Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
907/15.0T8PTG.E1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
ALCOOLEMIA
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
LIBERDADE CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
TERCEIRO
SEGURO FACULTATIVO
SEGURO DE GRUPO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE.
DIREITO DO CONSUMO – INCLUSÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS EM CONTRATOS SINGULARES / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS 3, 4 E 5 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º E 342.º, N.º 2.
REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25/10, COM A REDAÇÃO DADA PELO DL N.º 249/99, DE 07-07: - ARTIGOS 7.º, 10.º E 11.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 01-03-2016, PROCESSO N.º 1/12.6TBALD.CI.S1;
- DE 10-03-2016, PROCESSO N.º 137/11.0TBALD.C1.S1.
Sumário :
I. A cláusula geral inserida num contrato de seguro facultativo do “Ramo Vida Grupo” que exclui a cobertura do risco em caso de ações ou omissões praticadas pela pessoa segura, quando lhe for detetado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro, estabelece, desse modo, um nexo entre ação ou omissão praticadas pela pessoa segura e o facto de esta ser portadora daquele grau de alcoolemia.

II. Trata-se, portanto, de uma cláusula que, nos limites da liberdade contratual, densifica, em termos razoáveis, o ónus de prova que incumbe à seguradora sobre a verificação da causa de exclusão da cobertura do seguro ali prevista mediante um coeficiente probatório revelado na coincidência temporal entre a ação ou omissão causadora do sinistro, praticada pela pessoa segura, e o facto de esta se encontrar num estado de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro. 

III. Nessa conformidade, basta à seguradora alegar e provar a ação ou omissão causadora do sinistro, praticada pela pessoa segura, e o facto de esta se encontrar então portadora do referido grau de alcoolemia, não se exigindo que a seguradora prove ainda o nexo causal especificamente naturalístico entre esse grau de alcoolemia e o resultado verificado (o sinistro).

IV. Num caso em que, como no dos autos, muito embora se considere que não incumbe à seguradora provar o nexo causal naturalístico entre o sinistro e o grau de alcoolemia de que o segurado era portador, tendo-se provado que o sinistro resultou de ato de terceiro, que não de ato ou omissão do próprio segurado, não é aplicável a referida cláusula de exclusão.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, em 26/06/2015, contra a BB - Companhia de Seguros, S.A. (R.), alegando, no essencial, o seguinte:  

. A A. que é a única herdeira por óbito do seu filho CC, falecido no dia 22/12/2012;

. Este e a sua companheira DD, conjuntamente, haviam adquirido, por compra e venda celebrada em 29/08/2006, uma fração autónoma em prédio para habitação;

. Para tal, ambos contraíram um empréstimo hipotecário no valor de € 125.000,00, junto da Caixa Geral de Depósitos, responsabilizando-se, solidariamente, pelo respetivo pagamento;

. No ato da referida escritura, de acordo com o clausulado da mesma, celebraram contratos de seguro facultativo do Ramo 11 Vida Grupo, contratados pelo falecido CC para pagamento do capital seguro, em caso de morte, nos valores de € 110.000,00 e € 15.000,00, respetivamente, devidos à Caixa Geral de Depósitos, que ali figura como beneficiária;

. As respetivas apólices estavam em vigor à data do falecimento de CC, estando, nessa data, em dívida à Caixa Geral de Depósitos, cerca de € 99.289,14 e € 13.539,45;

. Todavia, interpelada para tanto, a R. seguradora declinou a responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, invocando que o segurado ingeriu bebidas alcoólicas nos momentos que precederam a sua morte;

. Porém, o segurado morreu em consequência das lesões sofridas em agressão, conforme resulta do teor do acórdão condenatório de EE;

. Desde a data da morte de CC, nem a A. nem a companheira do falecido procederam ao pagamento do mútuo, em consequência do que a Caixa Geral de Depósitos interpôs ação executiva, para cobrança dos respetivos valores, que corre termos sob o n.º 622/15.5T8PTG do Tribunal da Comarca de ….

Concluiu a A. a pedir que a R. fosse condenada a pagar à Caixa Geral de Depósitos (CGD), no âmbito das invocadas Apólices Vida, a quantia que, à data do decesso de CC, estava em dívida, no valor aproximado de € 112.825,59, no âmbito do alegado contrato de mútuo celebrado por aquele falecido e companheira DD com a CGD, bem como nos juros vencidos desde então e vincendos, em valor correspondente ao que é reclamado por esta na execução n.º 622/15.5T8PTG.

Requereu ainda a A. a intervenção principal de DD e da Caixa Geral de Depósitos.

2. A R. contestou, por via excetiva, alegando que:

. O sinistro em causa se encontra excluído das condições gerais do contrato apólice vida Grupo n.º 9…2, nos termos da estipulação contratual constante da cláusula 5.ª, parágrafo 5.1, al. b), sob a epigrafe “Exclusões aplicáveis a todas a coberturas” das condições gerais da apólice, nos termos da qual:

“Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações: (…)

b) - Ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora da prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro”.

. De acordo com o relatório do INML, aquando do evento, o segurado apresentava uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,97 g/l, que determina necessariamente, a par da diminuição das capacidades de vigilância, perturbação dos reflexos e da coordenação motora, também uma influência no comportamento individual, na capacidade de avaliação dos acontecimentos, causando euforia associada a comportamentos temerários e irrefletidos ou mesmo inconscientes.

. Na altura dos acontecimentos, conforme resulta da matéria de facto provada constante do acórdão que condenou EE, como autor do homicídio do aqui segurado, a morte deste ocorreu na sequência de interpelações que ele dirigira àquele arguido e de envolvimento físico entre ambos.

. Foi, pois, conduta do segurado que desencadeou todo o processo causal que culminou na sua morte, quando o mesmo se encontrava embriagado.

Nessa base, concluiu a R. pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.

3. Foi deferida a intervenção de DD e da CGD, por se considerar terem interesse idêntico à A., respetivamente na qualidade de beneficiária do seguro e de mutuária.

4. Citada, veio a CGD declarar fazer seu o articulado da A, esclarecendo que:

. Existem dois contratos de mútuo, ambos objeto de seguro de vida grupo com a R. BB, sendo que a A. apenas juntou comprovativo documental respeitante à outorga de um deles – o mútuo no montante de € 110.000,00;

. Porém, foi celebrado também outro contrato de mútuo em 29/08/ 2006, pelo montante de € 15.000,00;

. Assim, em 22/12/2012 - data do óbito de CC – o capital em dívida ascendia aos seguintes valores: € 99.473,74, relativamente ao mútuo de € 110.000,00; € 13.564,62, quanto ao mútuo de € 15.000,00.

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença de fls. 152-162, datada de 26/09/2016, a julgar a ação procedente, condenando-se a R. BB - Companhia de Seguros, S.A., a pagar à CGD, o capital em divida nas apólices acima identificadas, bem como os juros vencidos desde então e vincendos, correspondendo ao valor exequendo na ação executiva n.º 622/15.5T8PTG e que, em 15/04/2016, era de € 130.246,23.

6. Inconformada com tal decisão, a R. recorreu, em sede de impugnação de facto e de direito, para o Tribunal da Relação de … que, através do acórdão proferido a fls. 198-228, datado de 27/04/2017, julgou, por unanimidade, improcedente a apelação confirmando a sentença recorrida. 

7. Desta feita, vem a R. pedir revista excecional, ao abrigo das alíneas a), b) e c) do artigo 672.º do CPC, tendo sido proferido o acórdão de fls. 360-363/v.º, datado de 20/12/2017, pela formação dos três juízes deste Supremo Tribunal a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo, a considerar verificado o pressuposto previsto na sobredita alínea a) respeitante à relevância jurídica da questão em apreço para uma melhor aplicação do direito, sem necessidade de apreciar os demais pressupostos invocados.  

8. A Recorrente formulou, no que ora releva, as seguintes conclusões recursórias:

1.ª – A questão a apreciar no recurso resulta da necessidade de determinação de um regime interpretativo de uma cláusula comum a uma generalidade de contratos de seguro e que têm vindo a obter decisões díspares no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;

2.ª - Neste âmbito, cumpre apreciar e decidir se a referida cláusula de exclusão se reconduz ao da verificação objetiva de que no momento do sinistro e na pessoa do segurado, foi detetado um volume de álcool no sangue superior a 0.5 g/l. bastando-se a existência desse grau de alcoolemia no momento da ação ou omissão causadora da morte, ou se pelo contrário se terá de se verificar um nexo causal entre a alcoolemia e a ação ou omissão que determinou a morte da pessoa segura.

3.ª - Acresce que a situação dos presentes autos tende a “ultrapassar os limites da situação singular contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros”, dado que situações de existência de cláusulas de exclusão por existência de um certo grau de alcoolémia, habitualmente têm lugar no âmbito dos contratos de seguros de vida, celebrados pela generalidade das Seguradoras, que não só a ora Recorrente, e cujo enquadramento e interpretação carece de concretização por parte do STJ, por forma a garantir a certeza jurídica no tratamento das mesmas,

4.ª - Encontra-se verificada “in casu” a clara necessidade desta revista para que a pronúncia que venha a emitir sobre a questão em apreço possa servir de orientação para os restantes tribunais, por forma a assegurar “uma melhor aplicação do direito” em prol da segurança jurídica, invocando-se os acórdãos já proferidos no Proc.º n.º 1/12.6TBALD.CLS1 e no Proc.º n.º 137/11.0TBALD.C1.SI, os quais estão em contradição com o decidido no acórdão recorrido;

5.ª - No acórdão recorrido, no que tange à questão controvertida, no sentido de saber “se a referida cláusula de exclusão se reconduz à verificação objetiva, de que no momento do sinistro e na pessoa do segurado, foi detectado um volume de álcool no sangue superior a 0,5g/l, bastando a existência desse grau de alcoolémia no momento da ação ou omissão causadora da morte, ou se pelo contrário se terá de se verificar um nexo causal entre a alcoolémia e a ação ou omissão que determinou a morte da pessoa segura”, o Tribunal “a quo” formulou, com relevância para a questão, em síntese, as seguintes conclusões:

“ XII - No caso vertente foi a própria autora quem, logo na petição inicial juntou documento com o título "Informações ao Aderente do Seguro de Vida Grupo", do qual constam, para além do mais, as coberturas c exclusões absolutas, onde se insere a referida cláusula, donde seja de concluir que a Ré pode prevalecer-se da mesma, cabendo consequentemente proceder à respetiva interpretação.

XIII - Sendo um contrato de adesão, a interpretação das suas cláusulas deve obedecer às regras gerais estabelecidas nos art.°s 236.º c seguintes do Código Civil, mas as especificidades decorrentes dos artigos 7°, 10° c 11° do regime das Cláusulas Contratuais Gerais aprovado pelo DL 446/85 de 25/10.

XIV - Tendo a ré logrado provar que aquando da respetiva morte o segurado se encontrava com uma taxa de alcoolemia superior aos 0,5 gramas por litro de sangue a que alude a referida clausula de exclusão, mas já não que o sinistro tivesse ocorrido pelo facto de o segurado estar influenciado por bebidas alcoólicas, ou seja, na expressão decorrente do corpo da cláusula, que a verificação do risco morte fosse devida a tal taxa, a seguradora não provou, como lhe competia, a verificação da invocada causa de exclusão da cobertura do contrato de seguro."

6.ª - Nas conclusões apresentadas pela R. ao Tribunal da Relação, pretendia-se dirimir a questão controvertida de direito supra indicada, referindo-se aí e então que a R. considerava que:

“ao desconsiderar que a cláusula de exclusão não exige a prova do nexo de causalidade entre o acidente mortal e o consumo de álcool o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação do contrato e da lei, designadamente da cláusula 5.ª, parágrafo 5.1, alínea b), do contrato de seguro e das normas constantes dos artigos 236.º e 563.º do CC e art.º 10.º da LCCG”;

7.ª - É dado objetivo que a redação da cláusula ora colocada em apreciação, prevê que a exclusão da cobertura depende tão só de ao segurado/ sinistrado, ser detetado um grau de alcoolémia superior a 0.5 g/l;

8.ª - Trata-se, a dita cláusula, na redação a que já se fez referência, ou noutra redação mas com o mesmo conteúdo e alcance, ou seja a “exclusão da garantia do seguro desde que seja detectado grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5g/l”, de uma cláusula contratual geral, em que se consagra a teoria da impressão do destinatário adotada no art.º 236.º do CC, valendo o princípio consagrado no art.º 10.º da LCCG de que:

“são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.”

9.ª - É, aliás, o entendimento supra explanado, que se encontra plasmado nos acórdãos do STJ, que se invocam (acórdãos-fundamento: Proc.º n.º 1/12.6TBALD.C1.S1 e Proc.º n.º 137/11. 0TBALD.CLS1 e dos quais se transcrevem as partes correspondentes à interpretação (que se perfilha) referente à cláusula de exclusão;

10.ª – Assim, no Proc.º n.º 1/12.6TBALD.CI.S1:

“A cláusula de exclusão não exige a prova do nexo de causalidade entre o acidente mortal e o consumo de álcool, bastando que estes dois factos estejam associados em termos de coincidência temporal, o que se demonstrou, e não que o acidente tenha a sua causa naturalística, ou em termos de adequação ou de probabilidade, para o efeito do art.º 563.º do CC, no consumo do álcool.

Afastou-se, assim, no plano da liberdade contratual, a exigência do ónus da prova da necessidade de verificação de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e a acção ou a omissão que determinou a morte da pessoa segura.

A verificação da exclusão basta-se com a existência de um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas/litro por parte da pessoa segura no momento da acção ou omissão causadora da morte.”

11.ª – No Proc.º n.º 137/11.0TBALD.C1.S1:

“Cumpre, aqui chegados, interpretar o sentido da cláusula de exclusão, no pressuposto de que a interpretação da vontade expressa na declaração negocial constitui questão de facto quando consista em apurar se o destinatário conhecia a vontade real do declarante c o seu conteúdo - que pela ausência de factos provados não se coloca - e constitui questão de direito sempre que haja de realizar-se, na ignorância de tal vontade, nos termos do art.º 236.°, n.º 1, do Código Civil - acórdão do STJ de 11.11.1992, processo n.º 003424, in www. dgsi.pt

Dentro destes ditames legais, não nos suscita dúvidas que o sentido normal, apreendido ou extraído por um declaratário medianamente instruído colocado na posição dos segurados, da expressão acção ou omissão, é o do comportamento, activo ou omissivo, do segurado caracterizador do risco ou do sinistro, a que se reconduz o facto provado de a morte ter sido causada por comportamento do DD; e, o da expressão ser detectado taxa de alcoolémia no sangue superior a 0,5g/l é o da verificação objectiva, no momento do acidente e na pessoa do segurado, de um volume de álcool no sangue superior ao valor de 0,5 g/l...

Não encontra, neste particular, o mínimo de correspondência na letra da cláusula, o sentido de se exigir nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia superior a 0,5g/l, ou melhor dos efeitos a ela associados, e o sinistro

A detecção de uma taxa de alcoolémia superior a 0,5 g/l, repete-se, comporta para o declaratário abstracto, medianamente instruído c sagaz, apenas o sentido da verificação objectiva de uma taxa superior aquele valor máximo, não implicando complementarmente a demonstração de qualquer nexo causal com o acidente verificado que nela não encontra expressão sustentadora.”

Pede a Recorrente que se revogue o acórdão recorrido e substitua por decisão que a absolva do pedido.

9. A A. contra-alegou a sustentar a confirmação do julgado.   

        

       Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

        

   II – Delimitação do objeto do recurso


Considerando que o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC, as questões fundamentais suscitadas pela Recorrente consistem:

i) – Primeiramente, em determinar o alcance da estipulação contratual constante da cláusula 5.ª, parágrafo 5.1, al. b), sob a epigrafe “exclusões aplicáveis a todas a coberturas” das condições gerais da apólice do contrato de seguro de vida em referência, mormente quanto a repartição do ónus de prova sobre o nexo de causalidade entre o sinistro e o grau de alcoolemia de que o segurado era portador no momento em que ocorreu tal sinistro;    

 ii) – Seguidamente, ajuizar, ante a factualidade provada, se o sinistro deve ser considerado como resultado de ação ou omissão praticado pela pessoa segura portadora de um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.

 

III – Fundamentação


1. Factualidade provada


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. No dia 22-12-2012, CC faleceu na Freguesia de …, Concelho de Elvas, no hospital de Elvas.

1.2. O falecido CC, conjuntamente com sua companheira DD, havia adquirido por compra e venda celebrada em 29/08/2006 uma fração do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominada fracção J, correspondente ao segundo andar B, sito na Rua …, n.º …, na Freguesia de …, no Concelho de Elvas, conforme cópia da escritura de compra e venda junta como doc. n.º 2 com a p.i.;

1.3. Para tal, contraiu o falecido e a sua identificada companheira à data dos factos – DD –, um empréstimo hipotecário do valor de € 125.000,00, junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD), importância por cujo pagamento ambos se responsabilizaram, solidariamente, conforme cópia da escritura de compra e venda junta como doc. n.º 2 com a p.i..

1.4. No ato de celebração da referida escritura de compra e venda foi também celebrado em documento particular (complementar) - um clausulado adicional no qual sob a al. b) do n.º 2 da cláusula 4.ª se faz referência expressa à celebração de contrato de seguro (facultativo) do Ramo 11 Vida Grupo, contratado pelo falecido CC, junto da R. Seguradora para pagamento do capital seguro, em caso de morte, do valor respectivamente de € 110.000,00 e € 15.000,00, devidos à CGD (beneficiária) pelo capital mutuado, em dívida, no âmbito da aquisição do identificado imóvel para habitação própria do falecido e sua companheira – DD - conforme documento complementar que é parte integrante da escritura;

1.5. A celebração pelo CC dos referidos contrato(s) de seguro(s) de vida está titulado por dois “Certificados Individuais de Adesão”, com as apólices de Vida Grupo n.º 9…2/ 95 e n.º 9…2/98, conforme cópia dos certificados individuais de Adesão, juntos como doc. n.º 3 e 4, com a p.i.

1.6. Ambos contratos de seguro de vida, titulados pelas referidas apólices, respetivamente, dos valores seguros de € 110.000,00 e € 15.000,00, foram celebrados e estão em vigor, sem interrupção, desde 29-08-2006, os quais estavam em vigor à data do falecimento do CC (22-12-2012), sendo beneficiária dos valores do capital seguro (mutuado) a Caixa Geral de Depósitos com sede na …, …, 1000-300 LISBOA.

1.7. A sucessão aberta por óbito de CC apenas deu lugar ao chamamento da A., mãe do falecido, que é a sua única herdeira universal, conforme a cópia da habilitação de herdeiros junta; 

1.8. À data do óbito do CC, no âmbito do aludido contrato de empréstimo (mútuo), eram devidos por este à CGD, no âmbito da aquisição do prédio urbano que atrás se identifica, destinado à habitação própria do falecido e de DD, os valores, aproximadamente, de € 99.289,14 e € 13.539,45, conforme Notas de lançamento n.º 001…1 e n.º 001…3 da Caixa Geral de Depósitos, enviadas por esta para os mutuários (CC e DD), cujas responsabilidades (dívidas) estavam seguras, nos termos atrás referidos, no âmbito das Apólices de Vida Grupo n.º 9…2/95 e n.º 9…2/98, respetivamente, com cobertura, em ambas, do risco de invalidez e morte do CC.

1.9. Os factos que levaram à morte de CC foram objeto de julgamento no processo comum coletivo n.º 490/12.9PBELV, que correu termo no 1.º juízo do Tribunal Judicial de …, no âmbito do qual o arguido EE foi condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio, previsto e punido pelo art.º 131.º do Cód. Penal;

1.10. No referido acórdão resultou provado:

a) - O segurado CC na ocasião do sinistro acusava uma taxa de alcoolemia de 1,97 g/l.

b) - Cerca das 03h50 do dia 22 de Dezembro de 2012, na casa de banho do bar das instalações do Motoclube Alentejano de …, o Segurado CC iniciou uma discussão.

c) - Dirigindo-se directamente a EE o Segurado da R. declarou: “Nós temos contas a ajustar” e “Não me esqueço de ti”.

d) - Após o que o segurado da R. e o referido EE, se empurraram um ao outro.

e) - Tendo sido separados.

f) - Cerca das 4h00, o referido EE, decidiu abandonar o estabelecimento.

g) - Ao sair, EE foi de novo interpelado pelo segurado da R. para que resolvessem o diferendo no exterior, tendo aquele anuído.

h) - Logo que transpuseram o portão que dá acesso ao parque de estacionamento, o segurado da R., munido com um copo de vidro, partido, desferiu com ele uma pancada sobre a cabeça e face (zona lateral) de EE, que de imediato começou a sangrar abundantemente.

i) - Ato contínuo o EE e o segurado da R. envolveram-se em luta.

j) - Tendo então sido separados e afastados um do outro.

k) - EE permaneceu na zona do parque de estacionamento, e o segurado da R. dirigiu-se de novo para a Zona do bar, após o que regressou e transpôs o portão.

l) - Entretanto, EE, apercebendo-se de que o segurado da R. se encontrava de novo no parque de estacionamento, caminhou ao encontro deste, que igualmente avançou na sua direção.

m) - EE, então empurrou o Segurado da R. fazendo-o embater numa viatura e cair ao chão após o que lhe desferiu um pontapé sobre o corpo.

1.11. No contrato de seguro supra referido, na cláusula contratual constante da alínea b) do parágrafo 5.1 da cláusula 5.ª, sob a epígrafe "Exclusões aplicáveis a todas as coberturas", das Condições Gerais da Apólice está previsto o seguinte:

   “5.1. Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

   a)…

   b) - Ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detetado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.”

1.12. De acordo com o relatório da autópsia elaborado pelo INML, junto pela A. com a petição inicial como doc. 12, efetuado na pessoa do Segurado CC, este acusava aquando do evento, uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,97 g/l.

1.13. A morte do segurado CC ocorreu como consequência direta e necessária das agressões levadas a cabo pelo arguido sobre o mesmo, nomeadamente do último pontapé desferido contra o seu corpo, pelo qual sofreu de perfuração pulmonar, de ambos os pulmões, provocada pela compressão da caixa torácica (produzida pelo impato resultante da agressão), que determinou a ruptura dos alvéolos pulmonares e a falência da respiração, provocando direta e necessariamente a sua morte.

1.14. Em 15/06/2016, o valor exequendo na execução n.º 622/15. 8T8PTG, que corre termos no Tribunal de Instância Central de …, secção cível e crime, J1, era de € 130.246,23.


2. Facto dado como não provado


Foi dado como não provado que:

O sinistro decorreu da conduta do segurado da R. CC e da circunstância de apresentar uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,97 g/l, e consequente incapacidade de avaliação dos acontecimentos, euforia e irreflexão.


3. Do mérito do recurso


3.1. Quanto à questão da interpretação da estipulação da exclusão da cobertura do seguro constante da cláusula 5.ª, parágrafo 5.1, alínea b), das Condições Gerais da Apólice


    O fundamento da presente ação inscreve-se no âmbito de um contrato de seguro facultativo do “Ramo Vida Grupo”, nos termos das apólices n.º 9…2/95 e n.º 9…2/98, a que aderiu CC, contrato esse celebrado em 29-08-2006, portanto ainda sob a vigência do regime constante dos artigos 425.º e seguintes do Código Comercial de 1888, e em vigor à data do sinistro em causa ocorrido em 22-12-2012.

Da cláusula 5.ª, sob a epígrafe “exclusões aplicáveis a todas as cobertura”, parágrafo 5.1, alínea b), das Condições Gerais da Apólice, consta o seguinte:

   “5.1. Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

   a) (…)

   b) - Ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detetado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.”


     A primeira questão controvertida que aqui se suscita respeita à interpretação a dar a essa cláusula de exclusão, mais precisamente sobre a repartição do ónus de prova relativo ao nexo de causalidade entre o sinistro e o grau de alcoolemia de que a pessoa segura seja portadora aquando dessa ocorrência.

     As instâncias consideraram como não provado o nexo de causalidade entre o sinistro e o teor de alcoolemia do segurado, sendo que, no acórdão recorrido, se adotou o entendimento de que incumbia à seguradora o ónus de alegar e provar a verificação dessa causa de exclusão, incluindo o nexo de causalidade entre o sinistro e a alcoolemia de que a pessoa segura era então portadora, superior a 0,5 gramas por litro, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do CC.

Por sua vez, a Recorrente vem sustentar, em síntese, que basta a constatação desse grau de alcoolemia no momento da ação ou omissão causadora do sinistro para que se tenha por verificada a causa de exclusão ali prevista.

E para tanto convoca o entendimento seguido nos acórdãos do STJ, de 01/03/2016 e 10/03/2016, proferidos, respetivamente, nos processos n.º 1/12.6TBALD.CI.S1 e n.º 137/11.0TBALD.C1.S1, no âmbito dos quais estava em causa uma cláusula de igual teor.


Vejamos.


Como bem se refere no acórdão recorrido, as cláusulas gerais inseridas num contrato de adesão, como o aqui em foco, são suscetíveis de interpretação em conformidade com as regras gerais dos artigos 236.º e seguintes do CC, embora com as especificidades decorrentes dos artigos 7.º, 10.º e 11.º do regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 249/99, de 07-07.

Assim, face ao disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, tal interpretação deve pautar-se pela denominada teoria da “impressão do destinatário”, segundo a qual prevalece “o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. E, tratando-se de um contrato formal, nos termos do art.º 238.º, n.º 1, do mesmo Código, tal declaração só pode valer com um sentido que tenha o mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

Acresce que as cláusulas gerais inseridas no contrato de adesão devem ser interpretadas “sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”, aferindo-se em função de um aderente normal, colocado na posição de aderente real, prevalecendo, em caso de dúvida, o sentido mais favorável ao aderente, respetivamente nos dos artigos 10.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1 e 2, do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, constante do citado Dec.-Lei n.º 446/85. 

Ora a cláusula de exclusão da cobertura do seguro acima transcrita, no que aqui releva, estabelece, desse modo, um nexo entre ação ou omissão praticada pela pessoa segura e o facto de esta ser portadora de um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro. Significa isto que se tem por excluída a cobertura do seguro nos casos em que a pessoa segura pratique ação ou omissão causadora do sinistro, encontrando-se em estado de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.

Do assim clausulado decorre que bastará à seguradora alegar e provar a ação ou omissão causadora do sinistro praticada pela pessoa segura e o facto de esta se encontrar então portadora do referido grau de alcoolemia, não se exigindo que a seguradora prove ainda o nexo causal especificamente naturalístico entre esse grau de alcoolemia e o resultado verificado (o sinistro).

Reconhecida como é a dificuldade desta prova específica, por parte das seguradoras, bem se compreende que estas procurem excluir a cobertura do seguro nos casos em que se verifique uma tal coincidência temporal entre o sinistro e o dito estado de alcoolemia da pessoa segura.

Trata-se, por conseguinte, de uma cláusula que, nos limites da liberdade contratual, densifica, em termos razoáveis, o ónus probatório que incumbe à seguradora sobre a verificação da causa de exclusão da cobertura do seguro ali prevista.

Foi essa, de resto, a linha de entendimento seguida nos acórdãos do STJ convocados pela Recorrente.

Nesse sentido, a dado passo, no acórdão de 01/03/2016 proferido no processo n.º 1/12.6TBALD.CI.S1, considerou-se o seguinte:

«(…) a cláusula de exclusão não exige a prova do nexo de causalidade entre o acidente mortal e o consumo de álcool, bastando que estes dois factos estejam associados em termos de coincidência temporal, o que se demonstrou, e não que o acidente tenha a sua causa naturalística, ou em termos de adequação ou de probabilidade, para o efeito do art. 563.º do CC, no consumo de álcool.

Para o preenchimento da cláusula de exclusão, exige-se apenas que a pessoa segura pratique ações ou omissões acusando o consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora da prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

Afastou-se, assim, no plano da liberdade contratual, a exigência do ónus de prova da necessidade da verificação de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e a ação ou omissão que determinou a morte da pessoa segura.»


    E também no acórdão do STJ de 10/03/2016 proferido no processo n.º 137/11.0TBALD.C1.S1 se considerou o seguinte:

«A detecção de uma taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l (…) comporta para o declaratário abstracto, medianamente instruído e sagaz, apenas o sentido da verificação objectiva de uma taxa superior àquele valor máximo, não implicando complementarmente a demonstração de qualquer nexo causal com o acidente verificado que nela se encontra expressão sustentadora.

E, compreende-se que assim seja: o sentido útil da cláusula é não fazer repercutir sobre a seguradora, no domínio de um seguro de grupo facultativo, o agravamento desmesurado do risco de acidente associado a alguém caçar com alcoolemia superior ao máximo legalmente permitido, e não também exigir (…) que alegue e, sobretudo prove, terem sido os efeitos associados à alcoolemia concretamente detectada que originaram ou justificaram o acidente, probatio diabolica que já se havia revelado injusta, ao tempo da alteração, no exercício judicial do direito de regresso da seguradora automóvel perante o condutor causador do acidente que, no momento, se encontrasse sob a influência do álcool, previsto no art.º 19.º, alínea c), do Dec.Lei n.º 522/85, de 31-1.»

      Em suma, não encontramos razões para nos desviarmos deste entendimento jurisprudencial, não sufragando, pois, o entendimento perfilhado no acórdão recorrido de fazer recair sobre a seguradora o ónus de provar um nexo causal especificamente naturalístico entre o sinistro e a grau de alcoolemia de que a pessoa segura era então portadora. Basta, pois, o coeficiente probatório revelado na coincidência temporal entre a ação ou omissão causadora do sinistro, praticada pela pessoa segura, e o facto de esta se encontrar num estado de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.

 

    Termos em que procedem, neste particular, as razões da Recorrente, restando agora saber se, ainda assim, em face dos factos provados, se verifica aquela causa de exclusão.


 3.2. Quanto a verificação da alegada causa de exclusão


    Sustenta a Recorrente que, provado que está que a pessoa segura era portadora de um grau de alcoolemia no sangue de 1,97 gramas por litro no momento em que ocorreu o sinistro, se deve ter por verificada a causa de exclusão em referência. E é também neste sentido que convoca os acórdãos do STJ acima identificados.


 No que aqui releva, colhe-se da factualidade provada o seguinte:

  i) - Cerca das 03h50 do dia 22 de dezembro de 2012, na casa de banho do bar das instalações do Motoclube Alentejano de …, o Segurado CC iniciou uma discussão.

  ii) - Dirigindo-se diretamente a EE o Segurado da R. declarou: “Nós temos contas a ajustar” e “Não me esqueço de ti”.

  iii) - Após o que o segurado da R. e o referido EE, se empurraram um ao outro, tendo sido separados.

  iv) - Cerca das 4h00, o referido EE, decidiu abandonar o estabelecimento;

  v) - Ao sair, EE foi de novo interpelado pelo segurado da R. para que resolvessem o diferendo no exterior, tendo aquele anuído;

  vi) - Logo que transpuseram o portão que dá acesso ao parque de estacionamento, o segurado da R., munido com um copo de vidro, partido, desferiu com ele uma pancada sobre a cabeça e face (zona lateral) de EE, que de imediato começou a sangrar abundantemente;

  vii) - Ato contínuo o EE e o segurado da R. envolveram-se em luta, tendo então sido separados e afastados um do outro;

  viii) - EE permaneceu na zona do parque de estacionamento e o segurado da R. dirigiu-se de novo para a Zona do bar, após o que regressou e transpôs o portão;

  ix) - Entretanto, EE, apercebendo-se de que o segurado da R. se encontrava de novo no parque de estacionamento, caminhou ao encontro deste, que igualmente avançou na sua direção;

  x) - EE, então empurrou o Segurado da R. fazendo-o embater numa viatura e cair ao chão após o que lhe desferiu um pontapé sobre o corpo;

  xi) - De acordo com o relatório da autópsia elaborado pelo INML, efetuado na pessoa do Segurado CC, este acusava aquando do evento, uma taxa de alcoolemia no sangue de 1,97 g/l;

  xii) - A morte do segurado CC ocorreu como consequência direta e necessária das agressões levadas a cabo pelo arguido sobre o mesmo, nomeadamente do último pontapé desferido contra o seu corpo, pelo qual sofreu de perfuração pulmonar, de ambos os pulmões, provocada pela compressão da caixa torácica (produzida pelo impato resultante da agressão), que determinou a ruptura dos alvéolos pulmonares e a falência da respiração, provocando direta e necessariamente a sua morte.

       Deste acervo factual sobressai, desde logo, que o presente caso se distingue perfeitamente dos casos versados nos acórdãos do STJ 01/03/2016 e 10/03/ 2016, proferidos, respetivamente, nos processos n.º 1/12.6TBALD. CI.S1 e n.º 137/11.0TBALD.C1.S1, e que versaram sobre dois casos em que a morte do segurado ocorreu em consequência de disparo de uma arma caçadeira, transportada pelo próprio segurado, durante ato de caça e sem qualquer intervenção de terceira pessoa.   

No caso dos autos, diversamente, o sinistro (morte da pessoa segura) resultou diretamente da agressão de EE que, na sequência de antecedente discussão e envolvimento físico entre os dois, já depois de separados, voltou ao parque de estacionamento onde se encontrava CC, se dirigiu a este, empurrando-o, fazendo com que ele embatesse numa viatura e caísse no chão, após o que lhe desferiu um pontapé sobre o corpo.

Em consequência dessa agressão, CC sofreu perfuração de ambos os pulmões, provocada pela compressão da caixa torácica produzida pelo impacto resultante da agressão, o que lhe determinou a morte.

Nestas circunstâncias, a morte de CC, em que se consubstanciou o sinistro, foi causada diretamente pelo ato de agressão perpetrado por EE, que não de ato ou omissão praticado por aquele segurado. Nem se afigura que os anteriores atos de discussão ou de envolvimento físico havidos entre os dois contendores relevem para efeitos de ser qualificados como causa do sinistro.

Assim sendo, muito embora se entenda que não incumbe à R./ Recorrente provar o nexo causal naturalístico entre o sinistro e o grau de alcoolemia de que o segurado era portador, o certo é que se provou que o referido sinistro resultou de ato de terceiro, que não de ato ou omissão do próprio segurado, nos termos previstos na cláusula 5.ª, parágrafo 5.1, alínea b), das Condições Gerais da Apólice, o que, por si só, torna inaplicável ao caso a referida cláusula de exclusão.


Termos em que, nesta parte, improcedem as razões da Recorrente.


IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação em parte diferente.

As custas do recurso são a cargo da Recorrente.


Lisboa, 8 de março de 2018

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching