Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19505/15.2T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CESSAÇÃO
PARTICIPAÇÃO DO SINISTRO
TEMPESTIVIDADE
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
PODERES DA RELAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
TRÂNSITO EM JULGADO
SENTENÇA
ATESTADO MÉDICO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/12/2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL: PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL: RELAÇÕES JURÍDICAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / FONTES DE OBRIGAÇÃO.
DIREITO DOS SEGUROS – CONTRATO DE SEGURO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): ARTIGO 635.º, N.º 4, 665.º, N.º 2, 671.º, N.º 1 E 674.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1, 277.º, N.º 1 E 434.º, N.º 2.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO, APROVADO PELO DL N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL (RJCS): - ARTIGOS 2.º, N.º 1 E 106.º, N.º 2.
TABELA NACIONAL PARA AVALIAÇÃO DE INCAPACIDADES PERMANENTES EM DIREITO CIVIL (TNAIPDC), APROVADA PELO DL N.º 352/2007, DE 23 DE OUTUBRO.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO (LCCG): - ARTIGOS 10.º E 11.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 26-02-2013, PROCESSO N.º 411/10.3TBTVD.L1-76, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Decorre do disposto no art. 106.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16-04 (aplicável ao caso por força do art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma), que o que releva para que a seguradora fique obrigada a efectuar a prestação decorrente da cobertura do risco, caso o contrato de seguro tenha cessado, é que o contrato estivesse em vigor na data da ocorrência do sinistro e não que o esteja no momento em que o seguro é accionado e/ou em que se certifica a verificação daquele (como sucede com a situação de incapacidade permanente atestada em momento posterior mas reportada a momento anterior).

II - A participação do sinistro, dirigida à seguradora, dentro do prazo de 60 dias (previsto nas condições especiais do contrato de seguro) após a constatação da invalidez total e permanente (isto é, contado da data do atestado médico que certificou retroactivamente tal incapacidade), é tempestiva.

III - A decisão de 1.ª instância que, ao ter considerado que a autora tinha accionado extemporaneamente o seguro, por o mesmo, nessa data, já ter cessado e que, por isso, se limitou a não conhecer dos demais pedidos formulados – que estavam dependentes do reconhecimento do direito a fazer funcionar a cobertura do seguro – não transita em julgado na parte em que não conheceu desses pedidos, posto que aquele reconhecimento não constitui um pedido distinto dos demais, mas antes tão só o fundamento das pretensões deduzidas.

IV - Consequentemente, o acórdão da Relação que, na procedência do recurso interposto dessa sentença, a revogou e determinou que o processo prosseguisse para discussão e apreciação das restantes questões suscitadas, também não enferma de nulidade por excesso de pronúncia já que, tendo julgado procedente o recurso e não dispondo dos elementos necessários para se substituir ao tribunal recorrido na apreciação das restantes pretensões, cabia-lhe determinar o prosseguimento da acção (art. 665.º, n.º 2, do CPC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou, em 10/07/2015, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB - Companhia de Seguros de Vida, S.A. e Banco CC - Leasing, S.A. (actualmente, após fusão por integração, Banco CC, S.A.).

A A. alegou, em síntese, que em 11/07/2003 celebrou com o 2.º R. um contrato de locação financeira tendo por objecto uma fracção autónoma destinada a comércio e serviços, sita em L…. Concomitantemente a A. celebrou com a 1.ª R. um contrato de seguro do ramo vida, com o capital seguro de € 55.000,00, para as coberturas de Morte e Invalidez Total e Permanente da pessoa segura, a ora A.. O beneficiário do seguro era o Tomador, o ora 2.º R.. Sucede que, em 2009, foi detectado à A. um adenocarcinoma de tipo intestinal. Devido à doença a A. não pagou algumas das rendas do contrato de locação financeira, pelo que o 2.º R. resolveu o contrato em 31/05/2010. No entanto, o contrato de seguro manteve-se em vigor até 08/04/2012, data em que a 1.ª R. o resolveu, por falta de pagamento de prémios. Em 2011 a A. celebrou com o 2.º R. um novo contrato de locação financeira, relativo à mesma fracção autónoma, após a A. ter pago ao 2.º R. o montante de € 6.800,00, que estava em dívida. Em 17/07/2012 a A. foi sujeita a Junta Médica do Ministério da Saúde, a qual lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 76%, com carácter permanente desde 2010. Só nessa data (17/07/2012) teve a A. conhecimento do grau de incapacidade permanente global de 76%. Em virtude desta incapacidade, o Instituto de Segurança Social – Centro Nacional de Pensões, considerou a A. reformada por invalidez com efeitos desde 17/08/2012. Ora, padecendo a A. de incapacidade permanente pelo menos desde Janeiro de 2010, época em que os ditos contratos de locação financeira e de seguro estavam em vigor, deve a 1.ª R. pagar ao 2.º R. a indemnização respectiva. Por conseguinte a A., em 20/07/2012, participou o sinistro à 1.ª R., entregando toda a documentação pertinente. Contudo, a 1.ª R. declinou pagar a aludida indemnização.

A A. terminou, formulando o seguinte petitório:

“Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exa., deve a acção ser julgada procedente por provada e em consequência:

a) Ser a Ré BB - COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA S.A., condenada a pagar a indemnização de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) ao beneficiário da apólice de vida 0002….1, neste caso, a Ré CC Leasing S.A., em consequência da Invalidez Total e Permanente da pessoa segura e ora Autora, acrescida de juros legais desde a interpelação extrajudicial.

b) Ser a Ré CC Leasing S.A. na eventualidade de vir a ser ressarcida da indemnização do capital de € 55.000,00 do seguro de vida com a apólice nº 0002…/8…1, na qualidade de beneficiário desta, condenada a transmitir a propriedade a favor da ora Autora, do Imóvel identificado por Fracção Autónoma designada pela letra A, no Rés-do-chão, destinado a comércio e serviços pertencendo esta fracção ao prédio urbano sito na Urbanização …., freguesia de S. Sebastião, concelho de L…, descrito na Conservatória Registo Predial de L…, sob o número 1…5 da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7…1 da referida freguesia, com a licença de utilização n.º 13…1 emitida pela Câmara Municipal de L…, objecto do contrato de Leasing nº 20…3.

c) Ser a Ré CC Leasing S.A., nessa mesma eventualidade, igualmente condenada a restituir à ora Autora a quantia de € 36.631,25 (trinta e seis mil seiscentos e trinta e um euros e vinte cinco cêntimos), referente às setenta e cinco rendas pagas no valor de € 27.900,00 e aos € 6.800,00 entregues no âmbito do contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º 20…3, pela ora Autora.”

A 1.ª R. contestou, arguindo a prescrição do direito da A. e recusando a responsabilidade por ela reclamada, na medida em que, quando foi declarada a incapacidade invocada, o contrato de seguro já havia sido anulado, por falta de pagamento do respectivo prémio. 

Também o 2.º R. contestou, pugnando pela improcedência da acção quanto a ele, 2.º R..

Realizou-se audiência prévia e, em 27/05/2016, foi proferido despacho saneador-sentença, considerando ter a A. accionado extemporaneamente o seguro, uma vez que, à data em que o fez, já o contrato havia cessado, ficando prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição (ressalvando, porém, que “por despacho proferido a 13 de julho de 2015, foi afirmado que «o disposto no art. 498º do C.C. é aplicável à responsabilidade extracontratual e não é esse o instituto invocado nos presentes autos»”). A final a acção foi julgada improcedente, absolvendo-se os RR. dos pedidos.

Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 262 entendeu a Relação que a situação de invalidez da A. se encontrava coberta pelo seguro dos autos, declarando:

“Haverá, pois, que revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir a fim de que se realize a discussão tendo em vista a determinação dos montantes peticionados.

Sendo certo que também não chegou a haver pronúncia acerca da prescrição arguida pela 1.ª R. (questão que o tribunal a quo considerou prejudicada pela resolução dada ao litígio).”

A final foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e determina-se que o processo prossiga para discussão e apreciação das restantes questões suscitadas.”


2. Vem o 2º R., o Banco CC, S.A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

A) Do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa parece poder-se concluir que os pedidos da Autora relativamente ao Banco Recorrido se encontram já todos eles decaídos, transitados em julgado, uma vez que deles as A. não recorreu.

B) Vejam-se as conclusões de recurso apresentadas pela Autora para o Venerando Tribunal da Relação, em que não existe uma conclusão que seja, das 43 apresentadas, relativamente a alteração da sentença proferida quanto ao peticionado contra o Banco Réu,

C) As conclusões de recurso são como é sabido o local próprio para o recorrente delimitar o objecto de recurso. No caso dos autos a Autora delimitou-o apenas à validade do seguro e não ao que peticionou em sede de P.I relativamente ao Banco.

D) Acontece que o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação procedente e consequentemente revogou a decisão recorrida, determinado que o processo prossiga para discussão e apreciação "das restantes questões suscitadas", sem delimitar a sua apreciação e decisão apenas à Ré Seguradora, afastando, como pertencia, o Banco dessa futura decisão a proferir após audiência de discussão e julgamento.

E) O art. 639°, n.° 1, do CPC define que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão e versando o recurso matéria de direito.

F) Impõe-se clarificar o Acórdão proferido na parte que ao Banco Réu importa, ou seja quanto aos pedidos formulados pela Autora contra o Banco Réu nomeadamente as alíneas b), c) e e) da P.I apresentada. Pedidos esses que não foram objecto de recurso interposto pela Autora. Tão pouco foram mantidos nas conclusões de recurso, pelo que decaíram pelo trânsito em julgado da decisão proferida em Primeira Instância.

G) Em Acórdão proferido entende o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que apenas a Ré Seguradora tem custas por ter sido quem decaiu. Extraindo daqui e tudo o mais supra alegado, em Conclusão que a sentença proferida já transitou em julgado relativamente ao Banco Recorrente.

Caso assim não seja o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, sempre se conclui pela procedência do presente recurso. Concluindo:

H) Já dissemos em sede de contra-alegações de recurso interposto pela Autora para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e posição que se mantém, que a sentença é douta e centrou-se numa questão da maior importância jurídica, que é o facto de ter cessado o seguro da Autora antes da constatação por médicos de qualquer invalidez da Autora, ou seja antes de 17 de Julho de 2012, tornando impossível à Autora accionar um seguro inexistente, sobre 1 contrato também inexistente à data. Ao contrário do afirmado no Acórdão proferido, Acórdão de que se recorre.

I) Pretender estender a incapacidade da Autora ao ano de 2010, só porque em 2010 a Autora descobriu estar doente, não comprova que àquela data tivesse a incapacidade referida nos autos. A Autora começou certamente por estar doente, depois submeteu-se a tratamentos e só depois de todo esse processo que terá havido a constatação médica da incapacidade. Muitas das pessoas que padecem de doença oncológica não ficam afectadas com tal grau de incapacidade, pelo que não se pode presumir facto que não é conforme com a prova documental nos autos, documento esse que retroage a incapacidade apenas a 17/08/2012, conforme Atestado Médico de Incapacidade Multiusos.

J) Veja-se que a Recorrente só poderia ver a sua pretensão recusada por parte da Seguradora no momento em que a interpelou para obter o pagamento de um seguro que já não estava válido, mesmo que o seu certificado de doença retroaja à indicada data de 17/08/2012, a esta data a A. já não era titular de qualquer contrato de seguro de vida que lhe permitisse o aproveitamento para um contrato de locação financeira, que também já não existia à data.

K) O contrato de seguro havia sido resolvido pela seguradora em 08/04/2012, conforme confessado pela própria A. na P.I apresentada;

L) O contrato de locação financeira havia sido resolvido pelo Banco em 31/05/2010, conforme também foi confessado pela A. na mesma P.I.

M) Da douta sentença e cuja posição se pretende ver reposta em sede de Recurso que se apresenta, por conforme com os factos e a boa aplicação do direito extraímos: "Ato meu entender, não assiste razão à A. As condições especiais reproduzidas no ponto 3 da matéria de facto provada apontam no sentido de relevante ser a data da constatação, da comprovação, por médicos da situação de invalidez. No caso dos autos, a constatação por médicos ocorreu a 17 de julho de 2012. Se é certo que os médicos reconheceram que a incapacidade tem carater permanente desde 2010, certo é que esse reconhecimento verificou-se apenas a 17 de julho de 2012. Antes de 17 de julho de 2012, a A. não reunia as condições para participar a situação de Invalidez.

N) Da documentação que deve instruir a participação da situação de invalidez faz parte o "relatório médico, atestando a incapacidade total e definitiva para o exercício de uma qualquer atividade remunerada da Pessoa Segura, descrevendo o início e a evolução da invalidez". A data do início da invalidez pode ter relevância, isso sim, para efeitos de exclusão da cobertura. Tendo o contrato de seguro quanto à pessoa segura ora A. cessado antes da constatação por médicos da invalidez, ou seja, antes do dia 17 de julho de 2012, não poderia a A. acionar o contrato de seguro., vide sentença.

Termos em que se requer:

- Ver reconhecido o Trânsito em Julgado dos pedidos formulados pela Autora contra o Banco ora Recorrente, por não ter apresentado deles recurso à sentença proferida.

Caso assim não seja entendido, sempre:

- Deve o Acórdão Recorrido ser integralmente revogado e substituído por outro que julgue totalmente improcedente os pedidos formulados pela Autora, na P.I, confirmando-se assim a Douta Sentença proferida nos autos.


Os Recorridos não contra-alegaram.


3. Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, o recurso é admissível por incidir sobre acórdão da Relação que conheceu do mérito, ainda que parcial, da causa.


4. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):


1 - A 11 de Julho de 2003, por documento escrito, CC Leasing, S.A. e A. celebraram acordo pelo qual aquela adquiriria a fração A, correspondente ao rés-do-chão, do prédio sito na Urbanização …, São Sebastião, L…, fração essa escolhida pela A., e cederia a esta o gozo de tal fração, pelo prazo de 15 anos, mediante uma renda mensal, sendo a primeira no valor de € 3.647,75 e as restantes no valor de 397,75, tendo sido fixado o valor residual em € 2.500,00.

2 - Pela apólice nº 0002...2, a R. CC transferiu para a R. BB, mediante o pagamento de prémios, os riscos de morte e de invalidez total e permanente de pessoas que, sendo clientes do tomador do seguro ou de entidade que com este se encontre coligada, direta ou indiretamente, tenham celebrado um contrato de financiamento.

3 - Constam das condições especiais, entre outras, as seguintes cláusulas:

- “Para os efeitos do presente contrato, e até ao limite do capital seguro, o Tomador do Seguro é Beneficiário, com caráter irrevogável, do valor do Contrato de Financiamento em dívida pela Pessoa Segura.”

- “A Pessoa Segura encontra-se em situação de Invalidez Total e Permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total ou definitivamente incapaz de exercer uma atividade remunerada, com fundamento em sintomas objetivos, clinicamente comprovados, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos atuais, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil ser superior a 66,6% caso em que, para efeitos desta cobertura, é considerado como sendo igual a 100%.”

- “A participação da situação de Invalidez Total e Permanente deve ser efetuada por escrito e nos 60 dias imediatos à constatação da invalidez, enviando ao Segurador os seguintes documentos:

a) Relatório médico, atestando a incapacidade total e definitiva para o exercício de uma qualquer atividade remunerada da Pessoa Segura, descrevendo o início e a evolução da invalidez…, devendo tal invalidez ser clinicamente comprovada com elementos objetivos.

b) Atestado médico de incapacidade Multiuso;

c) Documento emitido pela Segurança Social ou por outra entidade competente, que ateste a incapacidade para o exercício de qualquer atividade remunerada”.

4 - No dia 14 de maio de 2003, a A. subscreveu proposta de adesão à apólice referida no ponto 2.

5 - A R. BB emitiu certificado individual de seguro do qual consta o nº da apólice referido no ponto 2, a A. como pessoa segura, o dia 1 de agosto de 2003 como data de início e € 55.000,00 como capital seguro.

6 - O acordo referido no ponto 1 cessou, por resolução, a 31 de maio de 2010.

7 - A adesão da A. à apólice referida no ponto 2 cessou, por resolução, em data não anterior a 31 de março de 2012 e não posterior a 8 de abril de 2012.

9 - A 4 de março de 2013, por documento escrito, a R. CC e a A. celebraram acordo pelo qual aquela cederia a esta o gozo da fração A, correspondente ao rés-do-chão, do prédio sito na Urbanização …, lote 9, São Sebastião, L…, pelo prazo de 15 anos, mediante a renda mensal no valor de € 336,13, tendo sido fixado o valor residual em € 2.946,19.

10 - A 17 de julho de 2012, foi emitido atestado médico de incapacidade multiuso atestando que a A. é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 76%, do qual consta, no espaço destinado às observações, “com carater permanente desde 2010”.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, estão em causa neste recurso as seguintes questões:

- Trânsito em julgado da decisão da 1ª instância quanto à não apreciação dos pedidos formulados contra o Banco R., aqui Recorrente, nas alíneas b), c) e e) do petitório, por não terem sido objecto do recurso de apelação da A.;

- Cobertura da situação de invalidez da A. pelo contrato de seguro dos autos.

Como a primeira questão só assume relevância efectiva para a decisão da causa se a segunda for resolvida no sentido de a situação de invalidez da A. se encontrar abrangida pelo seguro dos autos, começaremos por conhecer desta questão.


6. A questão de saber se a situação de invalidez da A. se encontra ou não coberta pelo contrato de seguro dos autos foi resolvida em sentidos divergentes pelas instâncias.

         Resultou provada a seguinte cronologia de factos:

- Celebração do contrato de locação financeira entre a A. e o 2º R. – 11 de Julho de 2003;

- Adesão da A. ao contrato de seguro de grupo celebrado entre a 1ª R. e o 2º R. – 14 de Maio de 2003;

- Início dos efeitos do certificado individual de seguro em nome da A. – 1 de Agosto de 2003;

- Cessação do contrato de locação financeira celebrado em 11 de Julho de 2003 – 31 de Maio de 2010;

- Termo da adesão da A. ao seguro de grupo (por declaração de resolução da 1ª R.) – entre 31 Março e 8 de Abril de 2012;

- Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, declarando a incapacidade global permanente da A. – 17 de Julho de 2012 (com indicação de incapacidade “com caracter permanente desde 2010”);

- Participação do “sinistro” pela A. – entre 20 e 25 Julho de 2012 (cfr. articulados);

- Reforma por Invalidez da A. – 17 de Agosto de 2012.


Tendo presentes estes factos, vejamos os termos em que a 1ª instância decidiu a questão:

“Assim, e atento o ponto 2 da matéria de facto provada, as RR. celebraram um contrato de seguro, seguro esse de vida, uma vez que os riscos transferidos são o risco de morte e de invalidez permanente.

Trata-se de um seguro de grupo, tendo o A. aderido ao mesmo, conforme resulta dos pontos 4 e 5 da matéria de facto provada.

A A. pediu a condenação da R. Ocidental a pagar a indemnização à R. CC, defendendo a posição que, no caso dos autos, a data relevante para efeitos de verificação do sinistro é a data que consta nas observações do atestado médico de incapacidade multiuso.

No meu entender, não assiste razão à A.

As condições especiais reproduzidas no ponto 3 da matéria de facto provada apontam no sentido de relevante ser a data da constatação, da comprovação, por médicos da situação de invalidez.

No caso dos autos, a constatação por médicos ocorreu a 17 de julho de 2012.

Se é certo que os médicos reconheceram que a incapacidade tem carater permanente desde 2010, certo é que esse reconhecimento verificou-se apenas a 17 de julho de 2012.

Antes de 17 de julho de 2012, a A. não reunia as condições para participar a situação de invalidez.   

Da documentação que deve instruir a participação da situação de invalidez faz parte o "relatório médico, atestando a incapacidade total e definitiva para o exercício de uma qualquer atividade remunerada da Pessoa Segura, descrevendo o início e a evolução da invalidez".  

A data do início da invalidez pode ter relevância, isso sim, para efeitos de exclusão da cobertura.

Tendo o contrato de seguro quanto à pessoa segura ora A. cessado antes da constatação por médicos da invalidez, ou seja, antes do dia 17 de julho de 2012, não poderia a A. acionar o contrato de seguro.


Diversamente, a Relação apreciou a questão nos seguintes termos:

“Aquando da celebração do contrato em 11.7.2003 a A. aderiu a um contrato de seguro em vigor entre os dois RR., mediante o qual a 1.ª R. assumia o risco de morte ou invalidez total e permanente da A., emergente de acidente ou de doença, pagando nesse caso a 1.ª R. ao 2.º R. o valor do contrato de financiamento em dívida pela A., até ao capital de € 55 000,00.

Sucede que, conforme provado, a A. adoeceu e devido a essa doença padece, desde 2010, de deficiência que, com caráter de permanência, lhe determina uma incapacidade permanente global de 76%.

Nos termos do contrato de seguro sub judice, para o efeito da respetiva cobertura considera-se que a pessoa segura se encontra em situação de invalidez total e permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total ou definitivamente incapaz de exercer uma atividade remunerada, devendo o grau de desvalorização ser superior a 66,6%, que nesse caso equivalerá a 100% de incapacidade.

Assim, a A. padece de invalidez total e permanente, desde 2010. 

Ora, conforme também está provado, em 2010 a apólice encontrava-se em vigor (n.º 7 da matéria de facto).

Mas já não vigorava quando, a 17.7.2012, foi emitido o atestado médico de incapacidade multiuso que atestou a incapacidade da A. (n.º 9 da matéria de facto).

            Por isso no saneador-sentença recorrido se considerou que a 1.ª R. não estava vinculada ao pagamento do capital seguro.

Tendo-se exarado o seguinte:

[…]

A decisão recorrida assenta numa determinada interpretação do contrato celebrado que se nos afigura que não é compatível com o fim e o objetivo do contrato em causa e não decorre do seu teor.

Vejamos.

À data da celebração do contrato de seguro em causa vigoravam as normas reguladoras do seguro que integravam o Código Comercial (artigos 425.º a 462.º, que foram revogados pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16.4, com efeitos desde 01.01.2009).

Nos termos do art.º 427.º do Código Comercial, “o contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respectiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código.”

O contrato de seguro é constituído por duas prestações principais, sinalagmáticas: a seguradora assume um risco e simultaneamente a obrigação da prestação de um determinado capital, no caso de ocorrência do evento coberto pelo risco; em contrapartida, tem direito ao recebimento do prémio respetivo. A obrigação da seguradora reporta-se a uma prestação de execução continuada (assunção continuada do risco) e a prestação da tomadora é duradoura, na modalidade de periódica, reiterada ou de trato sucessivo (pagamento do prémio).

Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução do contrato, embora gozando de eficácia retroativa, não abrange, em princípio, as prestações já efetuadas (artigos 434.º n.º 2 e 277.º n.º 1 do Código Civil).

Nas Condições Especiais da Cobertura Complementar – Invalidez Total e Permanente, do contrato sub judice (doc. 3 junto com a p.i., fls 34 dos autos), define-se “Doença” como “Toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, não causada por acidente e suscetível de constatação médica objetiva”.

No art.º 2.º de tais Condições Especiais, sob a epígrafe “Objeto da Cobertura”, consta o seguinte:

“Pelo presente contrato, o Segurador garante o pagamento do Capital Seguro, definido nas Condições Particulares ou Certificado individual da apólice, em caso de Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, em consequência de doença manifestada ou de acidente ocorrido durante a vigência desta cobertura.”

Ora, o contrato de seguro vigorou entre julho de 2003 e março de 2012.

A doença da A. manifestou-se em 2009 e a partir de 2010 causou-lhe invalidez total e permanente. Assim, atento o teor dos referidos artigos 1.º e 2.º do contrato, interpretados por um declaratário normal e razoável, colocado na situação das partes (artigos 10.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais – LCCG -, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10, com as alterações publicitadas e art.º 236.º n.º 1 do Código Civil), a situação da A. é abrangida pelo contrato.

Sendo irrelevante, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o processo de verificação da existência de incapacidade se tenha concluído já após a cessação do contrato. Tal processo está previsto e regulado no art.º 3.º das ditas “condições especiais”, com a seguinte redação:

“Justificação e reconhecimento do direito às garantias

1 – A participação da situação de Invalidez Total e Permanente deve ser efetuada por escrito e nos 60 dias imediatos à constatação da Invalidez, enviando ao Segurador os seguintes documentos:

a) Relatório médico, atestando a incapacidade total e definitiva para o exercício de uma qualquer atividade remunerada da Pessoa Segura, descrevendo o início e a evolução da invalidez ou, em caso de acidente, a causa e o género das lesões, bem como as consequências detetadas e as prováveis no futuro, devendo tal invalidez ser clinicamente comprovada com elementos objetivos;

b) Atestado médico de Incapacidade Multiuso;

c) Documento emitido pela Segurança Social ou por outra entidade competente, que ateste a incapacidade para o exercício de qualquer atividade remunerada;

d) Em caso de acidente, auto de ocorrência emitido pelas entidades competentes.

e) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o caráter acidental da invalidez e determinem o nexo causal entre o acidente e a invalidez.

2 – As despesas com a obtenção dos documentos comprovativos e necessários serão sempre da conta da Pessoa Segura ou dos Beneficiários.

3 – No processo de verificação da Invalidez o Segurador reserva-se o direito de exigir, a expensas suas, qualquer justificação complementar e de proceder às investigações que julgar convenientes para determinação exata do estado de saúde da Pessoa Segura, designadamente mandando-a examinar pelos seus médicos, cessando a sua responsabilidade se o Tomador do Seguro, a Pessoa Segura ou os Beneficiários prejudicarem ou impedirem o normal cumprimento destas diligências.

(…)

6 – O direito às garantias, nos termos da presente cobertura complementar, produzirá efeitos a partir da data da verificação da invalidez pelo segurador.”

Ora, uma coisa é a ocorrência do sinistro cujo risco está coberto pelo seguro, cuja determinação no tempo é certa, e outra é o processo de verificação dessa ocorrência e das suas consequências, cuja duração no tempo será maior ou menor e dependerá de múltiplas variáveis, em boa parte alheias à pessoa segurada, e que poderão prolongar-se até data posterior à da cessação do contrato de seguro.

Mas tal postergação no tempo da verificação e reconhecimento do direito às garantias não exclui a garantia.

Pelo menos essa postergação não consta nas estipulações contratuais respeitantes à cessação das garantias (art.º 5.º das ditas “Condições Especiais”; Condição 13.ª das “Condições Gerais”).

Sendo certo que, quanto à resolução do contrato de seguro, vigorava a condição 9.ª, das “condições gerais” (fls 38 e 38 v.º dos autos):

“Resolução do contrato

1 – A resolução do contrato deve ser comunicada à outra parte nos 30 (trinta) dias imediatos ao facto que a fundamenta, lhe serve de fundamento.

2 – Salvo convenção expressa em contrário constante das Condições Particulares, a resolução do contrato cujo fundamento resida em omissão ou declaração inexacta intencional do Tomador do Seguro ou da Pessoa Segura, produz efeitos retroactivos à data de início do seguro, importando para o Tomador do Seguro ou Pessoa Segura a perda dos prémios vencidos até à data da comunicação da resolução e o dever de reembolsar a Seguradora dos montantes por esta entretanto liquidados.

3 – Fora dos casos previstos no número anterior e, salvo convenção expressa em contrário constante das Condições Particulares, a resolução produz efeitos apenas para o futuro, havendo lugar ao reembolso, ao Tomador do Seguro ou Pessoa Segura, do prémio já pago calculado pro-rata temporis.”

Aliás, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, previsto pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16.4, expressamente prevê que “a cessação do contrato não prejudica a obrigação do segurador de efectuar a prestação decorrente da cobertura do risco, desde que o sinistro seja anterior ou concomitante com a cessação e ainda que este tenha sido a causa da cessação do contrato.” Ou seja, como se sumariou no acórdão desta Relação de Lisboa, de 26.02.2013 (processo 411/10.3TBTVD.L1-76, acessível em www.dgsi.pt), “verificado o sinistro no período de vigência do contrato, os deveres contratuais mantém-se mesmo depois da cessação do contrato.” 

Entendemos, assim, contrariamente ao propugnado na decisão recorrida, que o teor do aludido art.º 3.º das Condições Particulares do contrato não exime a seguradora da sua responsabilidade pelas consequências da invalidez total da A., a qual ocorreu na pendência do contrato e, muito provavelmente, terá até estado na origem dos incumprimentos contratuais em que a A. incorreu após ter adoecido (aliás, é o que a A. alega na p.i.).

Sendo essa a interpretação do contrato que, na dúvida, se imporia, por beneficiar a A. (art.º 11.º n.º 2 da LCCG).”


     O Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão da 1ª instância, alegando, no essencial, o seguinte: à data da emissão do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (17 de Julho de 2012) tinham já cessado tanto o contrato de seguro (em data situada entre final de Março e início de Abril de 2012) como o contrato de locação financeira (em 31 de Maio de 2010) ao qual se reporta o seguro, pelo que a A. não poderia vir accioná-lo; o facto de, no referido Atestado Médico, se declarar a incapacidade “com caracter permanente desde 2010” não prova que a A. padecesse de incapacidade permanente global desde esse ano, uma vez que, de acordo com a experiência comum, a incapacidade se vai agravando à medida que a doença oncológica evolui; não podia pois a seguradora, aqui 1ª R., ter decidido senão recusar o pagamento do seguro quando (em data posterior a 17 de Julho de 2012,) a A. fez a respectiva participação.

         Vejamos.

Não procede a pretensão do Recorrente de que a indicação, no Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, da incapacidade da A. como sendo “com caracter permanente desde 2010” não permite dar como provado que a incapacidade permanente global da mesma A. se reporte a esse ano. Tal facto foi dado como assente (facto 10) não cabendo, em recurso de revista, a sua reapreciação, uma vez que não está em causa ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. art. 674º, nº 3, do CPC). Nem se estranha que apenas após 17 de Julho de 2012 tenha a A. accionado o seguro e não o tenha feito mais cedo. É que apenas em 17 de Julho de 2012, com a emissão do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso certificando que a A. é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 76%, do qual consta, no espaço destinado às observações, “com carater permanente desde 2010”, foi definido – e conhecido pela A. – o grau exacto da sua incapacidade (76%). E, portanto, apenas nessa mesma data (17 de Julho de 2012) foi atestado – e conhecido pela A. – reunir ela as condições para accionar o seguro contratado: encontra-se a pessoa segura em situação de invalidez total e permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma actividade remunerada, devendo o grau de desvalorização ser superior a 66,6%, que nesse caso equivalerá a 100% de incapacidade.

         Não procede também o argumento da Recorrente segundo o qual, à data em que a A. accionou o seguro dos autos, não era titular de qualquer direito por ter já cessado o contrato de seguro, assim como o contrato de locação financeira ao qual o seguro se reporta. Com efeito, tal como entendeu a Relação, nos termos do art. 106º, nº 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (regime que é aplicável ao contrato de seguro dos autos ao abrigo da norma do art. 2º, nº 1, do mesmo decreto-lei), A cessação do contrato de seguro não prejudica a obrigação do segurador de efectuar a prestação decorrente da cobertura do risco, desde que o sinistro seja anterior ou concomitante com a cessação e ainda que este tenha sido a causa da cessação do contrato”. O que é necessário é que o contrato de seguro esteja em vigor na data da ocorrência do sinistro coberto pelo seguro (aqui, a situação de incapacidade permanente definida nos termos contratuais), não que o esteja no momento em que o seguro é accionado e/ou em que se certifica a verificação do sinistro/situação de incapacidade. Na medida em que o contrato de seguro se encontrava em vigor no ano 2010 e em que o contrato de locação financeira vigorou até 31 de Maio do mesmo ano, a situação de incapacidade permanente global da A. (certificada retroactivamente pelo Atestado Médico datado de 17 de Julho de 2012) permitia à A. invocar a cobertura do seguro.         

    Tendo a A. efectuado à 1ª R. a participação da situação de invalidez total e permanente entre 20 e 25 de Julho de 2012 fê-lo dentro do prazo de 60 dias após a constatação da invalidez, previsto na cláusula 3ª, nº 1, das Condições Especiais do contrato de seguro dos autos.

     Conclui-se, assim, que a situação de invalidez da A. se encontra coberta pelo contrato de seguro dos autos.


7. Resolvida a questão anterior no sentido do reconhecimento da cobertura pelo seguro dos autos, importa considerar a questão do alegado trânsito em julgado da decisão da 1ª instância quanto aos pedidos formulados contra o Banco R., aqui Recorrente, nas alíneas b), c) e e) do petitório, por não terem sido objecto do recurso de apelação da A.

         Vejamos os termos da decisão da Relação:

“Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e determina-se que o processo prossiga para discussão e apreciação das restantes questões suscitadas.”

Ainda que não o qualifique como tal, pretende o Recorrente estar esta decisão ferida de nulidade por excesso de pronúncia ao determinar a prossecução do processo para apreciação das restantes questões suscitadas na acção.

Vejamos.

A sentença entendeu ter a A. accionado extemporaneamente o seguro, uma vez que, à data em que o fez, já o contrato de seguro tinha cessado, declarando ficar prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição. Como todos os pedidos dependiam do reconhecimento do direito a fazer funcionar a cobertura do seguro, limitou-se a julgar a acção improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos.

Em sede de apelação a A. pretendeu ver revogada a decisão da 1ª instância de não reconhecimento do direito da A. a accionar o seguro, na data em que foi accionado.

Na medida em que o efeito prático-jurídico dos pedidos (substantivos) da A. depende directamente do reconhecimento de que o contrato de seguro dos autos podia ser accionado pela A. na data em que o fez, tal reconhecimento não constitui propriamente uma questão distinta dos pedidos, mas tão só o fundamento (ou o primeiro fundamento) das pretensões da A. 

Basta que a A. apelante tenha pedido a revogação da sentença para que a Relação, julgando o recurso procedente, e não podendo substituir-se ao tribunal recorrido na apreciação da excepção de prescrição e dos pedidos por não dispor dos elementos necessários (cfr. art. 665º, nº 2, do CPC), determinar o prosseguimento da acção. Para o efeito, é irrelevante o teor da decisão de condenação em custas na apelação.

Não merece, pois, censura o acórdão recorrido.

Outro entendimento seria esvaziar de sentido útil quer o recurso de apelação quer a própria acção, uma vez que a A. veria reconhecido o direito a accionar o seguro dos autos na data em que o fez, mas não veria apreciado qualquer dos pedidos formulados.

Assim, o acórdão recorrido não incorreu em excesso de pronúncia nem a decisão da 1ª instância, ao não conhecer dos pedidos b), c) e e) transitou em julgado. 


8. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas do recurso pelo Recorrente.


Lisboa, 12 de Outubro de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)

Maria Rosa Tching

Rosa Maria Ribeiro Coelho