Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13809/16.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
VALORES MOBILIÁRIOS
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO MOBILIÁRIO – INTERMEDIAÇÃO / ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO / APRECIAÇÃO DO CARACTER ADEQUADO DA OPERAÇÃO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, p. 654;
- Menezes Cordeiro, Direito Bancário, p. 432;
- Nuno Manuel Pinto Oliveira, Deveres de Protecção em Relações Obrigacionais, Scientia Juridica, Tomo LII, n.º 297, p. 495 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 344.º, 563.º E 799.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º.
CÓDIGO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGO 314.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :
I - A lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção (arts. 563.º e 799.º, conjugados com os arts. 342.º e ss., todos do CC).

II - O art. 799.º do CC aplica-se apenas à culpa e não ao nexo de causalidade.

III - Ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano não se podendo, em caso algum, presumir-se quer o nexo de causalidade quer o dano.

IV - Não resultando da matéria de facto que se os deveres de informação que recaíam sobre o banco intermediário financeiro tivessem sido cumpridos os autores não teriam investido na aplicação em causa nos autos mas noutra que lhes garantisse um retorno seguro, não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito (violação do dever de informação) e o dano (valor da prestação não cumprida pela entidade emitente).

V - Para que tal sucedesse era necessário ter-se provado que os autores não teriam tomado a decisão de subscrever as obrigações em causa se lhes tivesse sido prestada toda a informação relativa ao produto que adquiriram.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l.  AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa comum contra Banco CC, S.A., alegando, em resumo, que:

O BANCO DD, à data dos factos, era detido totalmente pela Sociedade EE, SA (EE) e tinham ambos o mesmo presidente de conselho de administração.

Desde, pelo menos 1993, que o BANCO DD estava registado como intermediário financeiro.

Tinha o dever de categorizar os autores como investidores não qualificados.

O BANCO DD, repetindo uma operação de 2004, em 2006 lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas EE 2006, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do BANCO DD.

Foram dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo.

Os autores acreditaram tratar-se de investimento seguro, 100% garantido.

Em 18 de Abril de 2006, a autora mulher subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação EE 2006, no valor de € 50.000, pensando tratar-se de uma variante de depósito a prazo mas melhor remunerado.

Não foi dada aos autores nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que os podiam resgatar em qualquer altura, o que convenceu os autores.

Aos autores não foi dito nem sabiam que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de 8 de Maio de 2016; se o soubessem, não teriam aceitado subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco.

Os valores mobiliários em causa não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do BANCO DD ou da EE.

O BANCO DD não forneceu informação sobre a relação que tinha com a EE.

O BANCO DD violou os deveres de protecção e de informação, induzindo os autores a contratar em erro nos termos em que o fizeram.

Concluem pedindo a condenação do réu a pagar aos autores a quantia de € 53.834,05, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento. 


2. O R. contestou, alegando resumidamente, que a petição inicial é inepta o direito dos autores está prescrito, ao abrigo do artº 324º do CVM, pois tiveram conhecimento da alegada subscrição abusiva desde início de 2009.

A autora mulher subscreveu uma Obrigação EE 2006, tendo perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez.

Sabia que não estava a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente.

Foi informado ao autor que a única forma de obter liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro.

Os autores receberam sempre o extracto mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e receberam os cupões de juros e nunca efectuaram qualquer reclamação.

Nega que o banco réu tenha garantido o pagamento da emissão das obrigações.

Conclui pedindo a improcedência da acção.


3. Os autores responderam por escrito às excepções.

Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 126 a 128.

Observado o legal formalismo, realizou-se a audiência de julgamento

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o R. do pedido, (cfr. fls. 171 a 179).


4. Inconformados os Autores AA e mulher, BB interpuseram recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do …, que, por Acórdão de 20 de Fevereiro de 2018, decidiu julgar procedente a apelação e revogando a sentença recorrida decidiu:

«em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e condenado o Réu Banco CC, S.A, a pagar aos AA. AA e BB a quantia de € 53.834,05 (cinquenta e três mil, oitocentos e trinta e quatro euros e cinco cêntimos), acrescidos dos competentes juros, nos termos concretamente pedidos, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento».


5. O réu Banco CC, S.A. interpôs Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida, tendo revisto a decisão sobre a matéria de facto quanto ao facto g) dos factos não provados na primeira instância, vem depois a condenar o Banco-R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por prestação de informação falsa, concretamente a constante daquele facto, na colocação de instrumento financeiro junto dos AA.

2. Para tanto, o douto aresto verifica o cumprimento dos gerais pressupostos da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude - que identifica com a dita falsidade de informação -, a culpa - que se presume nos termos gerais do art.º 799º do CCiv. e 314º do CdVM - e o dano-correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente!

3. Já quanto ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a invocar a sua presunção, por extensão da presunção de culpa do art.º 799º, aliás, a par da presunção também da ilicitude - na esteira de posição do Prof. Menezes Cordeiro.

4. Olvida o Tribunal recorrido que tal posição doutrinária assenta na aproximação à solução histórica francesa da faute, quando o sistema acolhido no nosso Código Civil tem origem germânica, e portanto em pouco toca aqueloutro.

Mais,

5. Do texto do art.º 799º nº- 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.º 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

6. E não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta...) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano.

7. Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade, a verdade é que não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal.

8. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

9. Mesmo que se admitisse a dita presunção, toda e qualquer presunção é teoricamente passível de ser levada a cabo no âmbito do contrato em que se verifique o incumprimento-dito de outro modo, não se pode, nem tanto defende qualquer Doutrina, partir do incumprimento de um contrato para presumir a ilicitude e causalidade da responsabilidade no âmbito de outro contrato, distinto daquele efectivamente incumprido.

10. Ora, o que assistimos é que a decisão recorrida parte do incumprimento da obrigação de reembolso pela entidade emitente da emissão obrigacionista, para depois fazer presumir a ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um diferente contrato - o de intermediação financeira!

11. Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção!

12. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos artºs 344º, 563º e 799º todos do Código Civil!

Conclui pedindo a procedência do presente recurso, e em consequência, que seja revogada a decisão recorrida absolvendo-se o Réu do pedido.


4. Os Recorridos AA e mulher, BB apresentaram contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

A. Deverá ser mantido na íntegra o douto acórdão recorrido, por se tratar de um brilhante aresto, bem elaborado e melhor fundamentado.

B. Ao contrário do que propugna o recorrente, não é aceitável e nem sequer é defensável que se considere que um Banco presta informação verdadeira, actual, clara e objectiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, uma obrigação subordinada, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.

C. Foi enganosa a informação prestada pelo Banco CC à recorrida mulher acerca das características do produto financeiro EE 2006.

D. Do mail junto como Doc. 9 da petição inicial, se conclui que os próprios funcionários do Banco recorrente admitem terem sido eles próprios levados a enganar os clientes.

E. O mail junto como Doc. 8 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco, que consistia em seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse e está em sintonia com os depoimentos das testemunhas, traduzindo-se num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.

F. O facto fundamental e incontornável dos autos é que o produto financeiro aqui em apreço era apresentado aos clientes como se de um depósito a prazo se tratasse, um produto garantido pelo Banco.

G. O legislador no âmbito da responsabilidade do intermediário financeiro pretendeu proteger a formação da vontade do investidor.

H. Os factos vertidos nos pontos 7.°; 8.°; 11.°; 17.° e 18.° dos factos assentes demonstram que foi por via do ardil, da astúcia e do engano que o Banco recorrente, por intermédio dos seus funcionários da agência de Caxarias, levou a autora mulher a subscrever uma obrigação EE 2006, que hoje não tem qualquer valor transaccionável e nunca foi reembolsada.

I. O dano dos recorridos é evidente e ostensivo.

J. O D.L. n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, é uma lei meramente interpretativa, não inovadora, que se integra na lei interpretada.

K. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

L. Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que lhe é censurável o facto de não ter adoptado o comportamento devido.

M. O Banco réu não logrou provar que informou a recorrida mulher, nos termos que lhe eram legalmente impostos, acerca das características das Obrigações EE 2006.

N. Da matéria de facto provada extrai-se que o Banco recorrente violou de os deveres de lealdade, diligência, transparência, boa-fé e de informação a que estava adstrito.

O. O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.

P. O Banco recorrente actuou de forma ilícita e não ilidiu, antes confirmou, a presunção de culpa que sobre si impedia.

Q. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e os danos que os autores reclamam salta á vista, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que a recorrida mulher acabou por adquirir uma obrigação EE 2006.

R. A quantificação do dano faz-se indagando qual o valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.

S. Ficou demonstrada a existência de um conflito de interesses entre a EE e o Banco réu, uma vez que o BANCO DD e a EE tinham por Presidente do Conselho de Administração FF.

T. Os autos são reveladores de intermediação excessiva, pois a actividade demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, o que se prosseguia era a canibalização dos depósitos.

U. A decisão recorrida está em sintonia com o entendimento maioritário e consolidado dos Juízes dos Tribunais da Relação de Lisboa e de Coimbra, em causas da mesma natureza.

V. O entendimento perfilhado no douto acórdão recorrido foi também perfilhado, entre muitos outros, nos acórdãos de 15/09/2015 (Maria Amélia Ribeiro) e de 10/10/2017 de 28/11/2007, no processo n.º 6295/16.0 T8LSB.L1, da 8ª- Secção (Ilídio Sacarrão Martins), e no acórdão proferido em 7/12/2017, no processo n.º 13.416/16.1T8LSB.L1, também da 8ª- Secção (Luís Correia de Mendonça), todos do Tribunal da Relação de Lisboa e disponíveis em www.dgsi.pt

W. Também o Tribunal da Relação de Coimbra, debruçando-se sobre a comercialização pelo Banco CC das obrigações EE, em dois acórdãos de 12/09/2017, relatados pelos Desembargadores Moreira do Carmo e Luís Cravo, respectivamente, perfilhou o entendimento aqui propugnado.

X. Também é esse o entendimento que vem sendo mantido por este Colendo Supremo Tribunal, nomeadamente nos acórdãos de 10/01/2013 (Tavares de Paiva); de 17/03/2016 (Maria Clara Sottomayor) e de 10/04/2018 (Fonseca Ramos), os dois primeiros disponíveis em www.dgsi.pt e o último ainda não publicado.

Y. Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem o capital investido era garantido.

Z. Não foram violados quaisquer preceitos legais.

AA. Impõe-se a total improcedência do presente recurso e a confirmação do douto acórdão recorrido.

Concluem pedindo que se julgue improcedente o recurso.


5. O Tribunal da Relação de Lisboa admitiu o recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO


Após reapreciação da matéria de facto, em 2ª instância, foram dados como provados os seguintes factos:

1º- Banco CC, S.A., réu, é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação BANCO DD, S.A.

2º- Até à nacionalização do BANCO DD, S.A. (operada pela Lei n.º 62-A/2008, de Novembro de 2011), a totalidade do seu capital social era detida pela sociedade então denominada EE, SGPS, S.A.

3º- EE, SGPS, S.A. e BANCO DD, S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, FF.

- BANCO DD, S.A., até à data da nacionalização do seu capital, era, simultaneamente, uma instituição de crédito e um intermediário financeiro.

5º- Os autores são há mais de 15 anos clientes do banco réu na agência de Caixarias.

6º- A EE, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50.000, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 8 de Maio de 2016.

7º- Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.

8º- Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações EE 2006 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.

9º- Os autores detinham depositados no réu em Abril de 2006, € 50.000.

10º- A autora mulher subscreveu, em 18 de Abril de 2006, uma ordem de subscrição de uma Obrigação EE 2006, no valor de € 50.000,00.

11º- Foi dito à autora mulher que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação EE 2006 a terceiros.

12º- A Operação foi lançada em Abril de 2006.

13º- A EE pagou os juros referentes às Obrigações EE 2006.

14º- A autora mulher foi informada ao balcão do réu que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,50% nos restantes cupões.

15º- Na altura o produto tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.

16º- Os autores têm, a 6ª classe, ele é mecânico e ela trabalha em lar de idosos.

17º- Não foi explicada aos autores a característica da subordinação da obrigação EE 2006.

18º- Os autores subscreveram a Obrigação EE 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado.

19º- Os funcionários do banco asseguraram à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era absolutamente garantido, sendo por este responsáveis, indistintamente, o Banco DD e a EE, apresentados como praticamente “a mesma coisa”, Aditado pela Relação.

20º- Não foi facultada aos autores nota informativa do produto, Aditado pela Relação

21º- Os autores queriam subscrever uma aplicação a prazo com retorno do capital garantido, nos mesmos termos que um vulgar depósito a prazo, sem terem consciência do significado da expressão “Obrigação EE 2006”, Aditado pela Relação



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pelo Recorrente Banco CC, S.A. a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:


1ª- Existe ou não nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo Recorrente Banco CC, S.A. e o dano sofrido pelos Autores?


B) Vejamos

Como se deixou dito a única questão que importa decidir é a de se saber se se verifica ou não nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Na verdade, analisadas devidamente as conclusões da presente Revista é inequívoco que o Recorrente, apreciando os pressupostos gerais da responsabilidade civil, não questiona nem a existência do facto ilícito (a falsidade da informação) nem a culpa (que seria presumida, nos termos do artigo 799 do CC e 314 do CVM), nem mesmo o próprio dano (correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente).

Apenas coloca em causa a existência do nexo de causalidade, (que no entender do acórdão, se deve presumir), pois que do art.º 799º nº- 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

Analisemos, então, se a factualidade provada (e o direito aplicável) permite dar como verificada a existência de nexo de causalidade.


1 - O Direito

Nos termos do artigo 314º, nºs 1 e 2, do Código de Valores Mobiliários, (vigente à data da subscrição do produto financeiro – em 2006).

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Dispõe o artigo 563.º do Código Civil, relativo ao «Nexo de causalidade», que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

E, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, relativo à «Presunção de culpa e apreciação desta»:

Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo, que a «culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil».

Por último, estatui o artigo 344.º do Código Civil, relativo à «Inversão do ónus da prova» que:

1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.

2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.


2 - Tendo presentes estes princípios jurídicos, sumariamente enunciados, e aquela factualidade provada – melhor enunciada supra II –, será que existe nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano?

Consagra a nossa lei a teoria da «causalidade adequada» na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, «não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano», sendo essencial que o «facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano», Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, página 654.

No Acórdão recorrido afirma-se:

«Tal como foi enfatizado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016, citado supra, o próprio nexo de causalidade entre o facto ilícito /culposo (a ausência de cumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte da intermediária financeira) e o dano dever-se-á considerar abrangido pela presunção ínsita no artigo 799º, nº 1, do Código Civil).

Neste caso o valor do dano corresponde ao capital investido – que a intermediária financeira, em termos convenientes à prossecução dos interesses e planos de captação de activos por parte da EE, assegurou que não estava em risco -, acrescido dos juros peticionados.»

Naquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2017 escreveu-se:

«No caso concreto, os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente, verificam-se: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual se presume nos termos do art. 799.º, n.º 1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art. 799.º, n.º 1 do CC (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432)».

Permitimo-nos discordar.

Efectivamente, a lei portuguesa – citados artigos 563 e 799, ambos do Código Civil conjugados com as regras estabelecidas nos artigos 342 e ss do Código Civil – não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção.

O artigo 799 do CC aplica-se apenas à «culpa» e não ao «nexo de causalidade» (relativamente a esta questão e, contrariando a posição de Menezes Cordeiro, veja-se Nuno Manuel Pinto Oliveira, Deveres de Protecção em Relações Obrigacionais, in Scientia Juridica, Tomo LII, N.º 297, págs 495 e ss).

Em nosso entender, face à presunção decorrente do disposto no artigo 799 do CC, verifica-se uma inversão do ónus da prova, mas apenas e tão-só relativamente à culpa. Não quanto ao nexo de causalidade.

Quanto a este, ao nexo de causalidade, o artigo 563.º do Código Civil, é claro ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Ou seja, ainda que se presuma a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo, em caso algum presumir-se (quer o nexo de causalidade quer o dano).

Para que se possa afirmar que o Recorrente é responsável pelo dano sofrido pelos Autores necessário se torna que se demonstre o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Como se afirma no Acórdão do Supremo que se vem citando, «O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (art. 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento».

Isto é o nexo de causalidade não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto.

No caso concreto, (tal como naquele Acórdão do STJ), é necessário que decorra claramente da matéria de facto, que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento.

Ou seja, é necessário que da matéria de facto provada se possa concluir que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever aquele produto (compra da obrigação) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Recorrente, que corria o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro.

Impõe-se analisar a factualidade provada relevante para esta questão.

Resultou provado que os autores são há mais de 15 anos clientes do banco réu na agência de Caixarias.

A EE, SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50.000, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 8 de Maio de 2016.

Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.

Os funcionários do balcão em que os autores tinham depositadas as suas quantias acreditavam que as Obrigações SLN 2006 que vendiam era produto seguro e não oferecia risco para os subscritores.

A autora mulher subscreveu, em 18 de Abril de 2006, uma ordem de subscrição de uma Obrigação EE 2006, no valor de € 50.000,00.

Foi dito à autora mulher que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação EE 2006 a terceiros.

A Operação foi lançada em Abril de 2006.

A EE pagou os juros referentes às Obrigações EE 2006.

A autora mulher foi informada ao balcão do réu que a Obrigação seria remunerada a uma taxa de juro anual nominal bruta de 4,5% no primeiro semestre, e à taxa Euribor a 6 meses mais 1,15% nos nove cupões seguintes e à taxa Euribor mais 1,50% nos restantes cupões.

Na altura o produto tinha muita procura por os juros serem superiores aos dos depósitos a prazo.

Os autores têm, a 6ª classe, ele é mecânico e ela trabalha em lar de idosos.

Não foi explicada aos autores a característica da subordinação da obrigação EE 2006.

Os autores subscreveram a Obrigação EE 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado.

Os funcionários do banco asseguraram à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era absolutamente garantido, sendo por este responsáveis, indistintamente, o Banco P e a SLN, apresentados como praticamente “a mesma coisa”, Aditado pela Relação.

Não foi facultada aos autores nota informativa do produto, Aditado pela Relação

Os autores queriam subscrever uma aplicação a prazo com retorno do capital garantido, nos mesmos termos que um vulgar depósito a prazo, sem terem consciência do significado da expressão “Obrigação EE 2006”, Aditado pela Relação

Estes os únicos factos provados.

Ora, desta factualidade não é possível retirar-se nem concluir-se que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever aquele produto (compra da obrigação) se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do Recorrente, que corriam o risco de perder todo ou parte do seu dinheiro.

Os únicos factos efectivamente com algum interesse e relevo para o nexo de causalidade é que «Foi dito à autora mulher que poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da Obrigação EE 2006 a terceiros» e que «Os autores subscreveram a Obrigação EE 2006, por se tratar de produto seguro e bem remunerado» sendo que os «funcionários do banco asseguraram à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era absolutamente garantido, sendo por este responsáveis, indistintamente, o Banco DD e a EE, apresentados como praticamente “a mesma coisa”» e que os «autores queriam subscrever uma aplicação a prazo com retorno do capital garantido, nos mesmos termos que um vulgar depósito a prazo, sem terem consciência do significado da expressão “Obrigação EE 2006”».

Mas devidamente analisada esta factualidade não é possível concluir-se que foi devido ao facto de o banco recorrente não ter cumprido o seu dever de informação que o dano se verificou, pois não é possível concluir que os autores, a ser cumprido aquele dever de informação, não teriam subscrito o produto.

É certo que á autora mulher foi dito que poderia resgatar o capital mediante a cedência da obrigação a terceiros.

Bom mas isso era possível. Necessário é que houvesse um terceiro interessado.

Mais se provou que compraram a obrigação por ser um produto seguro e bem remunerado.

Ora, bem remunerado era (é um facto objectivo) e que no momento da subscrição era seguro também é verdade.

Provou-se ainda que os funcionários do banco asseguraram à autora mulher que o retorno da quantia subscrita era absolutamente garantido, sendo por este responsáveis, indistintamente, o Banco DD e a EE, apresentados como praticamente “a mesma coisa”.

Mas este facto tem a ver com a violação do dever de informação, com a ilicitude do comportamento do Recorrente e não com o nexo de causalidade.

E, ainda que se possa afirmar que aquele facto se deve ligar e conjugar com o facto provado de que os «autores queriam subscrever uma aplicação a prazo com retorno do capital garantido, nos mesmos termos que um vulgar depósito a prazo, sem terem consciência do significado da expressão “Obrigação EE 2006», a verdade é nem deste modo se mostra verificado o nexo de causalidade.

Na verdade, apesar de os autores pretenderem subscrever uma aplicação a prazo com retorno do capital garantido, não sabemos se, caso os autores soubessem das características do produto em questão, se não o subscreveriam igualmente.

Nada se diz na factualidade provada quanto a essa matéria.

Ficamos sem saber se caso o Recorrente tivesse cumprido devidamente o dever de informação se, nesta hipótese os Autores não teriam subscrito (adquirido) igualmente a obrigação da EE, como subscreveram, ou seja não decorre claramente da matéria de facto, que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que eles alegaram ter colocado para fazer o investimento.

Era necessário ter-se provado que os Autores (a Autora mulher, muito concretamente) não teriam tomado a decisão de subscrever a “Obrigação EE 2006” se lhes tivesse sido prestada toda a informação relativa ao produto que adquiriram.


Em nosso entender não é possível retirar-se da matéria de facto provada o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, faltando factos concretos que permitam estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados.

Em suma, entendemos que se impõe a procedência das alegações da recorrente, pelo que se concede a procedência da presente Revista.


III – DECISÃO

Pelo exposto, e pelos fundamentos enunciados, decide-se conceder a revista e, em consequência revoga-se o Acórdão recorrido, absolvendo-se o Banco recorrente do pedido.

Custas pelos Recorridos.  


Lisboa, 13 de Setembro 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza