Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
926/21.8YRLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
RESIDÊNCIA HABITUAL
RESIDÊNCIA OCASIONAL
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS PELO ESTADO REQUERENTE
PENA DE PRISÃO PERPÉTUA
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO / M.D.E.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça




1. RELATÓRIO

1.1. AA, de nacionalidade ..., nascido a 04.02.1977, natural .., ..., na ..., com última residência conhecida em ......, atualmente internado na Unidade de Cuidados médicos, do Hospital  ..., em ..., inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01 de junho de 2021, que julgou improcedente a oposição por si apresentada, autorizou a detenção e entrega do requerido à ... para cumprimento de pena, conforme pedido no Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades judiciárias Italianas e indeferir as diligências requeridas em sede de oposição, e manteve o estatuto processual determinado no despacho subsequente à audição do requerido (manutenção da detenção),

veio interpor recurso, para este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 24º, da Lei n.º 65/2003, 23 de agosto, concluindo nos seguintes termos:

1. O detido AA vem nos termos e para os efeitos, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 24 da Lei 65/2003, recorrer da decisão final proferida sobre o Mandado de Detenção Europeu, tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que indeferiu a oposição e ordenou o cumprimento do MDE, sem exigir uma garantia idónea ao estado emissor de que não executar a pena de prisão perpétua, sob pena de não cumprimento do MDE ou em alternativa que recusasse o cumprimento do Mandado invocando causa de recusa facultativa nos termos previstos na al. g) do n.º 1 do art.º 12º da Lei 65/2003.

2. O Detido AA na sua oposição refere que tem residência em Portugal desde 2018, em ..., ..., ..., local onde comia, pernoitava, recebia amigos e familiares até ao momento em que ficou doente e teve de ter internamento hospitalar; Está paraplégico; Encontra-se doente com covid19, tendo já estado em coma induzido, e encontra-se desde que foi detido primeiro no Hospital ….. e posteriormente no Hospital prisional .....; Estes factos pessoais do detido, deveriam ter sido considerados pelo Tribunal, trata-se de matéria de facto, que sustenta a maior ou menor ligação da pessoa detido ao nosso país.

3. O tribunal concluiu que a estadia no nosso país só pode entender-se como temporária ou provisória, sem carácter de permanência. De resto, não se lhe conhece qualquer actividade que o conete com o nosso país. A verdade é que o tribunal não reuniu nenhuma provas que lhe permitisse formular tamanha conclusão, pois a maior ou menor ligação do Requerido ao nosso país será aferida depois de sabermos à quanto tempo o requerido está no nosso país, se aqui tem a sua residência permanente ou não.

4. O Detido refere que reside em Portugal desde 2018. Refere que aqui comia, dormia, recebia os seus amigo e familiares. A conclusão de que a estadia do requerido é apenas provisória e sem carácter de permanência, sem que o Requerido fosse ouvido sobre essa matéria, trata-se de uma conclusão jurídica, sem sustento em factos. Factos que o requerido levou aos autos, mas cuja prova o tribunal entendeu não ser de apurar, desde logo ouvindo o requerido.

5. Esta omissão de pronuncia integra a nulidade o acórdão, por violação do artigo 379º, nº 1, al.c) do CPP, tal como foi considerado no Ac. STJ n.º 134/09.6REVR, de 10-09-2009, in www.dgsi.pt;

6. A prisão perpétua está extinta no nosso sistema jurídico-penal, tal como se encontra prevista na Constituição da República Portuguesa artigos 30º e 41º;

7. O fim das penas é a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (prevenção geral e especial), razão pela qual a prisão perpétua se mostra contrária aos fins da pena, na justa medida em que não permite a reintegração do agente na sociedade. Este é um dos pilares do nosso ordenamento jurídico;

8. A pena perpétua privaria o condenado de qualquer esperança de integração futura na sociedade, constituindo uma punição desnecessária, representando, nesta perspetiva, uma violação da dignidade humana protegida pela Constituição.

9. Considerou o Tribunal da Relação que as garantias que o Estado Italiano teria de dar, não são necessárias, uma vez que no MDE emitido pelas autoridades judiciárias italianas, ora em apreço, em II. h) já estão prestadas tais garantias, porquanto aí se faz constar a condenação em “prisão perpétua em isolamento diurno e expressamente se diz que: “- O sistema judiciário do Estado Membro da emissão prevê a revisão da pena infringida - caso esta seja solicitada, ou bem dentro de um prazo máximo de 20 anos - com vista ao não cumprimento de tal pena ou medida. e/ou - o sistema judiciário do Estado Membro de emissão prevê a aplicação de medidas de clemencia, a que a pessoa tenha direito ou a praxe do Estado Membro da emissão, com vista ao não cumprimento de tal pena ou medida”, - conforme tradução de fls. 9 e 10.»

10. Considera ainda o Tribunal da Relação de Lisboa que o Mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária italiana satisfaz, assim, as exigências à luz da referida Decisão Quadro e do art.º 13º, n.º 1, al. A) da nossa lei 65/2003.

11. De resto, também é sabido que o sistema penal italiano em matéria de execução não prevê o cumprimento de uma pena perpétua, refere o douto acórdão recorrido.

12. Não tem razão o Tribunal recorrido. O que está aqui em causa não é uma garantia genérica e vazia de conteúdo de que o próprio estado executor poderá um dia vir a alterar a pena de prisão perpétua, ou não. O que este normativo pretende consagrar é perante uma pena já fixada a garantia formal do estado que solicita o MDE que essa pena concreta (PRISÃO PERPÉTUA) não será executada e que será comutada numa pena perfeitamente determinada e imutável;

13. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, quanto à pena de prisão perpétua a Constituição parece satisfazer-se com as garantias oferecidas pelo Estado requerente. Todavia, parece-nos, claro que a garantia se há de referir à concreta não aplicação da pena de prisão perpétua ou então à sua não execução. Não está assim em causa a mera previsão legal de possibilidade de “reapreciação” ou de “revisão” da pena aplicada. Está, sim, em causa a garantia de que a pena não será perpétua ou de que, estando em execução, terá necessariamente um limite temporal definitivo. - in anotação ao art. 33º CRP, Univ. Católica Portuguesa, pag. 546 e 547;

14. O Estado italiano executa no seu direito a pena de prisão perpétua, tendo mesmo ocorrido uma petição assinada por vários reclusos que cumprem pena de prisão perpétua pedindo a aplicação da pena de morte, pois preferem morrer de vez, a morrer um pouco todos os dias, sem esperança que voltem um dia a ter liberdade.

15. A decisão recorrida ao não exigir nenhuma garantia ao Estado Italiano de que no caso concreto o detido, uma vez cumprido o Mandado de Detenção Europeu, não cumprirá uma pena de prisão perpétua, exigindo garantias de que lhe será aplicada uma pena de prisão temporalmente definida e definitiva violou o n.º 3 do artigo 33º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e violou também o artigo 13º, n.º1, al.) da Lei 65/2003.

16. E por essa razão deve proceder o presente recurso e ser a decisão recorrida alterada e substituída por outra que cumpra o Mandado de Detenção Europeu na condição de o Estado Italiano garantir que a pena de prisão perpétua não será executada, antes será comutada numa pena definida e definitiva, não ficando ao dispor do estado italiano, executar ou não a prisão perpétua, sob pena de não sendo prestada esta garantia o Mandado de Detenção Europeu, não ser cumprido.

17. A restrição da liberdade da pessoa deve ser proporcional à gravidade da sua conduta e ao fim da sua entrega desde que não existam outros meios que garantam a pretensão da emissão do mandado - punir o infractor. Se o crime de que é acusado puder enquadrar-se na competência jurisdicional penal portuguesa, de cujo regime se denota de todo mais favorável, a AJ de execução nacional, sob pena de agravar a situação jurídica da pessoa a entregar, deve, tendo em conta a jurisprudência do TEDH do princípio da proporcionalidade e no respeito pelo regime mais favorável, optar por não entregar a pessoa e submete-la a acção penal e desenvolver pelas AJ portuguesas, desde logo se a pessoa for nacional ou residir em Portugal ex vi al.g) do n.º 1 do art.º 12 da Lei n.º 65/2003.

18. Os direitos fundamentais pessoais são baluarte e património da humanidade, cuja restrição não pode fundar-se e esgotar-se na ideia de eficácia e de celeridade da cooperação judiciárias europeia em matéria penal sem que sejam colocados em palco os princípios que regem aquela restrição - constitucionalidade, legalidade, proporcionalidade lato sensu ou da proibição do excesso, das não aniquilação da extensão e do alcance essencial do direito e do respeito da dignidade da pessoa humana.

19. O detido opõe-se ao cumprimento do MDE e espera e deseja cumprir a pena que lhe foi aplicada em território nacional e nos termos da lei portuguesa, pretendendo continuar a residir em Portugal após o cumprimento da pena;

20. O detido é paraplégico e está gravemente doente com o COVID19, precisa de acreditar que cumprida a sua pena, terá ainda a oportunidade de viver a sua vida em liberdade e de acordo com as melhores regras da sociedade. Que vida terá o detido, se paraplégico e com 44 anos de idade souber que a sua sentença é de prisão perpétua, ou seja uma pena indeterminada e sem um fim expectável?

21. As condições de saúde e de idade do detido, e antes de tudo, o seu direito fundamental à sua liberdade, e os nossos princípios humanistas e de ressocialização do arguido, impõem que o Estado Português exerça na sua plenitude a sua soberania penal e caso o Estado Italiano não dê garantias plenas de que não irá executar a pena perpétua, com isolamento diurno e antes comutará essa pena numa pena definita de prisão por tempo determinado, então deve o Estado Português assumir o seu direito a executar em Portugal e de acordo com o nosso direito, a pena de prisão aplicada ao detido.

22. É pois a validade da norma jurídica nacional, o principio da nossa soberania penal, a finalidade última da execução das penas, a ressocialização do individuo, que aqui são reclamadas e chamadas para a recusa facultativa prevista na alínea g) do n.º1 do art.º 12º da Lei , de 23-08;

23. Mas refere o Tribunal da Relação de Lisboa que para além da ligação do Requerido a Portugal ser ténue, acresce que o Estado Português não se comprometeu a executar a pena em Portugal, compromisso esse incompatível com a situação de fuga do requerido.

24. Salvo todo o respeito, parece-nos que o Tribunal recorrido labora aqui num novo erro. É que para além da ligação maior ou menor do residente em Portugal, e neste caso o residente até alega que está em Portugal há três anos, desde 2018, o compromisso do Estado Português a executar a pena em Portugal, não é um acto institucional, mas sim um acto jurisdicional. Ou seja, tem o Tribunal competência bastante para em nome do Estado Português assumir para si esta obrigação de fazer cumprir em Portugal a execução da pena, segundo o seu direito interno.

25. O acórdão recorrido violou, assim, o artigo 33.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, o artigo 13º, n.º 1, al. a) e o artigo 12.º, n.º 1 al. g) ambos da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

26. Deve assim ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue execute o mandado de detenção europeu na condição resolutiva do estado italiano prestar garantia formal de que o detido não cumprirá uma pena de prisão perpétua antes a pena ser-lhe-á comutada numa pena de prisão temporalmente definida e definitiva, sob pena de não existindo essa garantia concreta, não ser cumprido o mandado de detenção europeu;

27. Ou em alternativa recusar-se o cumprimento do mandado europeu invocando como causa de recusa facultativa a prevista no artigo 12º, n.º 1, al.g) das Lei 65/2003;

28. Só o direito nacional português pode evitar a “morte” prematura do detido, o cidadão AA, assumindo para si a execução da pena, nos termos e condições prevista na lei portuguesa, respeitando assim a sua identidade politico-criminal na europa e no mundo, e por outro lado dando esperança ao faltoso na sua reinserção social, que é, e será sempre, o objectivo fundamental (artº 40º, n.º 1 do Código Penal).

Termos em que revogando-se o douto acórdão recorrido se fará Justiça!»

1.2. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos:

«1. AA interpôs recurso do acórdão proferido a 1 de junho de 2021, que decidiu julgar improcedente a oposição por si apresentada e autorizar a detenção e entrega do requerido à ... para cumprimento de pena, conforme pedido no Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades judiciárias Italianas e indeferir as diligências requeridas em sede de oposição;

2. Foi o recorrente condenado a PRISÂO PERPÉTUA, pela sentença n° 08/18, proferida a 9 de abril de 2018 UTC, no Processo n° 10/2019 MAE PG - 269/19 S.I.E.P., pela prática de cinco crimes de “MEMBRO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DO TIPO; MÁFIA “...” - HOMICÍDIO E DANOS CORPORAIS GRAVES”, previstos e punidos nos artigos 416° BIS, CO.2 E CO. 4, 110°, 575°, 577°, n° 3 e n° 4, 582°, 585°, do Código Penal Italiano e Art. 7o, da Lei Italiana n° 203/199;

3. O mandado de detenção europeu (MDE) foi emitido para detenção e entrega do requerido às autoridades judiciárias da ..., para efeitos de cumprimento da pena em que foi condenado;

4. O recorrente invoca que o acórdão recorrido está ferido de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, nº 1, c), do C.P.P., em virtude ter indeferido a realização de diligências pelo recorrente pedidas em sede de oposição, e ter decidido sem apurar os factos que o mesmo levou aos autos;

5. Pretendia o recorrente que lhe fossem tomadas novas declarações para provar os por si alegados factos pessoais, condições de vida e de saúde, bem como por relatório médico atualizado, sendo que não apresentou qualquer outro meio de prova (não eram as suas meras declarações que permitiam contrariar os elementos documentais probatórios dos autos).

6. Num processo simplificado que se quer célere, baseado nos princípios do reconhecimento e confiança mútua, tais diligências foram bem indeferidas por carecerem de efeito útil, e neste sentido irrelevantes;

7. O acórdão recorrido considerando a prova recolhida nos autos, conheceu, pronunciou-se e decidiu fundamentadamente sobre todas as questões que tinha de conhecer, nomeadamente sobre a questão essencial da permanência e residência do recorrente em Portugal e de prestação de garantia;

8. Não está, pois, o acórdão recorrido ferido da nulidade arguida, por omissão de pronúncia.

9. O recorrente estava escondido, em fuga das autoridades Italianas, a fim de não cumprir a pena em que foi condenado, foi localizado pela Polícia Judiciária no hospital de ..., em ..., onde teve de ser internado por doença motivada pelo vírus Covid 19;

10. A estadia em Portugal é temporária ou provisória e sem carácter de permanência, não podendo considerar-se que tenha residência no nosso país, como bem entendeu o acórdão recorrido.

11. Aliás, além do mais, o recorrente no termo de identidade que prestou declarou residir em ..., ..., na morada que aí indicou; Em Portugal diz morar em ..., ..., que é zona de veraneio, e nem forneceu a morada completa;

12. Por ser de nacionalidade ... e não ter residência em Portugal, e porque é precária, incerta e temporária ou provisória a sua estadia no nosso país, não está preenchido o requisito exigido pela 1ª parte da al. g), do nº 1, do art. 12º, da Lei 65/2003, para a verificação de causa de escusa facultativa;

13. Mas mesmo que assim não fosse, era também necessário que o Estado Português se comprometesse a executar a pena em que foi condenado de acordo com a lei portuguesa, condição exigida pela 2ª parte, da a. g), do nº 1, do art. 12º, da Lei 65/2003;

14. É verdade que tal compromisso tinha de ser efetuado através da decisão judicial a proferir presentes autos.

15. Contudo, para além da sua estadia em Portugal ser precária, também o é a ligação ao nosso país, ténue, como se diz no acórdão recorrido; Não se lhe conhece atividade válida em território português, não mostrou estar integrado na sociedade portuguesa, a sua esposa não reside em Portugal, nem que de alguma forma contribuiu positivamente para o nosso país;

16. Não vemos como o cumprimento da pena em Portugal possa melhor contribuir para a sua reintegração e ressocialização;

17. Trata-se de um fugitivo à justiça italiana, membro dirigente de uma organização criminosa italiana tipo mafia “...”, que se veio esconder em Portugal;

18. A circunstância da lei portuguesa ser mais favorável e razões de natureza humanista e de respeito pela dignidade da pessoa humana, paladino da nossa ordem jurídica, não são suficientes para a justiça portuguesa decidir que o recorrente cumpra a pena em Portugal e de acordo com a nossa lei.

19. Na verdade, o art. 33º, nº 4, da C.R.P. aplica-se aos casos de extradição; quanto aos casos dos mandados de detenção europeus vigora o 33º, nº 5, da C.R.P., que remete para as normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União europeia;

20. No que à prisão perpétua diz respeito a dimensão e o enquadramento constitucional é na nossa lei interna dado pelo art. 13º, nº 1, a), da Lei 65/2003, que transpôs para a lei interna o disposto no art. 5º, nº 2, da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, exigindo a prestação de garantias de que no sistema jurídico do Estado-Membro de emissão está prevista a revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência, com vista a tal pena não ser executada;

21. No mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades judiciárias italiana para captura e entrega do recorrente consta expressamente a prestação dessas garantias, em II h);

22. O mandado de detenção europeu como decisão judiciária que é, também é autossuficiente, basta-se a si próprio, não sendo necessários, nem exigíveis os esclarecimentos e garantias adicionais pretendidas pelo Recorrente;

23. Pois, o MDE contém a referência ao sistema de revisão e clemência da pena de prisão perpétua em que foi condenado, de acordo com a legislação italiana em matéria penal, conforme o sistema jurídico deste Estado-Membro, cumprindo e satisfazendo a garantia exigida pelo art. 13º, nº 1, a), da Lei 65/2003; não se trata de uma garantia apenas genérica e vazia;

24. Porque é permitida a revisão da prisão perpétua, com possibilidade de concessão da liberdade condicional, da libertação antecipada e permitida a aplicação de medidas de clemência, como o indulto, o perdão e a amnistia, está salvaguardado o respeito pela dignidade da pessoa humana;

25. O que significa que o Recorrente não terá de cumprir pena até ao final dos seus dias, ou seja, não foi decretada a “morte prematura” nas suas palavras;

26. Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido quando decidiu que o “mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária italiana satisfaz, assim, as exigências exigidas à luz da referida Decisão Quadro e do art. 13º, nº 1, a), da nossa Lei 65/2003”, indeferindo a solicitação da prestação de garantias ou mesmo pedidos de esclarecimento pretendidos pelo Recorrente;

27. Por todo o exposto, nenhuma censura merece o acórdão recorrido quando decidiu pela não verificação da causa de escusa facultativa prevista no art. 12º, nº 1, g) e que o mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária italiana satisfaz as exigências exigidas à luz da Decisão Quadro e do art. 13º, nº 1, a), da nossa Lei 65/2003”, e em consequência, decidiu autorizar a detenção e entrega do recorrente às Autoridades Judiciárias Italianas para cumprimento de pena.

O presente recurso não merece, em nosso entender, provimento, devendo ser confirmado o acórdão recorrido».

1.3. Com dispensa de vistos, foram os autos à Conferência.


***


II. FUNDAMENTAÇÃO

Resultam dos autos as seguintes ocorrências processuais relevantes para a decisão do recurso:

1. O Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do disposto nos artigos 15° e 16°, da Lei 65/2003, de 23 de agosto, promoveu a execução do Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de ..., em ..., para detenção e entrega de:

AA, de nacionalidade ..., nascido a 04.02.1977, natural ..., ..., na ..., com última residência conhecida em ..., n° …, ..., ..., atualmente internado na Unidade de Cuidados médicos, do Hospital ..., em ..., nos termos seguintes e com os seguintes fundamentos:

1º - AA foi detido por elementos da Polícia Judiciária, no dia 20 de abril de 2021, pelas 17h30, na unidade de cuidados médicos, do hospital ... em ..., em virtude de existir uma indicação ao abrigo do art. 26°, da Decisão 2007/533/JAI do Conselho, de 12 de junho de 2007, no sistema de informação Schengen, de Mandado de Detenção Europeu para captura e entrega às autoridades judiciária  ....

2° - Com efeito, a Sr.ª Procuradora-Geral Substituta junto do Tribunal da Relação  ...., a 11.06.2019 e 14.6.2019 respetivamente emitiu e assinou um mandado de detenção europeu (MDE) para detenção e entrega do Requerido às autoridades judiciárias da ..., para efeitos de cumprimento da pena aplicada - Processo n° 10/19…. - 269/19…..

3º - Pela prática dos factos descritos no campo 44, do formulário A, da inserção Schengen, que ocorreram desde 1991 até à atualidade em ... (...) - ... (...) ..., sendo que:

"A PESSOA PROCURADA PARTICIPOU NO CRIME DE CONSPIRAÇÃO AGRAVADA DO TIPO MÁFIA "...- …/… QUE OPERA EM ..., NA ÁREA  ... (...) E NO ESTRANGEIRO, EM ESPECIAL .... ... (...), CONSTITUÍDO POR UM GRANDE NÚMERO DE CÚMPLICES E ASSOCIADOS, EM POSSE DE ARMAS E EXPLOSIVOS. O OBJETIVO DESTA ORGANIZAÇÃO DO TIPO MÁFIA ERA OBTER CONTROLO NA ÁREA E COMETER VÁRIOS E DIVERSOS CRIMES TAIS COMO CRIMES CONTRA PESSOAS, E POSSE ILEGAL DE ARMAS; EM ESPECIAL, A PESSOA PROCURADA, JUNTAMENTE COM OS CÚMPLICES IDENTIFICADOS COMO BB, CC, DD, EE, FF; E O ENVOLVIMENTO DE ALGUNS MENORES, TODOS PERTENCENTES AO ".../..., FORAM ACUSADOS DE POSSE E UTILIZAÇÃO ILEGAL DE ARMAS COM O OBJETIVO DE MATAREM GG E FERIREM COM GRAVIDADE HH, II E JJ A 25.12.2006 EM ... (...), POR VINGANÇA E COMETEREM COM VIOLÊNCIA O CRIME DE SUPREMACIA DA SUA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, DA QUAL AA ERA UM DOS PROMOTORES".

4º - O Requerido foi condenado a PRISÃO PERPÉTUA, pela sentença n° 08/18, proferida a 9 de abril de 2018 UTC, no Processo n° 10/19…… - 269/19 ……, pela prática de cinco crimes de "MEMBRO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DO TIPO MÁFIA "..." - HOMICÍDIO E DANOS CORPORAIS GRAVES", previstos e punidos nos artigos 416° BIS, CO.2 E CO. 4, 110°, 575°, 577°, n° 3 e n° 4, 582°, 585°, do Código Penal Italiano e Art. 7o, da Lei Italiana n° 203/1991.

5º - Tal sentença tem força executiva conforme "DECISÃO N.º 269/2019 S.I.E.P., EMITIDA A 11.06.2019 PELO GABINETE DO PROCURADOR-GERAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO .... SENTENÇA EMITIDA A 09.04.2018 PELO JUIZ DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO .......".

6º - De acordo com as informações constantes do MDE, a autoridade judiciária de emissão, incluiu os aludidos crimes na lista de infrações previstas no art. 2º, n° 2, alíneas a) e o), da Lei 65/2003, de 23 de agosto - cinco crimes de participação numa organização criminosa, homicídio voluntário e ofensas corporais graves, o que dispensa a dupla incriminação.

7° - O MDE foi inserido no Sistema de Informação Schengen (SIS) com o registo n° …1.01.

8º - Na sequência e com base nessa inserção, a pessoa procurada, o ora Requerido, foi ontem 20 de abril de 2021, pelas 17h30, detido na unidade de cuidados médicos (UCI), no Hospital ..., em ..., onde se encontra internado, conforme já referido.

9º - Com efeito, fora internado em estado crítico, por infeção Covid 19 e decorrente dos problemas respiratórios ficou em coma induzido.

10º - Tem vindo a recuperar positivamente e desde ontem mantém apenas um suporte de oxigénio à respiração e ainda sem previsão da alta clínica.

11º - Não é, pois, possível para já a apresentação do detido para a sua audição.

12° - A detenção foi devidamente comunicada ao Ministério Público.

13° - O expediente recebido mostra que a inserção no SIS contém todas as informações legalmente exigidas de modo a produzir os efeitos do mandado, nos termos do art. 4º, n° 4, da Lei 65/2003, de 23 de agosto.

Procedeu-se à audição a que se reporta o artigo 18.° da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, em 05.05.2021, pelas 14.30 horas, realizada por videoconferência por ligação ao Estabelecimento Prisional, o Hospital Prisional …..., onde se encontrava o detido, por razões de segurança e de saúde para todos os intervenientes atenta a doença porque foi internado, Covid 19, o qual, após ser esclarecido sobre a existência e o conteúdo do mandado de detenção europeu, bem como sobre o direito que lhe assiste de se opor à execução, os termos em que o pode fazer e as consequências de um eventual consentimento e sobre a faculdade de renunciar ao princípio da especialidade, declarou renunciar a este princípio e não consentir na sua entrega às autoridades de emissão. Pediu ainda prazo para apresentar, por escrito, a sua oposição, o que lhe foi concedido.

Na mesma diligência foi determinado que o requerido aguardasse os ulteriores termos do MDE em detenção.

No prazo que lhe foi concedido, o requerido apresentou oposição ao mandado, alegando para o efeito:

Dos factos:

1º O detido tem nacionalidade ..., natural … ... - ...., nascido a 04.02.1977;

2° Tem residência em Portugal desde 2018, em ..., ..., ..., local onde comia, pernoitava, recebia amigos e familiares até ao momento em que ficou doente e teve de ter internamento hospitalar;

3° Está paraplégico;

4° Encontra-se doente com covidl9, tendo já estado em coma induzido, e encontra-se desde que foi detido primeiro no Hospital …... e posteriormente no Hospital

5° Foi condenado em …... a PRISÃO PERPETUA em isolamento diurno conforme consta do respetivo MDE;

6° Pelo que o MDE se destina à execução de pena já determinada;

Da prisão perpétua:

7° A prisão perpétua está extinta no nosso sistema jurídico-penal, tal como se encontra prevista na Constituição da República Portuguesa artigos 30° e 41°;

8° O fim das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (prevenção geral e especial), razão pela qual a prisão perpétua se mostra contrária aos fins da pena, na justa medida em que não permite a reintegração do agente na sociedade. Este é um dos pilares do nosso ordenamento jurídico;

9° No nosso direito interno, as penas de duração ilimitada ou perpétua significam um ataque feroz à integridade moral da pessoa humana, na linha de proteção estabelecida pela nossa Constituição à dignidade humana;

10° Sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal Constitucional no Acórdão 1/2001 em que considerou que «a pena perpétua é uma pena fixa, que não pode variar segundo a medida da culpa (...) A pena perpétua é sempre imperfeitamente retributiva, pelo que haveria que demonstrar a necessidade (face ao principio do artigo 18°, 2 CRP) dessa limitação do principio da culpa (...) É tida como constitucionalmente desnecessária do ponto de vista da prevenção geral e por fim retira todo o sentido racional que a execução de qualquer pena deve ter. A recuperação do delinquente é uma obrigação do Estado na medida do possível (art.° 1°, 2° e 18° CRP) e a Constituição, independentemente, dq questão filosófica do livre-arbítrio e do determinismo, obriga as entidades públicas e privadas a tratarem as pessoas como livres (assim o reclama o art. ° 1° e 27° da CRP) e, portanto, susceptíveis de escolherem o bem e de se recuperarem para a sociedade»;

11° «As penas perpétuas, pela sua natureza exterminadora, não curam, nem podem curar e, portanto, não têm, em regra a qualidade de remédio penal, se não forem sempre acompanhadas da esperança, próxima ou remota, da sua reabilitação. Serão repressivas mas não reparadoras, na ampla significação dessa palavra (...) tanto a pena de morte, como a pena perpétua são incompatíveis com os princípios da humanidade consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia» Silva Ferrão;

12° A ministra da justiça do estado português Francisca Van Dunem recordou já este ano que a prisão perpétua foi abolida em Portugal em 1884, após a abolição da pena de morte em 1852 por crimes políticos e em 1867 por crimes comuns, e que, com a Constituição de 1822, teve início a abolição de todas as sanções consideradas cruéis.

13° Com a Constituição de 1976, adotada após a queda de uma longa ditadura, ficou claro no seu artigo 1. °  que Portugal é uma República soberana baseada na dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada e protegida. Este princípio constitucional impõe a proibição da pena de morte, da prisão perpétua, da tortura e maus-tratos e de penas desumanas ou degradantes, da escravatura e do trabalho forçado.

14° E também a dignidade da pessoa humana que está subjacente aos princípios fundamentais do direito penal, que justificam a aplicação de sanções, tais como os princípios da prevenção criminal, da proporcionalidade, da culpa e da ressocialização dos infratores. Neste contexto, afirmou a Ministra da Justiça, a Constituição proíbe expressamente sanções de duração vitalícia, ilimitada ou indefinida.

15° Ao impor um limite máximo de 25 anos na sentença condenatória, a Constituição visa assegurar uma oportunidade de reinserção após o cumprimento da pena.

16° A pena perpétua privaria o condenado de qualquer esperança de integração futura na sociedade, constituindo uma punição desnecessária, representando, nesta perspetiva, uma violação da dignidade humana protegida pela Constituição.

17° Ao mesmo tempo, a imposição de penas excessivamente longas deve ser objeto de reflexão, uma vez que tais penas levam a que os condenados deixem a prisão numa idade avançada, estigmatizados pela sociedade e sem qualquer possibilidade de reinserção.

18° Nos últimos anos, assistimos a tendências que advogam um aumento geral da duração das sanções penais e a introdução da prisão perpétua, como resposta ao crescimento de vários tipos de crime, afirmou Francisca Van Dunem, referindo que esta questão surge de tempos a tempos em Portugal, impulsionada por discursos populistas em torno da segurança, amplificados nas redes sociais e que encontram no endurecimento da resposta do Estado a solução para as crises económicas e sociais, agravada agora com a pandemia da COVID-19. E assunto que não está na agenda do Governo, concluiu.

19° E é, pois, nesta linha que irrompe a pergunta pode/deve um Estado democrático que acredita nos valores da pessoa humana, no efeito humanista das penas, no seu objectivo último de ressocialização do individuo, cumprir um MDE que pretende a execução do mandado para executar uma pena perpétua?

ARTIGO 13° DA LEI 65/2013 - Garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais.

20° A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando a infração que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado-Membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado-Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;

b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado-Membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado-Membro de emissão.

21. À data da presente oposição o detido AA não conhece que garantias forneceu o estado italiano, mas sabe que o seu mandado não é para procedimento penal, é para a execução de uma pena que já lhe foi fixada: A PRISÃO PERPETUA.

22° O que está aqui em causa não é uma garantia genérica e vazia de conteúdo de que o próprio estado executor poderá um dia vir a alterar a pena de prisão perpétua, ou não.

23° O que este normativo pretende consagrar é perante uma pena já fixada a garantia formal do estado que solicita o MDE que essa pena concreta e determinada (PRISÃO PERPETUA) não será executada e que será comutada numa pena perfeitamente limitada;

24° Não poderá, pois, bastar uma garantia de que no ordenamento jurídico do estado emissor que decorridos 10 ou 20 anos poderá existir uma revisão da pena ou ser solicitada a pena condicional, que poderá ou não ser concedida;

25° Neste sentido já se pronunciou o STJ no acórdão de 09-08-2013 (in portal do ministério público), relativo a um MDE proveniente do estado Belga, onde o ilícito em causa, previa a possibilidade da aplicação de uma pena perpétua e onde o sistema jurídico previa uma revisão da pena decorridos no máximo 20 anos ou a aplicação de medidas de clemência, considerou o nosso tribunal superior que «A garantia prestada pelo Estado de emissão é, pois, insuficiente, para acautelar que a pena perpétua eventualmente a aplicar e que seja revista antes do prazo de 20 anos seja obrigatoriamente alterada»;

26° É este carácter obrigatório de que a pena perpétua não será aplicada e a garantia formal de que só será cumprido o MDE se o estado emissor previamente GARANTIR com eficácia jurídica de que a pena em concreto a cumprir pelo detido não será superior ao limite fixado no nosso ordenamento jurídico, 20 anos ou 25 em casos muito específicos;

27° Estas já eram preocupações espelhadas no Acórdão do Tribunal Constitucional de 1/2001 que já aqui abordámos: «A Constituição manifestamente não pretende permitir que, a cidadãos estrangeiros que residam ou se encontrem em Portugal, ou mesmo cidadãos portugueses, no quadro do actual artigo 33º, nº 3, possa ser efectivamente aplicada a pena de morte ou de prisão perpétua; No caso da prisão perpétua, a Constituição basta-se com a garantia, nos termos nela previstos, assumida pelo Estado requisitante em como não será aplicada; É certo, contudo, que ò acto do Estado requisitante, valendo embora como um compromisso assumido perante o Estado Português, pode sempre ser violado; Isto é também verdade quando se exige um acto irrevogável e vinculativo, sendo certo que essa irrevogabilidade e vinculatividade, em última instância, dependerão sempre das condições específicas do ordenamento interno do Estado requisitante, designadamente em sede de invalidade da deliberação revogatória e sua fiscalização, bem como das condições de facto inerentes à vida interna do próprio Estado requisitante, propiciadoras ou não de um efectivo Estado de direito; E mesmo incorrendo o Estado infractor em responsabilidade internacional, não é menos certo que o cidadão extraditado se encontra sujeito ao seu jus império, podendo sofrer a pena que, lícita ou ilicitamente, esse Estado decida infligir-lhe, sem que a protecção do Estado Português lhe possa valer; E um risco que a Constituição se permite correr quanto à prisão perpétua, mas já não quanto à pena de morte, inclusivamente pela natureza irreversível e irremediável da aplicação da mesma.»;

28° Dir-se-á que atualmente o nosso ordenamento jurídico está mais flexível no que respeita à extradição ou cumprimento do MDE quando se trate de entregar um cidadão ou um residente para Estados emissores que contemplem a pena de morte ou a pena perpétua, fruto de compromissos internacionais, mas o nosso legislador reservou para si a chamada clausula se salvaguarda, ao permitir que Portugal possa recusar cumprir o MDE em casos de cumprimento de pena, desde que Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida, de segurança, de acordo com a lei portuguesa;

Artigo 12º da Lei 65/2003 - Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu

29º Refere o art.° 12° da Lei nº 65/2003, no seu nº 1, al. g) que: A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa;

30° Estamos perante um caso de recusa facultativa, quando a pessoa procurada se encontre em território nacional, seja ele nacional ou residente, o Estado português pode recusar a sua entrega ao Estado emitente, mas compromete-se a executar em território nacional, de acordo com a lei portuguesa, a pena ou medida de segurança que a pessoa procurada foi condenada. Este motivo de recusa tem mais a ver com o princípio da soberania penal.

31° Neste sentido o Ac. STJ de 21-11-2013 (in portal do ministério público) «A razão de ser desta recusa facultativa está na ligação da pessoa procurada ao território nacional, ligação que pode ter vários graus de intensidade, desde a simples permanência, residência ou nacionalidade portuguesa. Esta recusa compreende-se por razões ligadas às próprias finalidades das penas, de que a reinserção social é objectivo fundamental (art. ° 40, n° 1 do CP), por ser mais adequada a reintegração do condenado através do sistema de execução da pena do próprio país onde reside, de que é nacional ou onde se encontre temporariamente, mas também por ser menos penosa para o mesmo, tendo em vista o seu enraizamento social, familiar e nacional. Mas outras razões podem justificar a recusa da execução do MDE, como se defendeu no Ac. do STJ de 27-04-2006, que estabelece uma aproximação sistemática com o nº 2 do art.° 18° do 144/99, de 31-08, pode ser negada a cooperação quando o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, do estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal»;

32° No Ac. STJ 27-04-2006 (in portal do ministério público) considera-se que a faculdade de recusa de execução prevista na referida al. g) do nº 1 do art.° 12° da Lei 65/2003, constitui, assim, uma espécie de válvula de segurança, que, aliás, constava já materialmente do regime da extradição do art.° 32°, n.° 3, da Lei 144/99 de 31-08. A decisão é assim deixada inteiramente ao critério do Estado de execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tem residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado de emissão. Mas porque a decisão de recusa da execução constitui faculdade do Estado da execução, o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa facultativa de execução. Não estando directamente fixados, tais critérios, internos, hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandam a aplicação das penas e sobretudo as finalidades da execução da pena;

Do princípio da proporcionalidade - como princípio nivelador e limite da restrição a direitos fundamentais:

33° O princípio da proporcionalidade stricto sensu encabeça no quadro da entrega de uma pessoa procurada e detida para execução de um MDE, i.e., a opção de entrega deve vigorar se dela não resultar a ofensa grave, desajustada e excessiva de um direito fundamental - como a vida, a integridade física ou a liberdade -, sob pena de responsabilização do Estado Português por violação de um direito não inscrito na CEDH mas conexo a outro inscrito.

34° A restrição da liberdade da-pessoa deve ser proporcional à gravidade da sua conduta e ao fim da sua entrega desde que não existam outros meios que garantam a pretensão da emissão do mandado - punir o infractor. Se o crime de que é acusado puder enquadrar-se na competência jurisdicional penal portuguesa, de cujo regime se denota de todo mais favorável, a AJ de execução nacional, sob pena de agravar a situação jurídica da pessoa a entregar, deve, tendo em conta a jurisprudência do TEDH do princípio da proporcionalidade e no respeito pelo regime mais favorável, optar por não entregar a pessoa e submete-la a acção penal e desenvolver pelas AJ portuguesas, desde logo se a pessoa for nacional ou residir em Portugal ex vi al.g) do n.° 1 do art. ° 12 da Lei n. ° 65/2003.

35° Os direitos fundamentais pessoais são baluarte e património da humanidade, cuja restrição não pode fundar-se e esgotar-se na ideia de eficácia e de celeridade da cooperação judiciárias europeia em matéria penal sem que sejam colocados em palco os princípios que regem aquela restrição - constitucionalidade, legalidade, proporcionalidade lato sensu ou da proibição do excesso, das não aniquilação da extensão e do alcance essencial do direito e do respeito da dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais pessoais são fundamento de que as AJ de execução nacionais não execute o MDE ou não entregue a pessoa procurada à AJ de emissão. Ofender direitos fundamentais com fundamento na solidificação de uma cooperação judiciária europeia penal securitária e abstémia em humanismo não só representa a vitória da sede de vingança, de que nos alerta S. AGOSTINHO, como também é negar a "dignidade do homo sapiens (...): a percepção da sabedoria, a demanda do conhecimento desinteressado, a criação de beleza", assim pensa e escreve Manuel Monteiro Guedes Valente, do Mandado de Detenção Europeu, almedina, pag. 330 a 350;

Aplicação do direito ao caso concreto:

37° Aqui chegados será fácil concluir que toda a ideia de humanidade que impera e enforma o nosso direito não se compadece com o cumprimento do MDE em causa e a entrega do detido ao cárcere eterno que o espera no Estado emissor. Os princípios humanistas e as finalidades da pena, tal como são encaradas no direito penal português, obrigam a AJ de execução nacional em assumir para si o encargo de fazer cumprir a pena segundo os ditames da ordem jurídica nacional;

38° O detido opõe-se ao cumprimento do MDE e espera e deseja cumprir a pena que lhe foi aplicada em território nacional e nos termos da lei portuguesa, pretendendo continuar a residir em Portugal após o cumprimento da pena;

 39° O detido é paraplégico e está gravemente doente com o COVID19, precisa de acreditar que cumprida a sua pena, terá ainda a oportunidade de viver a sua vida em liberdade e de acordo com as melhores regras da Sociedade. Que vida terá o detido, se paraplégico e com 44 anos de idade souber que a sua sentença é de prisão perpétua, ou seja uma pena indeterminada e sem um fim expectável;

40° As condições de saúde e de idade do detido, e antes de tudo, o seu direito fundamental à sua liberdade, e os nossos princípios humanistas e de ressocialização do arguido, impõem que o Estado Português não faça como Pôncio Pilatos e que não lave-as-suas-mãos quando o que está em jogo é a vida de um ser humano;

41° Não importa a culpa do sujeito, que in casu foi condenado como autor moral, não importa porque não compete a AJ de execução nacional, repetir ou discutir a bondade da condenação, o que importa é que a execução da pena que espera o detido junto da AJ emissor é o cárcere eterno, a prisão perpétua, a vida sem esperança, a denegação dos princípios da proporcionalidade e da ressocialização. O que está em causa é única e tão somente saber se o Estado português deve ser conivente com a violação dos princípios que defende para si e para os seus, se deve ou não fazer tábua rasa dos princípios humanistas que suportam todo o seu edifício politico-criminal. A resposta só pode ser negativa;

42° Dirão alguns que a ligação do detido ao Estado português é ténue, e que apenas aqui se refugiou, não tendo outra ligação à pátria lusa. E que seja, a Lei não impõe que apenas os cidadãos nacionais beneficiem da nossa política penal, a Lei refere os nacionais e os residentes em território nacional, ou mesmo aqueles que pro aqui permaneçam, neste sentido o Ac STJ de 21-11-2013;

43° E, pois, a validade da norma jurídica nacional, o principio da nossa soberania penal, a finalidade última da execução das penas, a ressocialização do individuo, que aqui são reclamadas e chamadas para a recusa facultativa prevista na alínea g) do nº 1 do artº 12° da Lei, de 23-08.;

44° Só o direito nacional português pode evitar a "morte" prematura do detido, o cidadão AA, assumindo para si a execução da pena, nos termos e condições prevista na lei portuguesa, respeitando assim a sua identidade politico-criminal na europa e no mundo, e por outro lado dando esperança ao faltoso na sua reinserção social, que é, e será sempre, o objectivo fundamental (art° 40°, n. °1 do Código Penal).

45° Quer se condene, quer se absolva, deve sempre ver o homem humanamente!

Termos em que, sem garantias idóneas do Estado emissor que a pena perpétua não será aplicada neste caso concreto, sendo a mesma comutada para um máximo de 20 ou 25 anos, deve o Estado Português recusar o cumprimento do MDE, comprometendo-se a aplicar a pena de acordo com a lei portuguesa.

Requer que lhe seja dado conhecimento atempado das eventuais garantias que o Estado emissor venha aprestar nos termos do art. ° 13° da Lei 65/2003.

Notificado da oposição, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência da oposição deduzida, devendo ser autorizada a detenção e entrega do Requerido à ... para cumprimento de pena, conforme pedido no Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades judiciárias Italianas e indeferidas as diligências requeridas em sede de oposição.

Consta ainda do acórdão recorrido os seguintes factos e ocorrências processuais:

2. AA foi detido por elementos da Polícia Judiciária, no dia 20 de abril de 2021, pelas 17h30, na unidade de cuidados médicos, do hospital de ... em ..., em virtude de existir uma indicação ao abrigo do art. 26°, da Decisão 2007/533/JAI do Conselho, de 12 de junho de 2007, no sistema de informação Schengen, de Mandado de Detenção Europeu para captura e entrega às autoridades judiciária ….....

Com efeito, a Sr.ª Procuradora-Geral Substituta junto do Tribunal da Relação de ...., a 11.06.2019 e 14.6.2019 respetivamente emitiu e assinou um mandado de detenção europeu (MDE) para detenção e entrega do Requerido às autoridades judiciárias da ..., para efeitos de cumprimento da pena aplicada - Processo n° 10/2019 MAE PG - 269/19 S.I.E.P, pela prática dos factos descritos no campo 44, do formulário A, da inserção Schengen, que ocorreram desde 1991 até à atualidade em ... (...) - ... (...) ..., sendo que:

"A PESSOA PROCURADA PARTICIPOU NO CRIME DE CONSPIRAÇÃO AGRAVADA DO TIPO MÁFIA "...- .../... QUE OPERA EM ..., NA ÁREA ...... ... (...) E NO ESTRANGEIRO, EM ESPECIAL .... ... (...), CONSTITUÍDO POR UM GRANDE NÚMERO DE CÚMPLICES E ASSOCIADOS, EM POSSE DE ARMAS E EXPLOSIVOS. O' OBJETIVO DESTA ORGANIZAÇÃO DO TIPO MÁFIA ERA OBTER CONTROLO NA: ÁREA E COMETER VÁRIOS E DIVERSOS CRIMES TAIS COMO CRIMES CONTRA PESSOAS E POSSE ILEGAL DE ARMAS. EM ESPECIAL, A PESSOA PROCURADA, JUNTAMENTE COM OS CÚMPLICES IDENTIFICADOS COMO BB, CC, DD, EE, FF E O ENVOLVIMENTO DE ALGUNS MENORES, IODOS PERTENCENTES AO "COSCA PELLE/VOTTARI", FORAM ACUSADOS DE POSSE E UTILIZAÇÃO ILEGAL DE ARMAS COM O OBJETIVO DE MATAREM GG E FERIREM COM GRAVIDADE HH, II E JJ A 25.12.2006 EM ... (...), POR VINGANÇA E COMETEREM; COM VIOLÊNCIA O CRIME DE SUPREMACIA DA SUA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, DA QUAL AA ERA UM DOS PROMOTORES".

O Requerido foi condenado a PRISÃO PERPÉTUA, pela sentença n° 08/18, proferida a 9 de abril de 2018 UTC, no Processo n° 10/2019 MAE PG -269/19 S.I.E.P., pela prática de cinco crimes de "MEMBRO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DO TIPO; MÁFIA "..." -HOMICÍDIO E DANOS CORPORAIS GRAVES", previstos e punidos nos artigos 416° BIS, CO.2 E CO. 4, 110°, 575°, 577°, n° 3 e n° 4, 582°, 585°, do Código Penal Italiano e Art. 7o, da Lei Italiana n° 203/1991.

Tal sentença tem força executiva conforme "DECISÃO Nº 269/2019 S.I.E.P., EMITIDA A 11.06.2019 PELO GABINETE DO PROCURADOR-GERAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO .... SENTENÇA EMITIDA A 09.04.2018 PELO JUIZ DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO . ...".

De acordo com as informações constantes do MDE, a autoridade judiciária de emissão, incluiu os aludidos crimes na lista de infrações previstas no art. 2º, n° 2, alíneas a) e o), da Lei 65/2003, de 23 de agosto - cinco crimes de participação numa organização criminosa, homicídio voluntário e ofensas corporais graves, o que dispensa a dupla incriminação.

O MDE foi inserido no Sistema de Informação Schengen (SIS) com o registo n° …...1.01.

Na sequência e com base nessa inserção, a pessoa procurada, foi detida em 20 de abril de 2021, pelas 17h30, na unidade de cuidados médicos (UCI), no Hospital  ..., em ..., onde se encontra internado em estado crítico, por infeção Covid 19 e decorrente dos problemas respiratórios ficou em coma induzido.


***


III. O DIREITO

O objeto do presente recurso, atentas as conclusões da motivação do recorrente, prende-se, em síntese, com as seguintes questões:

- O acórdão recorrido enferma da nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP, porquanto foi indeferida a realização de diligências pelo pedidas em sede de oposição, e ter decidido sem apurar os factos que o mesmo levou aos autos;

- O detido opõe-se ao cumprimento do MDE e espera e deseja cumprir a pena que lhe foi aplicada em território nacional e nos termos da lei portuguesa, pretendendo continuar a residir em Portugal após o cumprimento da pena;

- Não se encontra garantida que a pena perpétua não será aplicada e a garantia formal de que só será cumprido o MDE se o estado emissor previamente GARANTIR com eficácia jurídica de que a pena em concreto a cumprir pelo detido não será superior ao limite fixado no nosso ordenamento jurídico, 20 anos ou 25 em casos muito específicos;


Vejamos a 1ª questão:

Se o acórdão recorrido enferma da nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º, nº 1, al.c) do CPP, porquanto foi indeferido a realização de diligências pelo pedidas em sede de oposição, e ter decidido sem apurar os factos que o mesmo levou aos autos.

Para tanto alega o recorrente que o Mº Juiz a quo não podia ter indeferido as diligências por si requeridas na oposição – novas declarações ao recorrente sobre os seus factos pessoais, condições de vida e saúde e relatório médico atualizado, a solicitar ao Hospital Prisional ....., “que compreenda as patologias pré-existentes, o seu estado atual e o nível de autonomia pessoal que possa vir a ter quando melhorado do Covid 19”. Pretendia com estas diligências conseguir provar que “tem residência em Portugal desde 2018, em ..., ..., ..., local onde comia, pernoitava, recebia amigos e familiares até ao momento em que ficou doente e teve de ter internamento hospitalar; Está paraplégico; Encontra-se doente com covid19, tendo já estado em coma induzido, e encontra-se desde que foi detido primeiro no Hospital ….... e posteriormente no Hospital prisional …....; Estes factos pessoais do detido, deveriam ter sido considerados pelo Tribunal, trata-se de matéria de facto, que sustenta a maior ou menor ligação da pessoa detido ao nosso país”.

Com as suas declarações, o recorrente queria provar os factos por si alegados na oposição, que embora estrangeiro tinha residência permanente em Portugal, desde o ano de 2018, e assim conseguir ver preenchido um dos requisitos exigidos pelo art. 12º, nº 1, g), da 65/2003 e a verificação de causa de recusa facultativa.


Vejamos:

Analisando o acórdão recorrido verifica-se que o Tribunal “a quo” se pronunciou expressamente sobre as questões ora invocadas pelo recorrente.

Com efeito, consta o seguinte do acórdão sob sindicância o seguinte:

«Na verdade, o requerido tem nacionalidade ... e residência em ..., ……. conforme o termo de identidade e residência que prestou a 20 de abril de 2021, junto a fls. 27, bem como a cópia do seu documento de identificação, a fls. 31 verso. Encontra-se em Portugal, mas trata-se de um fugitivo à Justiça Italiana. Apenas foi localizado em Portugal, por ter sido: hospitalizado, contagiado pela pandemia Covid 19. Não fosse isso certamente fugiria para outro país, caso tivesse motivos para desconfiar da sua localização em Portugal. A estadia no nosso país só pode entender-se como temporária ou provisória, sem carácter de permanência. De resto, não se lhe conhece qualquer atividade que o conecte com o nosso país.

Aliás, a sua família, designadamente a esposa não reside em Portugal como resulta de fls. 32. A residência, que vagamente indica, sita em ..., ..., ..., só pode entender-se como de veraneio, como uma residência secundária e temporária.

A ligação do Requerido a Portugal é, pois, ténue, não tendo relevantes ligações o nosso país, tratando-se repete-se de um fugitivo às Justiças Italianas.

E, não apresentou qualquer documento probatório da versão por si defendida.

Acresce que, o Estado Português não se comprometeu a executar a pena em Portugal, compromisso esse incompatível com a situação de fuga do requerido.

Não se verifica, pois, a condição de residente, nem o Estado Português se comprometeu a executar a pena em que foi condenado, em Portugal, determinantes da recusa de execução facultativa, prevista no invocado art. 12°, n° 1, g), da Lei 65/2003, de 23 de agosto.

Não se encontram reunidos, pois, os requisitos exigidos por esta al. g), para poder valer a recusa de execução, que aliás é facultativa.

O Requerido já seria paraplégico antes de fugir para o nosso país. Não relevam as suas condições atuais de saúde, sendo que em ... beneficiará de iguais ou até melhores condições de prestação dos cuidados médicos de que necessita.

E, assim sendo, carece de efeito útil a tomada de novas declarações ao requerido e a obtenção de relatório médico actualizado, indeferindo-se, assim, as diligências de prova, pelo mesmo pedidas».


A nulidade por omissão de pronúncia ocorre «Quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não possa tomar conhecimento” (art. 379º, nº 1, c), do CPP).

No caso subjudice o acórdão recorrido, como supra se referiu pronunciou-se expressamente sobre a razão da não realização das diligências solicitadas para comprovação da tese defendida pelo recorrente que reside com permanência em Portugal, concluindo pela não verificação da causa de recusa facultativa, prevista no art. 12º, nº 1, g), da Lei 65/2003, pronunciando-se sobre a questão essencial da permanência e residência do Requerido em Portugal.

Neste sentido, não enferma o acórdão recorrido de qualquer nulidade de omissão de pronúncia, pelo que improcede nesta parte o recurso.


Analisando a 2ª questão:

O detido opõe-se ao cumprimento do MDE e espera e deseja cumprir a pena que lhe foi aplicada em território nacional e nos termos da lei portuguesa, pretendendo continuar a residir em Portugal após o cumprimento da pena.

O mandado de detenção europeu, cujo regime jurídico foi aprovado, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, e vem regulado na Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, tal como se encontra definido no art. 1º, nº 1, da citada lei, é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

Dispondo o nº 2, que é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho.


Como se afirma no acórdão recorrido «Trata-se de um processo simplificado que "é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo em conformidade com o disposto na presente lei e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho" - n° 2.

O que implica que a autoridade de execução não se envolva na avaliação da substância da decisão condenatória senão nos aspetos que possam integrar um motivo de recusa de execução, obrigatória ou facultativa».

O regime interno do MDE, consagrado na Lei n.º 65/2003, substituiu, desde 1 de janeiro de 20004, as convenções sobre a extradição entre os Estados-membros da União Europeia.

O requerido invoca a verificação da causa de recusa facultativa prevista no art. 12º, n° 1, g), da Lei 65/2003 em virtude do requerido se encontrar em território nacional e residir em Portugal. Pretende cumprir em Portugal a pena em que foi condenado, segundo a lei portuguesa, no máximo de 25 anos. O que, segundo refere, implica a comutação da pena de prisão perpétua para um máximo de 20 ou 25 anos de acordo com a lei portuguesa.


A alínea g), do art. 12º, nº 1, da citada lei, dispõe o seguinte:

«1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:

g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa».

Contudo, a situação do requerido não se enquadra na previsão normativa desta alínea.

Com efeito, o requerido tem nacionalidade ... e residência em ...,…....., ..., conforme o termo de identidade e residência que prestou a 20 de abril de 2021, junto a fls. 27, bem como a cópia do seu documento de identificação, a fls. 31 verso. Encontra-se em Portugal, mas trata-se de um fugitivo à Justiça Italiana. Apenas foi localizado em Portugal, por ter sido: hospitalizado, contagiado pela pandemia Covid 19. Não fosse isso certamente fugiria para outro país, caso tivesse motivos para desconfiar da sua localização em Portugal. A estadia no nosso país só pode entender-se como temporária ou provisória, sem carácter de permanência. De resto, não se lhe conhece qualquer atividade que o conecte com o nosso país. A sua família, designadamente a esposa não reside em Portugal como resulta de fls. 32. A residência, que vagamente indica, sita em ..., ..., ..., só pode entender-se como de veraneio, como uma residência secundária e temporária. A ligação do Requerido a Portugal é, pois, ténue, não tendo relevantes ligações o nosso país, tratando-se repete-se de um fugitivo às Justiças Italianas. E, não apresentou qualquer documento probatório da versão por si defendida. Acresce que, o Estado Português não se comprometeu a executar a pena em Portugal, compromisso, esse incompatível com a situação de fuga do requerido. Não se verifica, pois, a condição de residente, nem o Estado Português se comprometeu a executar a pena em que foi condenado, em Portugal, determinantes da recusa de execução facultativa, prevista no invocado art. 12º, nº 1, g), da Lei 65/2003, de 23 de agosto, como se afirma no acórdão recorrido.


Neste sentido, se pronunciou o AC do STJ de 17JUL2016, processo nº 797/16.6YRLSB.S1, Relator Raul Borges, cujo sumário, na parte que aqui releva é o seguinte: «I - Não se verifica a causa de recusa facultativa de execução de MDE prevista no art. 12.º, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23/08, se o recorrente não apresenta prova de ter residência em Portugal e se o Estado Português não se comprometeu, por qualquer forma, a executar as penas em causa, em conformidade com o disposto no n.º 3 do citado preceito legal».

Assim sendo, improcede também nesta parte o recurso do requerente.


Analisando a última questão suscitada pelo recorrente, ou seja, no entender do recorrente, não se encontra garantida que a pena perpétua não será aplicada e a garantia formal de que só será cumprido o MDE se o estado emissor previamente GARANTIR com eficácia jurídica de que a pena em concreto a cumprir pelo detido não será superior ao limite fixado no nosso ordenamento jurídico, 20 anos ou 25 em casos muito específicos, invocando o art. 13º, n° 1, a),da Lei nº 65/2003.

Consagra este normativo o seguinte:

Art. 13º, sob a epígrafe, «Garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais

1 - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando a infração que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado-Membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado-Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada».


O art. 33º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe, “Expulsão, Extradição e Direito de Asilo”, consagra o seguinte:

«1. Não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional.

2. A expulsão de quem tenha entrado ou permaneça regularmente no território nacional, de quem tenha obtido autorização de residência, ou de quem tenha apresentado pedido de asilo não recusado só pode ser determinada por autoridade judicial, assegurando a lei formas expeditas de decisão.

3. A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional, nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada, e desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias de um processo justo e equitativo.

4. Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.

5. O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia.

6. Não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.

7. A extradição só pode ser determinada por autoridade judicial.

8. É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

9. A lei define o estatuto do refugiado político».


Diz-nos Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, págs. 532-533:

VI. «A extradição está sujeita a requisitos particularmente restritivos (nºs 4, 6 e 7) só podendo ser determinada por autoridade judicial (nº4). Desde logo, existe uma proibição absoluta de extradição por «motivos políticos ou por crimes que corresponda, segundo direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível de integridade física» (nº6). Nestes termos, à ordem jurídico-constitucional portuguesa autoconstitui-se em reduto inexpugnável de proteção dos bens da vida e da integridade.

A revisão constitucional de 2001 alargou a norma proibitiva do nº6, inicialmente pensada para a extradição, ao instituto da entrega na sequência do mandado de detenção europeu (L nº 65/2003, de 23-08). Dada a consagração do instituto da entrega como forma de cooperação judiciária internacional em matéria penal, compreende-se essa garantia constitucional, proibindo-se a entrega sempre que os tribunais portugueses considerarem que um determinado pedido de entrega é feito por motivos políticos. Em termos práticos, isso significa que deve haver recusa, por parte dos tribunais, com desaplicação, por inconstitucionais, das eventuais normas internacionais ou nacionais permissivas da entrega. (…)

VIII. A aplicação da pena de prisão perpétua ou medida de segurança de duração indefinida (nº 4) justifica também importantes restrições em sede de extradição. Diferentemente do que se previa na lei (DL 43/91, em que se equiparava a extradição por crime a que correspondesse pena de prisão perpétua com a proibição de extradição por crime a que correspondesse pena de morte), o texto constitucional estabelece aqui garantias menos enérgicas das que impõe para o caso da pena de morte. A proibição de extradição cede, nestes casos, perante garantias oferecidas pelo Estado requisitante de que tal pena não será aplicada ou executada – porque o Estado requerente decidiu converter a pena ou medida de segurança de duração indefinida ou porque aceitou a conversão dessas penas ou medidas por um tribunal português segundo a lei portuguesa –, o que aponta para a consagração do critério de punibilidade em concreto.

Por sua vez a proibição de extradição de crimes a que corresponda à pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física está ligada à proteção absoluta do direito à vida e do direito à integridade física (arts. 24º e 25º). Ambos estes direitos são proclamados como invioláveis pela Constituição».


Relativamente ao mandado de detenção europeu as garantias constitucionais encontram-se previstas no art. 13º, da Lei n° 65/2003, de 23 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.° 35/2015, de 4 de maio, que aliás resulta do art° 5º Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, que estabelece:

"1 - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando a infração que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estado membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada;

b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado, membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão.

Este dispositivo legal delimita, assim, “o modo de cooperação internacional, ao salvaguardar a soberania no Estado nacional, como Estado membro da execução, na proteção dos seus nacionais ou residentes, para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade a que foi condenada a pessoa procurada no Estado membro de emissão, como se afirma na decisão sob recurso.


No caso dos autos a Procuradora-Geral Substituta junto do Tribunal da Relação …....., a 11.06.2019 e 14.6.2019 respetivamente emitiu e assinou um mandado de detenção europeu (MDE) para detenção e entrega do requerido às autoridades judiciárias da ..., para efeitos de cumprimento da pena aplicada -Processo n° 10/2019 MAE PG - 269/19 S.I.E.P.

O requerido foi condenado a PRISÃO PERPÉTUA, pela sentença n° 08/18, proferida a 9 de abril de 2018 UTC, no Processo nº 10/2019 MAE PG -269/19 S.I.E.P., pela prática de cinco crimes de "MEMBRO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DO TIPO MÁFIA "..." - HOMICÍDIO E DANOS CORPORAIS GRAVES", previstos e punidos nos artigos 416° BIS, CO.2 E CO. 4, 110°, 575°, 577°, n° 3 e n° 4, 582°, 585°, do Código Penal Italiano e Art. 7º, da Lei Italiana n° 203/ 1991.

Tal sentença tem força executiva conforme "DECISÃO Nº 269/2019 S.I.E.P., EMITIDA A 11.06.2019 PELO GABINETE DO PROCURADOR-GERAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO .....

SENTENÇA EMITIDA A 09.04.2018 PELO JUIZ DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE REGGIO; CALÁBRIA".

De acordo com as informações constantes do MDE, a autoridade judiciária de emissão, incluiu os aludidos crimes na lista de infrações previstas no art. 2º, n° 2, alíneas a) e o), da Lei 65/2003, de 23 de agosto - cinco crimes de participação numa organização criminosa, homicídio voluntário e ofensas corporais graves, o que dispensa a dupla incriminação.


Como supra se referiu relativamente ao mandado de detenção europeu as garantias constitucionais encontram-se previstas no art. 13º, da Lei n° 65/2003, de 23 de Agosto, na redação introduzida pela Lei nº 35/2015, de 4 de maio, que aliás resulta do art° 5º da decisão-quadro, supra citada.


Em Portugal, a pena de prisão tem a duração máxima de 20 anos e 25 anos nos casos previstos na lei e, em caso algum, pode ser excedido este limite máximo – artº 41º, nºs 1, 2 e 3: do Código Penal.

A prisão perpétua foi abolida em Portugal há mais de 125 anos, pela Lei de 4 de Junho de 1884.

A este propósito, afirma-se no acórdão recorrido, «Tal como se lê no Ac. do STJ de: 09.08.2013, processo n° 750/13.1YRLSB.S1, Relator Conselheiro Pires da Graça, disponível in www.dgsi.pt.: "Conjuga-se, tal desiderato, pôr um lado, com os limites das penas e das medidas de segurança, contemplados pelo artigo 30° da Constituição da República Portuguesa que dispõe: "Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida. "E, por outro, com os, valores normativo-constitucionais de reserva de soberania do Estado de execução. "

E lê-se, ainda, no mesmo Ac. do STJ: "Quanto à pena de prisão perpétua, tendo sido abolida em Portugal há mais de 125 anos, pela Lei de 4 de Junho de 1884, encontra-se a mesma proscrita pela nossa Constituição da República em virtude de a sua aplicação repugnar à consciência jurídica, que enforma o nosso ordenamento, tendo em conta a prevalência da dignidade da pessoa humana e do seu reflexo na ponderação dos fins das penas, onde necessariamente avulta a recuperação e a reintegração social do delinquente. "

Afasta, pois, a nossa Lei Fundamental a impossibilidade de "extradição" nos casos de condenação em prisão perpétua prevista no seu n° 4, quanto ao Estados Membros da União Europeia».


Ora, como se afirma no acórdão sob sindicância, relativamente ao Estados Membros da União Europeia, como é o caso dos autos – ... e Portugal - em caso de prisão perpétua regem as normas da cooperação internacional, concretamente o regime estabelecido na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, transposto para o direito interno pela Lei 63/2003, como supra se referiu.

E no que respeita às garantias a fornecer pelo Estado Membro em casos especiais, como é o caso da prisão perpétua, rege concretamente o art. 5º, da Decisão Quadro nº 2002/5 84/JAI:

"A execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado-Membro de execução a uma das seguintes condições:

2. Quando a infração que determina o mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, a execução do mandado de detenção europeu pode ficar sujeita à condição de que o Estadão-Membro de emissão preveja no seu sistema jurídico uma revisão da pena proferida a pedido ou, o mais tardar, no prazo de 20 anos ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado-Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada".

Preceito similar, por decorrência, também previsto no art. 13º, n° 1, a), da Lei 65/2003, que dispõe:

1. A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado- Membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:

a) Quando a infração que motiva a emissão do mandado de detenção europeu for punível com pena ou medida de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, só será proferida decisão de entrega se estiver prevista no sistema jurídico do Estadão-Membro de emissão uma revisão da pena aplicada, a pedido ou o mais tardar no prazo de 20 anos, ou a aplicação das medidas de clemência a que a pessoa procurada tenha direito nos termos do direito ou da prática do Estado-Membro de emissão, com vista a que tal pena ou medida não seja executada".

Atentas as diferentes legislações em matéria penal vigentes nos diversos Estados Membros da União Europeia foi possível obtenção de um denominador comum, com respeito pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

E foram precisamente razões de caráter humanitário e de respeito pela dignidade da pessoa humana que levaram à necessidade da prestação das garantias referidas no citado art. 13º, nº 1, a), da Lei 65/2003, sendo que no Estado Português, não é admitida a condenação em prisão perpétua»

Conclui o acórdão recorrido que «no Mandado de Detenção Europeu emitido pelas autoridades judiciárias italianas, ora em apreço, em II. h), já estão prestadas tais garantias, porquanto aí se faz constar a condenação em "prisão perpétua em isolamento diurno" e expressamente se diz que:

u - o sistema judiciário do Estado Membro de emissão prevê a revisão da pena infringida - caso esta seja solicitada, ou bem dentro de um prazo máximo de 20 anos - com vista ao'não cumprimento de tal pena ou medida.

e/ou

- o sistema judiciário do Estado Membro de emissão prevê a aplicação de medidas de clemência, a que a pessoa tenha direito ou a praxe do Estado Membro de emissão, com vista ao não cumprimento de tal pena ou medida", conforme tradução de fls. 9 e 10.

O mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária italiana satisfaz, assim, as exigências exigidas à luz da referida Decisão Quadro e do art. 13°, nº 1, a), da nossa Lei 65/2003.

De resto, também é sabido que o sistema penal italiano, em matéria de execução não prevê o cumprimento de uma pena perpétua.

Não há, pois, que solicitar ao Estado emissor a prestação de garantias, como pretende o requerido, ou mesmo solicitar pedidos de esclarecimento sobre esta matéria.

É, pois, perante as garantias prestadas pelo Estado de emissão do presente MDE, de autorizar a entrega da pessoa procurada ao Estado Italiano, nos, termos da condição prevista na alínea a) do n° 1 do art. 13° da Lei n° 65/2003, de 23.8, por não existir obstáculo à entrega do requerido».


Considerando os elementos constantes nos autos, acima referidos, não vemos qualquer motivo para discordar do acórdão recorrido.

Com efeito, o mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária italiana satisfaz, assim, as exigências exigidas à luz da referida Decisão Quadro e do art. 13°, nº 1, a), Lei 65/2003, mostrando-se prestadas as garantias, ali referidas, porquanto aí se faz constar a condenação em "prisão perpétua em isolamento diurno" e expressamente se diz que: o sistema judiciário do Estado Membro de emissão prevê a revisão da pena infringida - caso esta seja solicitada, ou bem dentro de um prazo máximo de 20 anos - com vista ao não cumprimento de tal pena ou medida;

e/ou

- o sistema judiciário do Estado Membro de emissão prevê a aplicação de medidas de clemência, a que a pessoa tenha direito ou a praxe do Estado Membro de emissão, com vista ao não cumprimento de tal pena ou medida", conforme tradução de fls. 9 e 10.

Neste sentido, improcede na totalidade o recurso do requerido AA.



***


IV. DECISÃO

Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, devendo proceder-se à entrega do requerido AA, nos exatos termos descritos na decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 34.º da Lei n.º 65/2003, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC - artigo 8.º, n.º 5, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


***


Lisboa, 14 de julho de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves