Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3193
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
OBJECTO DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO TEMÁTICA
IN DUBIO PRO REO
FACTOS GENÉRICOS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ200710240031933
Data do Acordão: 10/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :

I - Estabelece o art. 420.º, n.º 1, do CPP que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do art. 414.º, n.º 2.
II - O recurso deve ser considerado manifestamente improcedente quando se mostre inequivocamente inviável, ou seja, quando do exame sumário da respectiva motivação se conclua sem margem para dúvidas que carece de fundamento.
III - O instituto do crime continuado tem por fundamento a diminuição da culpa do agente, diminuição que, de acordo com a letra da lei – parte final do n.º 2 do art. 30.º do CP –, terá de ser considerável.
IV - E aquela tem-se por verificada quando o comportamento do agente, consubstanciado na realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, ocorre no quadro de uma mesma situação exterior, ou seja, de uma situação que se repete e que, por já haver sido aproveitada com sucesso, facilita a reiteração da conduta anterior.
V - Como refere Lobo Moutinho (Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português), a exigência legal de que o agente aja na mesma situação exterior que «diminua consideravelmente a culpa» significa que a situação exterior tem, além disso, de ser tal que, objectivamente, facilite a execução do facto criminoso ou «prepare as coisas para a repetição» do facto, de modo a afastar do âmbito do crime continuado aquelas situações em que sejam total ou predominantemente razões endógenas ao agente – e não ao comportamento anterior – a conduzir ou a “aconselhar” à repetição do facto.
VI - No caso vertente é notório que ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade objecto do processo subjazem exclusivamente razões endógenas ao arguido, sendo que a situação ou quadro em que se verificou o facto criminoso pelo qual foi condenado no processo n.º…, do 1.º Juízo Criminal de Oeiras, bem como o próprio facto, não constituem motivo de diminuição da sua culpa, antes de agravação desta. Aliás, foi por efeito daquela e de outras condenações que o arguido foi considerado reincidente [«Não obstante as anteriores condenações, veio a verificar-se que elas não foram advertência suficiente para demover o arguido da prática de novos crimes, o que bem demonstra uma clara indiferença ao aviso de que lhe deveriam ter servido as anteriores condenações»].
VII - O instituto da suspensão da execução da pena de prisão constitui um dos mais eficazes meios alternativos da pena de prisão, a ele presidindo a ideia de que a simples ameaça da pena de prisão pode em muitos casos bastar para o pleno cumprimento das finalidades da punição.
VIII - Pressuposto material básico do instituto é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade.
IX - A suspensão da pena pressupõe, assim, um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), a conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e as circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral.
X - De acordo com o preceituado pelo art. 50.º, n.º 1, do CP, a par daquele pressuposto material (ligado a considerações de prevenção especial), que denominámos de básico, outro coexiste. Com efeito, o texto daquele normativo alude às finalidades da punição, sendo estas, segundo o art. 40.º, n.º 1, do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção geral).
XI - Assim, para aplicação desta pena de substituição é necessário: em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação àquela personalidade, que o facto cometido não está de acordo com o desenhado perfil do arguido e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos; em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
XII - Estando provado que o arguido foi condenado:
- em 05-06-1997, por factos ocorridos em 1990, pela autoria de um crime de homicídio tentado, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- em 18-06-1997, por factos verificados em 1995, por crime qualificado de furto, na pena de 9 meses de prisão;
- em 15-07-1997, por factos ocorridos em 1997, por furto qualificado, na pena de 9 meses de prisão;
- em 13-01-1998, por factos verificados em 1995, por furto qualificado, em pena de prisão, pena que, cumulada com outras, deu lugar a uma pena conjunta de 4 anos e 10 meses de prisão;
- em 09-10-1998, por factos ocorridos em 1996, por crime de roubo tentado, em pena de prisão, pena que, cumulada com outras, deu lugar à pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão;
- em 11-11-1998, por factos verificados em 1996, por furto, na pena de 1 ano de prisão;
- em 22-04-1999, por factos ocorridos em 1996, por furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- em 04-11-1999, por factos verificados em 1996, por furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão;
- em 03-07-1991, por efeito de cúmulo jurídico de penas, foi condenado na pena de 8 anos de prisão.
- em 10-12-2004, por factos ocorridos em 2003, por furto, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;
- em 04-02-2005, por factos ocorridos em 2004, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos;
e considerando, ainda, que, por efeito destas condenações, se deu como provado que as mesmas não foram advertência suficiente para demover o arguido da prática de novos crimes, o que levou a que o tribunal a quo decidisse condená-lo como reincidente quanto ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade julgado nos autos, há que concluir, de forma inequívoca e manifesta, estarmos face a delinquente sobre o qual as penas não privativas da liberdade não exercem qualquer efeito dissuasor e reintegrador, pelo que ao mesmo não deve, nem pode, ser aplicada pena não detentiva, impondo-se a cominação de pena de prisão (efectiva), opção que também resulta de exigências de prevenção geral, posto que o sentimento jurídico da comunidade, face à gravidade e multiplicidade de crimes já cometidos pelo arguido, exige que o mesmo cumpra em clausura a pena que lhe foi imposta, consabido que só assim se cumprem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 1290/05, do 2º Juízo Criminal de Oeiras, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de injúria agravada e de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, este último como reincidente, nas penas de 2 meses de prisão e 2 anos de prisão, sendo em cúmulo jurídico condenado na pena conjunta de 2 anos e 1 mês de prisão -(1).
O arguido interpôs recurso.
São do seguinte teor as conclusões extraídas da respectiva motivação:
1. O arguido foi condenado por acórdão de 04.02.2005, proferido no âmbito do processo n.º 4/04.4PAOER, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de 3 anos de prisão, suspensa por 5 anos, com sujeição ao regime de prova (ponto m) dos factos dados como provados.
2. Os crimes praticados pelo arguido inserem-se numa mesma intenção criminosa e presidindo a um mesmo dolo, que se manteve, com actuação em momento único e homogéneo.
3. As condutas imputadas ao arguido, não sendo idênticas nos presentes autos enquadram-se no desenvolvimento do mesmo desígnio criminosos em que assentou a acusação no referido processo.
4. Os factos objecto dos presentes autos são susceptíveis de estarem enquadrados pela mesma resolução criminosa do processo n.º 4/04.4PAOER.
5. A partir do momento em que tomou a resolução de se dedicar ao tráfico de estupefacientes, passou a fazer dessa actividade o seu modo de vida.
6. Estamos assim perante a existência de um crime continuado tal como ele se encontra previsto no artigo 30º, n.º 2, do Código Penal.
7. Os factos imputados ao arguido inserem-se na apurada pluralidade de actos cometidos pelo arguido e em continuação criminosa.
8. Não justifica alteração da pena a que este foi condenado no processo n.º 04.04.4PAOER, do 1º Juízo Criminal de Oeiras.
9. O anátema sobre a prisão está ancorado há longo tempo na falta de imaginação que vem caracterizando as soluções repressivas. A pena é castigo, mas castigo não é apenas prisão.
10. Não está em causa uma teoria da retribuição da culpa, mas sim uma ideia de prevenção geral ética, entendida não apenas como uma ideia de segregação, mas sim no sentido da ressocialização.
11. Estando o arguido a cumprir pena efectiva de prisão, torna-se redundante estar a agravar essa pena, pois tal facto em nada contribuirá para a sua reintegração e ressocialização.
12. Nos termos do artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão imposta ao arguido deverá ser suspensa na sua execução.
Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1. No caso em apreço não se verificam, nem de longe, os requisitos do artigo 30º, n.º 2, do Código Penal.
2. O arguido foi, e bem, condenado como reincidente o que pressupõe, nos termos do artigo 75º, do Código Penal, que as condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime.
3. Em abstracto, a condenação como reincidente não parece ser compatível com o instituto da suspensão da pena.
4. No caso em apreço, para além dessa incompatibilidade abstracta também se verifica uma incompatibilidade concreta.
5. Em 03.07.2001 foi condenado na pena única de 8 anos de prisão por vários crimes de furto qualificado e roubo. Concedida que foi a liberdade condicional em 2003, imediatamente voltou à prática de crimes contra o património e também de tráfico de estupefacientes (CRC fls.220/221).
6. O arguido, desde 1997, com um intervalo, durante o tempo em que cumpriu a pena, tem feito “carreira” na prática de crimes contra a propriedade, ao que tudo indica por conexão com o consumo de estupefacientes.
7. Por isso, parece perfeitamente claro, que a personalidade do agente, a sua conduta anterior ao crime e as circunstâncias deste, não levam a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e que se desenhe um quadro de prognose favorável à sua reinserção.
8. Assim, o arguido foi adequadamente condenado na pena de 2 anos e 1 mês de prisão.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, após referência à tempestividade do recurso e à ausência de circunstância que obste ao seu conhecimento, promoveu a designação de dia para audiência.
No exame preliminar deixou-se consignado que o recurso deve ser rejeitado por ser manifesta a sua improcedência.
Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.
***
Em matéria de recursos a nossa lei processual penal prevê, a par da rejeição por motivos adjectivos, a rejeição por razões substantivas.
Estabelece o artigo 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal - (2), que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414º, n.º 2
- (3).
O recurso deve ser considerado manifestamente improcedente quando se mostre inequivocamente inviável, ou seja, quando do exame sumário da respectiva motivação se conclua sem margem para dúvidas que carece de fundamento.
Em caso de rejeição do recurso, preceitua o artigo 420º, n.º 2, que o acórdão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos processuais e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
São duas as razões de discordância do arguido relativamente ao acórdão impugnado, a primeira prende-se com o enquadramento jurídico dos factos atinentes a substância estupefaciente por si detida, factos que entende encontrarem-se numa relação de conexão e de dependência com os factos pelos quais foi condenado em 4 de Fevereiro de 2005, no processo n.º 4/04.4, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, de forma a deverem ser, todos eles, qualificados como um só crime continuado, a segunda incide sobre a espécie da pena escolhida pelo tribunal recorrido para o censurar pelos crimes objecto do processo, escolha que a seu ver deveria ter recaído em pena de substituição, mais concretamente em pena de suspensão de execução da pena de prisão.
*
Enquadramento Jurídico dos Factos
Vem provado que, em revista feita por agente da Polícia de Segurança Pública ao arguido AA em 2 de Setembro de 2005, foi encontrado no interior de uma bolsa que aquele trazia à cintura, um produto vegetal que após exame laboratorial se constatou ser cannabis, com o peso líquido de 24, 950 gramas.
Mais vem provado que, por acórdão de 4 de Fevereiro de 2005, proferido no âmbito do processo n.º 4/04.4, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, o arguido AA foi condenado, por factos ocorridos em 16 de Janeiro de 2004, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova.
Entende o arguido que entre os factos acabados de referir existe uma especial relação, caracterizada pela circunstância de haverem sido praticados sob o mesmo desígnio e resolução criminosos, qual seja o propósito de, a partir de certo momento, se passar a dedicar ao tráfico de estupefacientes, fazendo dessa actividade seu modo de vida, relação que deve conduzir à subsunção dos factos à norma do n.º 2 do artigo 30º do Código Penal, ou seja, considerá-los como integrando um crime continuado.
Ao invés o Ministério Público entende que os factos em questão não devem ser enquadrados como integrantes de um crime continuado, o que a seu ver é patente, visto não haver prova de que o arguido tenha agido com o mesmo dolo, nem de que o seu comportamento delituoso esteja interligado por factos exógenos que o hajam arrastado para a reiteração e que, por isso, se mostre significativamente diminuída a sua culpa.
O instituto do crime continuado tem por fundamento a diminuição da culpa do agente, diminuição que, de acordo com a letra da lei – parte final do n.º 2 do artigo 30º do Código Penal –, terá de ser considerável - (4).
Tal diminuição da culpa, como a letra da lei impõe, resulta de o comportamento do agente (a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico) se verificar no quadro de uma mesma situação exterior, ou seja, de uma situação que se repete e que, por já haver sido aproveitada com sucesso, facilita a reiteração da conduta anterior, ou seja, a reassunção do comportamento criminoso.
Como refere Lobo Moutinho, a exigência legal de que o agente aja na mesma situação exterior que “diminua consideravelmente a culpa” significa que a situação exterior tem, além disso, de ser tal que, objectivamente, facilite a execução do facto criminoso ou “prepare as coisas para a repetição” do facto, de modo a afastar do âmbito do crime continuado aquelas situações em que sejam total ou predominantemente razões endógenas ao agente – e não ao comportamento anterior – a conduzir ou “aconselhar” à repetição do facto (5).
Ora, no caso vertente é notório que ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade objecto do processo subjazem exclusivamente razões endógenas ao arguido AA
- (6), sendo que a situação ou quadro em que se verificou o facto criminoso pelo qual foi condenado no processo n.º 4/04.4, do 1º Juízo Criminal de Oeiras, bem como o próprio facto, não constituem, obviamente, motivo de diminuição da sua culpa, antes de agravação desta.
Efectivamente, por efeito daquela e de outras condenações o arguido AA foi considerado reincidente, porquanto, como se provou nos autos:
«Não obstante as anteriores condenações, veio a verificar-se que elas não foram advertência suficiente para demover o arguido da prática de novos crimes, o que bem demonstra uma clara indiferença ao aviso de que lhe deveriam ter servido as anteriores condenações».
É pois patente a improcedência do recurso nesta parte.
***
Pena de Suspensão da Execução da Prisão
O instituto da suspensão da execução da pena de prisão regulado no Título III (Das Consequências Jurídicas do Facto), Capítulo II (Penas), Secção II, da Parte Geral – artigos 50º a 57º, do Código Penal –, introduzido no nosso ordenamento pela lei de 6 de Julho de 1893, constitui, ainda hoje, um dos mais eficazes meios alternativos da pena de prisão, a ele presidindo a ideia de que a simples ameaça da pena de prisão pode em muitos casos bastar para o pleno cumprimento das finalidades da punição
-(7).
Pressuposto material básico do instituto é, pois, a expectativa objectivamente fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade.
A suspensão da pena pressupõe, assim, um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral.
De acordo com o preceituado pelo artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, a par daquele pressuposto material, que denominámos de básico, outro coexiste.
Com efeito, o texto daquele normativo alude às finalidades da punição, sendo estas segundo o artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, o que equivale por dizer que, a par de considerações de prevenção especial, coexistem considerações de prevenção geral.
Assim, para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade - (8).

No caso vertente estamos perante arguido com o seguinte passado criminal:
Em 5 de Junho de 1997, por factos ocorridos em 1990, foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela autoria de um crime de homicídio tentado;
Em 18 de Junho de 1997, por factos verificados em 1995, foi condenado por crime qualificado de furto na pena de 9 meses de prisão;
Em 15 de Julho de 1997, por factos ocorridos em 1997, foi condenado por furto qualificado na pena de 9 meses de prisão;
Em 13 de Janeiro de 1998, por factos verificados em 1995, foi condenado por furto qualificado em pena de prisão, pena que cumulada com outras deu lugar a uma pena conjunta de 4 anos e 10 meses de prisão;
Em 9 de Outubro de 1998, por factos ocorridos em 1996, foi condenado por crime de roubo tentado em pena de prisão, pena que cumulada com outras deu lugar à pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão;
Em 11 de Novembro de 1998, por factos verificados em 1996, foi condenado por furto na pena de 1 ano de prisão;
Em 22 de Abril de 1999, por factos ocorridos em 1996, foi condenado por furto qualificado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
Em 4 de Novembro de 1999, por factos verificados em 1996, foi condenado por furto qualificado na pena de 18 meses de prisão;
Em 3 de Julho de 1991, por efeito de cúmulo jurídico de penas, foi condenado na pena de 8 anos de prisão.
Em 10 de Dezembro de 2004, por factos ocorridos em 2003, foi condenado por furto na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;
Em 4 de Fevereiro de 2005, por factos ocorridos em 2004, foi condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos;
Por efeito destas condenações e pela circunstância de se haver considerado provado que as mesmas não foram advertência suficiente para demover o arguido da prática de novos crimes, o tribunal a quo decidiu considerá-lo reincidente quanto ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
Perante este contexto há que concluir, de forma inequívoca e manifesta, estarmos face a delinquente sobre o qual as penas não privativas da liberdade não exercem qualquer efeito dissuasor e reintegrador, pelo que ao mesmo não deve nem pode, obviamente, ser aplicada pena não detentiva, impondo-se a cominação de pena de prisão (efectiva), opção que também resulta de exigências de prevenção geral, posto que o sentimento jurídico da comunidade, face à gravidade e multiplicidade de crimes já cometidos pelo arguido, exige que o mesmo cumpra em clausura a pena que lhe foi imposta, consabido que só assim se cumprem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
***
Termos em que se acorda rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando em 15 UCs a taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 5 UCs – n.º 3 do artigo 420º.
Lisboa, 24 de Outubro de 2007

Oliveira Mendes (relator)

Maia Costa
Pires da Graça

_________________________
(1)- O arguido foi absolvido dos crimes de resistência e coacção sobre funcionário e de ameaça.

(2)- Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.

(3)- É do seguinte teor o n.º 2 do artigo 414º: «O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou faltar a motivação»
(4)-Como refere Camargo Hernández, El Delito Continuado, 40/42, o que justifica o instituto do crime continuado é a vontade criminosa menos intensa e grave do agente relativamente à do autor de concurso real de crimes.

(5)-Da unidade à pluralidade dos crimes no Direito Penal Português, 1231.
Também este Supremo Tribunal se vem pronunciando no mesmo sentido ao decidir que: «…não existe continuação criminosa se a repetição não resultou de uma renovação de oportunidades para o agente que lhe facilitasse a reiteração da conduta anterior, antes a procura e a criação de situação nova» - acórdão de 07.04.19, proferido no Recurso Penal n.º 4701/06.

(6)-Conforme o mesmo alega, ao decidir cometer o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pelo qual foi condenado no processo n.º 4/04.4, do 1º Juízo Criminal de Oeiras (crime cometido em Janeiro de 2004), tomou a resolução de a partir daí passar a fazer do tráfico modo de vida, intenção que ainda mantinha aquando da prática dos factos objecto dos presentes autos, factos ocorridos em 2 de Setembro de 2005
(7)-Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 338
(8)- Neste preciso sentido se pronuncia Figueiredo Dias, ibidem, 344, ao referir que: «Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidade de reprovação e prevenção do crime”. Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.».