Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3608/07.0TBSXL-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CÔNJUGE
DIREITO A ALIMENTOS
DIVÓRCIO
PRESSUPOSTOS
EQUIDADE
CESSAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE SOLIDARIEDADE
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / ALIMENTOS / NOÇÃO / MEDIDA DOS ALIMENTOS / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS / DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS / MONTANTE DOS ALIMENTOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol, V, p. 142;
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, p. 141 e 142;
- Antunes Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, p. 671;
- Maria João Tomé, Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, p. 445.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 2003.º, N.º 1, 2004.º, 2016.º, N.º 3 E 2016.º-A, N.º 3.
REGIME JURÍDICO DO DIVÓRCIO, RESPECTIVA ALTERAÇÃO DADA PELA LEI N.º 61/2008, DE 31 DE OUTUBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-09-2010, PROCESSO N.º 341/08.9TCGMR.G1.S2;
- DE 06-07-2011, PROCESSO N.º 8609/03.4TVLSB.L1.S1;
- DE 06-07-2011, PROCESSO N.º 645/05.2TBVCD.P1.S1;
- DE 23-10-2012, PROCESSO N.º 320/10. 6TBTMR.C1.S1;
- DE 13-11-2012, PROCESSO N.º 10/08.0TBVVD.G1.S1;
- DE 27-04-2017, PROCESSO N.º 1412/14. 8T8VNG.P1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 15-04-2008, PROCESSO N.º1351/05.3TBCBR.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio, aderiu ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária (artigo 2016º do Código Civil).

II - Neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004º do Código Civil, cingindo-se a obrigação de os prestar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência condigna depois da ruptura do vínculo do casamento, sem ter, porém, por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal (artigos 2003º nº 1, e 2016º-A, nº 3, do Código Civil).

III - Não se verificará o dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos se «razões manifestas de equidade» o levarem a negar – o que acontecerá se for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (artigo 2016º nº 3 do Código Civil).

IV - A requerida, ora recorrente, não fez prova da sua impossibilidade de trabalhar; por isso, não está provado o pressuposto da necessidade, o que torna irrelevante a verificação do pressuposto da possibilidade do requerente, ora recorrido.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


No âmbito da presente acção executiva que AA move a BB, veio este intentar contra aquela, por apenso, a presente acção ordinária de cessação alimentos definitivos, ao abrigo do disposto no artigo 936°, n° 1, do Código de Processo Civil, pedindo que seja reconhecido que a requerida, a partir de 26 de Julho de 2016, deixou de ter necessidade de receber qualquer valor do requerente, a título de alimentos, e consequentemente, nos termos do artigo 936° n°s 1 e 3 do C.P.C, seja ordenada a cessação da obrigação do requerente de os prestar a partir daquela data e que seja declarada a extinção da execução por alimentos movida pela requerida ao requerente com produção de efeitos desde o dia 26 de Julho de 2016.


Em síntese, alegou que requerente e requerida foram casados entre si e divorciaram-se em 21 de Janeiro de 2008, por mútuo consentimento. As suas condições económicas existentes à data do divórcio, sofreram alterações significativas, para pior, ao passo que, inversamente, as condições patrimoniais da requerida melhoraram substancialmente. Com a venda e partilha dos imóveis, propriedade comum dos ex-cônjuges, a requerida ficou com total autonomia financeira que lhe permite exercer uma actividade empresarial que, na altura do divórcio, não tinha, e com rendimentos mensais que lhe permitem total autonomia económica do requerente e ex-cônjuge. Por outro lado, o requerente a partir de Julho de 2016 passou a ter de suportar um encargo mensal de renda para habitação, no valor de € 1.000,00.


A requerida contestou pugnando pela ineptidão da petição inicial e, subsidiariamente, pela improcedência da acção, mantendo a obrigação do requerente em prestar alimentos à requerida, no montante de € 750,00.

Essencialmente alegou que a renda que o requerente paga é comparticipada na proporção de metade pela sua companheira, que vive com o requerente em união de facto, na mesma casa. O requerente recebe a quantia de € 1.272,51 referente a uma pensão de reforma, vezes 14 meses, mais a quantia de € 765,94 de vencimento, vezes 14 meses, num total mensal de € 2.378,20 e não num total mensal de € 2.038,45.

A requerida tem, actualmente, um rendimento mensal líquido de, aproximadamente, € 1.384,00 vezes 12 meses, sendo € 750,00 de alimentos, € 300,00 da reforma e € 334,00 de valor líquido da renda do imóvel. Esteve sempre habituada a um nível de vida estável, com conforto e sem qualquer privação financeira. Com o divórcio teve que alterar esse nível de vida, evitando gastos supérfluos, férias.

As quantias que a requerida recebe mensalmente não lhe permitem ter o mesmo nível de vida que tinha enquanto casada. Agora tem que pensar no futuro e nos cuidados de saúde de que poderá vir a precisar.

O estabelecimento comercial que teve foi encerrado, e a respectiva sociedade já cessou actividade.


O requerente respondeu quanto à arguida ineptidão da petição inicial.

Esta nulidade foi julgada improcedente no despacho saneador.


Em 22.09.2017 o requerente apresentou articulado superveniente, pedindo o reconhecimento de que o requerente não aufere rendimentos que possam suportar o pagamento da pensão.

Alegou que, na data em que intentou a presente acção, era sócio gerente da sociedade por quotas "CC, Lda", auferindo um vencimento ilíquido de € 800,00, líquido de € 765,94. Tem 70 de idade, está reformado, tem problemas de saúde, nomeadamente com tensão alta e sofre de doença coronária, tendo sido aconselhado a abandonar o exercício da actividade profissional, e que o levou a renunciar à gerência da sociedade, com efeitos a partir de 31 de Julho de 2017. O requerente deixou de auferir o vencimento de gerente, no montante de € 800,00 mensais.


Em resposta, a requerida impugnou o alegado que o requerente procede à junção de um relatório médico, datado de 22.09.2017, onde é referido pelo médico de que deverá o requerente abandonar ou reduzir a sua actividade profissional. Muito tempo antes desse relatório ser emitido, o requerente já não trabalhava a tempo inteiro, tendo vindo ao longo dos anos a diminuir o tempo despendido no exercício das suas funções.

Tal facto não alterou em nada as circunstâncias da vida do requerente, que já alguns anos que vem reduzindo a sua actividade.

O requente cessou intencionalmente a sua função de gerente, com o intuito de extinguir a obrigação de pagamento de alimentos. O requerente recebe valores a título de lucros da sociedade.


Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, declarando cessada a obrigação de alimentos no montante de € 450,00 e, em consequência, condenou o requerente BB a pagar à requerida AA € 300,00 mensais, a título de alimentos definitivos, o que sucederá até ao dia 8 de cada mês, por depósito ou transferência bancária. Tal prestação de alimentos será devida desde o mês imediato ao trânsito em julgado da presente sentença, mantendo-se até tal trânsito o montante em curso de € 750,00 mensais, absolvendo-se o R. e A. do demais peticionado (fls. 149 a 171).


A Relação, por acórdão de 27.11.2018, julgou improcedente a apelação principal e procedente o recurso subordinado, revogando a decisão recorrida e declarando cessada a obrigação de prestação de alimentos a cargo do ex-cônjuge, ora requerente, em favor da requerida.


A requerida AA recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A) O presente recurso tem por objecto o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que declarou cessada a obrigação de prestação de alimentos a cargo do ex-cônjuge, ora recorrido, em favor da recorrente, dado que o mesmo enferma de nulidade por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigos 615º n.º 1 al. c) e 674º n.º 1 al. c) do CPC), além de o mesmo ter violado o artigo 342º n.º 1 do C.C. no que respeita ao ónus probandi que impede sobre o recorrido e de ter incorrido num erro na apreciação das provas. O acórdão recorrido incorreu ainda num erro de direito, errando na interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis (artigos 2003º e seguintes, 2012º, 2013º n.º 1 al. b), 2016º e 2016-A do C.C.).

B) No acórdão recorrido, após a descrição da matéria de facto provada, o tribunal recorrido analisou vários pontos de acordo com o previsto no artigo 2016º-A do C.C. e com os factos dados como provados.

C) Analisando a situação económica da recorrente, o tribunal recorrido considerou que: i) foi adjudicado à recorrente a fracção autónoma sita no concelho de Seixal, à qual foi atribuído o valor de € 18.830,00, a qual se encontra arrendada pelo valor líquido mensal de renda de €334,00, ii) a requerida aufere pensão de reforma no valor aproximado de € 332,19, iii) a requerida vive em …, em casa arrendada, pagando o montante mensal de € 600,00 e iv) a sociedade comercial criada pela requerida em 26.11.2012 e de que a mesma era a única gerente cessou a actividade.

D) Sucede que, após os elementos supra expostos em C), o tribunal recorrido decidiu que a recorrente não carece de prestação de alimentos por parte do seu ex-cônjuge.

E) Os fundamentos da decisão estão em clara oposição com a decisão propriamente dita, pois dos fundamentos indicados só é possível extrair a conclusão que efectivamente a recorrente carece de pensão de alimentos.

F) O acórdão recorrido é nulo, por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão nos termos dos artigos 615º n.º 1 al. c) e 674º n.º 1 al. c) do CPC, nulidade que se requer que seja declarada.

G) Acresce que, tendo sido eliminado pelo tribunal recorrido o ponto 85. dos factos provados, isto é, que a requerente reduziu as necessidades que estiveram na base do mencionado acordo e obrigação alimentar e, bem assim, o ponto 56. “A requerida não tem actualmente uma pensão de reforma de montante equivalente à do requerente”, por considerar que se tratavam de factos conclusivos, a verdade é que o tribunal recorrido não retirou tais factos conclusivos para a fundamentação da sua decisão, decidindo em sentido contrário aos factos provados e à própria fundamentação.

H) Por outro lado, verifica-se uma violação do ónus probandi do requerido, pois a acção de alteração/cessação de alimentos definitivos foi instaurada pelo recorrido, pelo que competia a este fazer prova dos elementos constitutivos do seu direito, isto é, da alteração das suas possibilidades económicas ou modificação das necessidades da recorrente, nos termos do artigo 342º do C.C. e conforme defende a jurisprudência em situações semelhantes.

I) Sucede que o recorrido não logrou fazer prova, nem de alterações das suas possibilidades económicas (constando como facto não provado que “O requerente deixou de poder suportar uma pensão de alimentos”), nem da modificação das necessidades da recorrente.

J) Mal andou o tribunal recorrido ao considerar que a questão jurídica suscitada nos autos tem a ver essencialmente com a prova da situação de efectiva necessidade da beneficiária da prestação de alimentos, face aos novos factos que foram dados como provados relativamente à sua situação económica actual, pois não existem factos novos que justifiquem a alteração da pensão de alimentos ou que atestem a falta de necessidade da recorrente em receber a pensão de alimentos.

K) Dos factos provados resulta que a recorrente tem uma pensão de reforma de cerca de € 332,19 e uma renda de um imóvel, no valor de € 334,00 (factos provados nºs 54 e 20), sendo que a renda do imóvel onde habita é de € 600,00 por mês.

L) Com a cessação da prestação de alimentos, a recorrente ficará com a mísera quantia de € 66,19 por mês para fazer face a todas as despesas (cerca de 2,21 € por dia), sendo que a requerida tem 68 anos de idade e, nesta idade, ainda que quisesse, já ninguém a aceita para trabalhar.

M) O tribunal recorrido violou o artigo 342º do C.C., pois a prova dos elementos constitutivos do direito compete ao recorrido, sendo esta violação fundamento para a presente revista, nos termos dos artigos 674º n.º 1 al. b) e 682º do CPC 674º n.º 3 e 682º do CPC, devendo ser proferida decisão que considere que a requerida carece efectivamente de pensão de alimentos.

N) Por outro lado, e considerando o artigo 674º n.º 3 do CPC, as conclusões extraídas pelas instâncias a partir da matéria de facto não são em princípio sindicáveis pelo STJ, salvo se tais desenvolvimentos excederem manifestamente os limites da lógica e das regras da experiência que devem banalizá-las, o que manifestamente se verificou no caso sub judice.

O) As ilações baseadas nas regras da experiência e formuladas pelas instâncias não podem, assim, colidir ou contrariar os factos apurados em consequência da livre apreciação da prova efectivamente produzida em audiência, não podendo alcançar-se um resultado probatório incompatível com a realidade factual emergente dos meios probatórios produzidos em julgamento.

P) O acórdão recorrido considerou que a recorrente tinha a possibilidade de reactivar, se necessário, a sociedade comercial que voluntariamente criou e que atenta a respectiva natureza, será vocacionada à obtenção de lucro.

Q) Sucede que o estabelecimento comercial de sapataria, correspondente à referida sociedade, foi encerrado (ponto 70), os dois estabelecimentos comerciais que teve de venda de ... foram encerrados e a respectiva sociedade encerrada (ponto 70), pelo que não é possível formular-se tal ilação/conclusão, nem tal resulta das regras da experiência, muito pelo contrário.

R) O estabelecimento comercial foi encerrado porque a sociedade não gerava lucro, não sendo expectável, de acordo com as regras da experiência, que a requerida, com 68 anos de idade, venha a reactivar da sociedade.

S) Verifica-se, assim, um erro na apreciação das provas e nas conclusões, fundamento para a presente revista nos termos do disposto no artigo 674º n.º 3 do CPC, e que importa alterar, nos termos do artigo 682º n.º 2 do CPC, devendo ser proferida decisão no sentido de que a recorrente não tem capacidade de ganho e tal, conjugado com outros factos provados, conduz a que a recorrente careça de prestação de alimentos a prestar pelo recorrido.

T) Sopesando os factos, não pode a recorrente aceitar como válida e correcta a aplicação da norma preceituada no art. 2016º n.º 1 e 2016º -A n.º 1 do C. C., pelo que se verifica um erro de direito que deve ser considerado, alterando-se a qualificação jurídica dos factos.

U) Na verdade, estamos perante uma situação referente, não à fixação “ex novo” da pensão de alimentos, mas da sua alteração, pelo que se deve aferir da alteração das circunstâncias que ditaram a anteriormente fixada prestação de alimentos

V) Os artigos 2012º e 2013º n.º 1 al. b) do C.C. estabelecem que as obrigações alimentícias são passíveis de sofrer modificações determinadas pela alteração das circunstâncias que estiveram presentes aquando da sua constituição, cessando a obrigação de prestar alimentos quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.

W) No que respeita ao recorrido, não resulta dos factos provados que as suas condições económicas tenham sofrido alterações supervenientes que justifiquem a alteração ou cessação de alimentos ou que aquele não possa continuar a prestar alimentos à recorrente, mas que tem possibilidades económicas e conhecimento da sua capacidade de prestar alimentos, não o querendo fazer propositadamente.

X) Com efeito, aquele cessou intencionalmente a sua função de gerente na sociedade “CC, Lda” com o propósito de extinguir a pensão de alimentos à recorrente (facto provado n.º 82), que como este bem sabe, carece dos mesmos.

Y) O requerente aufere a quantia de € 1.286,22 referente a pensão de reforma, vezes 14 meses (factos provados n.º 42 e 43), acrescendo ainda os lucros da sociedade - CC, Lda”-, da qual é sócio e que podem constituir sempre um rendimento adicional ao que aufere mensalmente, sendo que em 2016 o lucro foi de € 24.000,00 (factos provados n.ºs 90 e 91).

Z) As únicas alterações que se verificaram desde o divórcio foi que o património conjugal entretanto foi partilhado, que este deixou de receber o vencimento enquanto gerente da referida sociedade (tendo sido provado que o fez para obstar ao pagamento da prestação de alimentos à requerente) e, bem assim, que agora é titular de metade de um imóvel que pode rentabilizar e não o faz, provavelmente pelo mesmo motivo que o fez renunciar à gerência da sociedade – colocar em causa a sobrevivência da Requerente com ele esteve casada cerca de 36 anos.

AA) Nem se diga que o recorrido deixou de ser gerente da aludida sociedade por problemas de saúde, pois foi dado como provado que, antes do relatório médico junto aos autos, já aquele não trabalhava a tempo inteiro (artigo 80º dos factos provados).

BB) Acresce que foi dado como provado que a sociedade de que o requerente é sócio permite a este ter uma condição financeira estável, podendo fazer férias, almoçar ou jantar em restaurante e comprar bens que entenda necessários para si, sem qualquer limitação (artigo 76º).

CC) Assim, seria forçoso emanar uma sentença que absolvesse a recorrente do pedido de cessação de alimentos pelo recorrido.

DD) No que concerne à recorrente, como rendimento fixo e estável, esta só tem a pensão de reforma e a pensão de alimentos, pois a renda da loja, a qualquer momento pode deixar de receber e não ter possibilidades de a arrendar novamente.

EE) É patente que continua a carecer da referida pensão de alimentos, atendendo aos rendimentos que aufere, designadamente a pensão de reforma no valor de € 332,19 (facto provado n.º 54), e o valor de € 334,00 referente ao imóvel que tem arrendado (facto provado n.º 20).

FF) Tais proventos computam-se em € 666,19; porém só uma das despesas fixas que suporta mensalmente, é de € 600,00 para o pagamento do arrendamento da sua habitação cfr. facto provado n.º 60, contas feitas, mercê dos factos apurados e provados, remanesce a insuficiente quantia de € 66,19.

GG) Com a cessação da prestação de alimentos, a recorrente ficará com € 66,19 para fazer face aos gastos normais com a sua subsistência, ou seja, disporá da quantia de € 2,21 (dois euros e vinte e um cêntimos) por dia para fazer face a todas as suas necessidades e despesas.

HH) A manter-se a decisão recorrida, a recorrente jamais conseguirá autonomamente diligenciar pela sua subsistência.

II) O facto de a recorrente ser três anos mais nova do que o recorrido e não existindo notícias de ter problemas de saúde não é suficiente para determinar isoladamente, ou em conjunto com outras circunstâncias, a cessação da prestação de alimentos.

JJ) A recorrente tem 68 anos de idade e é facto notório as dificuldades de uma pessoa desta idade em arranjar trabalho/emprego.

KK) Não dispõe de capacidade de ganho, não tem nem irá ter, previsivelmente, outros rendimentos futuros, e tem ainda pela frente pelo menos 14 anos de vida.

LL) A eventual reactivação da sociedade que serviu de fundamento para a decisão de cessação de alimentos por parte do tribunal recorrido não faz qualquer sentido, conforme supra exposto.

MM) Admite-se que a recorrente recebeu, por via da partilha dos bens comuns, o valor de € 125.000,00, mas o recorrido também recebeu, sendo que cerca de € 58.750,00 foi recebido em 2010 (facto provado n.º 16), e neste ano, a requerente ainda não auferia pensão de reforma e vivia em casa arrendada com uma renda aproximada de € 450,00, ficando o requerente a viver na casa de morada de família até à venda da mesma (vide factos provados n.º 54 e 58).

NN) Face ao exposto, não existiram alterações supervenientes que fundamentem a alteração da pensão de alimentos à recorrente, pelo que o tribunal recorrido deveria ter aplicado o artigo 2012º do C.C. e tê-lo interpretado no sentido de que a situação económica do recorrido não veicula qualquer limitação, ao invés da situação da situação da recorrente que reclama a manutenção de pensão de alimentos.

OO) E, em consequência, ter mantido a prestação de alimentos no valor acordado inicialmente pelos ex-cônjuges, no valor de € 750,00 mensais e não se ter socorrido de imediato do n.º 1 do artigo 2016º do C.C. que prevê que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

PP) Embora o legislador entenda que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, logo acrescenta que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio” (n.º 2 do art.º 2016.º do C.C.) e só excepcionalmente, “por razões manifestas de equidade”, o direito a alimentos poderá ser negado a quem deles careça (artigo 2016º n.º 3 do C.C.) e a verdade é que a recorrente necessita efectivamente de alimentos.

QQ) Face ao exposto, não pode a recorrente conformar-se com a interpretação e consequente aplicação nesse sentido, do artigo 2016º n.º 1 do C.C., uma vez que as suas condições económicas, pela sua parcimónia e instabilidade, não permitem a manutenção de uma vida condigna e não tem, nem consegue ter outros meios de subsistência ou prover a sua subsistência, carecendo efectivamente de receber prestação de alimentos.

RR) A douta sentença recorrida errou ao não aplicar os artigos as disposições legais dos artigos 2003º, máxime artigos 2012º, art. 2013.º n.º 1 al. b), 2016º n.º 2).

SS) No entendimento da recorrente, o tribunal recorrido não deveria ter aplicado o artigo 2016º n.º 1, artigo 2012º e 2013º nº 1 al. b) do CC, pois a situação em concreto encontra-se abrangida pelo n.º 2 do mesmo artigo, devendo ter sido proferida decisão no sentido de manter a pensão de alimentos no valor inicialmente acordado entre os ex-cônjuges, no valor de € 750,00 mensais ou, caso assim não entenda, o que se admite por mera cautela de patrocínio, reduzi-la em montante não superior a € 450,00 mensais.


Termina, pedindo que seja proferido acórdão que declare a nulidade do acórdão recorrido pelos seus fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos dos artigos 615º n.º 1 al. c) e 674º n.º 1 al. c) do CPC; caso assim não se entenda, verifique a violação do ónus probandi existente sobre o recorrido, a existência de erro na apreciação das provas, bem como a existência de um erro na interpretação do direito e jurisprudência aplicada em casos semelhantes e, em consequência, revogue o acórdão em causa e determine que o recorrido deve pagar à recorrente pensão de alimentos no valor inicialmente acordado entre ambos, isto é, € 750,00 mensais, ou caso assim não se entenda, determine pelo menos uma pensão de alimentos em montante não inferior a € 300,00 mensais.


O recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Mostram-se provados os seguintes factos:


1. A. e R. casaram entre si em 16 de Julho de 1972, então, respectivamente, com 25 e 22 anos de idade, sem convenção antenupcial.

2. O sobredito casamento foi dissolvido por divórcio, em 21 de Janeiro de 2008, transitado em julgado.

3. Nos autos principais, de divórcio, então foi convertido que em Outubro de 2007 acordaram em que o ora A. pagaria a título de alimentos definitivos à ora R., o montante de € 750,00 mensais.

4. Na mesma ocasião acordaram em que a utilização da casa de morada de família, sita em …, ficava atribuída a ambos os cônjuges.

5. Então mencionaram como bens comuns do casal o mencionado imóvel, um apartamento em …, um imóvel descrito como sub-cave e uma quota da sociedade "CC, Lda."

6. O que foi homologado por sentença, transitada.

7. Em 4 de Outubro de 2016 a ora R. deu entrada à execução por alimentos que ora pende como apenso “1".

8. Em 18 de Outubro de 2016 o executado/ora A. deduziu nomeadamente pedido de cessação de alimentos, que foi apenso A, que foi declarado nulo por incompatibilidade substancial de pedidos.

9. Em 18 de Abril de 2017 o executado/ora A. deduziu embargos de executado, que foram apenso C, que foram liminarmente indeferidos.

10. O presente apenso B deu entrada em juízo em 12 de Abril de 2017.

11. Mostra-se partilhado todo o mencionado património comum do dissolvido casal.

12. O qual à data do divórcio correspondia ao seguinte: Fracção autónoma designada pela Letra "C" correspondente ao R/C com 80,75 m2 e logradouro à retaguarda com 34,80 m.2 pertencente ao prédio descrito sob o n° 4…. da freguesia da …, da Conservatória do Registo Predial de ….

13. Imóvel sito na R. …, n° …, …, Freguesia de …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o n° 6…5 da Freguesia de … .

14. Loja sita (em sub-cave) no Centro Comercial …, Rua da …, …, freguesia de …, concelho do …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 3…5 e descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o n° 3…9; e

15. Quota titulada em nome de BB, na sociedade por quotas "CC, Lda", com NIPC 50…0, com sede na R. … lote 6 - 3 E, Freguesia de …, …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, com o capital social de € 7.481,97.

16. Requerente e requerida, em 17 de Maio de 2010, venderam a fracção identificada em 12), pelo montante de € 117.500,00 que distribuíram entre si, ficando cada um com o montante de € 58.750,00.

17. Requerente e requerida venderam o aludido imóvel, mencionado em 13), sito em … em 26 de Julho de 2016, pelo montante de € 132.500,00 que distribuíram entre si, ficando cada um com o montante de € 66.250,00.

18. No dia 7 de Novembro de 2016 requerente e requerida partilharam entre si o remanescente do património comum, tendo sido atribuído ao requerente a quota no valor nominal de € 4.863,28 da sociedade por quotas mencionada em 15), a que atribuíram o valor de € 18.830,00, e à requerida a fracção autónoma, designada pela letra "II", que constitui a subcave, destinada a comércio, do prédio urbano, sito na Quinta …, …, Av. …, n° 1…2 e Rua da …, n°s … e …-A, da freguesia de …, concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número dois mil quinhentos e vinte e dois da Freguesia de …, mencionado em 14), a que atribuíram o valor de €-18.830,00.

19. O imóvel mencionado em 14) mostra-se dado de arrendamento por 400 euros mensais.

20. Renda que, deduzidos os respectivos encargos fiscais, corresponde a € 334,00 mensais, recebida pela requerida.

21. Esta aufere actualmente pensão de reforma.

22. Em 26 de Novembro de 2012 a requerida constituiu a sociedade por quotas "DD, Lda ", com sede na R. …., Edifício …, Bloco …, 2o B, …. com o NIPC 50….0, com o capital social de mil euros, na qual detém uma quota de 50% e é sua única gerente.

23. Essa sociedade tinha estabelecimento comercial aberto ao público sito na R. Tomás …, n° …, … .

24. O A. habita actualmente em imóvel arrendado no …, em …, com a renda mensal de mil euros.

25. Declarou ter recebido em Agosto de 2016 € 765,94 de vencimento da sociedade de que é sócio.

26. Auferiu € 1.376,55 mensais de reforma no ano do 2016, do CNP,

27. Auferiu € 17.815,12 de reforma no ano do 2015, do CNP.

28. Transferiu o montante de € 1.834,00 para a R. em cada uma das seguintes datas: 5/10/2015; 4/11/2015; 5/1/2016; 5/2/2016; 4/3/2016; e 4/4/2016. 

29. A. e R. foram titulares da sociedade "EE, Lda".

30. Foi declarado à Segurança social que a R. aí auferiu entre Abril de 2003 e Novembro de 2007 o montante de € 600,00 de remuneração base.

31. Foi declarado à Segurança social que a R. auferiu da sociedade mencionada em 23), entre Dezembro de 2012 e Março de 2016, montantes entre € 242,50 e € 530,00 mensais de remuneração base.

32. Foi declarado à Segurança social que a R. auferiu como trabalhadora independente, entre Janeiro e Março de 2003, montantes entre € 348,01 e € 356,60 mensais de remuneração base.

33. A R. nasceu em 06/2/1950 (Pelo que tem actualmente 67 anos de idade).

34. O A. foi aconselhado por médico em 22/9/2017 a abandonar ou pelo menos reduzir na medida do possível a sua actividade profissional.

35. Por carta datada de 31/7/2017 o A. renunciou à gerência da sociedade mencionada em 15).

36. O A. é dono de metade do imóvel, fracção autónoma designada pela letra "l" descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1…3 da Freguesia do … e inscrita na matriz urbana com o art° 1…7 da Freguesia da …, constituído pelo 2o andar esquerdo, no piso 3, e arrecadação no piso menos três, com o valor tributável de € 36.213,33.

37. Nesse imóvel funciona a sede da sociedade mencionada em 15).

38. O A. pode receber renda da sociedade mencionada em 15) pela utilização do imóvel aludido em 37) – Considerado não escrito (fls 263).

39. O A. apresentou em 2016 declaração de rendimentos de 2015 da qual constam €-27.415,12 de rendimentos anuais.

40. O A. apresentou em 2016 declaração de rendimentos prediais de 2015 da qual constam €4.800,00 de rendimentos anuais.

41. Declarou ter pago no ano de 2015 € 5.700,00 de pensões.

42. Apresentou em 2017 declaração de rendimentos de 2016 da qual constam € 27.607,10 de rendimentos anuais.

43. Apresentou em 2017 declaração de rendimentos prediais de 2016 da qual constam € 4.000,00 de rendimentos anuais.

44. Declarou ter pago no ano de 2016 € 4.500,00 de pensões.

45. O A. nasceu em 22 de Maio de 1947.

46. Declarou nas Finanças início de actividade em 19 de Maio de 1988, a qual cessou em 31 de Dezembro de 2003.

47. O A. reside actualmente na Alameda …, Bloco …, n° …,4º Dtº, em … .

48. A R. reside actualmente na R. …, n° …, 3º Dtº, …, em … .

49. Até ao Verão de 2008 A e R continuaram a viver na mesma casa, em … .

50. Até tal ocasião o requerente continuou a pagar todas as despesas da casa, nomeadamente, de electricidade, água, luz e alimentação, mais fazendo a R usufruir de seu cartão de crédito.

51. O A. começou a pagar-lhe a pensão acordada quando a mesma deixou de residir na que foi casa de morada de família e foi residir no … .

52. A partir do momento em que o requerente e requerida deixassem de viver no imóvel, cada um deles teria que suportar os custos inerentes a um novo alojamento.

53. O estabelecimento sito na R. Tomás …, n° …, …. vendia ao público calçado.

54. Desde meados de 2016 que a requerida aufere uma pensão de reforma no valor aproximado de € 332,19 por mês.

55. Entre o requerente e a requerida, aquando do divórcio, ficou acordada a mencionada pensão de alimentos à requerida pelo facto de esta não ter naquela ocasião qualquer rendimento com que pudesse subsistir - Considerado não escrito (fls 263).

56. A requerida não tem actualmente uma pensão de reforma de montante equivalente à do requerente.

57. A prestação de alimentos no valor de € 750,00 até à presente data não foi aumentada, por o acordado não prever actualização.

58. A requerida, quando saiu de casa no … de 2008, teve de arrendar uma casa, então suportando uma renda no valor aproximado de € 450,00, ficando o requerente a viver na casa de morada de família onde vivia o casal, até à venda da mesma.

59. Após, a mesma foi residir para …, em imóvel arrendado por 550€ mensais.

60. Actualmente reside noutro imóvel em …, arrendado por 600€ mensais.

61. O A., apesar da sua idade, pode continuar a trabalhar e continua a trabalhar e a tirar proveitos do seu trabalho, nomeadamente os lucros da sociedade - Considerado não escrito (fls 264).

62. O A, como a R, enquanto sócios e gerentes não receberam somente as quantias que declararam para a Segurança Social.

63. Receberam ainda, nomeadamente, a sua parte dos lucros dessas sociedades.

64. Na sociedade actualmente titulado pelo A existem trabalhadores com vencimentos declarados superiores ao do A.

65. O requerente pagou mensalmente a quantia de € 750,00 para o colégio de neto, até ao 4º ano de escolaridade deste, inclusive.

66. Nesse período entregava mensalmente à requerida a quantia de € 1.834,00, que correspondiam a tais € 750,00, outros € 750,00 da pensão de alimentos e a € 334,00 da renda da loja, imóvel que após partilhas foi adjudicado à requerida, em contrapartida da quota da Sociedade "CC, Lda" ter sido adjudicada ao requerente.

67. Do montante de € 1.834,00, € 750,00 eram para serem entregues à filha de ambos, FF, para pagamento de colégio.

68. Cessada tal colaboração do A para colégio, até Junho de 2016, a requerida recebia do requerente o montante de € 1.084,00, correspondente a 750€ de alimentos e 334€ da mencionada renda.

69. A R. sempre esteve habituada a um nível de vida estável, com conforto e sem qualquer privação financeira.

70. Os dois estabelecimentos comerciais que teve de venda de … foram encerrados, e a respectiva sociedade já cessou actividade.

71. O estabelecimento comercial de … que teve foi encerrado.

72. O requerente ficou com uma quantia aquando das partilhas igual à da requerida.

73. Aquele continua a não ter qualquer limitação financeira -. Considerado não escrito (fls 265).

74. Ambos já têm uma pensão de reforma garantida, a pagar em 14 vezes, que pode ir sendo aumentada ao longo dos anos.

75. O requerente sendo sócio de uma sociedade, enquanto tiver saúde, pode continuar a trabalhar e a tirar proveitos mensais bastantes superiores aos da requerida - Considerado não escrito (fls 265).

76. A sociedade de que o requerente é sócio permite ao requerente ter uma condição financeira confortável, podendo fazer férias, almoçar ou jantar em restaurante e comprar os bens que entenda necessários para si, sem qualquer limitação.

77. Na data em que intentou a presente acção, o A era sócio gerente da sociedade por quotas "CC, Ld'ª", auferindo na mesma um vencimento.

78. Tem problemas de saúde, nomeadamente com tensão alta e sofre de doença coronária.

79. Com a renúncia à gerência deixou de receber vencimento de gerente.

80. Muito tempo antes do relatório médico datado de … de Setembro de 2017 que o requerente já não trabalhava a tempo inteiro, tendo vindo ao longo dos anos a diminuir o tempo despendido no exercício das suas funções.

81. Tal aconselhamento não alterou em nada as circunstâncias da vida do requerente, que já alguns anos que vem reduzindo a sua actividade.

82. O requente cessou intencionalmente a sua função de gerente, com o intuito de extinguir a obrigação de pagamento de alimentos.

83. A fracção autónoma designada pela letra "T" descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1…3 da freguesia do … e inscrita na matriz urbana com o art° 1…7 da freguesia da … presentemente encontra-se registada em nome do A e do sócio deste, na proporção de metade em nome de cada um deles.

84. A companheira do A paga metade da renda do imóvel que ambos habitam.

85. A R. reduziu as necessidades que estiveram na base do mencionado acordo e obrigação alimentar – Considerado não escrito (fls 261 e 265).

86. O casal teve duas filhas, uma de nome GG e outra chamada FF, nascidas respectivamente em 1974 e 1972.

87. Cada uma deles tem dois filhos.

88. A GG está casada.

89. A FF está divorciada.

90. A sociedade do A. mencionada em 15), nos últimos anos tem tido lucros.

91. A mesma teve lucro de € 24.000,00 em 2016.

92. A sociedade do A. mencionada em 15), tem como clientes o HH e a II, que é titular da "JJ


B) Fundamentação de direito


A decisão recorrida delimita o objecto do recurso (artigo 663º nº 2 do CPC); e é nesse âmbito que as conclusões do recorrente circunscrevem depois o mesmo objecto (artigo 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC).

Nesse enfoque, a hipótese dos autos pode assim ser enunciada:

- Nulidade do acórdão;

- Erro na apreciação das provas;

- A questão de direito.


NULIDADE DO ACÓRDÃO


De acordo com os factos levados à Conclusão C) das alegações de revista (situação económica da recorrente), o acórdão recorrido decidiu que esta não carece de prestação de alimentos por parte do seu ex-cônjuge, estando os fundamentos do acórdão em oposição com a decisão, o que acarreta a nulidade do mesmo em conformidade com o disposto no artigo 615º nº 1 alª c) do CPC.


A parte contrária, na contra-alegação manifesta-se contra a invocada nulidade do acórdão, argumentando que a nulidade da decisão não se confunde com erro de julgamento, sendo que a nulidade não se verifica só porque possa haver alguma divergência entre alguns factos provados e a solução jurídica aplicada.


Cumpre decidir.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:

“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3…”.


Dispõe o artigo 615° n°1 na alínea c) que a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)”. 


A nulidade da alínea c) - contradição entre a decisão recorrida contida no acórdão e a sua fundamentação - ocorre quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente[1].

Tende por vezes a confundir-se com o erro de julgamento.

Anselmo de Castro[2] considera que a alínea c) nem tem autonomia em relação à alínea b) (falta de fundamentação de facto e de direito).

E em relação à alínea sublinha que só existe nulidade quando falta em absoluto a fundamentação.

Não faltando em absoluto, haverá fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produzindo nulidade.

Esta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.

No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.


Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artº 668º do CPC, (hoje artigo 615º do NCPC) são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito[4].


No caso dos autos, o acórdão recorrido analisou a situação nos seguintes termos:

“Nos termos do artigo 2016°, n° 1, do Código Civil: " Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio".

O que significa que, à partida, não haverá direito à prestação de alimentos entre ex-cônjuges com vista a assegurar a subsistência económica após o divórcio, cabendo a qualquer deles, num momento em que cada um prosseguirá a sua vida com total autonomia em relação ao outro, assegurar por si próprio os rendimentos adequados ao seu nível de vida.

A lei ressalva, naturalmente, as situações em que se verifique que um dos ex-cônjuges necessita efectivamente dessa prestação de alimentos, face à dificuldade séria em os obter pelos seus próprios meios e ao patente desequilíbrio de situações patrimoniais entre os dois, com inequívoca vantagem para aquele que ficará vinculado à obrigação jurídica de os prestar.

Trata-se, porém, de uma situação excepcional.

Mesmo nesse caso, a lei consagra que "o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio" (artigo 2106°-A, n° 3, do Código Civil).

Foi neste preciso contexto que o requerente intentou a presente acção visando demonstrar a desnecessidade da prestação de alimentos à requerida que vinha sendo cumprida.

Ora, face à expressão pecuniária dos avultados valores recebidos pelo ex-cônjuge mulher em consequência da partilha dos bens comuns do casal - num total de € 125.000,00, acrescido da titularidade de um bem imóvel arrendado a terceiro e pelo qual recebe a renda mensal de € 334,00, aliada à circunstância de a ora requerida ter pensado a beneficiar de uma pensão de reforma no valor aproximado de € 332,19, é evidente que se alteraram muito significativamente as circunstâncias que justificaram a fixação, em 2008 (há dez anos), por acordo entre os ex-cônjuges, da pensão alimentar de € 750,00 mensais.

Ou seja, independentemente dos rendimentos auferidos pelo ex-cônjuge requerente (e da circunstância da partilha dos bens comuns do casal ter sido obviamente paritária), não se nos afigura que a requerida,

-     dispondo, por via da partilha dos bens comuns do casal, dos elevados montante pecuniários referidos supra (€ 125.000,00);

-     sendo titular de um bem imóvel que se encontrava arrendado, arrecadando o respectivo valor da renda (e que poderá no futuro vir a encontrar-se na sua inteira e incondicional disponibilidade com vista à sua eventual rentabilização);

-    tendo ainda a possibilidade de reactivar, se necessário, a sociedade comercial que voluntariamente criou e que, atenta a respectiva natureza, será vocacionada à obtenção de lucro;

-      sendo três anos mais nova do que o requerente, e não havendo notícia de sofrer de problemas de saúde (ao contrário do que sucede com este),

careça efectivamente da prestação de alimentos por parte do seu ex-cônjuge, em termos de obstar ao funcionamento do regime regra previsto no artigo 2016, n° 1, do Código Civil.

Estabelecendo a lei claramente que "O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio", o actual património de que a requerida é hoje única titular - e que se deixou descrito supra - permite-lhe perfeitamente, se gerido com a prudência, o critério e a razoabilidade que se impõem, assegurar a sua subsistência em termos de perfeita dignidade, normalidade e conforto médio.

Não há actualmente justificação legal alguma para a manutenção da obrigação de prestação de alimentos por parte do requerente em favor da requerida (que o tribunal a quo reduziu para cerca de metade daquela que vinha sendo cumprida).

Pelo que procederá o pedido de cessação da obrigação de prestação de alimentos.

Nesta medida, improcederá o recurso principal interposto pela requerida, procedendo o recurso subordinado apresentado pelo requerente”.


Ora, lendo o acórdão na sua forma e substância, podemos concluir imediatamente que os fundamentos apontam no sentido da decisão proferida, pelo que não padece do apontado vício, sendo totalmente descabida tal afirmação, pois que o raciocínio lógico seguido na decisão teria de conduzir à improcedência da apelação e à procedência do recurso subordinado, não existindo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pois o inverso é que conduziria a eventual nulidade.

Coisa diversa é a recorrente discordar da decisão.


ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS


Alega ainda a recorrente que houve erro na apreciação das provas nos termos do disposto no artigo 674º nº 3 do CPC.

Aquele erro vem descrito nas Conclusões N) a S) e reporta-se, essencialmente, aos factos contidos nas alíneas P), Q) e R).


A parte contrária, nas contra-alegações, referiu, em substância, que não assiste razão à recorrente.


Cumpre decidir.

Como é sabido, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.


Efectivamente, preceitua o nº 3 do artigo 674º do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.


Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito[5].


Ou seja, e nas palavras do acórdão do STJ de 06/07/2011[6], “se a este Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei”.


Trata-se, por conseguinte, de verificar se o Tribunal da Relação, ao usar os seus poderes, respeitou a lei processual, o que é inequivocamente, e como também destaca o Acórdão do STJ de 06/07/2011, matéria de direito[7].


Sob este prisma, a alegação que a recorrente colocou a este Supremo Tribunal de Justiça consiste em saber se as conclusões extraídas pelas instâncias excedem manifestamente os limites da lógica e das regras da experiência que devem banalizá-las, o que manifestamente se verificou no caso sub judice. Além disso, as ilações baseadas nas regras da experiência e formuladas pelas instâncias não podem colidir ou contrariar os factos apurados em consequência da livre apreciação da prova efectivamente produzida em audiência, não podendo alcançar-se um resultado probatório incompatível com a realidade factual emergente dos meios probatórios produzidos em julgamento.

O acórdão recorrido considerou que a recorrente tinha a possibilidade de reactivar, se necessário, a sociedade comercial que voluntariamente criou e que atenta a respectiva natureza, será vocacionada à obtenção de lucro.

O estabelecimento comercial de sapataria, correspondente à referida sociedade, foi encerrado (ponto 71), os dois estabelecimentos comerciais que teve de venda de ... foram encerrados e a respectiva sociedade encerrada (ponto 70), pelo que não é possível formular-se tal ilação/conclusão, nem tal resulta das regras da experiência, muito pelo contrário.

O estabelecimento comercial foi encerrado porque a sociedade não gerava lucro, não sendo expectável, de acordo com as regras da experiência, que a requerida, com 68 anos de idade, venha a reactivar da sociedade.


Ora, o acórdão da Relação apreciou livremente as provas, fazendo o seu próprio juízo com total autonomia, numa situação de alguma impugnação da matéria de facto, não podendo agora ser abalado por matéria puramente conceptual e conclusiva.


O acórdão procedeu à fundamentação e à análise crítica das provas, com ponderação dos elementos probatórios, esclarecendo, explicando e analisando o conteúdo dos pontos que considerou como não escritos, essencialmente pelo facto de, na sua maioria, serem abstractos e conclusivos.


Concluímos, pois, que as instâncias seguiram um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, as decisões da 1ª instância e da Relação não se mostram ilógica, arbitrária ou notoriamente violadoras das regras da experiência comum.


Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do recorrente, confirmando-se o acórdão da Relação, por não haver “erro na apreciação das provas.


A QUESTÃO DE DIREITO

A questão a apreciar consiste em saber se a requerida deixou ou não de carecer da prestação alimentar fixada, em Outubro de 2007, nos autos principais de divórcio, no montante de € 750,00.

A primeira instância reduziu aquele montante para € 300,00 mensais a título de alimentos definitivos. A Relação declarou cessada a obrigação de alimentos a cargo do ex-cônjuge, ora  requerente em favor da requerida, ora recorrente.

Cumpre decidir.

 

O artigo 2004º do Código Civil (Medida dos alimentos) preceitua o seguinte:

1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.


O artigo 2016º (Divórcio e separação judicial de pessoas e bens), consagra que:

1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

2 - Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.

3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado

4 – (…).


E o artigo 2016º-A (Montante dos alimentos) refere que:

1 - Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.

2 – (…)

3 - O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.

4 - (…).


Conforme foi decidido no acórdão do STJ de 27.04.2017[8], “ a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, agora consagrado nos artigos 2016º e 2016º-A do Código Civil.

Inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004, a Lei nº 61/2008 passou a atribuir cariz excepcional ao direito de alimentos entre cônjuges, sendo esta uma das principais mudanças introduzidas no campo dos efeitos do divórcio. O legislador optou, claramente, por aderir ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária.

Estas características estão bem evidenciadas no artigo 2016º do Código Civil, preceito que reconhece a qualquer dos cônjuges o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2), mas consagra que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (nº 1) e que o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3).

Este novo modelo, associado, em grande medida, à transição para o sistema do divórcio pura constatação da ruptura do casamento, reconhece “ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais”, como dá nota Maria João Tomé (“Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges” em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, pág. 445).


Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004º do Código Civil. O conceito de necessidade, ao contrário do que foi já tese dominante na doutrina e na jurisprudência, não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do nº 3 do artigo 2016º-A do Código Civil quando estabelece que o cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.


A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003º nº 1 do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da ruptura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. Afastou-se, inequivocamente, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido.

O dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos, agora muito mitigado, não se verificará, contudo, se «razões manifestas de equidade» levarem a negá-lo, o que acontecerá, de harmonia com a exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X, se for “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”.

O legislador não definiu o conceito desta “cláusula de equidade negativa”, tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar. O carácter vago e impreciso da norma deixa ao critério do tribunal definir “os casos especiais” em que o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado por se revelar “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”. (…)”

Importa ainda considerar que “Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta” (art. 2016º-A, do CC)”.


Estes critérios também se encontram reflectidos, entre outros, no Ac. STJ de 23.10.2012[9], assim sumariado:

“I - O princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016.º do CC, é o do seu carácter excepcional, expressamente, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.

II - A obrigação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo quando não assume a sua plenitude, como acontece na hipótese da separação de facto.

III - A obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, aferia-se, com a Reforma de 1977, tão-só, pelo que era indispensável ao sustento, habitação e vestuário, não abrangendo já o dever de assegurar um nível de vida correspondente à condição económica e social da respectiva família, com a mesma extensão que teria, se os cônjuges continuassem a viver em comum, e nem sequer se baseava na medida necessária para manter a sociedade conjugal, de acordo com o padrão de vida social próprio de cada casal.

IV - Esta obrigação alimentar genérica já não apresentava uma feição indemnizatória, pois que já não tinha subjacente o dever recíproco e simultâneo de assistência de um dos cônjuges para com o outro, na constância do matrimónio, nem sequer a existência da culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, representando apenas um direito de crédito da pessoa carente, de carácter alimentar, sobre outra pessoa, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, em função dos meios do que houver de prestá-los, e da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

V - O cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado, pelo que o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio.

VI - O casamento não cria uma expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, o que consubstanciaria um verdadeiro “seguro de vida”, por não ser concebível a manutenção de um “status económico” atinente a uma relação jurídica já extinta, sendo certo que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

VII - O direito a alimentos, no actual quadro normativo vigente, é susceptível de ser negado, por razões manifestas de equidade, como acontece quando o carecido, por força do exercício da actividade laboral, por conta de outrem, que antes do divórcio nunca acontecera, pode prover à sua subsistência, por já não ser exigível ao outro ex-cônjuge, que tem de rendimento disponível a quantia de € 315,13, a manutenção de um estatuto económico referente a uma relação jurídica já dissolvida e extinta”.


O acórdão recorrido fundamentou a decisão nos seguintes termos:

“ Na situação sub judice, cumpre tomar em consideração os seguintes pontos, face ao conjunto dos factos dados como provados:

1 - Quanto à duração do casamento e fixação da pensão de alimentos entre ex-cônjuges.

- Os ex-cônjuges casaram-se em … de Julho de 1972 e divorciaram-se em … de Janeiro de 2008, tendo portanto o casamento durado cerca de 35 anos e meio.

- Foi então acordado que o ora requerente pagaria à ora requerida, a título de alimentos definitivos, a pensão de € 750,00 mensais.

2 - Quanto à partilha do património que foi comum do casal.

- Encontra-se partilhado o património comum do casal.

- Requerente e requerida receberam, cada um, por essa via, os seguintes valores: € 58.750,00 pela venda de um imóvel sito em …; € 66.250,00 pela venda de um imóvel sito em …., no total de € 125.000,00.

3 - Situação económica da requerida.

- Através dessa partilha foi adjudicado à requerida a fracção autónoma sita no concelho do …, a que foi atribuído o valor de € 18.830,00, a qual se encontra arrendada, recebendo a senhoria a renda mensal líquida de € 334,00.

- A requerida aufere pensão de reforma no valor aproximado de € 332,19.

- A requerida vive em …, em casa arrendada, pagando de renda o montante mensal de € 600,00.

- A sociedade comercial criada pela requerida em 26 de Novembro de 2012 e de que a mesma era a única gerente cessou a sua actividade.

4 - Situação económica do requerente.

- O A. habita actualmente em imóvel arrendado no …, em …, com a renda mensal de mil euros, sendo que a sua companheira paga metade da renda do imóvel que ambos habitam.

- Declarou ter recebido em Agosto de 2016 € 765,94 de vencimento da sociedade de que é sócio.

- Auferiu € 1.376,55 mensais de reforma no ano do 2016, do CNP.

- Auferiu € 17.815,12 de reforma no ano do 2015, do CNP.

- O A. é dono de metade do imóvel, fracção autónoma designada pela letra "l" descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 1…3 da Freguesia do … e inscrita na matriz urbana com o art.° 1…7 da Freguesia da …, constituído pelo 2° andar esquerdo, no piso …, e arrecadação no piso menos três, com o valor tributável de €36.213,33 e nesse imóvel funciona a sede da sociedade CC, Lda.

- O A. apresentou em 2016 declaração de rendimentos de 2015 da qual constam € 27.415,12 de rendimentos anuais.

- O A. apresentou em 2016 declaração de rendimentos prediais de 2015 da qual constam € 4.800,00 de rendimentos anuais.

- Declarou ter pago no ano de 2015 € 5.700,00 de pensões.

- Apresentou em 2017 declaração de rendimentos de 2016 da qual constam € 27.607,10 de rendimentos anuais.

- Apresentou em 2017 declaração de rendimentos prediais de 2016 da qual constam € 4.000,00 de rendimentos anuais.

- Declarou ter pago no ano de 2016 €-4.500,00 de pensões.

- Na sociedade actualmente titulado pelo A existem trabalhadores com vencimentos declarados superiores ao do A.

- Na data em que intentou a presente acção, o A era sócio gerente da sociedade por quotas "CC, Lda.", auferindo na mesma um vencimento, havendo, entretanto, renunciado à sua gerência.

- A fracção autónoma designada pela letra "l" descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 1…3 da freguesia do …. e inscrita na matriz urbana com o art.° 1…7 da freguesia da … presentemente encontra registada em nome do A e do sócio deste, na proporção de metade em nome de cada um deles.

- A sociedade mencionada tem tido lucros nos últimos anos.

- A mesma teve lucro de € 24.000,00 em 2016.

- A sociedade tem como clientes o HH e a II, que é titular da "JJ"'.


Apreciando:

A questão jurídica suscitada nos autos tem a ver essencialmente com a prova da situação de efectiva necessidade da beneficiária da prestação de alimentos, neste caso, o ex-cônjuge ora requerida, face aos novos factos que foram dados como provados relativamente à sua situação económica actual.

Em termos de recurso principal, sustenta a apelante que se mantém numa situação de necessidade de prestação de alimentos a qual justifica a revogação da sentença recorrida que procedeu à redução do valor fixado a este título.

Simultaneamente, alude ao nível de rendimentos auferido pelo requerente que, por manifestamente superiores aos seus, exige a manutenção, intocada, da pensão de alimentos inicialmente acordada (€ 750,00 mensais).

Vejamos:

Nos termos do artigo 2016°, n° 1, do Código Civil: " Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio".

O que significa que, à partida, não haverá direito à prestação de alimentos entre ex-cônjuges com vista a assegurar a subsistência económica após o divórcio, cabendo a qualquer deles, num momento em que cada um prosseguirá a sua vida com total autonomia em relação ao outro, assegurar por si próprio os rendimentos adequados ao seu nível de vida.

A lei ressalva, naturalmente, as situações em que se verifique que um dos ex-cônjuges necessita efectivamente dessa prestação de alimentos, face à dificuldade séria em os obter pelos seus próprios meios e ao patente desequilíbrio de situações patrimoniais entre os dois, com inequívoca vantagem para aquele que ficará vinculado à obrigação jurídica de os prestar.

Trata-se, porém, de uma situação excepcional.

Mesmo nesse caso, a lei consagra que "o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio" (artigo 2106°-A, n° 3, do Código Civil).

Foi neste preciso contexto que o requerente intentou a presente acção visando demonstrar a desnecessidade da prestação de alimentos à requerida que vinha sendo cumprida.

Ora, face à expressão pecuniária dos avultados valores recebidos pelo ex-cônjuge mulher em consequência da partilha dos bens comuns do casal - num total de € 125.000,00, acrescido da titularidade de um bem imóvel arrendado a terceiro e pelo qual recebe a renda mensal de € 334,00, aliada à circunstância de a ora requerida ter pensado a beneficiar de uma pensão de reforma no valor aproximado de € 332,19, é evidente que se alteraram muito significativamente as circunstâncias que justificaram a fixação, em 2008 (há dez anos), por acordo entre os ex-cônjuges, da pensão alimentar de € 750,00 mensais.

Ou seja, independentemente dos rendimentos auferidos pelo ex-cônjuge requerente (e da circunstância da partilha dos bens comuns do casal ter sido obviamente paritária), não se nos afigura que a requerida,

-      dispondo, por via da partilha dos bens comuns do casal, dos elevados montante pecuniários referidos supra (€ 125.000,00);

-   sendo titular de um bem imóvel que se encontrava arrendado, arrecadando o respectivo valor da renda (e que poderá no futuro vir a encontrar-se na sua inteira e incondicional disponibilidade com vista à sua eventual rentabilização);

-       tendo ainda a possibilidade de reactivar, se necessário, a sociedade comercial que voluntariamente criou e que, atenta a respectiva natureza, será vocacionada à obtenção de lucro;

-       sendo três anos mais nova do que o requerente, e não havendo notícia de sofrer de problemas de saúde (ao contrário do que sucede com este),

careça efectivamente da prestação de alimentos por parte do seu ex-cônjuge, em termos de obstar ao funcionamento do regime regra previsto no artigo 2016, n° 1, do Código Civil.

Estabelecendo a lei claramente que "O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio", o actual património de que a requerida é hoje única titular - e que se deixou descrito supra - permite-lhe perfeitamente, se gerido com a prudência, o critério e a razoabilidade que se impõem, assegurar a sua subsistência em termos de perfeita dignidade, normalidade e conforto médio.

Não há actualmente justificação legal alguma para a manutenção da obrigação de prestação de alimentos por parte do requerente em favor da requerida (que o tribunal a quo reduziu para cerca de metade daquela que vinha sendo cumprida).

Pelo que procederá o pedido de cessação da obrigação de prestação de alimentos”.


Ora, face à clareza da matéria de facto e à indiscutível aplicação do direito pelo tribunal recorrido, onde se explicam as razões pelas quais foi julgado procedente o pedido de cessação da obrigação de prestação de alimentos, o juízo da Relação não merece censura.


A requerida, ora recorrente, não fez prova da sua impossibilidade de trabalhar; por isso, não está provado o pressuposto da necessidade, o que torna irrelevante a verificação do pressuposto da possibilidade do requerente, ora recorrido.



III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 06 de Junho de 2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes (voto vencida conforme declaração em anexo)

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Declaração de voto


O recurso de revista em apreciação tem por objecto o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa que declarou cessada a obrigação de prestação de alimentos a cargo do ex-cônjuge, ora Recorrido, em favor da Recorrente, que o presente acórdão confirma na íntegra e com o qual discordo, pelas seguintes razões:

Os artigos 2012.º e 2013.º n.º1 al. b) do C.C. estabelecem que as obrigações alimentícias são passíveis de sofrer modificações determinadas pela alteração das circunstâncias que estiveram presentes aquando da sua constituição, cessando a obrigação de prestar alimentos quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.

Importa salientar que, no caso, não está em causa uma fixação “ex novo” da pensão de alimentos mas antes a sua alteração, pelo que, deve aferir-se a alteração das circunstâncias relativamente às que ditaram a prestação de alimentos anteriormente fixada.

Na presente acção instaurada pelo Recorrido, para alteração/cessação de alimentos definitivos, competia-lhe fazer prova dos elementos constitutivos do seu direito, isto é, da alteração das suas possibilidades económicas ou modificação das necessidades da Recorrente, nos termos do artigo 342º do CC.

No caso, a meu ver, o Recorrido não conseguiu fazer prova, como lhe competia, de que a Recorrente tinha deixado de ter necessidade da pensão que lhe havia sido arbitrada por sentença transitada em julgado. Com efeito, resultou provado que a Recorrente usufrui uma pensão de reforma no valor de € 332,19 mensal, uma renda de um imóvel, no valor de € 334,00, mas paga, pela renda do imóvel onde habita, o valor de €600,00 mês, pelo que com a cessação da prestação de alimentos, a Recorrente ficará com a quantia de € 66,19, por mês para fazer face às suas despesas diárias.

Por outro lado, o facto da Recorrente ser três anos mais nova do que o Recorrido e não existirem notícias de ter problemas de saúde não é argumento suficiente para determinar, mesmo em conjunto com outras circunstâncias, a cessação da prestação de alimentos. Na verdade, a Recorrente com 68 anos de idade, não dispõe de capacidade de ganho futuro, não sendo expectável, de acordo com as regras da experiência comum, que com aquela idade venha a reactivar a sociedade que havia criado para a exploração de um estabelecimento comercial, e que foi encerrada por falta de lucro, mas que serviu de fundamento para a decisão de cessação de alimentos perfilhada por este acórdão.

No que respeita ao Recorrido, não resultaram apurados factos bastantes de que que as suas condições económicas tenham sofrido alterações supervenientes que justifiquem a cessação de alimentos à Recorrente. Concordo, assim, com a sentença da 1ª instância no sentido de que não se provaram factos suficientes para a cessação da pensão que havia sido atribuída à Recorrente por sentença transitada em julgado, sendo certo que cabia ao Recorrido ter feito a prova das alterações pretendidas o que não fez.

Deste modo, confirmava a sentença da 1ª instância em detrimento da confirmação do acórdão da Relação.

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[1] Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, vol, V, pág 142 e A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 671.
[2] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, pág 141 e 142.
[3] Proc. nº 341/08.9TCGMR.G1.S2, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Ac. RC de 15.4.08, Proc.1351/05.3TBCBR.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
[5]Ac STJ de 13/11/2012, in www.dgsi.pt Proc.º nº 10/08.0TBVVD.G1.S1/jstj
[6] Proc.º nº 645/05.2TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[7] Proc.º nº 8609/03.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[8] Proc.º nº 1412/14. 8T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.    
[9] Proc.º nº 320/10. 6TBTMR.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.