alegar a prescrição da hipoteca, independentemente da prescrição da dívida; c) pelo terceiro, que constituiu a hipoteca para segurança de dívida alheia […]"  salientando que a prescrição da hipoteca se opera " a favor do adquirente do prédio hipotecado - quando pessoalmente não se obrigou ao pagamento da dívida cuja existência pode até ignorar" ( ver Tratado de Direito Civil, Vol V, 1932, pág. 533 e 536 e segs).

17. Vaz Serra refere que alguns direitos admitem a prescrição da hipoteca sem a do crédito, tal o caso do Código francês que " aceita a prescrição em beneficio de terceiro adquirente dos bens hipotecados, o qual, passado certo lapso de tempo, sem que o credor exerça ou declare o seu direito, vê os bens libertos da hipoteca. É como se ele adquirisse, por prescrição, a liberdade dos bens e, por isso, se chama correntemente a esta prescrição usucapio libertatis, consequência da posse, durante certo lapso de tempo, dos bens como livres da hipoteca" (Hipoteca, BMJ, n.º 63, fevereiro de 1957, pág. 307 in §  51.).

18. Do lado do entendimento de que a prescrição da hipoteca não é aceitável sem a prescrição do crédito, diz-se que " o adquirente sabe ou deve saber que existe a hipoteca e não pode pretender tirar qualquer benefício do facto de o credor não exercer o seu direito durante determinado prazo, uma vez que o credor, enquanto o seu crédito se mantiver, não parece razoável que seja obrigado a interromper a prescrição da hipoteca, podendo até ignorar que o prédio foi transmitido a terceiro […]. Mas, em contrário, pode alegar-se que o credor, concedendo moratórias ou recebendo juros ou pagamentos parciais, pode prolongar indefinidamente o crédito, podendo, assim acontecer que o terceiro adquirente julgue o crédito prescrito, por terem decorrido muitos anos sobre o seu vencimento, quando, afinal, isso não acontecera em virtude de atos interruptivos passados apenas entre o credor e o devedor" (Vaz Serra, loc. cit. pág. 308/309).

19. Ora considerou-se, perante estes interesses opostos, o do credor que pretende conservar a sua hipoteca enquanto durar o crédito e o do terceiro que "deseja defender-se contra o prolongamento indefinido do crédito, ignorado por ele", ser mais digno de proteção o do terceiro adquirente considerando que "ao credor não custa tanto interromper a prescrição da hipoteca como ao terceiro informar-se da exata situação do crédito. A interrupção depende apenas da vontade do credor, enquanto que o conhecimento da verdadeira situação do crédito pode exigir diligências demoradas e custosas" (Vaz Serra, loc. cit, pág. 309)

20. E tal situação é bem evidenciada nos presentes autos, pois o próprio Banco demandado, tendo em vista a determinação de factos relativos "à aludida reclamação de créditos apresentada pelo então Banco CC, SA na execução ordinária com o n.º do processo 221/93 do 1.º Juízo deste Tribunal, e ainda a factualidade relacionada com um antigo cliente dessa instituição, a Construtora DD, SA" requereu prorrogação do prazo para contestar considerando que " não foram localizados os dossiês e demais informação documental de forma a poder tomar-se posição concreta sobre os factos alegados". Por aqui se vê como seria difícil ao adquirente do prédio hipotecado diligenciar saber se o crédito contraído pelo devedor se mantinha e em que condições se encontrava.

  21. E se é certo que o credor pode ignorar a transferência para terceiro dos bens hipotecados, considerando que " a prescrição só se dá passado um largo lapso de tempo, não parece demais impor ao credor o encargo de se informar pelo registo antes dela se completar" (Vaz Serra, loc. cit. ainda  a pág. 309.).

22. Assim sendo, já se vê que a interrupção da prescrição do crédito contra a sociedade construtora, que se efetivou com a reclamação do crédito efetivado no âmbito das aludidas execuções, não interrompe a prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente pois a prescrição, como causa de extinção da hipoteca, é independente da extinção da obrigação principal.

23. Impunha-se, pois, ao credor hipotecário, para interromper a extinção da hipoteca por prescrição, reclamar junto da autora o pagamento do crédito hipotecário, pelo menos na parte que respeitava às aludidas frações no montante estipulado que consta da escritura de compra e venda onde se exara que " sobre o imóvel de que fazem parte as referidas frações autónomas incide uma hipoteca, de vinte e quatro de junho de 1991, no montante máximo de 114.600 contos, correspondendo deste valor a cada uma das aludidas frações autónomas, nove mil cento e sessenta e oito contos e mil cento e quarenta e seis contos, respetivamente".

24. Por isso, o Banco, credor hipotecário do montante estipulado incidente sobre as aludidas frações, por via do fenómeno da concentração da hipoteca que se dá por força do princípio da indivisibilidade da hipoteca (artigo 696.º do Código Civil), não poderia deixar, se quisesse ver interrompida a prescrição da hipoteca, de o exigir ao terceiro adquirente em conformidade com os termos mencionados no artigo 323.º do Código Civil, citação, notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.

25. Não está provado - e o ónus da prova incumbia ao réu (artigo 342.º/2 do Código Civil) pois a interrupção constitui facto impeditivo da prescrição - que houvesse por parte da instituição de crédito qualquer ato por via do qual se evidenciasse que ela pretendia exercer contra a autora, terceira adquirente das frações hipotecadas, o direito de crédito respeitante ao montante do crédito hipotecário por ela devido e essa seria a interrupção que relevaria, não a interrupção da prescrição relativamente à obrigação contraída pela sociedade construtora do imóvel junto da instituição de crédito. 

26. Não se duvida de que o réu, se pretendesse acionar a autora por via de execução hipotecária, teria mesmo à luz do artigo 56.º/2 do CPC/61 de demandar o terceiro adquirente do imóvel hipotecado pois "a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro face à obrigação exequenda tem de seguir contra este sempre que o exequente pretenda fazer valer a garantia. É consequência da regra, que não comporta exceções, segundo a qual apenas podem ser penhorados bens que pertençam ao executado (artigo 821.º/2). Pressupõe, obviamente a existência de título executivo contra o proprietário do bem" (Código de Processo Civil, Lebre de Freitas Vol 1,.º, pág. 115).

27. Decorre do exposto que não releva a interrupção da prescrição de que a autora beneficie relativamente à obrigação contraída pelo devedor, não releva o conhecimento que o terceiro adquirente pudesse ter tido da intenção da instituição de crédito exercer o seu crédito contra a devedora, pois que importa é a manifestação dessa intenção pela forma prevista na lei (artigo 323.º do Código Civil) dirigida contra o terceiro adquirente da fração hipotecada e esta no caso não ocorreu e, finalmente, no que respeita ao pagamento do crédito hipotecário a que a autora estava obrigada perante a ré no montante acima indicado, a ré, se a autora não o quisesse pagar voluntariamente, teria de a demandar nos termos do artigo 56.º/2 do CPC/61 a que corresponde o artigo 56.º/3 do CPC/2013.

Concluindo

I - A hipoteca extingue-se por prescrição a favor do terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco anos sobre o vencimento da obrigação (artigo 730.º, alínea b) do Código Civil), verificando-se, no caso, a prescrição, considerando que a autora é terceiro adquirente das frações do imóvel edificado em prédio edificado sobre terreno hipotecado à construtora, que já decorreram, proposta a presente ação em 23-4-2014, vinte anos sobre o registo de aquisição das frações ocorrido 11-3-1994 e que a dívida se venceu em 27-7-1993.

II - A prescrição como causa de extinção da hipoteca é independente da extinção da obrigação principal e, por isso, não constitui ato interruptivo da prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente do imóvel hipotecado, a interrupção da prescrição relativamente à obrigação contraída com garantia real pelo devedor junto da instituição de crédito, interrupção que decorreu da reclamação de créditos que a instituição de crédito deduziu em execução instaurada contra o devedor.

Decisão: nega-se a revista

Custas pelo recorrente

Lisboa, 7-12-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Távora Vítor