Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
944/13.0T4AVR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: RECLAMAÇÃO
CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL
DIREITO DE ACESSO AOS TRIBUNAIS
REQUISITOS DA REVISTA
REQUISITOS DA REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS DA REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- ABÍLIO NETO, “Código de Processo Civil” Anotado, 2.ª Edição Revista e ampliada, janeiro/2014, EDIFORUM, p.825, Nota 5.
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, V, p. 220.
- GERALDES, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 35, 45 e nota 70, 308.
- GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Volume I, 4ªEdição Revista, Coimbra Editora, pp. 206, 277, 418.
- LOPES DO REGO, “Acesso ao Direito e aos Tribunais”, in “Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, 1993, p. 83.
- PINTO FURTADO, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Quid Juris, Sociedade Editora, Lx., pp. 106-109.
- RUI MEDEIROS, “Constituição Portuguesa” Anotada, Tomo I, 2ª Edição // JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS; Coimbra Editora, pp.449-450.
- TEIXEIRA DE SOUSA, «Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil», in Cadernos de Direito Privado, n.º 20, Out./Dez. 2007, pp.9-10.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 629.º, N.ºS 1 E 2, 666.º, N.º1, 671.º, N.ºS 1 E 3, 672.º, N.ºS 1, 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 9.º, 13.º, 16.º, N.º2, 20.º.
Referências Internacionais:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGOS 8.º, 10.º, 29.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05.11.2014, PROCESSO 279/08.0TTBCL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
-PROCESSO Nº 201/09.6TTLSB.L1.S1.
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-PROCESSO N.º 4521/10.9TBOER.L1.S1, DE 17.01.2013; PROCESSO N.º 59/10.2TBALD.C1.S1, AC. DE 18.12.2013; PROCESSO N.º 1075/09.2TBCTB.C1.S1, AC. DE 12.12.2013; PROCESSO N.º N.º 1012/08.1TBMTJ.L1.S1, AC. DE 29.10.2013; PROCESSO N.º N.º 971/10.9TBEPS.G1.S1, AC. DE 12.09.2013; PROCESSO N.º 526/10.8TBPTG-A.E1.S1, AC. DE 04.07.2013.
Sumário :
I- O recurso da denominada Revista excecional não prescinde da verificação dos pressupostos da admissibilidade da Revista Normal.

II- A revista excecional nos termos do disposto no art. 672.º, n.º 1 do CPC, está dependente do valor da causa e da sucumbência da parte.

III- Não configura uma situação de inconstitucionalidade a fixação de limites ao recurso.

IV- O direito de acesso à Justiça e aos Tribunais não impõe a consagração de um sistema ilimitado de recursos.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA propôs contra BB, S.A. acção com a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que seja reconhecido:
a) Que a inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redação dada pela Lei 23/2012, produz efeitos retroactivos e repristinatórios, operando o desaparecimento do ordenamento jurídico do acto que procedeu ao despedimento da autora por extinção do posto de trabalho ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais.
b) Que, desde 24/10/2013, deixou de subsistir no ordenamento jurídico o ato que despediu a autora por extinção do posto de trabalho e que qualquer novo ato de despedimento da autora terá que se fundar no disposto nos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redação dada pela Lei 7/2009;
c) O direito da autora reingressar ao serviço da ré com efeitos reportados ao dia em que foi despedida (15/3/2013) e, em consequência, condenada a ré a pagar-lhe os vencimentos vencidos e vincendos desde essa data, no montante, até à data da apresentação da petição, de € 7.425, acrescidos das quantias que contratualmente eram devidas a título de subsídio de refeição e de juros de mora desde a data de citação.
Subsidiariamente, pede que seja:
d) Declarada a ilicitude do despedimento da autora por extinção do posto de trabalho, ocorrido em Março de 2013, por violação do disposto no nº 1 do artº 367º e por violação dos nºs 1, 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redação dada pela Lei nº 7/2009;
e) Condenada a ré a readmitir a autora e a pagar-lhe todas as remunerações que deixou de auferir desde o dia do despedimento até à data em que ocorrer a efetiva readmissão na empresa, acrescida de juros de mora desde a data da citação.

2. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, a ré contestou sustentando, em resumo, que a autora litiga de má-fé, porque dolosamente deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignora, e que as normas declaradas inconstitucionais não foram tidas em conta no despedimento da autora, tendo o despedimento obedecido aos requisitos estabelecidos pelas normas constantes do Código do Trabalho na redacção da Lei nº 7/2009.

No caso de haver condenação no pagamento das retribuições de tramitação, devem ser deduzidas as retribuições até 30 dias antes da propositura da ação e o recebido a título de subsídio de desemprego.

Sustenta, ainda, que há muito caducou o prazo de 60 dias para a autora impugnar judicialmente o despedimento, mas, de todo o modo, não assiste razão à autora, configurando a propositura da ação um abuso de direito.

Concluiu dever a ação ser julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 2.500.

3. A autora apresentou resposta, contrariando a litigância de má-fé e a verificação da caducidade, e concluindo como o fizera na petição.

4. Logo após foi proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da ação, julgou-a totalmente improcedente, assim como julgou improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.

5. Inconformada, apelou a Autora desta decisão. Por acórdão de 15 de maio de 2014, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou o recurso parcialmente procedente, declarando que:

«a) A inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei nº 23/2012, produz efeitos retroactivos e repristinatórios, operando o desaparecimento do ordenamento jurídico do acto que procedeu ao despedimento da autora por extinção do posto de trabalho ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais;

b) Desde 24/10/2013 deixou de subsistir no ordenamento jurídico o acto que despediu a autora por extinção do posto de trabalho e que qualquer novo acto de despedimento da autora terá que se fundar no disposto nos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei nº 7/2009;

c) A autora tem direito a reingressar ao serviço da ré com efeitos reportados ao dia em que foi despedida (15/3/2013), com as limitações supra enunciadas em termos de retribuições de tramitação.»

6. Ao abrigo do artº 70º, nº1, alíneas a) e b), da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (LCT), a R. BB, S.A. interpôs recurso de constitucionalidade daquela Deliberação.

Sobre este recurso recaíram, sucessivamente, a decisão sumária, proferida em 30 de outubro de 2014, de não conhecimento do objeto do recurso [Fls. 267>274], e a Deliberação, de 14 de janeiro de 2015, tomada em Conferência, de indeferimento da Reclamação apresentada.[Fls. 301>307]

7. «[N]a sequência da não admissão do recurso apresentado no Tribunal Constitucional», a R. BB S.A. traz, então, o presente Recurso de Revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra [Supra 5] «nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629º e 671º do Código de Processo, aplicáveis por força do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho».

Justifica a admissibilidade do recurso com a seguinte nota introdutória:
«A remissão feita pelo artigo 79º para o 678º do anterior CPC, deve reportar-se ao Artigo 629º do NCPC, daqui decorrendo que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, também no processo do trabalho, é admitida a recorribilidade do Acórdão da Relação que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, esteja em contradição com decisões já proferidas, por Acórdão dessa ou de outra Relação (ou mesmo com Acórdão do STJ e do próprio Tribunal Constitucional» [Fls.317]

Formulou as seguintes conclusões:
1. O Acórdão nº 602/2013 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei º 7/2.009, de 12 de fevereiro, com a redação que àquelas alíneas foi dada pela Lei nº 23/2012, de 25 de junho, tendo determinado a repristinação da norma (que) revogada.
2. O Tribunal da Relação de Coimbra, considerando a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos nºs 2 e 4 do artº 368º do Código do Trabalho, na redação dada pela Lei nº 23/2012, considerou que se operou o "desaparecimento do ordenamento jurídico do ato que procedeu ao despedimento da autora por extinção do posto de trabalho ao abrigo das normas declaradas inconstitucionais",
3. E que "tudo se deve passar como se nunca tivesse estado em vigor o artº 386º/2/4 do CT/09, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 23/2012, de 25/4, sendo inválido o despedimento que tenha sido levado a efeito com fundamento nessas disposições legais, como foi o caso do despedimento da autora, tudo se passando, pois, como se o mesmo nunca se tivesse produzido",
4. Determinando que deveria subsistir “intocada a relação de trabalho entre a autora e a ré, pois que, como visto, foi invalidado com eficácia retroativa o despedimento da autora por parte da ré que tinha posto termo a tal relação", porque, de outro modo, o despedimento da autora teria sido levado a efeito com base em normas legais inexistentes (o artº 368º do CT /09 na redação anterior à Lei 23/2012).
5. Fez a decisão em crise errada interpretação e aplicação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 602/2013, de 20/9/2013.
6. Os nºs 1 e 2 do artº 282º da Lei Fundamental, determinam os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - eficácia retroativa e efeito repristinatório, este último provocando o ressurgimento da norma ou das normas que a norma declarada inconstitucional eventualmente tenha revogado no momento em que entrou em vigor.
7. Desconsiderou o Tribunal da Relação de Coimbra a automática reposição em vigor das normas revogadas pela norma declarada inconstitucional - o artº 368º/2/4 do CT /09, na redação anterior à conferida pela Lei 23/2012, desaplicando ou aplicando erradamente a decisão do Tribunal Constitucional, com base em - insólita e única - interpretação dos efeitos repristinatórios daquela decisão.
8. Não se logrou localizar qualquer aresto do Supremo Tribunal de Justiça ou de qualquer Tribunal da Relação - e crê-se que não exista - que haja efetuado interpretação dos efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral semelhante a este de que se recorre.
9. Todas as decisões desses Tribunais superiores, em face de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, com efeitos retroativos e repristinatórios, aplicam ao caso em apreço, automaticamente, as normas revogadas pela norma declarada inconstitucional- e é esta precisamente a primeira questão - fundamental de direito - no âmbito da mesma legislação - legislação constitucional - em que há contradição flagrante com o Acórdão em crise.
10. É o caso das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, Já transitadas em julgado, por exemplo, no Processo 37/07.9TBVNG.Pl.Sl e no Processo 039115, e das decisões proferidas pelos Tribunais da Relação do Porto e de Lisboa, nos processos P-I047/12.0TTMTS.Pl, de 5/5/2014 e 3226/12.6TLSD.Ll-4, de 25/5/2014, respetivamente.
11. Vejamos como resolveu a questão, no âmbito da mesma legislação - constitucional e labora(l) - o Acórdão da Relação do Porto: "Uma vez que o Tribunal Constitucional, nas declarações de inconstitucionalidade, não estabeleceu qualquer limitação de efeitos, ao abrigo do que dispõem os n.ºs 2 e 4 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, a referida declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória, geral, por ele operada, acarreta a repristinação das normas constantes dos n.º s 2 e 4 do artigo 368.º, do Código do Trabalho de 2009 na sua primitiva redação, nos exatos termos prescritos no artigo 282.º, n.º 1 da Lei Fundamental. Cabe, pois, ter presente a previsão normativa do artigo 368.º do Código do Trabalho na sua redação originária."
12. Cabia ao Tribunal recorrido verificar a conformidade do despedimento em causa com as normas repristinadas pela citada declaração de inconstitucionalidade, ou, remeter o processo à 1 ª instância para que aí se fizesse essa verificação.
13. Aceitar o contrário significará admitir - como inevitavelmente admite a decisão de que se recorre - a existência de um "quadro legal inexistente  durante o período que mediou a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional e a declaração de inconstitucionalidade.
14. Mais. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral sobre os casos resolvidos ou decididos é também controversa, nunca tendo sido cabalmente clarificada pelo Tribunal Constitucional.
15. Defendemos que decorrido que está o prazo de 60 dias a que aludem os nº 2 do artº 387º do Código do Trabalho e o artº 98º-C do Código de Processo de Trabalho, após a comunicação do despedimento ou a data da cessação do contrato, para que o trabalhador se possa opor ao despedimento, caducou o direito à ação para apreciação judicial do despedimento, por extemporaneidade da petição, facto que é de conhecimento oficioso e impõe (como bem fez o Tribunal de 1ª instância) a imediata absolvição da aqui Recorrente do pedido.
16. Tendo, maioritariamente, o Tribunal Constitucional decidido no sentido de considerar que o caso resolvido ou decidido deve ficar ressalvado dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, como fez nos Acórdãos nºs 804/93, nº 187/2003 e n.º 32/02.
17. Deste último se transcreve parte, por em nada diferir do caso em apreço: "aqueles casos em que não foi oportunamente interposto recurso contencioso constituem agora caso administrativo resolvido e se encontram já consolidados, pelo que nunca operaria, quanto a eles, qualquer efeito uma eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral".
18. Não tendo o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 602/2013 utilizado a prerrogativa da fixação dos efeitos da decisão aos casos decididos ou consolidados (no caso, por ter caducado o direito a impugnar o despedimento), é defensável admitir, na esteira das decisões daquele Tribunal transcritas, que razões de segurança jurídica justifiquem essa exclusão.
19. Entendimento contrário configura clara violação dos valores de certeza, segurança e o respeito pelo princípio da confiança, inerentes à ideia de Estado de Direito, valores que, por maioria de razão, justificam que não sejam afetados os casos em que as normas declaradas inconstitucionais foram desaplicadas.
20. É também este o entendimento maioritário da doutrina, como bem prova o artigo publicado na revista "Questões Laborais", Ano XX-nº43-julho/dezembro 2013, sobre "Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 602/2013 e o despedimento por extinção do posto de trabalho" , que juntamos como documento nº 6 ao presente recurso.
21. Caberá a este Tribunal, agora, aplicar definitivamente ao caso o regime jurídico adequado, e mandar julgar novamente a causa em conformidade.
22. As questões fundamentais de direito que aqui se trazem são necessárias para uma melhor aplicação do direito, (a) pelo inusitado da decisão de que se recorre - desaplicação ao caso em concreto da norma repristinada pela declaração de inconstitucionalidade, ao contrário do que prevê a regra constante do artº 282º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e (b) pelo longo debate pela doutrina e jurisprudência de que tem sido objecto o tratamento a dar aos casos decididos e resolvidos em face de declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
23. Em ambas se espera obter consenso que possa servir de orientação, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tais questões, quer para os tribunais, por forma a obter-se uma melhor e uniforme aplicação do direito.
24. São de particular relevância social as questões com repercussão que colidam com valores socioculturais, geradoras de sentimentos de inquietação de uma generalidade de pessoas, que ponham em causa a eficácia do direito ou façam duvidar da sua credibilidade, quer na formulação legal, quer na aplicação casuística, como faz necessariamente a decisão em crise.
25. Finalmente, e por força do acima exposto, ocorreu no caso em apreço nulidade por omissão de pronúncia - artº 615º do NCPC - já que o Tribunal da Relação não conheceu de questões que estava obrigado a apreciar, aplicando ao caso as normas repristinadas pela declaração de inconstitucionalidade.
26. O que determinará que o processo baixe ao Tribunal recorrido, para reforma de decisão - para que possam aplicar ao caso em concreto as normas do artº 368º/2/4 do CT na versão anterior à da declarada inconstitucional ou para que confirmem a decisão proferida pela 1ª Instância.

8. Não foram apresentadas contra-alegações.

9. Tendo o Exmo. Relator admitido o recurso, subiram os autos a este Supremo Tribunal.

10. Aqui, tendo-se suscitado ao relator dúvidas sobre a admissibilidade da revista ao abrigo do mencionado nº 2, alínea d) do artigo 629º do NCPC, foi proferido despacho liminar nos seguintes termos:
«BB, SA, interpôs recurso de revista do Acórdão da Relação de Coimbra «nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629º e 671º do Código de Processo», invocando «a recorribilidade do acórdão da Relação que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, esteja em contradição com decisões já proferidas, por acórdão dessa ou de outra Relação (…)»
Aplicável, in casu, o Código de Processo Civil na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (NCPC), visto o início da ação em 2013 e a prolação do acórdão em 15.05.2014.
Consabidamente, a lei adjetiva civil subordina, sem prejuízo das ressalvas que individualiza (Art.629/2 NCPC), a admissibilidade dos recursos ordinários, entre outros requisitos que ora não importa considerar, ao valor da causa e ao valor da sucumbência (art. 629º/1 NCPC).
Fora aqueles casos de exceção, para que haja recurso de revista, tem de verificar-se a condição geral positiva ínsita no item nº1 do referido artigo 629º, dizer a alçada constitui o limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário.
Resulta dos presentes autos, que à ação foi fixado o valor de € 7.425,00 (Fls.81).
À data da propositura da ação o valor da alçada dos Tribunais da Relação era de € 30.000,00 (Art. 24º, nº1, da Lei nº 3/99, de 13/01).
Objetivamente, pois, o valor dado à ação situa-se dentro dos limites da alçada da Relação.
Nesta conformidade, tudo aponta no sentido de não poder conhecer-se do objeto do recurso.

Assim, notifiquem-se as partes para, querendo, pronunciarem-se, no prazo de 10 dias, sobre esta questão prévia. (Art. 655º/1 NCPC)»

11. Pronunciou-se a Recorrente, pugnando pela admissão da Revista, invocando, em síntese, «a importância jurídica e social da questão sob recurso», «porque se trata de decisão contra jurisprudência uniforme (e nesse sentido uniformizada – quanto mais não seja por interpretação extensiva) do STJ», bem assim «que se tal norma (do artº 629º, nº2, al. d)) for interpretada no sentido de não se aplicar aos casos em que o valor da causa ou da sucumbência é igual ou inferior à alçada ou a metade do valor da alçada do tribunal de que se recorre, a mesma é inconstitucional, como tal devendo ser julgada e recusada a sua aplicação, por violação dos artigos 2º, 9º alínea b), 12º e 13º, 16º, nº2 e 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.»

Conclui:

«Porque está em causa nesta Revista “questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, estando ainda “em causa interesses de particular relevância social”, pelo que nos termos do artigo 629º, nº2, alíneas c) e d), mas também do artigo 672º, nº1, alíneas a) e b) do CPC, sempre este recurso deverá ser admitido, se necessário como de “revista Excecional”.»

12. Por despacho do Relator, de 2 de julho de 2015, o Recurso de Revista interposto pela R. BB, S.A. não foi admitido.

13. Notificada desta decisão, vem a R. reclamar para a Conferência nos termos do artigo 643º do Código de Processo Civil.

Invoca para tanto:

(i)  «os fundamentos já oportunamente invocados na motivação de recurso e no requerimento apresentado em 21 de Maio último, nos termos do artigo 655º nº 1 do mesmo diploma»,

(ii) «adicionalmente a tais fundamentos – surpreendido com essa parte da decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator – a inconstitucionalidade da norma do artigo 629º nº 2 alínea c) do Código, por violação dos artigos 2º, 9º alínea b), 12º e 13º, 16º nº 2 e 20º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada restritivamente no sentido (expressamente seguido na decisão reclamada – cf. página 11) de exigir verificada, para admissibilidade do recurso ali em causa, independentemente do valor da causa e da sucumbência, a contradição relativamente a um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência resultante da apreciação de recurso ampliado de revista, de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ou da conversão de anterior Assento, e de não incluir na respetiva previsão, e por isso afastar nesses casos essa admissibilidade de recurso, situações de contradição sobre a mesma fundamental questão de direito da decisão recorrida com jurisprudência absolutamente uniforme do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações (que inquestionadamente se verifica no caso dos autos, quanto à questão fundamental de direito em causa – que é a das consequências e efeitos da declaração de inconstitucionalidade, prevista no artigo 282º da Constituição da República Portuguesa).»

II. Cumpre decidir.

1. Visto a invocação, na presente Reclamação, dos «fundamentos já oportunamente invocados na motivação de recurso e no requerimento apresentado em 21 de Maio último, nos termos do artigo 655º nº 1 do mesmo diploma», e, «adicionalmente», a inconstitucionalidade do artigo 629º nº2 alínea c) quando interpretada restritivamente, reproduz-se o teor da decisão singular da não admissão do recurso, quer neste restrito âmbito da não admissão, quer no âmbito da (in)conformidade constitucional.

A – Sobre a admissibilidade do recurso de Revista.

«1. Regime jusprocessual aplicável

A presente ação foi instaurada em 2013.

É-lhe, assim, aplicável o Código de Processo do Trabalho (CPT) na redação conferida pelo DL nº 295/2009, de 13/10 (em vigor desde 1 de Janeiro de 2010 - art. 9º daquele Decreto-Lei).

Subsidiariamente – ex vi, art. 1º, nº2, al. a), e 81º, nº5, do CPT -, tendo em consideração que (i) a ação foi instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008 e (ii) a prolação do Acórdão de que se pretende recorrer, ocorreu em 15 de maio de 2014, é aplicável, in casu, o regime recursório decorrente do Código de Processo Civil na redação conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho (CPC/2013).

Flui dos anteditos diplomas que o legislador processual laboral optou, nomeadamente em sede recursiva, por uma remissão significativa para a disciplina da lei adjetiva civil.

Assim, ao longo das diferentes versões do Código de Processo de Trabalho, assim também já no âmbito da versão aplicável in casu, dizer a versão decorrente do DL nº 295/2009, de 13/10.

Tenham-se, então, presentes, ex.g., as normas ínsitas nos artigos 79º, 80º nº2, 81º nº5, 83º nº2, 83ºA, 87º do CPT.

Assumindo, de entre estes, particular relevância o artigo 81º, nº5, onde se dispõe: «À interposição do recurso de revista aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil»

2. Questão prévia: a nulidade por omissão de pronúncia.

Nas conclusões 25ª e 26ª, a Recorrente invoca a ocorrência da nulidade por omissão de pronúncia (Artº 615º do NCPC) sob a justificação de que «o Tribunal da Relação não conheceu de questões que estava obrigado a apreciar, aplicando ao caso as normas repristinadas pela declaração de inconstitucionalidade», por via do que deverá o processo baixar ao tribunal recorrido.

Trata-se de pretensão inatendível.

Nos termos do artº 77º, nº1, do CPT, «A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso».

Dispositivo aplicável aos recursos interpostos quer das sentenças proferidas em 1ª instância, quer dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação. [Artº 666º/1 e 679º do NCPC]

Em causa, um processo onde, sob o desiderato de uma maior celeridade e de economia processual se visa dar ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de, antes de mandar subir o recurso, suprir as nulidades de que a mesma eventualmente enferme.

Ora, este modus procedendi, assim jusprocessualmente definido, não foi observado pela R. na Revista que interpôs. 

De sorte que, como vem sendo unânime o sentido decisório jurisprudencial, é de considerar extemporânea a nulidade arguida apenas na alegação do recurso, não podendo da mesma tomar conhecimento o tribunal de recurso. [[1]]

 

3. Sobre a admissibilidade do Recurso de Revista

No conhecimento da questão da admissibilidade ter-se-á como pressuposto adquirido que à ação foi fixado o valor de € 7.425,00 [Fls. 81]

3.1 Recurso interposto nos termos do artigo 629º, nº2, alíneas c) e d), do NCPC.

Sem prejuízo das ressalvas que logo individualiza, a lei adjetiva civil subordina a admissibilidade dos recursos ordinários, entre outros requisitos, ao valor da causa e ao valor da sucumbência, definindo para um e outro os respetivos limites:

«1. O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor, somente ao valor da causa» [Artigo 629º/1 do NCPC]

Limites que «derivam, em última análise, da própria ‘natureza das coisas’, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais…» ([2])

Dizer, ainda: «Como sucede com a generalidade das opções no campo do direito processual civil e da orgânica judiciária, com a regulação da recorribilidade em função do valor ou da sucumbência o legislador visou compatibilizar o interesse da segurança jurídica potenciada por múltiplos graus de jurisdição, com outros ligados à celeridade processual, à racionalização dos meios humanos e materiais ou à dignificação e valorização da intervenção dos tribunais superiores.» ([3])

Deixou-se referido: sem prejuízo das ressalvas que a lei adjetiva civil individualiza.

Neste campo, tem-se presente que são sempre passíveis de recurso, independentemente do valor da causa e do decaimento, as decisões enunciadas no item 2 do artigo 629º, a saber: (i) decisões com fundamento na violação das regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia, ou que ofendam o caso julgado; (ii) decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre; (iii) decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do S.T.J.; (iv) acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Fora estes casos, para que haja recurso de revista tem de verificar-se a condição geral positiva ínsita no item nº1 do mesmo artigo 629º, dizer: a alçada constitui o «limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário». ([4]) ([5])

No caso concreto, apela a Recorrente à aplicação da alínea c), dizer «é sempre admissível recurso das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada».

Sem cuidar da verificação in singulos dos pressupostos enunciados na antedita alínea, bastará atentar que tal situação não é aplicável ao caso sob apreciação na justa medida em que sendo, como é, exigível a contradição relativamente a um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência – dizer, um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resultante da apreciação de recurso ampliado de revista (Artigos 686º e 687º) ou de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (Artigos 688º e ss), ou, ainda, em resultado da conversão de anterior Assento do STJ em Ac. de Uniformização de Jurisprudência, determinada pelo Artº 17º, nº2, do DL nº 329-A/95, de 12 de dezembro - nem a Recorrente o identifica, nem efetivamente ele existe.

A Recorrente apela, outrossim, à aplicação da alínea d), do nº2, do artigo 629º, onde reza que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso «do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»

Também aqui, todavia, sem que lhe assista razão.

O punctum pruriens fá-lo a Recorrente coincidir com a expressão «por motivo estranho à alçada do tribunal», a que procura emprestar interpretações muito próprias.

Com Abrantes Geraldes dir-se-á, porém:
«Foi repristinada a solução que já constou do artigo 678º do anterior CPC e que fora afastada na revisão do regime dos recursos de 2007, abrindo-se a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal está vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o impedimento ao recurso não reside no facto de o valor da ação ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do nº1 do art. 629º, mas noutro motivo de ordem legal.
Desta forma ampliam-se as possibilidades de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir pelo facto de, em regra, surgirem em ações em que, apesar de apresentarem valor processual superior à alçada da Relação, não se admite recurso de revista nos termos gerais.» ([6])

Desta transcrição retira-se, como se entende, esclarecimento bastante de modo a pôr termo à aparente confusão que decorre da contraposição entre a expressão, que encima o item 2 do artigo 629º/NCPC, «Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso», daqueloutra contida na alínea d) do mesmo normativo, «do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal» - bastando atentar que o impedimento ao recurso (normal) não reside no facto de o valor da ação ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do nº1 do art. 629º, mas noutro motivo de ordem legal .

Dizer, o impedimento tem a ver com aquelas situações de irrecorribilidade para o STJ decorrentes de normas especiais, como sejam, inter alia, as decisões previstas nos artigos 132º-A/3 e 147º/3 do C. Registo Predial; nos artigos 93º-A/3 e 106º/4 do C. Registo Comercial; nos artigos 240º/3, 251º/2 e 291º/2 do C. Registo civil; no artigo 180º/2 do Código Notariado; no artigo 66º/5 do Código das Expropriações; no artigo 14º/1 do CIRE; no artigo 46º/2 do C. Propriedade Industrial. ([7])

Este sentido de interpretação foi, aliás, assumido por esta Secção Social, no Processo nº 201/09.6TTLSB.L1.S1.

Transcreve-se, pela sua inteira pertinência:
«….ao abrigo da invocada alínea d) [Leia-se: nº 2, alínea d) do artigo 629º do NCPC] será admissível recurso de revista do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou doutra Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, quando dele não caiba recurso por motivo estranho à alçada do tribunal.
E só assim não será se já tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, dado que se o acórdão da Relação não estiver conforme com ele, a situação caberá na previsão da alínea c).
Donde resulta que se tem de tratar dum acórdão da Relação que não seja recorrível por motivo estranho à alçada, ou seja, por motivo diferente do valor da causa, visando-se abranger aquelas situações em que a decisão da Relação não é recorrível por a lei não prever para elas a possibilidade de recurso para o Supremo. ([8] )
Neste sentido aponta a história do preceito, cujas raízes remontam ao artigo 764º do CPC de 1961, norma que previa a possibilidade de recurso “per saltum” para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça dum acórdão da Relação, que estivesse em oposição com outro, dessa ou doutra Relação, sobre a mesma questão fundamental, e de que não houvesse revista ou agravo por motivo estranho à alçada.
Foi por não haver a possibilidade de uniformizar jurisprudência quanto a estas matérias que não chegavam ao Supremo, que se criou o mecanismo do artigo 764º, alargando-se assim a possibilidade de uniformizar jurisprudência em caso de oposição entre julgados das Relações.
Conforme escreve Antunes Varela, na RLJ, 116, 93 e seguintes, a ratio desta disposição foi a de impedir que matérias subtraídas ao conhecimento do Supremo continuassem a ser objeto de decisões contraditórias nos tribunais da Relação. Tinha, no entanto, de se tratar de questões que “normalmente não podiam ser apreciadas em recurso pelo Supremo Tribunal…”, abrangendo a norma as matérias que, pela sua natureza, não podiam ser submetidas, em via de recurso, ao conhecimento daquele Tribunal.
Estas considerações são igualmente válidas face à redação do atual artigo 629º, nº 2, alínea d) do NCPC.
E assim, para estar integrada a possibilidade da revista ao abrigo desta norma, tem que se tratar duma questão que seja irrecorrível por causa estranha à alçada do tribunal da Relação, ou seja, temos de estar perante uma causa que não admita recurso de revista por motivo diferente da alçada.
Mas se se tratar dum acórdão da Relação, mesmo em contradição com outro da mesma ou doutra Relação e “[…] que só por uma razão acidental (nomeadamente por estar contida dentro da alçada do tribunal)” ([9]) não suba em apreciação ao Supremo, já falhará o pressuposto de admissibilidade da revista ao abrigo da invocada norma. 
E como acentua o mencionado autor, temos de estar perante uma questão de direito resolvida em termos contraditórios pela mesma Relação ou pelas Relações e que, pela sua natureza, não pode ser conhecida pelo Supremo, dentro do sistema vigente.
Também assim se orientou a jurisprudência no domínio da vigência do artigo 764º do CPC/61, vendo-se neste sentido o acórdão da RC de 19/5/72, BMJ, 217/187, onde se decidiu que se o recurso de revista ou de agravo de acórdão da Relação não for admissível apenas porque essa decisão foi proferida dentro da respetiva alçada, então não é admissível recurso para o Tribunal Pleno ao abrigo da mencionada norma.» 

Conclui-se, pois, no sentido da falência da pretensão da admissibilidade do Recurso de Revista interposto pela Recorrente, com recurso às normas ínsitas no artigo 629º nº2 alíneas c) e d) do NCPC.

3.2 Recurso interposto nos termos do artigo 672º, nº1, alíneas a) e b), do NCPC. ([10])

À sobreposse - «sempre este recurso deverá ser admitido, se necessário como de “revista Excecional”»(sic) – a Recorrente apela à admissibilidade do recurso como de Revista Excecional, por referência às alíneas b) e c), do nº1, do artº 672º do NCPC.

Assim, no pressuposto de que estará dispensada a verificação da condição de admissibilidade do recurso de revista ordinário no que se refere à necessidade de que a causa tenha um valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

Não se pode acolher este entendimento.

Para responder à questão formulada, começa-se por acolher, pela sua clareza e simplicidade, o pensamento de Pinto Furtado a respeito da denominada «revista excecional».

Sem prejuízo da discordância revelada quanto à designação «revista excecional», discorreu do seguinte modo:
«A denominação não foi nem é, certamente, feliz, pois não designa verdadeiramente um novo e autónomo recurso, prevendo apenas certos casos em que a dupla conforme perde a eficácia típica que lhe devia corresponder e se torna irrelevante, habilitando o Supremo a conhecer da revista.
Não se trata, pois, de uma nova categoria de impugnação, de um recurso de revista excecional, como a doutrina passou então a referir, mas de exceções à irrecorribilidade resultante da dupla conforme que, por si, em princípio constitui um obstáculo à interposição do recurso de revista – a revista tout court.
Basta atentar na redação do preceito que a prevê e disciplina, para de pronto se ter consciência disso.
Nele, com efeito, começa por se declarar: “1. Excecionalmente, cabe recurso de revista…”
Repare-se: excecionalmente, cabe recurso de revista – e não, cabe recurso de revista excecional de….
Não há, portanto, nenhuma revista excecional, mas certos casos em que, apesar de o acórdão da Relação ter confirmado a sentença da 1ª instância, sem votos de vencido e pelo mesmo ou por fundamento diferente ([11]), ainda se poderá recorrer de revista.»

Este confinamento à apontada natureza de exceção à irrecorribilidade resultante da dupla conforme leva, num momento subsequente, a que o autor sob referência seja seguro na afirmação:

«É claro que, para além destes três requisitos alternativos ([12]), ainda se requererá que a causa se situe fora da alçada da Relação e o recorrente tenha sido vencido em mais de metade dela (Art. 629º/1)([13])

O que dispõe a lei?

No artigo 671º, nº 3:
«Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte

De sua vez, no artigo 672º, nº1, alíneas b) e c), reza do seguinte modo:
«1. Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no nº3 do artigo anterior quando:
b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;
c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»

Ficou feita referência a que as situações prevenidas no artigo 672º correspondem a exceções à irrecorribilidade resultante da dupla conforme.

No caso concreto, não se configura, sequer, a existência de uma qualquer situação de dupla conforme.

De todo o modo, como igualmente se deixou já antever, o recurso da denominada Revista Excecional não prescinde da verificação dos pressupostos da admissibilidade da Revista normal.

Além do já citado autor, também com Abrantes Geraldes se dirá que o acesso à Revista excecional, nos termos do artigo 672º/1 do NCPC, depende, em primeira mão, da verificação «dos requisitos gerais da revista, designadamente dos que decorrem do artigo 629º, nº1 (em função da alçada ou da sucumbência) e do artigo 671º, nº1 (natureza da decisão sobre que incidiu o acórdão da Relação». ([14])

Igual sentido de interpretação – dizer, «a revista excecional só pode ser interposta se estiverem verificadas as condições gerais da sua admissibilidade em termos do valor da causa e do montante da sucumbência da parte» - colhe-se nos ensinamentos de Teixeira de Sousa. ([15])

De igual modo, em abundante jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, sendo constante a afirmação de que «A revista excecional só é admissível nos casos em que a revista seria, à partida, admissível a título normal», e/ou «Se não cabe revista normal, de igual modo não é admissível revista excecional».

[Referem-se, a título de exemplo: Revista Excecional n.º 4521/10.9TBOER.L1.S1, Ac. de 17.01.2013; Revista excecional n.º 59/10.2TBALD.C1.S1, Ac. de 18.12.2013; Revista excecional n.º 1075/09.2TBCTB.C1.S1, Ac. de 12.12.2013; Revista excecional n.º 1012/08.1TBMTJ.L1.S1, Ac. de 29.10.2013; Revista excecional n.º 971/10.9TBEPS.G1.S1, Ac. de 12.09.2013; Revista excecional n.º 526/10.8TBPTG-A.E1.S1, Ac. de 04.07.2013]

Falece, destarte, a pretensão do conhecimento da Revista interposta como sendo de Revista Excecional.»

B – Questão da (in)conformidade constitucional.

«4. Questão da (in)conformidade constitucional na interpretação dos artigos 629º, nº2, alíneas c) e d) e 672º, nº1, alíneas a) e b) do NCPC

Diz a Recorrente que «se tal norma (do artº 629º, nº2, al. d)) for interpretada no sentido de não se aplicar aos casos em que o valor da causa ou da sucumbência é igual ou inferior à alçada ou a metade do valor da alçada do tribunal de que se recorre, a mesma é inconstitucional, como tal devendo ser julgada e recusada a sua aplicação, por violação dos artigos 2º, 9º alínea b), 12º e 13º, 16º, nº2 e 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa».

Quid iuris?

Procedendo o artigo da Lei Fundamental à definição da República Portuguesa como Estado, com Gomes Canotilho e Vital Moreira dir-se-á que «Tendo essencialmente uma função aglutinadora e sintetizadora, o preceito do Estado de direito democrático, em princípio, não produz normas com determinabilidade autónoma, ou seja, normas que não encontrem tradução em outras disposições constitucionais.» ([16])

Mutatis mutandis, o que fica referido vale no que concerne ao invocado artigo 9º [«São tarefas fundamentais do Estado: b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático»] , na justa medida em que - uma vez mais no acolhimento do ensinamento daqueles mestres de Coimbra - ter-se-á por certo que «O princípio do Estado de direito (democrático) para que remete a alínea b) – decorre expressamente do artigo 2º da CRP.» ([17])

Sobre o princípio da igualdade, ínsito no artigo 13º da Lei Fundamental, ter-se-á presente o seu âmbito de abrangência nas dimensões da proibição do arbítrio, da proibição de discriminação e da obrigação de diferenciação enquanto forma de compensar a desigualdade de oportunidades.

Este normativo será considerado conjugadamente com o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva condensado no artigo 20º da CRP.

Se bem se interpreta, também a invocação do artigo 16º, nº2, da CRP, não pode deixar de ter a ver com o disposto, respetivamente, nos artigos 8º, 10º e 29º/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim com referência ao (i) direito ao recurso efetivo, ao (ii) direito que «toda a pessoa tem, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações (…)», (iii) sem prejuízo de que «No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática».

In casu.

Se bem se interpreta, a Recorrente leva a rejeição do recurso à conta de uma violação dos princípios jusfundamentais da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e/ou do direito ao recurso efetivo, do direito ao processo equitativo.

É corolário do Estado de Direito a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito.

Por isso que, no artigo 20º/5 da Constituição da República se determina que «Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos»

São coisas distintas a considerar, todavia: de uma parte o direito de acesso aos meios judiciários com vista à salvaguarda e definição do direito para o caso concreto e, de outra, o procedimento definido pelo legislador ordinário quanto ao modo do exercício daquele direito.

Dentro desta questão da conformação constitucional, levanta-se a questão de saber se as normas ínsitas nos artigos 629º, nº2, alíneas c) e d) e 672º, nº1, alíneas a) e b) do NCPC – enquanto delimitativas do recurso a um duplo grau de jurisdição - coarctam inadequada e irrazoavelmente o direito de recurso.

Na doutrina como na jurisprudência a resposta revela-se com sentido negativo.

Transcreve-se:
«É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (Ac.nº125/98) A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso (Acs. Nºs 72/99, 431/02 e 106/06….» ([18])([19])

Nesta conformidade, sem necessidade de outras lucubrações exegéticas, imperioso se torna concluir no sentido de que soçobra a Recorrente na pretensão formulada de ver admitido o recurso de revista interposto, quer à luz da argumentação de cariz adjectivo, civil e laboral, quer no apelo aos princípios de cariz constitucional.»


*

2. A fundamentação deixada transcrita, sem necessidade de outras considerações, não pode deixar de ser, aqui e agora, sufragada em Conferência.

De modo que, neste momento como no tempo da decisão liminar, dir-se-á em formulação de síntese:

«Não está em causa qual seja o valor da ação, dizer € 7.425,00.

Valor, aliás, não questionado pela Recorrente, pois que, aceitando-o, apenas põe em causa que o mesmo possa relevar para efeitos de admissibilidade da revista (normal ou excecional). À data da propositura da presente ação, o valor da alçada dos tribunais da Relação era de € 30.000,00 (artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), sendo este o valor atendível para efeitos do preceituado no n.º 1 do artigo 629º/1 do CPC/2013.

Objetivamente, pois, o valor dado à ação situa-se dentro dos limites da alçada da Relação.

Uma vez que:
· A admissibilidade do recurso de revista interposto está dependente da verificação cumulativa de um duplo requisito: (a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; (b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre; [Artigos 678º/1 CPC/2007; 629º/1 CPC/2013]
· À data da propositura da presente ação, o valor da alçada dos tribunais da Relação era de € 30.000 (artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), sendo este o valor atendível para efeitos do preceituado no n.º 1 do artigo 629º/1 do CPC/2013, [Idem: 678º/1 do CPC/2007]

Nestes termos, o recurso de revista interposto é inadmissível, porque o valor da causa é inferior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre e uma vez que não tem por fundamento qualquer das situações previstas no n.º 2 do art. 629º do CPC/2013.»

III DECISÃO

Por tudo o exposto, indeferindo a presente Reclamação para a Conferência, acorda-se em confirmar o despacho proferido pelo Relator.

Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 15 de Outubro de 2015

Melo Lima (Relator)

Mário Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

____________________
[1] Neste sentido, entre outros: Ac. STJ de 05.11.2014, Processo 279/08.0TTBCL.P1.S1, in www.dgsi.pt
[2] LOPES DO REGO, “Acesso ao Direito e aos Tribunais”, in “Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, 1993, pág. 83
[3] GERALDES, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 35
[4] ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, V, 220
[5] «A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido», «A este valor se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (Art. 305º nºs 1 e 2 CPC/07; Art. 296º nºs 1 e 2 CPC/2013)
[6] Ibidem, pág. 45
[7] Neste sentido, vide: ABÍLIO NETO, NCPC ANOTADO, 2ªEdição Revista e ampliada, janeiro/2014, EDIFORUM, pág.825, Nota 5; ABRANTES GERALDES, ob. cit. pág. 45, Nota 70.
[8] Veja-se a título meramente exemplificativo os processos especiais previstos no artigo 170º e seguintes do CPT, cujo artigo 172º /3 expressamente consagra que só há recurso até à Relação; e no artigo 186º-A e seguintes do mesmo Código, pois o nº 3 do artigo 186º-C também refere, expressamente, que das decisões neles proferidas apenas se pode recorrer para a Relação.
[9] Conforme se diz no citado texto, pág. 96
[10] Em princípio, no que concerne à questão suscitada a respeito do pressuposto da oposição entre decisões, é competente para o seu conhecimento a Formação deste S.T.J.
Todavia, em face do sentido da decisão que se vai deixando desenhado, tal conhecimento sempre estaria prejudicado. [Artigos 608º/2, 679º, 663º/2 do NCPC]
[11] Leia-se: «sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente»
[12] Dizer, os apontados requisitos: (i) zelar pela «melhor aplicação do direito», (ii) acautelar «interesses de particular relevância social» ou (iii) sanar a «contradição» jurisprudencial, previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 672º /nº1 NCPC 
[13] RECURSOS EM PROCESSO CIVIL (de acordo com o CPC de 2013); QUID JURIS, SOCIEDADE EDITORA – Lx., págs. 106>109. Negritos e sublinhados, do Relator.
[14] Ob. cit. págs. 45 e 308
[15] TEIXEIRA DE SOUSA, «Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil», in Cadernos de Direito Privado, n.º 20, Out./Dez. 2007, pp.9-10.
[16] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, VOLUME I, 4ªEdição Revista, Coimbra Editora, pág. 206
[17] Ibidem, pág. 277
[18] RUI MEDEIROSCONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA – TOMO I, 2ª Edição // JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS; Coimbra Editora, págs.449-450
[19] Com igual interesse, vide GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Ob. cit. pág.418