Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1637/14.6T8VFX.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA DO SINISTRADO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Doutrina:
- Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Almedina, 61.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, O acidente de trabalho – O acidente in itinere, Coimbra Editora, 2013, 232/234 e 240/246.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª edição, Almedina, 726 e nota 140.
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2017, 8.ª edição, Almedina, 897/898.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 2.
LEI N.º 98/2009, DE 04 DE SETEMBRO (LAT – REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS): - ARTIGO 14.º, B.º 1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 19.11.2014, PROCESSO N.º 177/10.7TTBJA.E1.S1, DESTA 4.ª SECÇÃO, HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF/954F0CE6AD9DD8B980256B5F003FA814/99C7794A3476440A80257D96003EC96D?OPENDOCUMENTA
-DE 21.03.2013, PROCESSO N.º 191/05.4TTPDL.P1.S1- EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Tendo-se provado apenas que o sinistrado estava em cima de um escadote, sem arnês de segurança, a reparar uma unidade de frio e que se desequilibrou, caindo ao chão de cabeça, sofrendo lesões que lhe causaram a morte, não pode o acidente ser descaracterizado, pois não se provou inexistir causa justificativa para aquele comportamento omissivo.

2. Prova essa que competia quer à empregadora quer à seguradora, como entidades responsáveis pela reparação do acidente, por serem factos conducentes â sua descaracterização, e, por isso, impeditivos do direito invocado pelos beneficiários legais do falecido sinistrado (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil).
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1637/14.6T8VFX.L1.S1[1] (Revista) – 4ª Secção[2]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

           

            - Relatório[3]:

        Frustrada a conciliação, na fase conciliatória, cuja instância se havia iniciado em 05.12.2014, AA, por si e em representação das suas filhas menores BB e CC, …, viúva e filhas do falecido sinistrado DD, intentou, na Comarca de Lisboa Norte, Vila Franca de Xira, Instância Central – 3.ª Secção do Trabalho, J1, a presente ação declarativa de condenação, com processo especial, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, contra “EE - Companhia de Seguros, S.P.A.” e “FF – …, Lda.”, pedindo que fosse declarado que a morte de DD decorreu de um acidente de trabalho e, por causa disso, fossem as RR. condenadas a pagar-lhes o valor correspondente à reparação dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por causa da morte de DD, pedindo, assim, a condenação:

            - Da Ré Empregadora a pagar-lhes:

a. A pensão anual no valor de € 19.089,00, para a A. e filhas, e

b. A quantia de € 470,69, a título de indemnização por ITA do Sinistrado;

c. A quantia a fixar pelo Tribunal, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos pelas AA.

            - Da Ré Seguradora a pagar-lhes:

a. A pensão anual no valor de € 17.637,08, para a Autora e filhas; 

b. A quantia de € 5.533,70, a título de subsídio por morte.

            Para tanto, as Autoras, alegaram, em síntese, que o seu marido e pai foi vítima de um acidente de trabalho no dia 25 de Novembro de 2014, que lhe causou as lesões descritas nos autos, que lhe determinaram a morte no dia 4 de Dezembro de 2014 e que a R. empregadora violou as regras de segurança que seriam aplicáveis à situação e que, dessa violação, decorreu a morte de DD, devendo, por isso, a mesma ser responsabilizada, em termos agravados, pela reparação dos danos sofridos pelo sinistrado e pelas AA.

            Mais alegaram que passavam dificuldades económicas, pelo que pediram, ainda, a fixação provisória de pensão.

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           A Ré empregadora apresentou contestação, alegando, em resumo, aceitar a existência do acidente de trabalho que vitimou mortalmente o sinistrado DD, bem como a transferência para a R. seguradora da responsabilidade pela retribuição auferida pelo mesmo e que cumpriu todas as regras de segurança exigíveis e aplicáveis ao caso, dispondo de sistemas de proteção antiqueda modernos e eficazes e que o sinistrado tinha disponível para uso próprio, o que não fez, sendo que, se o tivesse usado, o acidente não teria ocorrido, pelo que foi o próprio sinistrado que violou as regras de segurança.

          Concluiu, assim, que o acidente devia ter-se por descaracterizado e, por via disso, ser a R. empregadora absolvida do pedido ou, caso assim não se entendesse, ser a R. seguradora condenada pela reparação dos danos, no âmbito estabelecido na LAT.

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            A R. seguradora apresentou contestação, aceitando a ocorrência do acidente de trabalho e a celebração do contrato de seguro com a R. empregadora, nos termos alegados pelas AA., sustentando, no entanto, a descaracterização do referido acidente de trabalho por o mesmo ter ocorrido, exclusivamente, na decorrência de violação das regras de segurança por parte do próprio sinistrado e/ou da R. empregadora que não proporcionou ao trabalhador condições de segurança para o tipo de trabalho por ele efetuado, devendo, por isso, ser afirmada a responsabilidade agravada da R. empregadora pela reparação dos danos.

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           O “Instituto de Segurança Social, I. P.” [doravante ISS] notificado para, querendo, efetuar pedido de reembolso, contra as RR. relativamente a montantes que pudesse ter pago aos AA., em consequência da morte de DD, apresentou um requerimento pedindo a condenação das RR. A pagar-lhe o valor de € 6.708,27, correspondente ao valor pago às AA., a título de subsídio por morte (€ 1.257,66) e de pensões de sobrevivência (€ 5.450,61), no período de janeiro a outubro de 2015.

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            A R. empregadora apresentou resposta ao pedido de reembolso efetuado pelo “ISS”, pugnando pela sua absolvição.

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           As AA. apresentaram resposta à contestação da R. empregadora, invocando a intempestividade daquele articulado.

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           O “ISS” apresentou resposta às contestações das RR. sustentando a legitimidade e força probatória da certidão emitida para fundamentar o pedido de reembolso das quantias pagas à A.

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            Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se declarou a validade e regularidade da instância e se selecionou a matéria de facto assente e se elaborou a base instrutória.

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           Convidou-se, por despacho, as AA. a alegar os factos necessários à apreciação do pedido efetuado de fixação provisória da pensão.

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           Do despacho saneador, a A. apresentou reclamação, insistindo na intempestividade do pedido formulado pelo “ISS” e da contestação apresentada pela R. seguradora, tendo incidido, sobre a mesma, despacho de indeferimento.

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            O “ISS” apresentou requerimento para atualização do pedido de reembolso efetuado, o qual foi admitido em audiência de julgamento.

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           Realizada a audiência de julgamento, e finda a produção de prova, o tribunal procedeu à resposta aos factos constantes da Base Instrutória, proferindo, em 20 de julho de 2016, sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu as RR. dos pedidos contra elas formulados.

           Para o efeito, entendeu-se, na sentença que resultaram demonstrados os requisitos legalmente estabelecidos e necessários à descaracterização do acidente de trabalho, estabelecidos na […] alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da NLAT, o que, necessariamente, afasta a obrigação das RR. de reparar os danos decorrentes do acidente que vitimou DD”.

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           Foi fixado à ação, na sentença e nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 3, do Código de Processo Trabalho [doravante CPT], o valor de € 5.001,00 (cinco mil e um euros).

II

          Inconformadas com esta decisão, as Autoras dela interpuseram recurso de apelação, sendo que, por acórdão proferido, em 11 de janeiro de 2017, o Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu:

 

1. Julgar improcedente o recurso no tocante à decisão sobre a matéria de facto;

2. Conceder parcial provimento à apelação das recorrentes e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando-se as RR. EE, Companhia de Seguros, S.A. e “FF – …, Lda.” a pagarem:

i. À A. AA:

 
a. Uma pensão anual no montante de € 5.726,63, calculada com base em 30% da retribuição anual do sinistrado, em conformidade com o disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da LAT, devida a partir de 5 de Dezembro de 2014 e até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho, a pagar nos termos do artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, da LAT, cabendo € 5.290,92 à seguradora e € 435,81 ao empregador, pensão que é atualizável.
b. A quantia de €. 2.139,60 a título de subsídio por morte, a suportar integralmente pela “Seguradora”.
c. A quantia de € 334,06, a título de indemnização pela ITA sofrida pelo sinistrado, cabendo € 308,64 à seguradora e € 25,42 ao empregador.

ii. À A. BB:


a. Uma pensão anual e temporária no montante de €. 3.817,82, devida a partir de 5 de Dezembro de 2014 e a pagar nos termos do artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 da LAT, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior ou, sem limite de idade, se afetada de doença física ou mental que a incapacite sensivelmente para o trabalho, cabendo € 3.527,28 à seguradora e € 290,54 ao empregador.
b. A quantia de € 1.069,80, a título de subsídio por morte, a suportar integralmente pela seguradora.

iii. À A. CC:


a. Uma pensão anual e temporária no montante de €. 3.817,82, devida a partir de 5 de Dezembro de 2014 e a pagar nos termos do artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 da LAT, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior ou, sem limite de idade, se afetada de doença física ou mental que a incapacite sensivelmente para o trabalho, cabendo € 3.527,28 à seguradora e € 290,54 ao empregador.
b. A quantia de € 1.069,80, a título de subsídio por morte, a suportar integralmente pela seguradora.

3. Juros de mora, à taxa legal, a contabilizar desde o vencimento das prestações em que as RR. foram condenados, até integral pagamento (art.º 135.° do CPT).

4. Absolver as RR. “EE, Companhia de Seguros, S.A.” e “FF – …, Lda.” do demais peticionado na presente ação.

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            No acórdão recorrido, alterou-se o valor da ação, sendo este fixado em € 160.415, 57.

III

           Irresignada, ficou, desta vez, a Ré “EE, Companhia de Seguros, S. A.” que interpôs recurso de revista, concluindo a sua alegação da seguinte forma:

1. Atenta a matéria de facto dada como provada em 1a instância e que foi mantida pelo Tribunal a quo, considera a Recorrente que o acidente dos autos tem de se considerar descaracterizado, por ter ocorrido em consequência de omissão do sinistrado que importou violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador e previstas na lei, concretamente, por violação do disposto no artigo 128°, n° 1 e no artigo 281°, n° 7, ambos do CT, nos artigos 17°, 19° e 20° da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, nos artigos 3o, 15°, 29°, 36°, 37° e 38° do DL n° 50/2005, de 25.2, no Anexo II da Portaria n° 988/93, de 6.10 e no artigo 11° da Portaria n° 101/96, de 3.4.

2. Estando, por conseguinte, preenchidos os requisitos legais para que o acidente se considere descaracterizado, previstos no artigo 14°, n.º 1, al. a) da Lei n° 98/2009, de 4.9 e não se verificando, no caso, a situação prevista no n.º 2 da citada norma.

3. Ao decidir de outro modo, o Tribunal a quo violou as referidas normas, impondo-se assim a revogação do acórdão recorrido, em conformidade com o que foi de resto decidido em primeira instância.

4. Efetivamente, resultou demonstrado que, no momento do acidente, o sinistrado encontrava-se em execução de trabalhos em altura, em cima de um escadote a reparar uma unidade de frio.

5. Resultou igualmente provado que para proteção dos seus trabalhadores contra quedas em altura, a FF havia implementado um sistema de linhas de vida, disponível para todos aquando da realização daquele tipo de trabalhos, com arneses igualmente disponíveis que os trabalhadores estavam obrigados a utilizar.

6. Os trabalhadores foram sensibilizados para a necessidade, com carácter de obrigatoriedade de utilização do equipamento de segurança em causa, tendo tido formação nesse sentido, incluindo o sinistrado.

7. No momento do acidente, o sinistrado não utilizava o arnês, cinto de segurança e corda de vida, apesar de o equipamento estar disponível, tendo caído do escadote para o solo.

8. Caso tivesse utilizado o aludido equipamento, em caso de queda, teria ficado suspenso e o acidente não teria ocorrido.

9. 0 Sinistrado era um trabalhador experiente, conhecedor da regra e das possíveis consequências do seu incumprimento.

10. O seu comportamento omissivo, não colocação do arnês que estava disponível para o efeito, consubstancia a prática da conduta violadora das regras de segurança decorrentes da lei e determinadas pela empregadora, necessariamente voluntária porquanto o mesmo bem sabia da existência desse equipamento e da obrigatoriedade da sua colocação para a realização de trabalhos em altura.

11. Tal equipamento praticamente eliminava os riscos de queda em altura, o que era do perfeito conhecimento do sinistrado, já que tinha recebido formação específica sobre a forma de manuseamento desse mesmo equipamento e foi sensibilizado, com indicação de obrigatoriedade, da sua utilização nas situações em que executasse trabalhos em altura.

12. Pelo que não se pode deixar de concluir que essa violação das regras de segurança, não teve qualquer causa justificativa.

13. Demonstrado foi igualmente o nexo causal entre a violação dessa concreta regra de segurança e o acidente, pelo que ao contrário do entendimento do acórdão recorrido, encontram-se, assim, verificados, no caso, todos os requisitos legais, cumulativos para afastar a reparação do acidente, previstos no artigo 14°, n.º 1, al. a) da LAT.

14. Para verificação desta situação de descaracterização, a culpa não tem que ser grave, ao contrário do defendido no acórdão recorrido, como de resto a esmagadora maioria da jurisprudência tem vindo a considerar, Vide, designadamente, Acórdão do STJ, proferido em 23,09.2009, no processo n.º 323/04.1TTVCT.S1, disponível em www.dqsi.pt.isti e Acórdão do STJ, proferido em 21.03,2013, igualmente disponível em www.dqsi.pt.

15. Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3,a edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de "causa justificativa", pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.° da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290,° do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.».

16. Por outro lado, não releva o argumento defendido pelo acórdão recorrido de que a resposta restritiva que foi dada pela 1a instância ao artigo 21° do BI permite afirmar que não se provou a voluntariedade do comportamento.

17. A pergunta, do modo como estava feita, era claramente conclusiva, pelo que até deveria ter sido eliminada do BI. O Tribunal limitou-se assim a corrigir, o que havia sido incorretamente feito em sede de saneador.

18. Não colhe também o raciocínio de que a factualidade apurada é totalmente omissa quanto às razões pelas quais o sinistrado não colocou o arnês de segurança,

19. As razões pelas quais o sinistrado não colocou o arnês de segurança não foram alegadas por nenhuma das partes e nenhuma causa justificativa da violação foi apontada pelas Autoras. O Tribunal deve limitar-se a concluir com base nos elementos de que dispõe e esses elementos apontam claramente para uma omissão voluntária do respeito pela regra de segurança instituída.

20. Se o Tribunal a quo considera que deveriam ter sido levados à discussão factos respeitantes às razões pelas quais o sinistrado não colocou o arnês de segurança, deveria, ao invés de revogar a sentença proferida em 1a instância, decidir pela sua anulação, por considerar indispensável a ampliação da matéria de facto. É isso que impõe a norma do artigo 662°, n° 2, al. c) do CPC, de resto, oficiosamente.

21. De qualquer modo, da factualidade apurada consegue-se concluir que houve ato voluntário e consciente porquanto, conforme supra se afirmou, resultou provado que o sinistrado bem sabia da existência de equipamento de segurança, de que o mesmo estava disponível, da obrigatoriedade da sua colocação para a realização de trabalhos em altura e das consequências possíveis da sua não utilização.

22. Termos em que o sinistrado tinha tudo para cumprir a regra e não o fez, tendo sido demonstrado o nexo de causalidade entre o comportamento omissivo e o acidente e suas consequências.

23. ,Por tudo o exposto, aplicando o direito aos factos, necessariamente se conclui que o acidente se encontra descaracterizado, por estarem preenchidos todos os requisitos previstos na al. a) do n.º 1 do artigo 14° da LAT.

24. Devendo, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido.

             A Ré Seguradora terminou as suas conclusões, pedindo que seja dado provimento ao recurso e se revogue o Acórdão recorrido, em conformidade com o alegado.

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          A Ré “FF PORTUGAL - …, Lda.”, através de requerimento, veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 634°, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do Código de Processo Civil, manifestar a sua adesão ao recurso interposto pela “EE”.

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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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. Parecer do Ministério Público:

Neste Supremo Tribunal, o Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu douto parecer no sentido de que o acidente deve ser descaracterizado, nos termos do artigo 14º, n.º 1, alínea a), segunda parte, da Lei n,º 98/2009, de 04 de setembro,atenta a violação sem causa justificativadas mencionadas normas de segurança, e, assim, declarar-se que não há direito à sua reparação e que, consequentemente, deve conceder-se a revista, revogar-se o acórdão recorrido e repristinar-se a sentença da 1ª instância.

Notificado às partes, mereceu resposta das Autoras, dizendo que “subscrevem e acompanhama fundamentação do acórdão recorrido e que, no caso concreto, não se encontram verificados, todos os requisitos legais cumulativos, para afastar o direito de reparação do acidente.

Com efeito, segundo elas, não está demonstrado o comportamento voluntário e consciente, por parte do trabalhador/sinistrado, violador das regras de segurança, legalmente estabelecidas e pela Empregadora determinadas, bem como não está demonstrada a violação sem causa justificativa das mencionadas normas de segurança, porque se desconhecem os motivos que levaram o sinistrado a não usar o arnês, prova essa, que cabia à Ré Empregadora.

IV

        - Revista:

           

            Nestes autos a instância iniciou-se em 05 de dezembro de 2014 e o acórdão recorrido foi proferido em 11 de janeiro de 2017.

            Nessa medida, é aqui aplicável:

· O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

· O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

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            . Está colocada uma única questão:

- Se não há lugar à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho dos autos.

           Cumpre, pois, julgar o objeto do recurso.

IV

                                              

           

            Da matéria de facto:

            As instâncias deram como provada a seguinte factualidade[4]:

1. No dia 25 de Novembro de 2014, pelas 17.40 horas, quando DD se encontrava em cima de um escadote a reparar uma unidade de frio, desequilibrou-se e caiu do mesmo, tendo embatido, de cabeça, no chão.

2. Em consequência desse embate, DD sofreu lesões traumáticas crânio-‑meningo-encefálicas, descritas no relatório de fls. 111-114, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que lhe determinaram a morte, no dia 4 de Dezembro de 2014.

3.  À data referida em A), DD exercia, por conta e sob as ordens e direção da R., FF – …, Lda., a atividade de mecânico de reparação, mediante a retribuição anual de € 19.089,09, correspondente a € 1.000,00 x 14 meses (retribuição base); € 132,00x 11 meses (subsídio de alimentação); € 260,41 x 12 meses (serviço de disponibilidade) e € 42,68 x 12 meses (trabalho suplementar).

4. A R. FF, celebrou com a R. Seguradora, contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, referentes a DD, tendo por referência a retribuição anual de € 17.637,08, correspondente a € 1.000,00 x 14 meses (retribuição base); € 260,41x12 meses (serviço de disponibilidade) e € 42,68 x 12 meses (trabalho suplementar).

5. No dia e hora referidos em A), quando sofreu a queda, DD estava a exercer a sua prestação de trabalho para a R. FF, a proceder à reparação de uma unidade de frio.

6. 6. À data referida em A), DD, nascido em ….1973, era casado com a A., AA, com quem contraiu matrimónio em ….1996, conforme certidão de fls. 45 e 49, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

7. BB, nasceu no dia … de …de 1998 e é filha de DD e AA, conforme certidão de fls. 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. CC, nasceu no dia … de … de 2011 e é filha de DD e AA, conforme certidão de fls. 47, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), após a queda, DD foi socorrido pelo INEM e transportado para o Hospital, onde permaneceu, nos cuidados intensivos, até ao dia em que ocorreu a sua morte – … de … de 2014.

10. Por morte de DD, o Instituto da Segurança Social, pagou à A. AA subsídio por morte, no montante de € 1.257,66 e pagou a ela e às filhas, pensão de sobrevivência, até Maio de 2016, no valor total de € 8.953,58 (respetivamente, € 5.968,94 à A. e € 1.492,32, a cada uma das filhas), conforme certidão de fls. 202 e fls. 566, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. A R. FF organizou o serviço de segurança, higiene e saúde no trabalho, na modalidade de serviço externo privado, tendo, para o efeito, contratado esses serviços à empresa “GG, SA, empresa autorizada pela DGS e pela ACT, certificada nos termos da Norma NP EN ISSO 9001:2008 e acreditada como Entidade Formadora pela DGERT.

12. À data referida em A), DD possuía ficha de aptidão médica e formação profissional na Prevenção de Riscos Profissionais, designadamente na utilização do sistema antiquedas.

13. A R. FF, pelo menos à data referida em 1), dispunha de equipamentos de proteção coletiva e equipamentos de proteção individual para a realização de trabalhos em altura pelos seus trabalhadores e dispunha de extratores de fumos, escadas, escadotes e plataformas (BI 1, 6 e 8).

14. Após a morte de DD, a A. e as filhas vivem do rendimento auferido por aquela, proveniente do seu trabalho, tendo a mesma recebido, a esse título, no ano de 2014, o montante anual, ilíquido, de € 7.932,28 (BI 2).

15. A A. e as filhas, sofreram angústias, dores e incómodos a nível psicológico, profissional e familiar, por terem vivenciado a situação do, respetivamente, marido e pai, desde a data da queda até á data da sua morte e com a morte do mesmo (BI 4 e 5).

16. No âmbito da atividade prestada pela R. FF, os trabalhos em altura são, geralmente, tarefas rotineiras e de curta duração (BI 7).

17. Por não existirem no mercado escadas com a altura necessária a aceder ao topo da galera dos camiões a reparar, de forma a melhor se adequar às especificidades desse tipo de trabalhos a realizar pelos seus trabalhadores, a R. FF desenvolveu um modelo de escada, estável e sólida, que permitia trabalhar em altura e chegar ao topo desse equipamento (BI 9).

18. Essa escada tinha um corrimão lateral que continuava, na base do seu topo, por dois dos seus lados, sensivelmente, pela altura das coxas de uma pessoa adulta, conforme retratado, na foto de fls. 96 e 97/v (BI 10).

19. A data referida em 1)I a R. FF dispunha, para serem utilizados pelos seus trabalhadores, de calçado próprio, óculos de proteção, auriculares de proteção, luvas, capacetes de proteção e arnês (BI 11).

20. A R. FF, em Setembro de 2013, implementou, nas suas instalações, um equipamento antiqueda tecnicamente evoluído – ...: sistema de retenção com linhas de vida e arnês individual – que visava eliminar os riscos de queda dos seus trabalhadores aquando da realização de trabalhos em altura (BI 12 e 13).

21. Sendo que, para utilização desse equipamento, é necessário que, sempre que sejam realizados trabalhos em altura, os trabalhadores vistam o arnês que funciona como um colete e fixar o mesmo na linha de vida (BI 14).

22. E a R. FF proporcionou formação aos seus trabalhadores sobre esse sistema antiquedas, sensibilizando-os para a necessidade e obrigatoriedade da sua utilização aquando da realização de tarefas em altura (BI 15).

23. Incluindo DD, que teve entre outras, formação específica sobre esse sistema antiquedas, tendo frequentado o curso de formação na utilização desse sistema (BI 16).

24. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), a tarefa que DD se encontrava a realizar era rotineira e, previsivelmente, com a duração de 30 minutos (BI 17).

25. Para realizar a tarefa referida, foi utilizada por DD a escada referida em 17 e 18, encontrando-se, também para esse efeito, disponível para utilização, o arnês individual (BI 18).

26. Que, DD não colocou (BI 19).

27. Se DD tivesse colocado o arnês, em caso de desequilíbrio, o sistema do equipamento referido em 20, faria retenção da queda e o mesmo teria ficado suspenso nas linhas de vida (BI 20).

28. DD sabia da existência e disponibilidade do referido arnês e da obrigatoriedade do seu uso, e ligação ao sistema de linhas de vida, para a realização do trabalho que desenvolvia nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) - (BI 21).

29. DD tinha uma vasta experiência na realização das tarefas como as que estava a realizar nas circunstâncias referidas em 1) - (BI 22).

30. O sistema antiqueda referido na resposta ao facto 19.º é um equipamento adequado às normas europeias, sendo, de entre os disponíveis no mercado, um dos mais eficazes na redução e eliminação do risco de queda em altura (BI 23).

31. A escada (ou escadote) referida 17 e 18 não foi homologada pelas autoridades competentes, não tendo certificado de conformidade (BI 24).

32.  Apesar desse escadote ser extremamente pesado, tem duas rodas dianteiras e bases em ferro na parte posterior, as rodas não possuem qualquer sistema de travagem que as imobilize ou trave na eventualidade de movimentos bruscos por parte do utilizador, com o esclarecimento que as escadas homologadas, adquiridas pela R. FF, posteriormente ao acidente referido em 1), também têm duas rodas dianteiras e bases na parte posterior e não possuem sistema de travagem que as imobilize (BI 25).

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            Do direito:

            

                                               

           Neste recurso, o que está em causa e o que divide as partes é se, face à factualidade povoada, o acidente se deve considerar descaracterizado, ou não, por culpa do trabalhador, ou mais propriamente se deve ser excluído da responsabilidade por acidente de trabalho, como ensina a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[5].

          Para as Rés, o acidente está descaracterizado, por estarem preenchidos todos os requisitos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 14° da LAT.

          Para as Autoras, não estando demonstrado o comportamento voluntário e consciente, por parte do trabalhador/sinistrado, e não estando demonstrada a violação sem causa justificativa das normas de segurança, porque se desconhece os motivos que levaram o sinistrado a não usar o arnês, prova essa que competia à Ré Empregadora, não pode o acidente ser descaracterizado.

VI
          
           VEJAMOS:

          Tendo o acidente ocorrido em 25 de novembro de 2014 é aqui aplicável a Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro [doravante LAT – Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais].
          O artigo 14.º, da LAT, referente à descaracterização do acidente, expressa:
1. O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a. For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na le;
b. Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c. Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2. Para efeitos do disposto na alínea a), do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.

3. Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

           

           Ora, o artigo 14º, n.º 1, alínea a), da LAT,, corresponde ao artigo 7º, n.º 1, alínea a), da anterior LAT, aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.

           Estabelecia aquele que não dava direito a reparação, o acidente que fosse dolosamente provocado pelo sinistrado ou proviesse do seu ato ou omissão, que importasse violação sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei[redação exatamente igual à constante no artigo 14º, n.º 1, alínea a), da atual].

         A este respeito, Pedro Romano Martinez[6] sustenta que, “[n]este caso, o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 14º da LAT tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.

                […]

               Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente, e por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador”.

           Em afirmação antecedente à posição descrita, refere que não é qualquer situação menos cuidada do trabalhador que acarreta a exclusão da responsabilidade do empregador, sendo necessário, segundo o mesmo, que essa falta tenha alguma gravidade.

           Em comentário à mesma norma, mas da anterior LAT, Carlos Alegre[7], afirma que o acidente só não dá direito a reparação, se se verificarem, cumulativamente, as seguintes condições:

              «1ª. Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se, aqui, a intencionalidade ou dolo, na prática ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários resultantes ou não da habituação ao risco;

               2ª. Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do ato ou omissão: a causa justificativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à atividade laboral, pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.

              3ª. Que as condições de segurança sejam, apenas, estabelecidas pela entidade patronal (em regulamento de empresa, ordem de serviço ou outra forma de transmissão.»

               

               Para Júlio Manuel Vieira Gomes[8] ”a privação da reparação por acidente de trabalho é uma consequência desproporcionada, a não ser para comportamentos dolosos ou com um grau de negligência muito elevado que sejam, eles próprios, a causa do acidente, de tal modo que verdadeiramente se quebre o nexo etiológico entre o trabalho e o acidente”.

               

                Mais refere que “[n]ão pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras “justificações” poderão ser relevantes.
               Terá, por conseguinte, que verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho. Essa culpa deve ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a passividade do empregador perante condutas similares no passado […] e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais como o cansaço, o calor ou o ruído existente no local de trabalho, Destarte, deve considerar-se […] que a violação das regras de segurança pode ter outras causas justificativas para além da dificuldade em conhecer ou entender a norma legal ou estabelecida pelo empregador”.

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               Resulta, destas três posições, que existe diferença, entre elas, quanto ao grau de culpa que se exige para se verificar a descaracterização prevista na segunda parte, da alínea a), do n.º 1, do artigo 14º, da LAT[9].

           Mas já não divergem quanto ao facto de, nessa norma, só estarem abrangidos os comportamentos voluntários do sinistrado.

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            Como tem sido entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça, a descaracterização do acidente de trabalho, prevista na alínea a), segunda parte, do n.º 1, do artigo 14.º da LAT, exige a conjunção cumulativa dos seguintes requisitos:

1. Existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstos na lei;
2.  O seu desrespeito por parte do destinatário/trabalhador;
3. Uma atuação voluntária do sinistrado, embora não intencional, por ação ou omissão, e sem causa justificativa;
4. Que o acidente seja consequência, em termos de causalidade adequada, dessa conduta.

           Assim, como se diz no acórdão de 19.11.2014, proferido no processo n.º 177/10.7TTBJA.E1.S1, desta 4ª Secção e Supremo Tribunal, “[h]avendo condições de segurança pré-estabelecidas que se mostrem violadas, é mister averiguar, por um lado, da sua adequação causal (o acidente tem de resultar, numa relação de causa-efeito, de ato ou omissão do sinistrado que configure afronta das condições de segurança existentes); por outro, há que indagar se o desrespeito das ditas condições de segurança assenta numa qualquer razão ou motivo que, no contexto, o possa justificar.
               A violação, por ação ou omissão, há-de constituir-se numa atuação voluntária, subjetivamente grave, relativamente à qual a eventual existência de causa justificativa, mais ou menos relevante segundo as circunstâncias, sempre poderá constituir atenuação atendível, se não mesmo desculpar a violação[10]”.

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Ora, provou-se que havia regras de segurança estabelecidas pela Ré Empregadora.

 Com efeito provou-se que a partir de setembro de 2013, a Ré Empregadora implementou um equipamento antiqueda, tecnicamente evoluído, que visava eliminar os riscos de queda em altura, sendo que, sempre que fossem realizados trabalhos em altura, era necessário a sua utilização, ou seja, que se vestisse o arnês, que funcionava como um colete, e que se o fixasse na linha de vida.


Também se deu como assente que foi dada formação ao sinistrado sobre esse sistema antiqueda, que foi sensibilizado para a necessidade e obrigatoriedade da sua utilização aquando da realização de tarefas em altura, que o mesmo frequentou um curso de formação na utilização desse sistema, que sabia da existência e disponibilidade do referido arnês e da obrigatoriedade do seu uso e da ligação ao sistema de linhas de vida, para a realização do trabalho que desenvolvia e, que possuía ficha de aptidão médica e formação profissional na Prevenção de Riscos Profissionais, designadamente na utilização do sistema antiquedas, e que possuía uma vasta experiência na realização das tarefas como as que estava a realizar.

Por fim, provou-se que, na altura do acidente, o sinistrado estava a proceder à reparação de uma unidade de frio, sem ter colocado arnês de segurança.

Por outro lado, está demonstrada a existência de nexo causal entre o desrespeito da regra de segurança concreta pelo sinistrado e o acidente, pois se ele tivesse colocado o arnês de segurança e tivesse ligado o mesmo à linha de vida, em caso de desequilíbrio, esse sistema faria a retenção de queda e o mesmo teria ficado suspenso nas linhas de vida.


           Contudo, em relação à conduta omissiva do sinistrado, nomeadamente se foi determinada sem existir qualquer causa, razão ou motivo que, no contexto, a pudesse justificar, nada se provou.        


           Com efeito, relativamente ao acidente propriamente dito apenas se provou que no dia 25 de Novembro de 2014, pelas 17.40 horas, quando o sinistrado DD se encontrava em cima de um escadote a reparar uma unidade de frio, sem ter colocado arnês de segurança, desequilibrou-se e caiu do mesmo, tendo embatido, de cabeça, no chão e em consequência desse embate, sofreu lesões traumáticas e que lhe determinaram a morte.

           Ora, perante a factualidade provada, desconhece-se por completo quais as razões ou motivos que levaram o sinistrado a não colocar o arnês de segurança antes de subir para o escadote, ou seja antes de iniciar a reparação daquela unidade de frio.

Inexiste, assim, qualquer facto provado, direta ou indiretamente, relacionado com a natureza desse comportamento, pelo que nada se provou sobre a existência, ou não, de causa justificativa para o comportamento omissivo do DD.

 

Efetivamente, pode-se convocar várias hipóteses, para além da vontade de querer desobedecer, para a verificação desse comportamento, nomeadamente, por cansaço, por urgência na reparação daquela unidade de frio, por pressão na realização de todo o trabalho que lhe estava distribuído, por desatenção ou por esquecimento, dado o trabalho ser rotineiro e pouco demorado [o trabalho que se encontrava a realizar era rotineiro e, previsivelmente, demoraria 30 minutos – facto n.º 24], ou se chegou a vestir o arnês e por qualquer motivo o retirou, etc.

E a prova da inexistência de qualquer causa justificativa, competia às Rés Empregadora e Seguradora, era seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, por serem factos impeditivos do direito do trabalhador, no caso concreto das suas beneficiárias, à reparação pelo acidente de trabalho.

Na verdade, constitui entendimento jurisprudencial sedimentado que é à entidade responsável que cabe o ónus da prova dos factos descaracterizadores do acidente, tendo em conta que estes constituem factos impeditivos do direito invocado pelo sinistrado ou seus beneficiários.

Como se diz no acórdão de 21.03.2013, deste Supremo Tribunal, compete “[à] seguradora, responsável pela reparação do acidente, o ónus da prova dos factos conducentes à descaracterização do acidente de trabalho, já que tais factos são impeditivos do direito invocado pelos autores (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil)[11].

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Improcedem, por isso, as conclusões da alegação do recurso de revista.


VII

          Pelo exposto, delibera-se negar a revista e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

           Custas pela Recorrente/Seguradora e pela Aderente/Empregadora.

            Anexa-se o sumário do Acórdão.

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   Lisboa, 06 de julho de 2017

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

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[1] 009/2017 – (FP) – CM/PH
[3] - Negrito e sublinhados nossos.
Relatório feito com base nos Relatórios da sentença e do acórdão recorrido.
[4] - O Tribunal da Relação não alterou a matéria de facto.
[5] - Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6ª edição, Almedina, pagina 726 e nota 140.
[6] .- Direito do Trabalho, 2017 ~8ª edição, Almedina, página 897/898.
[7] - Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado – 2ª edição, Almedina, página 61.
[8] - O acidente de trabalho – O acidente in itinere, Coimbra Editora, 2013, pátinas 232/234 e 240/246.
[9] - Mesmo a posição de Pedro Romano Martinez não se abstrai totalmente da culpa, pois, segundo ele, não é qualquer situação menos cuidada do trabalhador que acarreta a descaracterização, sendo necessário que essa falta tenha alguma gravidade.
[10] - Acórdão de 19.11.2014, proferido no processo n.º 177/10.7TTBJA.E1.S1
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/99c7794a3476440a80257d96003ec96d?OpenDocumenta
[11] - Proferido no processo n.º 191/05.4TTPDL.P1.S1- em www.dgsi.pt.