Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | RIBEIRO CARDOSO | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
Data do Acordão: | 11/06/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA. DIREITO DO TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / MODALIDADES DE DESPEDIMENTO / DESPEDIMENTO POR FACTO IMPUTÁVEL AO TRABALHADOR. | ||
Doutrina: | - Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2ª ed., p. 111. - António Monteiro Fernandes, DIREITO DO TRABALHO,17ª edição, p. 514 e 519; - Maria do Rosário Palma Ramalho, TRATDO DE DIREITO DO TRABALHO, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, 2016, p. 804 e 807; - Pedro Romano Martinez, DA CESSAÇÃO DO CONCTRATO, 2015, 3ª edição, p. 427 e 428; - Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. III, p. 247. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 663.º N.º 2 E 679.º. CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 351.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04-03-2009, PROCESSO N.º 3535/08; - DE 05-01-2012, PROCESSO N.º 3937/04.4TTLSB.L1.S1; - DE 08-01-2013, PROCESSO N.º 447/10.4TTVNF.P1.S1; - DE 28-01-2016, PROCESSOS N.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1; - DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 695/03.3TTGMR.G1.S1; - DE 22-02-2017, PROCESSO N.º 4614/14.3T8VIS.C2.S1. | ||
Sumário : |
I - Para que se verifique justa causa de despedimento, é necessário um comportamento culposo e ilícito do trabalhador e que desse comportamento, pela sua gravidade e/ou consequências, decorra a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral, a ser aferida não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto, considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável”, pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. II – “Na atividade bancária, a exigência geral de boa‑fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada”. III – A conduta do A., trabalhador bancário, exercendo as funções de diretor regional, ao autorizar a execução da ordem de transferência da quantia de 831.594,56 USD, apesar de ter conhecimento de que estavam suspensas todas as operações de transferências de quaisquer quantias ordenadas por aquele cliente e ao não acatar a determinação dada pelos dois administradores, com quem se reunira, de que não deveria permitir aquela operação sem que previamente se reunisse com a responsável pelo CC, constitui justa causa de despedimento. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])
1 - RELATÓRIO AA intentou a presente ação declarativa de condenação com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB, S.A., opondo-se ao seu despedimento e pedindo a declaração da ilicitude e/ou irregularidade do mesmo.
Teve lugar a audiência de partes, sem conciliação.
A R. motivou o despedimento, concluindo pela improcedência da ação e pela licitude e regularidade daquele. Alega sumariamente que o processo disciplinar foi regularmente instruído, inexistindo irregularidades ou nulidades que o afetem, sendo verdadeiros os factos nele descritos e tendo a sanção de despedimento perfeito cabimento face à gravidade dos mesmos. À cautela, para o caso de procedência da ação, opôs-se à reintegração do A.
Contestou o A. aquela motivação, alegando, em suma, que prescreveu o direito de exercer o poder disciplinar; caducou o direito de exercer o poder disciplinar; ocorre nulidade do procedimento disciplinar por ausência de produção de prova; os factos invocados para fundamentar a justa causa também não são aptos a despedir. Concluiu pela condenação do R. na sua reintegração, bem como a pagar-lhe as retribuições que se têm vindo a vencer. Em reconvenção, pediu a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais e nas despesas e honorários dos seus mandatários.
Em resposta, o R refutou o alegado pelo A. e contestou o pedido reconvencional.
Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença com o dispositivo seguinte: «Face ao exposto, julgamos parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decretamos a ilicitude do despedimento do A e condenamos a R: a) a reintegrar o A no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) a pagar-lhe todas as retribuições, vencidas e vincendas, desde 13 de Agosto de 2017 e até à data do trânsito em julgado desta sentença; c) a pagar ao A uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 10.000,00, absolvendo-a do demais peticionado. Àquelas quantias acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data de vencimento de cada parcela e até efectivo e integral pagamento. Custas pela R – artigo 527.º do Código de Processo Civil. Valor da causa: € 10.000,00 – artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho».
Inconformados com esta decisão dela recorreram o R. e o A., na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação: «Em face do exposto, e de acordo com o supra referido: Concede-se provimento parcial ao recurso da ré quanto ao valor da causa. Concede-se provimento parcial ao recurso da ré da sentença. Julga-se ilícito o despedimento do autor por não verificação de justa causa. Concede-se provimento parcial ao recurso do autor, condenando-se a ré pagar-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais a importância de € 15.000,00. Custas pela ré e pelo autor em ambos os recursos da ré, na respectiva proporção. Custas pelo autor e pela ré no recurso do autor, na respectiva proporção.»
A Relação fixou à causa o valor de € 40.358,70. Daquela deliberação recorre o R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição dos pedidos.
O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.
Recebidos os autos e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3, do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se pela concessão da revista.
Notificadas as partes, apenas o recorrido respondeu no sentido do que alegara em sede de contra-‑alegações.
Formulou o recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal: ” A. Vem o presente recurso interposto do surpreendente Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 13 de fevereiro de 2019, na parte em que, dando provimento parcial ao recurso, (a) julgou ilícito o despedimento do Autor, por não verificação de justa causa [e não por procedência da exceção de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar, como havia sido declarado em primeira instância]; (b) indeferiu a oposição à reintegração; (c) e agravou a compensação fixada por danos não patrimoniais para € 15.000. B. Resulta do acervo fático dado por provado que, no contexto de envolvimento do Recorrido com empresas que, com desconhecimento do Recorrente, se encontravam ligadas ao narcotráfico (factos provados 23 e 29), aquele desobedeceu diretamente a uma clara instrução emanada pelo CC no sentido de que “quaisquer pedidos futuros de carregamentos de operações por parte desta entidade, independentemente do país de destino, deverão ficar suspensos e imediato deve ser contactado o CC por forma a informar-nos sobre os dados referentes à operação pretendida” (cfr. facto provado 39.) C. A este respeito, esclareça-se que é linguisticamente inquestionável que o ato de «suspender» mais não é do que o ato de interromper / fazer cessar a continuação, temporária ou definitiva, de uma atividade. D. Por conseguinte, o Recorrente não podia movimentar a conta da DD ou dar instruções para o efeito, independentemente de se tratar da operação de transferência de € 81.008,00 (cuja transferência estava parada) ou de 831.594,56 USD (cuja transferência estava suspensa). E. Por estes motivos, e com o devido respeito, a argumentação do Venerando Tribunal no sentido de desconsiderar a violação pelo Recorrido da instrução de suspender qualquer operação de transferência da conta bancária da DD é incompreensível, especialmente atenta a jurisprudência constante dos Tribunais superiores no sentido de se exigir “[d]os trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa fé na execução das suas funções]” (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2013 (FERNANDES DA SILVA), disponível em www.dgsi.pt) F. Mas mais grave ainda é a desobediência do Recorrente, nesse mesmo dia 29 de setembro de 2016, a uma determinação direta de dois administradores do Recorrente no sentido de que a ordem de transferência do saldo da conta da DD (831.594,56 USD) para a EE não fosse executada sem reunião prévia com a Dra. FF (cfr. facto provado 44). G. Perante o teor do facto provado 44, é igualmente inexplicável que o Acórdão recorrido afirme que os administradores do Recorrente “deixaram a questão em aberto, nada tendo decido ou ordenado relativamente ao pedido de transferência feito pela cliente DD”, procurando uma responsabilização da administração do Recorrente pela transferência do saldo bancário, quando nem a própria Polícia Judiciária ou o Ministério Público questionaram a isenção e total retidão desta administração. H. A verdade é simples: mesmo perante duas instruções claríssimas da Recorrente (uma emanada pelo CC e uma provinda de dois administradores), o Recorrido ordenou, nessa sequência, e por via telefónica, ao colaborador do Recorrente, GG, que executasse a transferência do saldo bancário da conta da DD (de 831.594,56 USD) para a conta da EE(atente-se à redação do facto provado 45). I. Sendo o Recorrido um trabalhador do setor bancário, que titula categoria e funções que revestem foros de ..., era-lhe exigida uma diligência e cuidado acrescidos na execução das suas funções, especialmente quando estava perante uma ordem de transferência de saldo bancário associados a uma conta “utilizada para permitir fazer circular fundos de origem ilícita” (cfr. facto provado 34). J. Ao contrário do afirmado no Acórdão recorrido, os factos provados 39 e 44 demonstram, pois, que foram emitidas pelo Recorrente, quer por escrito quer oralmente, ordens e instruções claras quanto ao modo de atuação do Recorrido, sendo manifesto que se os deveres laborais previstos no Código do Trabalho e no Código de Conduta do Recorrente tivessem sido respeitados pelo Recorrido, o Recorrente teria cumprido com a determinação da Procuradoria-Geral da República. K. Acrescente-se, ainda, que, no contexto do processo-crime, o Recorrido apresentou justificações díspares para o facto de não ter dado cumprimento à determinação dos administradores do Recorrente (factos provados 52 e 54), o que coloca, efetivamente, em causa a idoneidade e lealdade do Recorrido, que, aliás, desempenhava um cargo diretivo relevante na organização do Recorrente. L. A detenção do cargo de Diretor Regional – ao qual estão associados laços de confiança, de responsabilidade e cuja conduta se deve pautar com um padrão de honestidade acima de qualquer suspeita – infla os factos infratores de uma gravidade superior. M. Para além disso, o Recorrente exerce a sua atividade junto do sector bancário, onde a confiança desempenha um papel fundamental, como, de resto, é reconhecido pela douta e vastas decisões superiores, máxime sublinhando que “[a] relação de indefetível confiança assume particular acuidade em sectores como os dedicados à atividade bancária, por óbvias razões. Exige-se aos trabalhadores bancários uma postura de inequívoca transparência, insuspeita lealdade de cooperação, idoneidade e boa-fé na execução das suas funções, respeitando escrupulosamente as regras do contrato (as decorrentes da Lei geral e, particularmente, as constantes das normas internas que disciplinam a sua intervenção profissional).” (sublinhado nosso) (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 2012 (FERNANDES DA SILVA), proferido no proc. n.º 686/2007). N. Os factos provados n.ºs 9; 13; 16; 17; 18; 23; 29; 33; 39; 34; 40; 41; 42; 44; 45; 46; 47; 48; 49; 50; 51; 52; 53; 54 e 65, ainda que não revistam natureza criminal, merecem uma óbvia cesura disciplinar (tal como admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 40 do citado Acórdão), porquanto contribuíram para o incumprimento da determinação da Procuradoria-Geral da República. O. No caso em apreço, no universo da confiança, ou se confia, ou não se confia. Não há meio termo, especialmente no setor de atividade como o bancário onde a confiança tem de imperar. P. Deflui do antedito que a manutenção do vínculo do Recorrente representaria para o Recorrente uma imposição insuportável e injusta, porquanto não é razoavelmente expectável que recupere um grau de confiança no Recorrido que seja minimamente suficiente para permitir que o mesmo desenvolva a sua atividade de empregado bancário, com cargo diretivo. Q. Ao instruir o colaborador do Recorrente, GG, para executar a transferência do saldo bancário da conta da DD (de 831.594,56 USD) para a conta da EE, tudo após ter recebido duas instruções claríssimas da Recorrente (uma emanada pelo CC e uma provinda de dois administradores) no sentido de não executar (ou, se preferirmos, suspender) a operação, o Recorrido violou dolosamente os deveres laborais de idoneidade, probidade e honestidade, de boa-fé na execução do contrato de trabalho e de lealdade para como Recorrente, em geral previstos no artigo 128.º, n.º 1, als. a) e f) do Código do Trabalho. R. Ao desautorizar os administradores do Banco e ao eximir-se do cumprimento dos procedimentos internos - vertidos, aliás, em normas internas de leitura obrigatória e periódica -, o Recorrente violou, de forma grave e dolosa, o dever de obediência previsto no artigo 128.º, n.º 1, al. e) do Código do Trabalho. S. Em face do antedito, devem V. Exas. reconhecer a existência de justa causa para despedimento, julgando lícita a cessação do contrato de trabalho que unia as partes neste litígio e, assim, absolvendo o ora Recorrente de todos os pedidos. T. Caso se entenda que o despedimento em crise nos presentes autos é ilícito – o que não se concede- deverá este Supremo Tribunal deferir a oposição à reintegração, formulada nos termos do artigo 392.º, n.º 1 do Código do Trabalho. U. Os factos em apreço mostram que existe um conjunto de sérios motivos que conduzem a concluir que a reintegração do Recorrido seria prejudicial e perturbadora para o funcionamento do Recorrente com séria e grave impossibilidade de reconstituição prática, normal, do vínculo laboral. V. Inexplicavelmente, o Tribunal recorrido não ponderou sequer o setor de atividade em que o Recorrente está inserido – setor bancário -, ignorando copiosamente que se trata de uma área em que a confiança entre as partes se reveste de especial relevo. W. Nesta sede, sempre se diga que não é a circunstância de o Recorrido ter sido absolvido no âmbito do processo crime que dita que ele não cometeu tais factos. E este é exatamente o ponto crítico desta questão! X. Como poderá o Recorrente voltar a confiar no Recorrido se este foi acusado pelo Ministério Público, em 22 de Abril de 2016, pronunciado pelos crimes de que vinha acusado (crimes de associação criminosa; falsificação; e branqueamento de capitais, associados ao crime de tráfico de estupefacientes) e desafiou e desobedeceu frontalmente a ordens e instruções emanadas pela própria Recorrente? Y. Na oposição à reintegração, o juízo da inexigibilidade para o Recorrente da subsistência do contrato de trabalho deveria ser independente do motivo da ilicitude do despedimento. É que, de outro modo, dificilmente se aprovaria uma oposição à reintegração quando o despedimento do trabalhador fosse declarado ilícito por inexistência de factos geradores de justa causa. Z. Deve evitar-se enrijecer os requisitos da oposição à reintegração de tal modo que os mesmos acabariam por fundir-se com o conceito de «impossibilidade da subsistência da relação laboral». AA. A comissão de infrações disciplinares, ainda que não assuma a gravidade máxima que justifica um despedimento, constitui um fundamento válido para a oposição à reintegração. BB. Assinala-se ainda que como resulta dos factos provados 52 e 54, o próprio Recorrido apresentou versões contraditórias junto da PJ e posteriormente em processo crime CC. Sucede que, para avaliar da confiança do Recorrente sobre o Recorrido, pouco importa se em sede laboral nada se apurou quanto à matéria que esteve na base de tais declarações (conforme afirma o Tribunal da Relação a fls. 43, sublinhado). DD. Acresce que, tratando-se de um trabalhador dirigente, com responsabilidades hierárquicas, como melhor resulta dos factos provados 11 a 13, seria para o Recorrente insustentável manter um Diretor com o passado do ora Recorrido a conformar e fiscalizar a conduta laboral e profissional dos subordinados da Direção Regional de Lisboa. EE. Adicionalmente, o facto de o Recorrido ter sido constituído arguido num processo-crime por factos praticados no exercício das suas funções ao serviço do Recorrente constitui, também, um fundamento legal para a extinção do vínculo entre as partes, pelo que a reintegração deste trabalhador arvora-se numa verdadeira impossibilidade jurídica (artigo 790.º do Código Civil) que o Recorrente não pode cumprir nos termos da lei que regula a respetiva atividade comercial. FF. Por todo o exposto (e sem conceder quanto à (i)licitude do despedimento em apreço), devem V. Exas. deferir a oposição à reintegração do Recorrido, fixando para o efeito uma indemnização correspondente ao mínimo legal e atendendo a uma antiguidade remontada a 2.4.2012 (e não a 1.4.1994). GG. Mesmo admitindo que a conduta do Recorrido “consubstanciou um comportamento imprudente, falho de diligência e de zelo”, que violou diversos deveres laborais, o Tribunal da Relação de Lisboa, de modo surpreendente e em oposição a tais declarações, agravou a indemnização a atribuir ao Recorrido a título de danos não patrimoniais. HH. Dos factos provados 58.º a 62.º não é possível apurar, com certeza, que a pendência de um processo crime à data do despedimento não teve qualquer interferência com o estado de espírito do Recorrido e que a sua «preocupação» e o seu «abatimento» se deveu exclusivamente ao processo disciplinar que corria contra si. II. Segundo as regras da experiência comum, o processo crime ao contrário do procedimento disciplinar e do despedimento tem em comparação uma conotação negativa muito superior, passando o “arguido” a ser olhando por todos com desconfiança. JJ. Tendo em conta o quadro factual assente, tem-se que os danos apurados não poderão ser tidos como causados (pelo menos, em exclusivo) pelo processo disciplinar ou pelo despedimento à luz do princípio da causalidade adequada que tem a sua sede legal no artigo 563.º do Código Civil. KK. À laia de conclusão, os tribunais superiores têm considerado que “sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro”, “tristeza e preocupação”, “aborrecimento, o nervosismo e a ansiedade”, “angústia, insónias e receios”, “desgastado, angustiado e afetado psicologicamente” não são danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela prevista no artigo 496.º do Código Civil. LL. Em suma, ao Recorrido não deve ser arbitrada qualquer quantia indemnizatória por danos não patrimoniais ou, alternativamente, deve o valor arbitrado pelo Tribunal da Relação de Lisboa ser reduzido.”
O recorrido concluiu da seguinte forma as suas contra-alegações: “A. A Entidade Empregadora vem apresentar recurso de revista do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual concedeu provimento parcial ao recurso por si interposto e que, em consequência: 1. Julgou ilícito o despedimento do autor não verificação de justa causa. 2. Condenou a Ré a pagar ao Recorrido a título de indemnização por danos não patrimoniais a importância de €15.000,00. B. A acrescer à condenação constante do douto Acórdão, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa vem ainda indeferir a oposição à reintegração [com os mesmos fundamentos com que indeferiu a 1.ª Instância]. C. Do manancial de factos considerados provados e assentes não ficou provado que o Recorrido tenha violado algum dever laboral. D. Conforme dispõe 351.º do Código do Trabalho que “constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.” E. Com efeito, conforme decorre da letra da lei e é unânime na jurisprudência e doutrina, são requisitos cumulativos do preenchimento do conceito de justa causa: a. Elemento subjetivo: verificação de um comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador; b. Elemento objetivo: verificação de uma impossibilidade prática e imediata de manutenção do vínculo de trabalho. c. É ainda necessário que exista um nexo causal entre os sobreditos elementos. F. No âmbito do processo disciplinar, a Recorrente imputa ao Recorrido a adoção de comportamentos violadores das regras de conduta internas, a violação dos deveres de idoneidade, probidade e honestidade, de boa-fé e de lealdade, bem como de desobediência. G. Aliás, conforme já referido, cumpre notar que a Recorrente retira conclusões dos factos dados como provados que não constam no processo disciplinar, o que lhe é manifestamente vedado. H. O processo disciplinar que originou os autos assentou maioritariamente na acusação pública apresentada no âmbito do processo-crime onde o arguido foi pronunciado. I. E assentou também meras suposições. J. Ora, no que concerne à pretensa violação dos deveres de idoneidade, probidade, boa-fé e lealdade e de obediência, cumpre relembrar a Recorrente, uma vez que parece tê-lo apagado da sua memória, que o Recorrido foi judicialmente absolvido de todos os crimes pelos quais fora pronunciado em sede que processo penal. K. Como bem nota o Tribunal a quo, não se apurou qualquer ligação do Recorrido a práticas criminosas. L. O Recorrido foi absolvido de todas as acusações criminais através de sentença transitada em julgado. M. No âmbito laboral, nada se provou no sentido de se concluir que a conduta do Recorrido tenha sido ilícita. N. A Recorrente não logrou fazer prova dos incumprimentos dos procedimentos internos vigentes, nem no âmbito do procedimento disciplinar, nem a acção judicial que aquele originou. O. O ónus da prova na verificação de justa causa disciplinar recai exclusivamente sobre o empregador. P. Não o tendo logrado provar, não pode a Recorrente invocar justa causa de despedimento. Q. Acresce que sanção de despedimento não é, no caso concreto, nem proporcional, nem razoável. R. Sanção de despedimento deve ser a última ratio, conforme é unanimemente veiculado pela jurisprudência. S. A Recorrente despediu o Recorrido ilicitamente, pelo que praticou um acto ilícito que gerou danos irreversíveis na sua pessoa. T. Quando o fez, o Recorrido tinha o claro intuito de lesar o Recorrido e fê-lo com plena consciência da ilicitude do seu acto. U. Relembramos que o Recorrido não tem antecedentes disciplinares. V. Foi absolvido de todos os crimes de que vinha acusado. W. Era um profissional zeloso e diligente. X. Tem uma antiguidade que se reporta a 01 de Abril de 1994. Y. A censura que merece o douto Acórdão do Tribunal a quo no que respeita à atribuição do valor de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais é somente referente ao seu quantum, uma vez que considera o Recorrido que esse montante é significativamente baixo atenta a conduta da Recorrente e os danos que esta infligiu na sua pessoa. Z. No que diz respeito à oposição à reintegração, a Recorrente, uma vez que foi condenada em 1ª Instância, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, e viu a sentença apelada confirmada na íntegra, e sem voto de vencido, ficou impossibilitada de interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça uma vez que operou, a designada, “dupla conforme” – cfr. n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil. AA. Torna-se evidente que o que a Recorrente pretende, a todo o custo, é não dar cumprimento ao já doutamente ordenado, que pela 1.ª Instância, quer pelo Venerando Tribunal da Relação. BB. Nesse sentido, deve a oposição à reintegração ser liminarmente indeferida. CC. Sem conceder, sempre se dirá que a Recorrente não logrou provar os factos que obstavam à referida reintegração. DD. Não logrou provar a alegada falta de idoneidade; EE. Não logrou provar que o regresso do Recorrido seria altamente prejudicial ao funcionamento da empresa. FF. Este é núcleo essencial de factos que lhe competia provar. GG. Não tendo conseguido prová-lo. HH. Pelo que se torna forçoso concluir que não existe qualquer impossibilidade prática na reintegração do Recorrido. II. Caso seja deferida a oposição à integração, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, deverá este Tribunal fixar a correlativa indemnização no máximo legal, isto é, 60 dias por cada ano de antiguidade, devendo a antiguidade reportar-se a 01 de Abril de 1994,conforme contrato de trabalho celebrado entre as Partes. JJ. Nestes termos e face ao supra exposto, bem andou o Venerando Tribunal ao proferir douto Acórdão nos temas ora objecto de recurso”.
2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO Os presentes autos respeitam ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada em 12 de setembro de 2017. O acórdão recorrido foi proferido em 13 de fevereiro de 2019. Nessa medida, são aplicáveis: - O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho; - O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010.
3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO: Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber: 1 - Se se verifica justa causa de despedimento; 2 – Não se verificando justa causa de despedimento, se o A. não deve ser reintegrado; 3 - Não se verificando justa causa de despedimento, se deve ser fixada indemnização por danos não patrimoniais.
4 - FUNDAMENTAÇÃO 4.1 - OS FACTOS A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:
4.2 - O DIREITO Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([6]), bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
4.2.1 – Se se verifica justa causa de despedimento. A 1ª instância julgou ilícito o despedimento com fundamento na caducidade do exercício do poder disciplinar, não se tendo pronunciado sobre a questão de saber se os factos imputados ao A. constituíam justa causa de despedimento. Já a Relação, tendo alterado a decisão sobre a matéria de facto, considerou que não se verificava a caducidade do exercício do poder disciplinar e entendeu «que embora o autor tenha agido sem a prudência, zelo e diligência que lhe eram exigíveis, ponderando o apontado circunstancialismo (em que os ditos responsáveis também contribuíram para o sobredito desfecho), não se tendo provado prejuízos para a ré, na ausência de passado disciplinar do autor - pese embora a sua conduta seja merecedora de óbvia censura disciplinar, ao abrigo dos princípios de adequação e proporcionalidade que regem a aplicação de sanções disciplinares (art.º 330.º° do Código do Trabalho), ao caso seria de aplicar sanção conservatória do vínculo, não ocorrendo justa causa de despedimento, sendo este ilícito com as legais consequências…».
Vejamos. Nos termos do art. 351º, nº 1, do CT constitui justa causa de despedimento «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». A justa causa de despedimento (conceito indeterminado) é assim, integrada pelos seguintes requisitos cumulativos: “- um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjectivo da justa causa); - a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objectivo da justa causa); - a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador” ([7]). Não basta pois que se verifique um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, sendo ainda necessário que esse comportamento tenha como consequência necessária a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral. A impossibilidade da subsistência da relação de trabalho constitui assim, “uma limitação ao exercício do direito de resolução do contrato de trabalho na sequência do princípio, constante do art. 808º do CC, de a resolução de qualquer contrato depender da perda de interesse por parte do lesado (no caso o empregador), determinada objectivamente(…). Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe‑se uma ponderação de interesses; é necessário que, objectivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir” ([8]). “A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma” ([9]). A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho, “equivalente à inexistência ou inadequação prática de medida alternativa à extinção do vínculo” ([10]), para além de ter que ser imediata, deve ser aferida não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para a outra parte da manutenção daquele vínculo laboral em concreto ([11]), considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável” ([12]). “É que a inexigibilidade – envolvendo, como assinalou Bernardo Xavier, «um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho» - surge apontada ao suporte psicológico do vínculo. O que ela significa – o que significa a referência legal é «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador” ([13]).
O R. despediu o A., que tinha a categoria profissional de subdiretor mas exercendo, desde abril de 2012, as funções de diretor regional, porquanto, no exercício destas funções, instruiu, via telefónica, GG, para que executasse a transferência, pedida pela DD, do saldo da sua conta (831.594,56 USD) para a da EE, apesar de ter conhecimento da mensagem do CC, com os seguintes dizeres: “Cumpre o presente informar que a operação n.º ... no … da Ordenante DD …, no montante de 81.008,00 USD se encontra parada até nova indicação. Mais informamos que quaisquer pedidos futuros de carregamentos de operações por parte desta entidade, independentemente do país de destino, deverão ficar suspensos e de imediato deve ser contatado o CC por forma a informar-nos sobre os dados referentes à operação pretendida”, e de lhe ter sido determinado pelos administradores do pelouro comercial, II e da área de CC, NN, em reunião promovida pelo A., ocorrida por volta das 18 horas do dia 29 de setembro de 2014, que a ordem de transferência daquele saldo não deveria ser executada sem que antes o A. se reunisse com FF, às 8h 30m do dia seguinte, 30 de setembro de 2014. Acresce que nesse mesmo dia 29 de setembro, pelas 20h48m, o Ministério Público determinou a suspensão de todas as operações da DD, com a consequente cativação do saldo, suspensão que foi comunicada, nessa data, ao A. por FF, por e-mail expedido às 21h39min. Apesar de ter recebido esta mensagem, o A. não reverteu a ordem dada ao gerente da Agência ..., tendo a transferência sido efetivamente realizada a 30 de setembro de 2014, pelas 8h23 min. E tendo tomado conhecimento da consumação da operação, o A. tampouco promoveu o estorno da quantia em causa, da conta da EE para a DD. Concluiu o R. que, com esta conduta, o A. violou os deveres de obediência, honestidade, idoneidade e probidade ínsitos no art. 128º, als. a), e) e f) do Código do Trabalho, constituindo justa causa de despedimento. De acordo com o estabelecido no transcrito art. 351º, nº 1, do CT, para que o comportamento infrator constitua justa causa de despedimento é necessário que o mesmo seja grave em si mesmo e/ou pelas suas consequências. Do elenco dos factos provados não consta que os apontados atos do A. tenham tido consequências para o R. Por conseguinte, importa averiguar se os mesmos se revestem de uma gravidade que tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, não em termos de impossibilidade objetiva, mas de inexigibilidade para o R. da manutenção daquele vínculo laboral em concreto, considerando “o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável”. Revisitemos os factos. Vem provado que em 15 de junho de 2013, o A. assumiu as funções de diretor regional de Lisboa, competindo-lhe, nomeadamente, “Gerir, coordenar e dinamizar a atividade da Direção Regional” e “Acompanhar e colaborar nas medidas que minimizem o risco latente em Clientes que evidenciem sinais de alerta, que não exclusivamente o incumprimento de operações (...)”, tendo sob sua responsabilidade a supervisão da agência sita na Avenida ..., n.º ..., em Lisboa. O responsável desta agência dependia hierarquicamente do A. O A. reportava a HH, diretor coordenador, estando ambos sob a égide do administrador do pelouro comercial, Dr. II. Em maio de 2014, o A. reuniu com representantes da DD para que esta abrisse conta junto da Agência ..., o que veio a acontecer. No dia 25 de setembro de 2014, o R. exerceu, como lhe competia por imperativo legal - Lei n.º 25/2008, o dever de comunicação à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária - o pedido da DD de transferência da quantia de 81.008 USD para a ... (país de elevado risco de branqueamento de capitais, permanentemente referenciado nos comunicados do GAFI — Grupo de Acção Financeira Internacional). No dia seguinte - 26 de setembro de 2014 -, o A. tomou conhecimento do referido exercício do direito de comunicação, através do e-mail que o gerente da Agência ..., Sr. GG, lhe enviou com a mensagem do CC, dirigida à agência, com os seguintes dizeres: “Cumpre o presente informar que a operação n.º ... no … da Ordenante DD …, no montante de 81.008,00 USD se encontra parada até nova indicação. Mais informamos que quaisquer pedidos futuros de carregamentos de operações por parte desta entidade, independentemente do país de destino, deverão ficar suspensos e de imediato deve ser contatado o CC por forma a informar-nos sobre os dados referentes à operação pretendida”. No dia 29 de setembro, isto é, 3 dias depois, a Agência da ... recebeu um pedido da DD para que o saldo da sua conta (831.594,56 USD) fosse transferido para a da EE. Por ser do seu conhecimento a referida mensagem do CC, no sentido de que deveriam ficar suspensos quaisquer pedidos de carregamentos de operações por parte da DD, independentemente do país de destino e que, de imediato deveria ser contactado aquele gabinete, o A. promoveu, ao final desse dia 29 de setembro de 2014 (por volta das 18 horas), uma reunião com o administrador do pelouro comercial, II e com o administrador da área de CC, NN, visando a discussão da situação da DD e do modo de tratar do pedido de transferência submetido nesse dia pela cliente, alegando o A. que estava a sofrer pressão por parte da DD para que a operação fosse processada. Na sequência dessa reunião, os administradores presentes determinaram que a ordem de transferência não deveria ser executada sem que antes o A. se reunisse com FF, às 8h 30m do dia seguinte, 30 de setembro de 2014. Não obstante esta determinação, o A. não só não aguardou pelo dia seguinte para se reunir com FF, como instruiu, via telefónica, GG para que executasse a transferência pendente a qual acabou por ser efetivamente executada pelas 8h e 23m do dia referido dia 30. Pelas 20h48m do referido dia 29, o Ministério Público determinou a suspensão de todas as operações da DD, com a consequente cativação do saldo, suspensão esta que foi comunicada, nessa data, ao A. por FF, por e-mail expedido às 21h39min, sendo embora certo que não vem provado em que momento o A. tomou conhecimento do respetivo conteúdo. Vem todavia provado que apesar de ter recebido este e-mail o A não reverteu a ordem dada ao gerente da Agência ... e tendo tomado conhecimento da consumação da operação, o A. tampouco promoveu o estorno da quantia em causa, da conta da EE para a DD. Perante estes factos é inquestionável que o A. não só sabia que estavam suspensas por determinação do CC todos os carregamentos de operações por parte da DD, independentemente do país de destino, e daí o ter promovido a referida reunião com os dois administradores, como também desobedeceu à ordem destes no sentido de que a transferência, para cuja execução, segundo alegara, estava a ser pressionado, não deveria ser executada sem que antes o se reunisse com FF, às 8h 30m do dia seguinte, 30 de setembro de 2014. É dito no acórdão recorrido, que também a administração nada fez para reverter a ordem de transferência. Porém, não só não vem provado que nada tenha feito, como também não consta dos factos provados que a administração ou quaisquer superiores hierárquicos do A. tenham tido conhecimento da ordem de execução da transferência dada pelo A., em momento que possibilitasse a sua suspensão ou o estorno da quantia em causa. Repare-se que a Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, eliminou inclusive o que a primeira instância considerara provado e consignara sob o número 57 de que “Pelo menos desde Março/ Abril de 2015 que a Comissão Executiva do Banco R— órgão que detém o exercido do poder disciplinar — tinha conhecimento dos factos relatados em 38 a 50 supra”. Importa referir que o facto de o A. ter sido absolvido no processo-crime tem reduzida relevância no âmbito disciplinar para efeitos de ponderação da justa causa de despedimento. Efetivamente naquele visa-se a punição de determinadas condutas violadoras de deveres sociais que a lei penal qualifica como crimes e em cujo âmbito vigoram princípios como o da presunção da inocência e do in dúbio pro reo. No âmbito disciplinar estão em causa comportamentos violadores dos deveres que impendem sobre o trabalhador inerentes e decorrentes da relação laboral e que podem, ou não, ter relevância criminal. No caso dos autos está sobretudo em causa a desobediência do A. à determinação dos administradores com quem reuniu, no sentido de não autorizar a transferência do aludido saldo da conta da DD, no montante de 831.594,56 USD para a conta da EE, sem previamente se ter reunido com FF do CC, para além de conhecer a anterior mensagem deste gabinete da ordem de suspensão da operação que tinha como ordenante a DD no montante de 81.008,00 USD, bem como de quaisquer pedidos futuros de carregamentos de operações por parte desta entidade, independentemente do país de destino. O A. agiu de forma deliberada, ainda que pudesse não ter qualquer motivação criminosa. E é patente a gravidade da sua conduta, não só porque violadora dos deveres a que estava legalmente adstrito, mas também das ordens que lhe haviam sido dadas pelos administradores, seus superiores hierárquicos, com que se havia reunido. Estes comportamentos são claramente violadores dos deveres de zelo, diligência e obediência ínsitos no art. 128º, als. c) e e) do Código do Trabalho, e puseram em crise «a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho» ([14]). Acresce que não estamos perante comportamentos apenas violadores das normas de funcionamento interno do banco e dos deveres que impendem sobre o trabalhador, prescritos no sobredito art. 128º Código do Trabalho, mas também de normas de prevenção da criminalidade financeira, nomeadamente do branqueamento de capitais. Saliente-se que o facto de não se ter provado que a conduta do A. tenha originado para o banco «qualquer tipo de prejuízo, sanção ou intervenção das competentes autoridades» como referiu a Relação, não afasta a sua gravidade. Como vem sendo entendimento desta 4ª Secção, “[n]a atividade bancária, a exigência geral de boa-‑fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada” ([15]). Sopesando o quadro fatual em toda a sua dimensão e tendo em conta o princípio da proporcionalidade e sem descurar que o despedimento apenas deve ser aplicado quando nenhuma das outras sanções legalmente previstas se mostre adequada, entendemos que a conduta do A., culposa, grave em si mesma, ilícita, fortemente censurável, violadora nomeadamente dos deveres de zelo, diligência e de obediência, se reveste de gravidade suscetível de tornar imediata e praticamente inexigível para o R. a subsistência da relação de trabalho, constituindo, nessa medida, justa causa de despedimento. Concluímos, assim, que os atos praticados pelo A., ao contrário do decidido no acórdão revidendo, constituem justa causa de despedimento.
4.2.2 – Não se verificando justa causa de despedimento, se o A. não deve ser reintegrado. 4.2.3 - Não se verificando justa causa de despedimento, se deve ser fixada indemnização por danos não patrimoniais. A apreciação destas questões está prejudicada pela resposta dada à anterior.
5 - DECISÃO Pelo exposto delibera-se: 1 – Conceder a revista. 2 – Julgar lícito o despedimento do A. 3 – Revogar o acórdão recorrido, na parte em que, confirmando a sentença da 1ª instância, julgou ilícito o despedimento do autor por não verificação de justa causa e condenou o R. a reintegrar o A., a pagar-lhe as retribuições vincendas e a indemnização por danos não patrimoniais. 4 – Absolver o R. dos pedidos formulados pelo A. 5 - Condenar o A. nas custas da revista e das instâncias.
Anexa-se o sumário do acórdão. Lisboa, 6 de novembro de 2019 Ribeiro Cardoso (Relator) Chambel Mourisco
Paula Sá Fernandes ________________________ [1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido. [2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original. [3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111. [4] Era do seguinte teor: “Entre a abertura do processo de inquérito e a dedução da nota de culpa e entre esta e a decisão final, nenhum acto instrutório foi praticado no âmbito do procedimento disciplinar.” [5] Era do seguinte teor: “Pelo menos desde Março/ Abril de 2015 que a Comissão Executiva do Banco R— órgão que detém o exercido do poder disciplinar — tinha conhecimento dos factos relatados em 38 a 50 supra. [6] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC. [7] Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6ª edição, 2016, pág. 804. [8] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2015, 3ª edição, págs. 427 e 428. [9] Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1 (Leones Dantas). [10] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 514. [11] Neste sentido Maria do Rosário Palma Ramalho, in ob. cit. págs. 807. [12] Ac. do STJ de 5.01.2012, proc. 3937/04.4TTLSB.L1.S1 (Sampaio Gomes). [13] António Monteiro Fernandes, in ob. cit. pág. 519. [14] Ac. STJ de 4.03.2009, proc. 3535/08 (Pinto Hespanhol). [15] Ac. de 22.02.2017, proc. 4614/14.3T8VIS.C2.S1 (Leones Dantas) e subscrito pelo aqui relator. No mesmo sentido os acs. de 17.03.2016, proc. 695/03.3TTGMR.G1.S1 (Leones Dantas), de 8.01.2013, proc. 447/10.4TTVNF.P1.S1 (Fernandes da Silva), de 4.03.2009, proc. 3535/08 (Pinto Hespanhol), de 27.02.2008, Revista n.º 07S4484 (Pinto Hespanhol), todos consultáveis em www.dgsi.pt. |