Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
67/12.9TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: FUNDAÇÃO
ESTATUTOS
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 11/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ - Nº 259 - A. XXII - T. III/2014 - P. 119-123
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA RÉ E NEGADA A DA AUTORA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS COLECTIVAS / FUNDAÇÕES - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / CUSTAS JUDICIAIS ( PRINCÍPIOS GERAIS).
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 437.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 202/2009, DE 28-08: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 6.º, 15.º, N.º2, 26.º, 29.º, 30.º, 34.º, 43.º.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO (NCPC): - ARTIGO 527.º.
Sumário :

I - Prevendo os estatutos de uma fundação que um administrador só possa ser destituído com a invocação de justa causa, e sem direito a qualquer subvenção ou compensação, por um determinado órgão da mesma, a destituição efectuada por outro órgão nunca podia ser considerada como feita com invocação de justa causa, pelo que tal destituição poderia dar lugar a uma subvenção ou compensação pela cessação de funções.

II - Uma dotação do Ministério da Cultura a uma fundação, inicialmente de € 3 700 000, reduzida posteriormente para € 750 000, não pode deixar de ser considerada uma redução substancial do património da fundação, e fora do habitual, justificativa de redução de vencimentos desse administrador, na medida em que não existem quaisquer elementos que levem à conclusão que tal era previsível, aquando da fixação das remunerações dos membros dos seus órgãos dirigentes.

III - Face a essa redução, a manutenção de remunerações de uma administradora dessa fundação, efectuada no contexto económico que se vivia em 2011, seria susceptível de causar uma perturbação grave dos princípios da boa fé, na medida em que não se pode deixar de afirmar que o não reflexo daquela redução e deste contexto nas remunerações dos administradores da fundação não seria eticamente sustentável.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2012.02.23, na ... Vara de Competência ..., AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Fundação Cidade de ....

Pediu

 a condenação da ré a pagar-lhe a quantia total de 800.504,80 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo pagamento, sendo :

a) - 688.004,80 €, devida a titulo de indemnização por danos decorrentes de benefícios (ou lucros cessantes) que deixou de obter, em consequência da revogação do seu mandato ao serviço da ré;

b) - 37.500,00 € devida a título de indemnização pelo incumprimento parcial do contrato por parte da ré, relativo ao período que medeia entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011, consubstanciado na redução da remuneração da Autora em tal período; e

c) - 75.000,00 €, devida a título de indemnização por danos morais.

Alegou

em resumo, que

- quando, em Agosto de 2009, exercia funções na ...- ..., auferindo, como contrapartida do seu trabalho, a remuneração mensal de 7.101,24 €, acrescida de subsídios de férias e de Natal, a ré propôs-lhe integrar o seu Conselho de Administração para o primeiro mandato, a terminar em 31 de Dezembro de 2015, tendo a autora, atentas as condições propostas e a natureza das funções a desempenhar, entendido dever aceitar tal “convite”;

- em razão do referido, a autora fez cessar a comissão de serviço em que se encontrava e foi designada ... do Conselho de Administração (CA) da ré, para o seu primeiro mandato, a terminar a 31 de Dezembro de 2015, auferindo - logo a partir de Setembro de 2009, inclusive a remuneração mensal fixa de 12.500,00 € x14,tudo acrescido do direito ao uso, sem restrições, de um veículo automóvel (com seguro, portagens, parqueamento e 200 litros de combustível mensal incluídos) e de um telemóvel, direito este com um valor médio mensal não inferior a 1.450,00 €;

- sucede que, a partir de 1 de Janeiro de 2011, a Ré , unilateralmente, reduziu a componente pecuniária da sua retribuição de € 12.500,00 para € 8.750,00 mensais e, poucos meses decorridos, em Setembro de 2011, revogou sem justa causa o mandato que a vinculava à ré, facto que implicou o seu regresso imediato ao seu lugar no ..., passando, doravante, a auferir a remuneração mensal correspondente a esse trabalho, no valor de € 2.289,92 ;

- em razão do referido, tem a autora a haver da ré a competente indemnização decorrente da revogação antecipada do mandato, maxime dos valores pecuniários que deixou de auferir a partir da redução unilateral do seu vencimento ao serviço da ré, referente ao período que medeia entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011 [ no total de € 37.500,00 (€ 12.500,00 - €8.750,00 = € 3.750,00 x 10) ] , dos benefícios que deixou de obter até 31/12/2015 [ 688.004,80  ( 12.500,00€ - 2 289,92€ = 10 210,08 x 60 + 1450,00€ x 52 ), e da quantia de € 75.000,00 a titulo de indemnização por danos morais.

Contestando

e também em resumo, a ré alegou que

- o estatuto remuneratório da autora não era o por ela invocado;

- o exercício do mandato pela autora, enquanto administradora executiva da Fundação, não foi isento de criticas, razão porque se optou por fazer caducar o mandato e não lançar mão do mecanismo de justa causa, evitando-se assim a exposição e um julgamento público da própria autora;

- a caducidade do mandato conferido à autora foi, no essencial, legítima, não consubstanciando a respectiva cessação um qualquer dano susceptível de desencadear uma obrigação de indemnização.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 2013.06.03, foi proferida sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente, com o seguinte teor;

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, condenar a ré Fundação Cidade de ... a pagar à autora AA o seguinte:

a) a quantia pecuniária já líquida de € 224.541,20, a título de indemnização do dano sofrido com a revogação unilateral do mandato da autora ao serviço da ré, correspondente ao valor do vencimento que a Autora teria recebido no âmbito desse mandato, desde a produção de efeitos da sua destituição - 1 de setembro de 2011 - até março de 2013, data em que foi anunciada a extinção da Ré, inclusive, descontado do valor da efetiva retribuição auferida pela Autora ao serviço do ... – ...;

b) a quantia pecuniária que vier a ser liquidada ulteriormente, também a título de indemnização do mesmo dano a que se alude em a), referente ao valor do vencimento que a autora receberia da ré, descontado do valor da efetiva retribuição por si auferida ao serviço do ..., no período compreendido entre abril de 2013 e a data efetiva da extinção da Ré, no caso de tal extinção se concretizar em momento anterior a 31 de dezembro de 2015, sendo que, no caso de ocorrer posteriormente a esta data, o valor da indemnização aqui em causa a atribuir à Autora será o contabilizado até essa data de 31 de dezembro de 2015;

c) a quantia pecuniária de € 33.750,00, correspondente ao valor global da redução ilícita do vencimento da autora ao serviço da Fundação Cidade de ..., entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de agosto de 2011;

d) a quantia pecuniária de € 10.000,00, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela autora, em consequência da revogação do seu mandato ao serviço da ré;

e) os juros de mora, contabilizados sobre os valores referidos em a), c) e d), à taxa de 4%, desde a data da citação da ré até efetivo pagamento.

Custas da seguinte forma:

- uma vez que se relegou para liquidação ulterior parte da indemnização a que a Autora tem direito, as custas serão provisoriamente repartidas por Autora e Ré em partes iguais, relegando-se a liquidação definitiva da responsabilidade correspondente para o momento da liquidação definitiva da referida indemnização”.

A ré e a autora apelaram – esta subordinadamente – com parcial êxito, tendo a Relação de ..., por acórdão de 2014.01.30, alterado a decisão recorrida nos seguintes termos:

“ - Condenar a Ré Fundação Cidade de ... a pagar à Autora AA a indemnização, a título de lucros cessantes, de valor equivalente/correspondente à soma das prestações/remunerações mensais (de € 8.750,00) que deixou de auferir após (1/9/2011) e por causa da revogação do mandato, e até 31/12/2015, e sendo a mesma deduzida do que ganhou no mesmo período por não ter tido de cumprir integralmente o mandato;

- Determinar que a quantia indemnizatória indicada em 9.2. seja fixada/liquidada em sede de incidente posterior, nos termos do art. 661.º, n.º 2, do CPC.

9.4.- Condenar a Ré Fundação Cidade de ... a pagar à Autora AA os juros de mora, contabilizados sobre a quantia indemnizatória referida em 9.2, à taxa legal, vencidos a partir da sua notificação para deduzir oposição à liquidação e até efetivo pagamento de tal quantia.

Novamente inconformadas, a ré e a autora – esta novamente subordinadamente - deduziram as presente revistas, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A autora contralegou.

Cumpre decidir.

Por despacho de 2014.05.22 e na sequência da extinção da ré pelo Decreto-lei 56/2014, de 10.04, foi determinado que a instância prosseguiria, no lado passivo, com a intervenção dos liquidatários Direção Geral do Tesouro e Finanças, Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Cultural (GEPAC) e a Câmara Municipal de ....

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) – Se da livre revogação do vínculo que ligava a autora e a ré resulta a ausência do direito de indemnizar

B) – Montante da indemnização

C) – Custas.

Os factos

São os seguintes os factos que foram fixados no acórdão recorrido:

- A Ré foi instituída pelo Decreto-Lei nº 202/2009, de 28 de agosto, sendo, nos termos do disposto no art. 1.º deste diploma, uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública, com duração indeterminada, dotada de personalidade jurídica (al. A dos factos assentes).

 - A Autora é, desde 1991, licenciada em gestão de empresas, com curso de pós graduação em direção de empresas, concluído em 1999 (al. B dos factos assentes).

- Encontrava-se, em Agosto de 2009, a exercer funções profissionais na ...- Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional ..., onde auferia a remuneração mensal de 7.101,24 €, acrescida de subsídios de férias e de Natal (al. C dos factos assentes).

- A Autora foi designada pela Ré ... do Conselho de Administração desta, auferindo uma remuneração mensal fixa de € 12.500,00, paga catorze vezes durante cada ano (doze meses, acrescido de subsídios de férias e de Natal) (al. D dos factos assentes).

- Enquanto administradora da Ré a Autora tinha a seu cargo a gestão de toda a área administrativa e financeira da Ré, pela qual era responsável, competindo-lhe, ainda, substituir a Presidente do Conselho de Administração nos impedimentos desta (al. E dos factos assentes).

- A retribuição a que se alude em 2.4 foi reduzida para € 8.750,00, a partir de 1 de Janeiro de 2011 (al. F dos factos assentes).

- Em Agosto de 2011 o novo Presidente do Conselho de Administração da Ré, BB informou a Autora de que decidira designar novos vogais para o conselho de administração, designadamente, para o exercício das funções que a Autora vinha exercendo, e que iria fazê-lo (al. G dos factos assentes).

- Mais informou a Autora de que, por tal razão, as suas funções e o seu mandato cessariam com a tomada de posse do novo administrador por si escolhido e que também por si iria ser designado para o cargo que a Autora vinha exercendo (al. H dos factos assentes).

- O que veio a acontecer no dia 1 de Setembro de 2011, com a designação e tomada de posse do novo vogal executivo do Conselho de Administração da Ré - CC - a qual foi, de imediato, do conhecimento da Autora (al. I dos factos assentes).

- A remuneração da Autora a que se alude em 2.4 foi fixada por despacho de 17-09-09 do Exmo. Sr.Presidente da Câmara Municipal de ..., pelo facto de, nessa data, não ter, ainda, tomado posse a Comissão de Vencimentos da Ré (al. J dos factos assentes).

 - Nos termos desse despacho a retribuição fixada à Autora estava sujeita aos descontos e às retenções legais (al. K dos factos assentes).

 - Após a tomada de posse da Comissão de Vencimentos, em reunião realizada para o efeito em 18 de Dezembro de 2009, esta deliberou ratificar a decisão a que se alude em 2.10 e atribuir aos vogais executivos do Conselho de Administração as seguintes remunerações e regalias:

- remuneração fixa, paga em catorze meses/ano, no valor fixado pelo despacho referido em 2.10;

- uso de uma viatura da Fundação especialmente afeita ao Conselho de Administração da mesma; e

- uso de telemóvel da Fundação especialmente afeto ao Conselho de Administração da mesma (al. L dos factos assentes).

- Em 16 de março de 2011 o Ministério da Cultura remeteu à Ré o ofício que constitui o documento de fls. 64 a 66, cujo teor se dá aqui por reproduzido, por via do qual comunicava um corte no orçamento da Ré de € 750.000,00 (al. M dos factos assentes).

- A redução da remuneração da Autora a que se alude em 2.6 foi decidida pela Comissão de Vencimentos da Ré, por deliberação tomada por unanimidade em 11-11-10, comunicada à Autora por carta enviada em 17-11-10, constante do documento de fls. 67, cujo teor se dá aqui por reproduzido (al. N dos factos assentes).

- A Autora está vinculada por contrato individual de trabalho, para o exercício de funções públicas, por tempo indeterminado, ao ... - ..., auferindo, como contrapartida da execução desse trabalho, a remuneração mensal de € 2.289,92, acrescida de diuturnidade de € 74,94 e de subsídio de alimentação de € 7,60 por 22 dias (al. O dos factos assentes).

- A Autora exercia as funções a que se alude em 2.3 em regime de comissão de serviço, por requisição ao ...-... (resposta ao quesito 1.º).

- Ao qual se encontrava já vinculada nos termos referidos em 2.15 (resposta ao quesito 2.º).

- No decurso do processo de constituição da Ré, a Autora recebeu da pessoa que viria a desempenhar as funções de Presidente da Fundação Cidade de ..., a proposta de integrar o Conselho de Administração da Ré, para o primeiro mandato deste, a terminar em 31 de Dezembro de 2015 (resposta ao quesito 3.º).

- A autora veio a aceitar as funções inerentes ao cargo e nos termos da proposta a que alude a resposta ao preguntado no quesito 3º - (resposta ao quesito 4º)

-  Na sequência da resposta ao perguntado no quesito 4º, a autora fez cessar a relação de comissão de serviço a que se alude na resposta ao quesito 1º - (resposta ao quesito 5º)

- Sendo designada tal como se alude na alínea D), em 1 de Setembro de 2009 (resposta ao quesito 6.º).

- Teor dos documentos de fls. 85 (despacho da Exma. Sr.ª Presidente do Conselho de Administração a designar a Autora como ... desse órgão da Ré), 86 (auto de posse da Autora como ... do Conselho de Administração da Ré) e dos Estatutos da própria Ré (publicados no D.R. 1.ª Série, n.º 167, de 28 de Agosto de 2009, cuja cópia consta de fls. 16 a 22) (cfr. resposta ao quesito 7.º).

 - À remuneração mensal fixa a que se alude na alínea D) acresceria, para a Autora, o direito ao uso de:

- uma viatura automóvel, com seguro, portagens, parqueamento e, pelo menos, 200 litros de combustível mensal; e

- um telemóvel (resposta ao quesito 8.º).

- Tais prerrogativas tinham um valor médio mensal na ordem dos € 1.450,00 (resposta ao quesito 9.º).

- A Autora passou a receber a retribuição consubstanciada no valor a que se alude na alínea D) e a beneficiar das prerrogativas a que se alude na resposta ao quesito 8º,, com o valor mencionado na resposta ao quesito 9º, a partir de Setembro de 2009, inclusive (resposta ao quesito 10.º).

- A Autora, na sequência do referido na alínea I), regressou ao seu lugar no ... - ... (resposta ao quesito 11.º).

- Ali passando a trabalhar em conformidade com o descrito na alínea O) (resposta ao quesito 12.º).

- A cessação do mandato de administradora da ré foi noticiado pela comunicação social – (resposta ao quesito 14º)

- A ré não explicitou, pubicamente, as circunstâncias da cessação do mandato conferido à autora – (resposta ao quesito 15º).

- A autora, com a cessação das suas funções no CA da ré, ficou profundamente perturbada – (resposta ao quesito 17º)

- Com a cessação das suas funções no CA da ré, sentiu a autora afetada a sua realização profissional – (resposta ao quesito 18º)

- Quer o uso da viatura, quer o uso do telemóvel a que se alude na resposta ao quesito 8º, destinavam-se apenas ao serviço da Fundação e ao melhor desempenho do cargo por parte da Autora (resposta ao quesito 19.º).

- O uso da viatura destinava-se, ainda, a permitir à Autora deslocar-se de casa para a Fundação e vice-versa, possuindo a Autora outro veículo automóvel para deslocações particulares (resposta ao quesito 20.º).

- Em Fevereiro de 2010 a Fundação assinou com DD - ... , ... um protocolo, entendido como conjunto das bases para o estabelecimento de uma parceria estratégica entre ambas as instituições (resposta ao quesito 29.º).

- Nos termos desse protocolo competiria à Fundação Cidade de ... definir os conteúdos programáticos da Capital Europeia... ... e garantir a sua pertinência e coerência, enquanto que à Oficina seria cometido o encargo de produzir o programa (resposta ao quesito 30.º).

- Em Julho e Agosto de 2010, o Diretor de DD e o Diretor de Projecto da Fundação trabalharam num documento relativo à metodologia que deveria concretizar aquele modelo de implementação da Capital Europeia... (resposta ao quesito 31.º).

- A Fundação Cidade de ... propôs, entretanto, à ...um protocolo de financiamento em que se previa que a responsabilidade de DD na produção do programa fosse de dois milhões de euros, de um total de vinte milhões (resposta ao quesito 32.º).

- A entidade DD esperou que o protocolo fosse revisto, em sede de reprogramação (resposta ao quesito 33.º).

- Em face dessa posição teve lugar, em Novembro de 2010, uma reunião na ..., com a presença de um dos Vice-Presidentes e técnicos da ..., dos três Administradores Executivos da Ré, do Diretor de Projecto da Fundação e do Diretor de DD e respectiva assessoria jurídica (resposta ao quesito 34.º).

- Nessa reunião foi afirmado pelo membro da ..., EE, que nada impedia que a participação de DD na produção da Capital Europeia... fosse ampliada para os limites que as partes acordassem (resposta ao quesito 35.º).

.- A convicção da maioria dos participantes nessa reunião foi a de que, a partir desse momento, seria possível voltar à pretensão inicial, consubstanciada na atribuição da implementação do Programa à DD, enquanto estrutura radicada em ... (resposta ao quesito 36.º).

- A Fundação entendeu, contudo, estabelecer o limite de 50% para a participação de DD na produção do evento, por decisão comunicada pela sua Presidente (resposta ao quesito 37.º).

- Na sequência do que, a 30 de Dezembro de 2010, em Adenda ao Protocolo referido em 35, a Fundação regulou a participação de DD na produção de projetos da CEC no valor de cerca de dez milhões de euros (resposta ao quesito 38.º).

- Ainda assim, a celebração do protocolo com DD, destinado a regular a forma de toda a operação de produção do programa, foi sendo sucessivamente protelada pela Fundação (resposta ao quesito 39.º).

- A dada altura, a questão passou a ser conduzida pela Presidente da Fundação e pelo Administrador com o pelouro do programa, BB (resposta ao quesito 41.º).

- Vindo o Protocolo de colaboração entre a Fundação e DD, datado de 15 de Junho de 2011, a ser assinado pela Presidente da Fundação e pelo referido Administrador, mas não pela Autora (resposta ao quesito 42.º).

- As dificuldades de execução de atividades públicas, os sucessivos atrasos em respostas a solicitações variadas, os episódios que marcaram a imagem da Fundação e da cidade, criaram a convicção, na cidade e na Câmara Municipal de ..., que a Fundação não possuía estruturas capazes de garantir a produção dos projetos que os seus programadores tinham proposto (resposta ao quesito 43.º).

- Por tal facto, o Presidente da Câmara Municipal de ... insistiu, a partir de certa altura, na necessidade de conferir maior peso de DD na produção da CEC (resposta ao quesito 44.º).

- Fazendo-o depois de se assegurar junto da ...que nada impedia a elevação do montante a produção pela DD, que poderia ser superior aos 50% a que se alude em 40, com o único intuito de obter garantias suplementares de que a CEC 2012 seria um acontecimento organizado de forma rigorosa e competente (resposta ao quesito 45.º).

- Nesse contacto com a ...o Presidente da Câmara Municipal de ... obteve informação de que o processo de reprogramação e apresentação de candidaturas estava atrasado (resposta ao quesito 46.º).

- Em 28 de Junho de 2011, o Presidente da Câmara Municipal de ... foi alertado pela ...para a falta de um documento sem o qual não seria possível celebrar o Protocolo de Financiamento relativo à candidatura do programa de ação ... (resposta ao quesito 47.º).

- Tal documento resumia-se à identificação dos outorgantes (resposta ao quesito 48.º).

- Em resultado da intervenção do Presidente da Câmara Municipal de ... o documento foi finalmente enviado a 30 de Junho de 2011, embora datado de 15 de Junho (resposta ao quesito 50.º).

- O Diretor do Projecto, FF, demitiu-se, não acreditando na forma da execução de tal projecto (resposta ao quesito 51.º).

- Foi também essa a convicção do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de ..., que, em Julho de 2011, manifestou a intenção de pedir ao Conselho Geral que procedesse à cessação do mandato da Presidente da Fundação Cidade de ... e, consequentemente, de toda a Administração (resposta ao quesito 52.º).

- Foi decidido fazer cessar o mandato da Autora, em conformidade com o que consta do referido em g), h) e i) (respostas aos quesitos 53.º e 54.º).

- A Autora, depois de recebida a carta referida na alínea n), e enquanto responsável pela área financeira, deu instruções aos serviços contabilísticos internos da Fundação, para procederem à alteração das remunerações que fora determinada (resposta ao quesito 55.º).

- A Autora, enquanto responsável pela movimentação das contas bancárias da Fundação e respectivos pagamentos, efetuou, de forma mensal e reiterada, em conjunto com a Presidente da Fundação, as transferências correspondentes ao seu salário líquido (resposta ao quesito 56.º).

- Não manifestando, em nenhum momento, oposição expressa à redução remuneratória (resposta ao quesito 57.º).

- Desde o início da constituição da Ré ficou estabelecido dentro do respectivo Conselho de Administração que a representação institucional da Fundação pertencia à Presidente da Fundação e não à Autora (resposta ao quesito 59.º).

.- Não sendo da competência da Autora, como tal, enviar cartas aos Ministros ou aos Ministérios (resposta ao quesito 60.º).

- O envio do ofício a que se alude na alínea m) foi precedido de uma reunião ocorrida no Ministério da Cultura, na qual estiveram presentes, em representação da Ré, a Autora, o Exmo. Senhor ..., Presidente do Conselho Geral da Ré, a então Presidente da Fundação e do seu Conselho de Administração, GG, o então vogal do Conselho de Administração da Ré e atual Presidente Fundação e do seu Conselho de Administração, BB, o Presidente da Câmara Municipal de ... e membro do Conselho Geral da Fundação, Exmo. Sr. Dr. HH, e, em representação do Ministério, a Exma. Senhora Ministra Dr.ª II (resposta ao quesito 61.º).

- Nessa reunião a Exma. Sr.ª Ministra comunicou o facto de estar previsto o corte orçamental que veio a ser comunicado pelo referido ofício (resposta ao quesito 62.º).

- A Autora, relativamente à questão do corte orçamental, elaborou uma proposta de resposta ao Ministério da Cultura, que dirigiu e enviou à Presidente da Fundação e do Conselho de Administração da Ré (resposta ao quesito 63.º).

- Que, por seu turno, remeteu-a ao então vogal executivo do Conselho de Administração e atual Presidente da Fundação e do Conselho de Administração, BB, para conhecimento e discussão a efetuar posteriormente (resposta ao quesito 64.º).

- Não tendo a Autora tomado qualquer decisão sobre o envio ou não envio dessa proposta, atento o referido nas respostas aos quesitos 59º e 60º (resposta ao quesito 66.º).

- O corte orçamental comunicado por via do ofício referido na alínea m) não inviabiliza o desenvolvimento da atividade da Fundação (resposta ao quesito 68.º).

- Pelo facto de os contratos de financiamento, quer os já celebrados pelo Conselho de Administração da Fundação, com a sua anterior composição, quer os que estavam em vias de aprovação, conterem verba suficiente para suportar o corte (resposta ao quesito 69.º).

.- E em virtude da forma como foi efetuada a previsão orçamental pelo mesmo Conselho de Administração (resposta ao quesito 70.º).

- De seguida à recomposição do Conselho de Administração, ocorrida em Agosto de 2011, a Ré contratou novos colaboradores (resposta ao quesito 71.º).

Os factos, o direito e o recurso

A) – Se da livre revogação do vínculo que ligava a autora e a ré resulta a ausência do direito de indemnizar  

1. Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que na origem da relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré está um negócio jurídico unilateral levado a cabo, no exercício das suas competências, pelo Presidente da Fundação Cidade de ....

Mais se entendeu que a causa da cessação de funções da autora como ... do CA da ré foi a revogação unilateral do vínculo correspondente por parte do Presidente da Fundação Cidade de ... então em exercício de funções.

E que apesar de não haver elementos nos autos que permitissem concluir que a ré tivesse motivos para destituir a autora com fundamento em justa causa, o mandato da autora como ... do CA da ré estava sujeito a revogação unilateral, independentemente da verificação de justa causa para o efeito, pelo que “sendo possível operar essa destituição e tendo o presidente da Fundação competência para efeito, a cessação do mantado da autor assim concretizada foi lícita”.

Entendeu-se, no entanto, que o princípio de livre destituição dos membros do CA da ré não afastava a possibilidade da autora ser ressarcida pela cessação de funções, pelo que a autora tinha direito a ser ressarcida por duas vias.

A primeira, na medida em que o ato de constituição da ré assegura ao vogal do CA destituído “ad nutum” o direito de ser compensado em virtude da cessação de funções e que, por esta via, tinha a autora o direito de ser compensada pelo prejuízo que sofreu em virtude da cessação de funções no CA da ré.

A segunda, na medida em que à cessação de funções da autora no CA se aplicavam as regras do mandato, nos termos da alínea c) do artigo 1172º do Código Civil, uma vez que aqui se verificavam todos os pressupostos para a fixação da indemnização.

Mais se entendeu que a existência do acordo de cedência que consta de folhas 240 a 243 não precludia, como tal, qualquer que fosse o seu conteúdo, os direitos que à autora pudessem ser reconhecidos pelo regime jurídico aplicável à relação jurídica estabelecida com a ré, no quadro da relação de administração que vigorou entre ambas.

Quanto à medida da indemnização a atribuir à autora, entendeu-se que deveria ser fixada em função do montante equivalente a todas as quantias que receberia pelo exercício do seu cargo, não fosse a revogação unilateral do seu mandato, desde a data em que essa revogação produziu efeitos – 1 de Setembro de 2011.

2. No acórdão recorrido houve plena concordância com o decidido na 1ª instância quanto a esta questão.

3. A ré Fundação discorda, porque entende que “a autora em condições nenhumas tem direito a qualquer indemnização pela cessação de funções”.

  Alega que  “não é aplicável o regime do mandato porque a remissão para esse regime estabelecida no artigo 164º, nº1, do Código Civil, respeita unicamente a obrigações de responsabilidade dos titulares das pessoas coletivas, designadamente fundações e não ao regime de cessação de funções”.

Entende que deve ser aplicado antes o regime próprio das associações, previsto no nº2 do artigo 172º do Código Civil, segundo o qual “as funções dos titulares eleitos ou designados são livremente revogáveis, mas a revogação não prejudica os direitos fundados no ato de constituição”.

E como do ato de constituição da ré resultava que os eventuais direitos das partes, designadamente da autora, decorriam do chamado "acordo de cedência do interesse público”, concluiu a ré recorrente que em virtude deste acordo a disciplina das relações entre as parte estava estabelecida na Lei 12.A/2008, de 27.02 - que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas – que só prevê uma indemnização por virtude de cessação de comissão de serviço quando prevista em lei especial, o que não ocorre no caso concreto em apreço.

Vejamos.

4. A ré Fundação Cidade de ... foi instituída pelo Decreto-lei 202/2009, de 28.08 e era pessoa coletiva de direito privado à qual foi reconhecida utilidade pública – cfr. artigos 1º e 2º desse Decreto-lei.

Nos termos do nº3 desse artigo 1º, a Fundação regia-se pelo disposto nesse Decreto-lei e pelos respectivos Estatutos, publicados em anexo e, subsidiariamente, pela legislação aplicável às fundações.

Nos termos do nº1 do artigo 30º dos referidos Estatutos, “os membros do conselho de administração podem ser destituídos por deliberação do conselho geral no caso de violação grave ou reiterada, por ação ou omissão, da lei ou dos Estatutos da Fundação”.

E nos termos do nº3 do mesmo artigo “a demissão com base nos fundamentos do nº1 implica a cessação do mandato, não havendo nesse caso lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções”.

Deste regime resulta, tal como se concluiu nas instâncias e no que concerne à questão que aqui está em causa, que só no caso de ocorrer “violação grave ou reiterada, por ação ou omissão, da lei ou dos Estatutos da Fundação” é que um membro do CA destituído não podia receber “qualquer subvenção ou compensação”.

E que essa destituição só podia ocorrer por deliberação do Conselho Geral da Fundação.

Ora, no caso concreto em apreço, a autora, membro do CA da Fundação, veio a ser destituída do cargo em 1 de Setembro de 2011 pelo então Presidente do CA da mesma Fundação e não por deliberaççao do Conselho Geral da mesma.

Disto resulta que essa destituição não pode ser considerada como feita com invocação de justa causa.

E não pode porque essa teria que ser da iniciativa do Conselho Geral e não do Presidente do CA, como o foi.

Sendo assim, esta não consideração tem necessariamente como consequência que, segundo os Estatutos da ré, a destituição da autora em causa podia dar lugar a “uma subvenção ou compensação pela cessação de funções”.

Não está aqui em causa que a destituição efetuada pelo presidente do CA da ré foi lícita, tendo em conta que do disposto na alínea j) do nº2 do artigo 34º dos Estatutos da ré, conjugado com o disposto no nº2 do artigo 26º dos mesmos Estatutos, não pode deixar de se concluir, conforme de referiu na sentença proferida na 1ª instância, que se o Presidente da Fundação tinha poderes para designar os vogais do CA, também tinha poderes para os destituir.

O que está em causa é que sendo a destituição um ato lícito, em que termos pode a autora ser “compensada” pelos prejuízos que eventualmente veio a ter com ela e cujo ressarcimento está previsto nos Estatutos da ré.

Ora, parece não poder haver dúvidas que se a autora não tivesse sido destituída do cargo de administradora da ré auferiria as remunerações fixadas pela comissão de vencimentos, ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 29º dos Estatutos da ré.

Ou seja, para a contabilização dos prejuízos de que a autora devia ser compensada haverá que se tomar em conta os resultantes da perda de proventos que auferia como administradora da ré.

Face ao acima decidido, perde assim interesse abordar a matéria relacionada com a existência de justa causa para a destituição, assim como a relacionada com a “autonomia do acordo de cedência de interesse público ante o vínculo da autora á ré”.

B) – Montante da indemnização

 Levantam-se aqui várias questões

1. A primeira, levantada pela ré, consiste em determinar até quando se tem que considerar que a autora auferiria aqueles proventos.

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que “visando a indemnização a atribuir à autora repor a situação que existiria não fosse a cessação do vínculo que a unia à ré, forçoso será concluir que a medida dessa indemnização deve coincidir com o período de vida efetiva da ré, pois que só durante ele é que a autora, se mantida em funções, receberia a remuneração que deixou de receber em virtude da sua destituição”.

No acórdão recorrido entendeu-se que a indemnização devia coincidir com o período do mandato da autora, ou seja, 31 de Dezembro de 2015, e isto porque a extinção da ré constituía uma causa virtual do dano, irrelevante segundo o acórdão.

A ré recorrente entende que a indemnização, a ser fixada, deve ser calculado tendo em conta a extinção da mesma ré.

Cremos que tem razão.

É que a extinção da ré não consiste numa causa virtual do dano, consubstanciado este na perda de retribuições desde a dita extinção até 31 de Dezembro de 2015.

Na verdade, a causa virtual é o facto (real ou hipotético) que tenderia a produzir certo dano, se este não fosse causado por outro facto.

Ora, aquela perda de remunerações se a ré fosse extinta antes de 31 de Dezembro de 2015, não era virtual, na medida em que a possibilidade da extinção antes dessa data estava prevista nos estatutos da ré, uma vez que tendo sido constituída por “duração indeterminada” – cfr. parte final do nº2 do artigo 1º dos Estatutos – podia ser extinta em qualquer altura – cfr. artigo 43º dos mesmos estatutos.

O prazo de 31 de Dezembro de 2015 referia-se tão só ao termo do primeiro mandato dos órgão da Fundação – cfr. nº2 do artigo 15º dos mesmos estatutos – que, evidentemente, só existiriam enquanto esta existisse e não fosse extinta.

Sendo assim, os prejuízos relativos à perda de remunerações que a autora sofreu com a sua destituição só podem dizer respeito às remunerações que deixou de receber até à extinção da ré.

Esta extinção verificou-se em 31 de Dezembro de 2013, conforme se determinou no referido Decreto-lei 56/2014, pelo que só até essa altura há que ter em conta as ditas remunerações.

2. Outra questão, levantada pela autora no seu recurso subordinado, diz respeito à licitude da redução da remuneração mensal da autora de 12.500,00 € para 8.750.00 €, por deliberação da Comissão de Vencimentos da ré e com eficácia a partir de 1 de janeiro de 2011 – cfr. alíneas f) e n) dos factos assentes.

Na 1ª instância essa redução foi considerada ilícita, porque, para além de não haver factos que levassem à conclusão que a autora tivesse, expressa ou tacitamente, aceite a mesma, também não havia elementos que indicassem que no momento em que essa redução foi estabelecida tivesse ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias, na medida em que a decisão da Comissão de Vencimentos em que se estabeleceu essa redução “se estribou numa realidade vaga e inconclusiva, insuscetível, enquanto tal, de fundar a decisão tomada”.

Mais se acrescentou que a decisão de reduzir o vencimento da autora violava o princípio da boa-fé “por atentar contra todas as expetativas que nortearam a decisão da autora de integrar o CA da ré e abdicar do seu trabalho anterior”.

Condenou-se, assim, a ré a pagar à autora a quantia de 33.750,00 €, correspondente ao montante da referida redução.

No acórdão recorrido entendeu-se que a redução de vencimentos da autora efetuada pela ré se mostrava “perfeitamente aceitável segundo juízos de equidade” e tendo em conta as alterações anormais das circunstâncias que se verificaram depois da sua fixação inicial, como a redução do financiamento da ré por parte do Estado e a “rápida e célere degradação da situação financeira/orçamental do País”, imprevisível à data daquele fixação, concluindo-se que a não consideração destes fatores não podia “deixar de afetar gravemente os princípios da boa-fé, porque permitiria a manutenção de um grave desequilíbrio das prestações acordadas”.

A autora entende que foi ilícita porque, face às respostas dadas aos quesitos 68º a 71º da base instrutória, se teria que concluir que o corte orçamental não tinha inviabilizado o desenvolvimento da atividade da Fundação e porque, não se conhecendo as bases em que as partes fundaram a sua decisão de contratar, não se podia concluir pela alteração anormal das circunstâncias.

Cremos que não tem razão e se decidiu bem.

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 437º do Código Civil “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada o direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.

 

Vejamos, então, se se verificam no caso concreto em apreço, os diversos e cumulativos requisitos do instituto enunciados neste preceito.

Em primeiro lugar, há que averiguar quais as circunstâncias em que se fundou a decisão da ré Fundação de fixar o vencimento inicial da autora.

Parece evidente que a circunstância basilar não podia deixar de ser o seu património.

Na verdade e embora se admita a interferência de outras circunstâncias e sob pena de estarmos a avalizar regras de má gestão da Fundação, o certo é que para a fixação dos vencimentos dos seus órgãos a Comissão de Vencimentos tinha necessariamente que levar em conta o património da Fundação, enunciado no artigo 6º dos Estatautos e do qual faziam parte dotações da Câmara Municipal de ... e do Ministério da Cultura.

Em segundo lugar, há que averiguar se ocorreu entretanto uma alteração anormal das circunstâncias, ou seja, uma modificação da base negocial fora do habitual.

Ora a dotação do Ministério da Cultura, inicialmente de 3,7 milhões da Euros, foi reduzida em 750.000,00 €, o que não pode deixar de ser considerada uma redução do património da Fundação substancial e fora do habitual, em relação à qual não existem quaisquer elementos que nos levem a concluir que era por esta previsível, aquando da fixação das remunerações dos membros dos seus órgãos dirigentes.

É certo que esse corte não inviabilizou o desenvolvimento da atividade da Fundação, conforme salienta a autora nas suas alegações no recurso subordinado que interpôs e decorre das respostas aos quesitos 68º a 71º.

Mas deste facto não se pode concluir que no desenvolvimento dessa atividade o corte da dotação em causa não tenha tido qualquer influência.

Necessariamente que teve, sob pena de se entender que a dotação inicial era excessiva, o que não é razoável nem resulta da matéria dada como provada.

Temos, pois, que concluir que se verificou uma anormal alteração das circunstâncias.

Em terceiro lugar, há que averiguar se a manutenção da remuneração da autora causaria uma perturbação grave dos princípios da boa-fé.

Como se sabe, à ideia de boa-fé está ligado um sentido vincadamente ético, ou seja, deveres de lealdade, fidelidade e de honestidade.

Ora, pelo que acima ficou dito acerca da redução da dotação e até pelo “contexto económico – financeiro” que infelizmente se vivia em 2011, altura em que a redução se efetivou, não podemos deixar de afirmar que o não reflexo daquela redução e deste contexto nas remunerações dos administradores da Fundação não seria eticamente sustentável.

Sendo assim, temos que que concluir que a manutenção dos montantes iniciais desta remunerações “afetaria gravemente os princípios da boa-fé”.

Finalmente, há que averiguar se a situação criada pela redução da dotação se encontrava abrangida pelos riscos próprios do “regime patrimonial e financeiro” da ré estabelecido no capítulo II dos seus Estatutos.

Sobre esta matéria, não existem quaisquer elementos que nos remitam isso concluir, ou seja, que o corte na dotação do Ministério da Cultura resultasse de flutuação previsível dessa dotação.

Tanto dos referidos Estatutos, como da matéria de facto dada como provada, não resulta sobre a matéria.

E também nada existe que nos permita concluir que aquando da fixação inicial das remunerações, a redução da dotação devia ser equacionada como um risco inerente à sua fixação.

Por tudo isto, concluímos que efetivamente houve uma alteração anormal de circunstâncias que permitia à ré reduzir a remuneração da autora.

E a diminuição de 30% decidida pela ré parece-nos ajustada em face do que acima ficou exposto.

Pelo que bem se andou no acórdão recorrido em ter como lícita a redução da remuneração da autora em causa.

F) - Custas

No acórdão recorrido e quanto à condenação em custas, decidiu-se o seguinte:

As custas de cada apelação ficam a cargo de recorrente e recorrida, fixando-se a responsabilidade de cada um nos seguintes termos:

- no recurso principal, na proporção de 85% e de 15 % , respectivamente, para recorrente e recorrida;

- no recurso subordinado, na proporção de 10% e de 90%, respectivamente, para recorrente e  recorrida”.

A ré Fundação entende que tal repartição das custas deve ser alterada, no sentido de as custas da sua apelação ficarem a seu cargo na percentagem de 35% e a cargo da autora na percentagem de 65%.

E as custas da apelação da autora ficarem a seu cargo na percentagem de 10º e da autora na percentagem de 90%.

Não tem razão.

Na verdade, quanto à sua apelação, a ré não decaiu apenas nos “itens” que enunciou nas alegações desta revista, mas também e principalmente, na sua pretensão de a autora não ter direito a qualquer indemnização, pelo que, atento ao disposto no artigo 527º do Novo Código de Processo , nos afigura como correta a repartição efetuada.

E quanto à apelação da autora, o que se decidiu quanto a custas no acórdão recorrido foi precisamente o aqui pretendido pela ré recorrente, isto é, as custas ficariam a cargo da aí recorrente – a autora – na percentagem de 10% e a cargo da ré, na percentagem de 10%.

Não merece, assim, qualquer censura o acórdão recorrido neste ponto.

Concluindo

1. Prevendo os estatutos de uma fundação que um administrador só podia ser destituído, com a invocação de justa causa e sem direito a qualquer subvenção ou compensação, por um determinado órgão da mesma, a destituição efetuada por outro órgão nunca podia ser considerada como feita com invocação de justa causa, pelo que a destituição assim feita podia dar lugar a uma subvenção ou compensação pela cessação de funções.

2. Uma dotação do Ministério da Cultura a uma fundação, inicialmente de 3,7 milhões €, reduzida posteriormente em 750.000,00 €, não pode deixar de ser considerada uma redução do património da fundação substancial e fora do habitual, justificativa de redução de vencimentos desse administrador, na medida em que não existirem quaisquer elementos que levem à conclusão que era por ela previsível aquando da fixação das remunerações dos membros dos seus órgãos dirigentes.

3. Face a essa redução, a manutenção da remuneração de uma administradora dessa Fundação, efetuada no contexto económico que se vivia em 2011, causaria uma perturbação grave dos princípios da boa-fé, na medida que não se pode deixar de afirmar que o não reflexo daquela redução e deste contexto nas remunerações dos administradores da fundação não seria eticamente sustentável.

Decisão

Nesta conformidade, julgando-se parcialmente procedente a revista da ré e totalmente improcedente a revista da autora, altera-se o acórdão recorrido na parte em que fixou a indemnização tomando em conta os proventos da autora até 31 de Dezembro de 2015, no sentido que que se deve tomar em conta esses proventos até à extinção da ré, ou seja, 31 de Dezembro de 2013, mantendo-se tudo o restante decidido.

Custas da revista da ré por ambas as partes, de acordo com o vencimento.

Custas da revista da autora por esta.

Lisboa, 20 de Novembro de  2014

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista

Fernando da Conceição Bento