Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
714/15.0T8BRR.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
VALOR DA CAUSA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / DISPOSIÇÃO FINAL / EXCLUSÃO DA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / VERIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA / ATRIBUIÇÃO DE VALOR À CAUSA E SUA INFLUÊNCIA.
Doutrina:
- Menezes Cordeiro, LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, ABUSO DO DIREITO DE ACÇÃO E CULPA IN AGENDO, p. 26;
- Rodrigues Bastos, NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. II, 3.ª Edição, p. 221 e 222.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 98, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 296.º, N.º 1.
Sumário :
I – Tendo a Relação revogado a sentença, julgado ilícito o despedimento e condenado a Ré a pagar à A. os créditos decorrentes desse despedimento ilícito, deve, nos termos do art. 98-P, nº 2, do CPT, fixar no acórdão o valor da causa para os efeitos estabelecidos no art. 296º, nº 1 do CPC, por só então a utilidade económica do pedido ter ficado definida.

II – Não litiga de má-fé o recorrente que interpõe recurso do acórdão da Relação no qual invoca a sua nulidade por não ter fixado o valor da causa.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1 - RELATÓRIO

 AA intentou a presente ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra BB, S.A., que apresentou o articulado a que se refere o artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho, invocando a existência de justa causa de despedimento.

A A. contestou, pugnando pela ilicitude do despedimento e optou por uma indemnização em substituição da reintegração.

Efetuado o julgamento, foi proferida sentença que considerou lícito o despedimento e absolveu a R. do pedido.

A A. apelou pedindo a revogação da sentença.

Por decisão sumária do Tribunal da Relação de Lisboa foi determinada a anulação da sentença recorrida “com vista à reformulação da resposta dada à matéria de facto aludida no n.º 21 bem como apurar o que for possível quanto a saber se só a A. tinha acesso à caixa e se o encerramento da caixa foi pouco após a A. receber o pagamento (embora o Tribunal de 1.ª instância possa alterar outras respostas, positivas ou negativas, se for caso disso em face da prova que seja feita), reabrindo-se a audiência de julgamento com produção de prova quanto a esta matéria”.

Em cumprimento dessa decisão singular, foi determinada a reabertura da audiência de julgamento tendo as partes acordado quanto à matéria de facto em causa.

Foi proferida nova sentença com o seguinte dispositivo:

«V. VALOR DA CAUSA

Atento o disposto no artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, fixa-se à acção o valor de € 2.000,00 (dois mil euros).

VI. DECISÃO

Por todo o exposto, declara-se a licitude do despedimento da Autora/Trabalhadora AA pela Ré/Empregadora BB, S.A. e, em consequência, absolve-se a Ré/Empregadora do pagamento à Autora/Trabalhadora de quaisquer quantias.

Mais, condena-se a Autora/Trabalhadora nas custas processuais.

Registe e notifique.»

De novo inconformada a A. apelou tendo a Relação proferido a seguinte deliberação:

«Pelo exposto, o Tribunal julga procedente o recurso, revoga a sentença recorrida e:

a) declara ilícito o despedimento da A.; e

b) condena a R. a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, à razão anual de 1121,33 €, que é devida desde o momento em que passou a trabalhar para a R. e até ao trânsito da decisão final proferida nestes autos, que se liquida, até 26.05.2018, em quarenta e três mil oitocentos e vinte e um euros e treze cêntimos (43.821,13 €), a que acrescerão as que vencerem desde 27.05.2018 e até trânsito da decisão final proferida nestes autos.

Custas da ação e do recurso pela R. BB, SA.»

A A. apresentou reclamação do acórdão, por não ter condenado a R. no pagamento das retribuições intercalares.

A R. recorreu de revista e arguiu a nulidade do acórdão, nos termos do disposto no art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, por não ter fixado valor da causa.

O relator proferiu despacho no qual considerou que não havia qualquer falta de fixação do valor da causa e determinou a notificação da R. para se pronunciar sobre a possibilidade de ser condenada como litigante de má-fé, por ter deduzido pretensão que sabia não ter qualquer fundamento e apenas para protelar o trânsito em julgado da ação.

A R. respondeu invocando que o valor fixado na 1ª instância foi para efeitos de custas e não atendendo à utilidade económica do pedido e defendeu que não litigou de má-fé.

A Relação proferiu novo acórdão desatendendo a reclamação da A. e julgou não verificada a nulidade arguida pela R. relativa ao valor da causa, tendo considerado que o mesmo foi fixado no saneador/sentença e que, não tendo as partes reagido nessa altura àquela fixação, o mesmo ficou definitivamente fixado. Considerou ainda que suscitar tal questão naquele momento apenas visou protelar o trânsito em julgado da decisão final e condenou a R., como litigante de má-fé, na multa de 4 UC´s.

Após, o relator proferiu despacho não admitindo a revista interposta pela R. referente ao mérito da causa, pelo facto do valor da ação ser inferior ao da alçada da Relação.

Inconformada, a R. reclamou deste despacho nos termos do art. 643º do CPC e recorreu de revista do acórdão que a condenou como litigante de má-fé.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O relator admitiu esta revista e ordenou a subida dos autos a este Supremo Tribunal.

Recebidos os autos, foi determinada a baixa dos mesmos a fim de ser instruída a reclamação referente ao despacho que não admitira a revista relativa ao mérito da causa.

Na reclamação foi pelo aqui relator proferida a seguinte decisão:

«Por tudo o exposto e sem necessidade de outros considerandos atendo parcialmente a reclamação e admito a revista na parte relativa ao valor da causa

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3, do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação das revistas relativas à condenação da R. como litigante de má-fé e ao valor da causa.

Notificadas, as partes não responderam.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, instaurada em 20.02.2015.

Os acórdãos recorridos foram proferidos em 23.05.2018 e em 26.09.2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão atual;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), também na versão atual.

3 – REVISTA RELATIVA AO VALOR DA CAUSA - NULIDADE DO ACÓRDÃO

A recorrente fundamentou a sua arguição nos seguintes termos:

A- Da falta de indicação do valor da causa:

1. A decisão de 1.ª Instância fixou o valor da acção em € 2.000,00, nos termos do disposto no artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho, que remete para o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 12.º do Regulamento das Custas Processuais.

2. Quer isto dizer que a Meretíssima Juiz fixou um valor à acção única e exclusivamente para efeito de custas, mas não fixou, como devia, o valor da causa, que, como se depreende do disposto no nº 2 e do nº 3 do art.º 98.ºP, e do disposto no art.º 296.º do n.º 4 do art.º 299.º do CPC, tinha obrigatoriamente de ser fixado.

3.      Ao não fixar o valor da acção, o Tribunal a quo e o Tribunal ad quem, cometeram uma irregularidade grave, que compromete o andamento da causa e por isso fere de nulidade quer a sentença quer o Acórdão recorrido nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 195 e do n.º 2 do art.º 296.º do CPC.

4.      Termos em que devem V. Exas fixar o valor à causa, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 e 3 do 98-P do CPT e n.º 4 do 299.º, o qual é actualmente de € 43.821.13 (quarenta e três mil oitocentos e vinte e um euros e treze cêntimos), por ser esse o valor que representa neste momento a utilidade económica do pedido, tudo nos termos do disposto no art.º 296, 297 e n.º 4 do art.º 299 e do n.º 4 todos do CPC”.

E formulou as seguintes conclusões relativamente a esta matéria:

A.   O Acórdão sob censura encontra-se ferido de nulidade pois, ao não fixar o valor da acção, o Tribunal preteriu um ato essencial, sem o qual é impossível determinar a relação da causa com a alçada do Tribunal, (n.º 2 do art.º 296.º e 195.º n.º 1 ambos do CPC).

B.     Termos em que, ao abrigo do disposto no art.s 297.º n.º 1 e n.º 4 do art.º 299, devem V. fixar o valor da acção em € 43.821.13 (quarenta e três mil oitocentos e vinte e um euros e treze cêntimos).

A Relação apreciou e indeferiu a referida arguição com os seguintes fundamentos (sic):

«Como diz a R., o Tribunal a quo, ao findar o saneador sentença, fixou o valor da ação em 2.000,00 €.

 Insurge-se agora - e não antes -, alterada a decisão inicial absolutória pela da Relação, de cariz condenatório, argumentando que esse valor é para efeito de custas e não relativo ao valor da causa, e que por isso o acórdão padece de nulidade.

Subjaz ao entendimento da R. a ideia de que o Tribunal a quo aplicou o disposto no n.º 1 do 98-P, do Código de Processo do Trabalho, que remete para o art.º 12/1/e do Regulamento das Custas Judiciais, e que admite posteriores acertos, devendo agora aplicar-se o disposto nos n.º 2 e 3 do art.º 98-P, atendendo-se à utilidade económica do pedido.

Ora, esta leitura é, manifestamente, incorreta. Ainda que possa dar azo a algumas dúvidas, como, de certo modo, aponta João Correia, in Código de Processo do Trabalho Anotado (com Albertina Pereira), pág. 210, nota 2, a verdade é que a lei não distingue o valor das custas do valor da causa (aliás, a ideia de que para pagar é razoável a fixação de um valor reduzido, mas para aceder a outras modalidades de recurso já não, é totalmente inaceitável), comete ao juiz da 1ª instância o encargo de fixar o valor da ação, como se vê claramente dos n.º 2 e 3 do art.º 98-P, ao referir-se ao "juiz" (se estivessem em causa os Tribunais superiores aludiria também ao plural "juízes", visto que o acórdão é o instrumento decisório habitualmente utilizado e nele intervêm, por definição, mais de um juiz) e ao estipular que se o juiz não fixar o valor na decisão final fixá-lo-á "no despacho que admitir o recurso", o que ocorre necessariamente antes de os autos serem remetidos à Relação.

Isto basta para afastar a pretensa nulidade do acórdão, que não tem de fixar qualquer valor da ação ou causa, que aliás são a mesma coisa.

Não sendo posto em crise oportunamente o valor fixado pelo Mmº Juiz, como sucedeu nos autos, em que nada foi suscitado pelas partes até ao recurso subir à 2ª instância, é este o valor que releva para toda a tramitação da ação.

Deste modo, o valor a ter em conta é, tão-somente, aquele que foi fixado em 1ª instância e não posto então em crise.»

Vejamos.

Pese embora não a subsuma expressamente, imputa a recorrente ao acórdão a nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, com o argumento de que, tendo a Relação revogado a sentença absolutória e tendo-a condenado a indemnizar a A., só então ficou definida a utilidade económica do pedido, devendo a Relação fixar o valor da causa nos termos do disposto no art. 98º-P, nº 2 do CPT.

Estabelece o art. 296º do CPC:

“1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.

2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.

3 – Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais.”

Determina o art. 552º, nº 1, al. f) do mesmo diploma que, “[n]a petição, com que propõe a ação, deve o autor declarar o valor da causa”.

No caso sub judice, trata-se de uma ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, regulada no art. 98º-B e seguintes do CPT, que se inicia, nos termos do art. 98º-C, nº 1, com “(…) a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento…”.

Como assim, face à ausência de petição inicial com observância dos requisitos estabelecidos no referido art. 552º do CPC, não tem a parte que dá início à ação - o trabalhador - que indicar o valor da causa.

E é também afastada a regra geral do art. 306º, nº 2, do CPC, nos termos da qual compete ao juiz fixar o valor da causa no despacho saneador, devendo o mesmo, nos termos do art. 98º-P, nº 2, do CPT ser “…fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”, constituindo, assim, uma regra especial.

Por conseguinte, tendo a 1ª instância julgado lícito o despedimento e não tendo reconhecido ao trabalhador quaisquer créditos, o valor da causa a fixar pelo juiz nos termos do sobredito preceito não terá em conta a utilidade económica do pedido, já que esta, como estabelece o preceito transcrito, se afere pelo “…valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”, mas recorrendo ao disposto do nº 1 do mesmo preceito, caso em que o valor da causa para efeitos de relação desta com a alçada do tribunal, corresponderá ao valor para efeito de custas (€ 2.000,00).

E como neste caso o recurso não seria admissível, pelo facto do valor da causa ser inferior ao da alçada do tribunal de 1ª instância, o art. 79º, al. a), do CPT preceitua que é sempre admissível recurso para a Relação nas ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho.

É precisamente o caso dos autos.

Como referido, a 1ª instância considerou lícito o despedimento e não reconheceu à A. quaisquer créditos. Por conseguinte, inexistindo nesse momento utilidade económica do pedido aferível pelo “…valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos”, o juiz fixou o valor da causa em € 2.000,00, nos termos do nº 1 do art. 98º-P.

Tendo a Relação revogado a sentença e julgado ilícito o despedimento e reconhecido à A. créditos no valor de € 43.821,13, só então a utilidade económica do pedido ficou definida, como referido no acórdão desta 4ª Secção de 25.10.2015, proc. n.º 478/11.7TTVRL.G1-A.S1 (Mário Belo Morgado), devendo a  Relação fixar o valor da causa tendo em conta a utilidade económica nos termos em que a definiu, observando, assim, o estabelecido no art. 296º, nº 1 do CPC e 98º-P, nº 2 do CPT.

Não tendo a Relação fixado o valor da causa incorreu na nulidade de omissão de pronúncia prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, tempestivamente arguida pela recorrente.

Terá por isso, face ao disposto no art. 684º, nº 2 do CPC, que ser determinada a remessa dos autos à Relação para que, suprindo a apontada nulidade, fixe o valor da causa tendo em conta a utilidade económica do pedido.

4 – REVISTA RELATIVA À CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Depois de se pronunciar sobre a questão do valor da causa, entendeu a Relação que com arguição da referida nulidade a recorrente apenas visou protelar o trânsito em julgado da decisão final e condenou-a, como litigante de má-fé, na multa de 4 UC´s.

Nos termos do art. 542º/2 do CPC, “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

O paradigma do instituto da litigância de má-fé, relativamente ao elemento subjetivo, foi alterado com a revisão do Código de Processo Civil em 1995.

Enquanto no regime anterior se considerava ser a litigância de má-fé aplicável apenas à situação de dolo material ou instrumental, o introduzido com a reforma de 1995, cuja formulação se mantém no diploma atualmente em vigor, passou a abarcar também as situações de litigância negligente ou culposa.

Refere Menezes Cordeiro ([2]): “No direito processual – 1995/96 – valem o dolo e a negligência grave: não a comum. A jurisprudência, ainda que sublinhando o alargamento que a relevância agora dada à negligência (grave) significa, restringe esse alargamento às prevaricações substanciais; nas processuais – art. 456º/2, d) – apenas relevaria o dolo. A própria negligência grave é entendida como “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesto aos olhos de qualquer um”.

Nas palavras de Rodrigues Bastos ([3]), “A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.º e 266º-A. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé.

Entendeu a Relação que a recorrente arguindo a nulidade e requerendo que fosse fixado o valor da causa correspondente ao montante em que foi condenada, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.

Mas, como atrás concluímos, a pretensão da recorrente tinha fundamento, não tendo deduzido qualquer pretensão infundada ou com vista a protelar o trânsito em julgado da decisão.

Por conseguinte, não tendo litigado de má-fé, não deveria como tal ser condenada.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista relativa à condenação por litigância de má-fé;

2 - Revogar o acórdão da Relação que condenou a recorrente como litigante de má-fé;

3 – Conceder a revista relativa à fixação do valor da causa, julgar procedente a arguida nulidade do acórdão e determinar a remessa dos autos à Relação para fixação do valor da causa em conformidade com os créditos reconhecidos à recorrida.

4 – Sem custas.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 8.05.2019


Ribeiro Cardoso (Relator)


Ferreira Pinto


Chambel Mourisco

_________________________
[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, ABUSO DO DIREITO DE ACÇÃO E CULPA IN AGENDO, pág. 26.
[3] NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. II, 3ª Edição, págs. 221 e 222.