Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
660/14.5TTBCL.G1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: DESPEDIMENTO COLETIVO
ERRO MATERIAL
Data do Acordão: 05/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADE E NEGADO O PEDIDO DE REFORMA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Não se confundem com erros materiais eventuais erros de julgamento ou divergências doutrinais, cuja invocação não cabe no âmbito da retificação de erros materiais.

II. Cabe aos Tribunais controlar a veracidade dos motivos aduzidos para o despedimento coletivo, a sua natureza objetiva (que não deve camuflar motivações discriminatórias) e o nexo causal entre aqueles motivos e os concretos postos de trabalho que se pretende suprimir com esse despedimento coletivo.

III. Se o empregador invoca que determinados trabalhadores são abrangidos por um despedimento coletivo porque as suas principais funções vão desaparecer, o despedimento será ilícito quando não se prova que tais funções eram efetivamente as principais, mas antes que tais trabalhadores realizavam um amplo leque de outras funções.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 660/14.5TTBCL.G1.S1

Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, S.A., veio apresentar requerimento expressamente circunscrito à parte do Acórdão relativa ao recurso interposto pelos Autores AA, BB, CC e DD, assistentes de marketing, cuja matéria consta das páginas 81 a 83.

Nesse requerimento veio pedir que fossem corrigidos dois erros materiais:

- Em primeiro lugar, a referência à extinção da Direção de Marketing, quando esta não foi extinta, sendo que de acordo com a tese do requerente o que ocorreu foi a extinção de 4 postos de trabalho dessa direção (os postos de trabalho de 4 assistentes de marketing)

- Em segundo lugar, o que considera ser um outro erro material, a saber, a referência à redistribuição dos postos de trabalho, com o argumento de que “um posto de trabalho pode ver alterada a sua denominação ou o seu enquadramento organizativo, mas nunca pode ser redistribuído”

Além disso, pediu a reforma da sentença por erro na qualificação dos factos afirmando que “apenas foi citada uma pequena parte (referente à troca de pontos por serviço de bar ou restauração) da comunicação de intenção de despedimento, na parte em que se invoca o núcleo de funções destes trabalhadores”

Invocou, também, a nulidade do Acórdão por força do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea c), porquanto “se o despedimento coletivo é lícito no caso de supressão de postos de trabalho e se está provado que houve supressão de postos de trabalho, então o despedimento coletivo é lícito e não, como foi declarado, ilícito”

E concluía:

a) devem ser corrigidos os lapsos relacionados com a não extinção da Direção de Marketing e com a redistribuição das tarefas e não dos postos de trabalho;

b) deve ser reformado o Acórdão no sentido de deixar claro que da matéria dos factos provados consta a extinção de postos de trabalho, deixando como tal de haver fundamento para conceder a revista, devendo confirmar-se, nessa parte, o Acórdão Recorrido;

c) deve ser suprida a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, no sentido de que o critério que suporta a licitude do despedimento coletivo é a supressão dos postos de trabalho e não necessariamente a supressão da generalidade das tarefas que o integram, mantendo-se dessa forma o Acórdão Recorrido.

AA (Apenso D), BB (Apenso G); CC (Apenso H) e DD (Apenso I)., AA. e Recorrentes nos autos acima identificados, tendo sido notificados do requerimento, formulado pela Recorrida Varzim Sol – Turismo, Jogo e Animação, S.A., vieram responder ao mesmo.

Cumpre apreciar,

Antes de mais, há que destacar que há mais de uma década que este Tribunal tem decidido que “na apreciação da procedência dos fundamentos invocados para o despedimento coletivo, o tribunal deve proceder, à luz dos factos provados e com respeito pelos critérios de gestão da empresa, não só ao controlo da veracidade dos fundamentos invocados, mas também à verificação da existência de um nexo entre aqueles fundamentos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, tais fundamentos sejam aptos a justificar a decisão de redução de pessoal através do despedimento coletivo” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2008, processo n.º 08S1874, PINTO HESPANHOL), afirmando “a necessidade de existência de um nexo de causalidade entre a motivação global invocada para justificar o despedimento coletivo e o concreto despedimento de cada trabalhador”, de tal modo que “o controlo judicial da validade do despedimento coletivo implica, por parte do tribunal, não só a verificação objetiva da motivação invocada para justificar a redução global dos postos de trabalho, mas também a verificação da idoneidade de tal motivação para, em termos de razoabilidade, determinar a extinção dos concretos postos de trabalho” (Acórdão de 13/01/2010, processo n.º 15275/09.1T2SNT.S1,VASQUES DINIS). Em suma, tem-se afirmado, reiteradamente, que “os critérios de seleção ou de escolha dos trabalhadores que devam integrar o procedimento por despedimento coletivo, devem mostrar-se congruentes com os motivos invocados pelo empregador para a concretização desse despedimento” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16712/2020, processo n.º 3089/15.4T8SNT.L2.S1, JOSÉ FETEIRA).

Ao contrário do que se afirma na reclamação, não há qualquer novidade quando este Tribunal controla a veracidade dos motivos aduzidos para o despedimento coletivo, a sua natureza objetiva que não deve camuflar motivações discriminatórias e o nexo causal entre aqueles motivos e os concretos postos de trabalho que se pretende suprimir com esse despedimento coletivo.

Tais motivos não podem ser genéricos, mas têm que ser concretizados, desde logo na comunicação prévia, para permitir o seu controlo tanto pelos destinatários, como, se for caso disso, pelos tribunais.

Assume, pois, uma importância crucial a enunciação dos motivos que servem de fundamento ao despedimento coletivo na comunicação.

Importa, com efeito, ter presente que na base de um despedimento coletivo podem estar muitas decisões lícitas do empregador, no exercício da sua liberdade de empresa.

Assim, e para mencionar alguns exemplos, o empregador pode pretender reduzir custos salariais redimensionando o pessoal da empresa no seu todo – recorde-se que de acordo com a matéria dada como provada, apesar de o empregador ter invocado a crise económica, a quebra de receitas e o aumento da tributação, este não foi, em rigor, o caso; como pode invocar a introdução de uma nova tecnologia ou de um novo processo de fabrico, sendo então crucial demonstrar que tais alterações redundam, efetivamente, em uma redução das necessidades em matéria de mão-de-obra e, por conseguinte, na supressão de postos de trabalho. Como pode invocar a alteração organizacional, resultante da supressão de um departamento ou secção – o que também não sucedeu relativamente aos assistentes de marketing, como refere o Reclamante.

Sublinhe-se que mesmo neste caso em que o fundamento invocado é o encerramento de uma secção este só justifica o despedimento coletivo na medida em que se traduz em uma efetiva supressão de postos de trabalho – parafraseando um exemplo invocado por PEDRO ROMANO MARTINEZ[1] – se uma secção de informática for encerrada sendo que a atividade em causa é externalizada. Já a situação será muito diversa se a secção de informática for encerrada para depois no mesmo estabelecimento se criarem postos de trabalho com um conteúdo funcional idêntico ou muito similar, sendo recrutados novos informáticos. E se no mesmo estabelecimento coexistissem postos de trabalho com conteúdo similar dentro da secção de informática e fora dela poderia também questionar-se se a empresa não teria que apresentar critérios objetivos para a seleção dos trabalhadores a abranger, pelo despedimento coletivo, não sendo suficiente a mera afetação formal àquela secção.

Mas, em rigor, essa não foi a fundamentação apresentada para que o despedimento coletivo abrangesse os “assistentes de marketing”. Com efeito, em relação a eles o empregador não invocou que encerraria a “Direção de Marketing”, mas que as suas principais funções ou tarefas desapareceriam. Resulta inequivocamente da comunicação apresentada que “uma das principais funções que incumbiam às Assistentes de Marketing – troca de pontos por serviços de bar ou restauração – deixou de existir” (p.23) e, de modo ainda mais enfático, que “tornam-se excedentes todos os atuais 4 “Assistentes de Marketing”, que atualmente integram a Direção de Marketing e cujo núcleo principal de funções se esgota em tarefas relativas ao cartão Clube IN e aos seus membros, postos de trabalho esses que deixarão de existir, razão pela qual são incluídos no âmbito do presente processo de reestruturação e despedimento coletivo” (sublinhado nosso). Ora se esse é o fundamento invocado, o desaparecimento das principais tarefas ou funções destes trabalhadores o empregador teria que provar a veracidade do motivo – mas o que resulta dos factos provados é, desde logo, que os assistentes de marketing se dedicavam a muitas outras tarefas, que eram, no fim de contas, atividades de marketing em geral e de modo nenhum tarefas relativas ao cartão Clube In.

E mais uma vez importa destacar que a solução do presente Acórdão, objeto da reclamação a que agora se responde, também não apresenta qualquer novidade, nem se pode considerar surpreendente à luz da jurisprudência deste Tribunal.

Tenha-se presente, por exemplo, o Acórdão proferido por este Tribunal a 21/03/2013, no processo n.º 391/07.2TTSTRE.E1.S1 (LEONES DANTAS) em cujo sumário se pode ler que “tendo-se apurado que a entidade empregadora, promotora de um despedimento coletivo fundamentado no encerramento de uma unidade produtiva de veículos automóveis, continuou a prosseguir as atividades de importação e comercialização daqueles veículos a que já anteriormente se dedicava, não pode ser abrangida por despedimento coletivo uma trabalhadora afeta a esta atividade de importação e comercialização de veículos, quando a sua intervenção na comercialização dos veículos produzidos na unidade encerrada integrava apenas uma parte não significativa das suas tarefas” (sublinhado nosso).

Finalmente importa ainda ter presente que a reclamação ora apresentada incide apenas sobre o despedimento dos assistentes de marketing. Contudo, não existe, em rigor um despedimento coletivo dos assistentes de marketing, distinto do despedimento coletivo, por exemplo, dos caixas fixos. Trata-se de um único despedimento, com um processo negocial único – aliás, os 4 assistentes de marketing só podiam ser objeto de um despedimento coletivo por terem sido integrados neste despedimento (se assim não fosse em empresa com 50 ou mais trabalhadores haveria que proceder a 4 extinções de postos de trabalho). E foi esse despedimento, no seu todo, que representou uma discriminação contra os representantes dos trabalhadores e os trabalhadores sindicalizados.

Estamos agora em condições de responder aos pedidos formulados no requerimento da Ré.

Relativamente aos alegados erros materiais importa começar por destacar que um deles não é obviamente um erro material, a saber, o da distribuição ou redistribuição do posto de trabalho. O que está em jogo é evidentemente uma diferente conceção do que seja o posto de trabalho, matéria muito controversa na doutrina tanto nacional, como estrangeira. Para o reclamante terá havido um erro de julgamento, mas o artigo 614.º do CPC visa apenas a retificação de erros materiais.

Já relativamente à extinção da direção de marketing admite-se que o que se pretendia referir era a cessação da atividade de marketing (conexa com o cartão Clube In) da direção de marketing, mas tal correção em nada altera a decisão ou a sua fundamentação.

Não existe qualquer erro na qualificação dos factos: pequeno ou grande o excerto da comunicação da intenção de proceder ao despedimento coletivo é claro no sentido de que “tornam-se excedentes todos os atuais 4 “Assistentes de Marketing”, que atualmente integram a Direção de Marketing e cujo núcleo principal de funções se esgota em tarefas relativas ao cartão Clube IN e aos seus membros, postos de trabalho esses que deixarão de existir, razão pela qual são incluídos no âmbito do presente processo de reestruturação e despedimento coletivo”. Essa foi inequivocamente a razão aduzida para a integração destes trabalhadores no presente despedimento, não se tendo, todavia, provado que o núcleo principal de funções se esgotava em tarefas relativas ao cartão Clube IN (cfr. facto 3.173).

E pela mesma razão não há qualquer contradição entre a decisão e os seus fundamentos, não se verificando a nulidade do Acórdão.

Decisão: Retificado um erro material, indeferida a arguição de nulidade e negado o pedido de reforma, mantendo-se o Acórdão objeto do pedido de reforma e da arguição de nulidade.

Custas pelo Reclamante.

19 de maio de 2021

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros adjuntos Joaquim António Chambel Mourisco e Maria Paula Moreira Sá Fernandes votaram em conformidade.

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)


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[1] PEDRO ROMANO MARTINEZ, anotação ao artigo 359.º, in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e Outros, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, p. 849, refere um caso de extinção de um departamento jurídico por outsourcing para uma sociedade de advogados.