Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2545/11.8TVLSB.L1.S3
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Estudos de Direito Comercial, 1996, 102 e ss. e 217.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1, 238.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALS. B) E C), 662.º, N.º 4, 666.º, N.º 1, 674.º, N.º 3, 682.º, N.ºS 1, 2 E 3.
LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO (LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO): - ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 9-5-2006, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

- Este S.T.J., como tribunal de revista, não aprecia, em regra, a matéria de facto, sendo também certo que como decorre do disposto no art. 662º nº 4 do C.P.Civil, das decisões da Relação sobre a matéria de facto, não é, em regra, admissível o recurso para o S.T.J.

- Por isso, este Supremo não poderá controlar e ajuizar da forma como o tribunal recorrido analisou o depoimento da testemunha CC, pelo que pretensão da recorrente nesse sentido carece de sentido.

- A interpretação da vontade negocial em relação à cláusula em causa, assentou em prova produzida na audiência de julgamento, tendo até sido, a correspondente materialidade, objecto de indagação expressa. Não foram utilizadas as regras consagradas nos arts. 236º nº 1 e 238º do C.Civil com vista à reconstituição do sentido virtual ou hipotético que o homem padrão atribuiria a tais declarações, pelo que nos encontramos perante uma questão de facto e não direito, sendo que só nesta o Supremo poderia intervir.

Decisão Texto Integral:

2545/11.8TVLSB.L1.S3   

                                              

                                              

                                              

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

I- Relatório:

1-1- AA, S.A. instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra BB, S.A., pedindo seja anulado o acórdão arbitral de 2 de Novembro de 2011 que identifica.

Sustenta este pedido, em síntese, defendendo a incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido e a violação dos princípios do contraditório e da audição das partes antes de ter sido proferida a decisão final.

                       

A R. contestou em que, além de impugnar parte da factualidade articulada na petição inicial, sustentou que o tribunal arbitral decidiu correctamente acerca da sua própria competência e que foram observados durante o processo arbitral os princípios cuja violação é acusada pela A..

 

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o valor processual da causa, identificado o objecto do litígio e enunciado o tema da prova.

                       

Foi proferida sentença que decidiu julgar a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvendo a R. do pedido, não decretou a anulação da decisão arbitral impugnada.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A., AA, S.A., de apelação para o Tribunal da Relação de …, tendo-se aí julgado procedente o recurso e, em consequência, revogou-se a decisão recorrida e anulou-se o acórdão do tribunal arbitral.                       

                       

1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R., BB, S.A., para este Supremo Tribunal, tendo sido proferida decisão anulando-se o acórdão recorrido, determinando-se que o tribunal recorrido apreciasse a impugnação da matéria de facto feita pela apelada.

1-4- Remetido o processo ao Tribunal da Relação, neste tribunal procedeu-se conforme o determinado, reapreciando-se a matéria de facto impugnada, após o que se proferiu decisão, julgando-se procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e anulando o acórdão do Tribunal Arbitral.

                       

1-5- Não se conformando com este acórdão dele recorreu a R., BB, S.A., para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo (o presente recurso).

1-6- A recorrente alegou, tendo retirado as seguintes conclusões:

a) – No douto acórdão recorrido, o Tribunal da Relação desconsiderou em absoluto o depoimento da testemunha CC, autor material dos textos do “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos” e do “Acordo de Recompra de Acções”, desconsideração essa feita ao arrepio das disposições do artº 607º nº 4 e 5 do Código de Processo Civil e que enferma das nulidades previstas no artº 615º nº 1 alªs b) e c) do mesmo diploma legal;

b) – A interpretação da vontade negocial das partes, isto é, do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nas alªs 236º nº 1 e 238º nº 1 do Cód. Civil, constitui matéria de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça;

c) – Da conjugação das expressões utilizadas no “Acordo de Opção de Recompra” – v.g. “no âmbito e na sequência do Contrato de Compra e Venda de Acções…” – com a data aposta (a mesma) num e noutro desses negócios e da evidente conexão funcional e económica entre eles existente, é legítima a interpretação, à luz do critério da impressão do declaratário, constante dos artºs 236º nº 1 do Cód. Civil, que as partes pretenderam que o primeiro ficasse submetido à disciplina do segundo e, designadamente, ao neste estatuído sobre resolução de litígios (cláusula compromissória);

d) – Dizer-se que um contrato é feito “no âmbito e na sequência” de outro não pode deixar de significar, objectivamente, que se situa no mesmo “domínio”, no mesmo “campo de acção” e que os seus subscritores desejaram essa abrangência, a qual inclui necessariamente a cláusula compromissória;

e) – Da procedência do pedido de ampliação do âmbito do recurso de apelação deduzido pela ora Rec.te resulta manifesto que a vontade das partes foi justamente no sentido para que aponta a interpretação legítima mencionada nas alíneas anteriores;

f) – O douto acórdão recorrido, decidindo como decidiu, infringiu o disposto nos artºs 2º nº 2 da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto, aplicável “ex vi” artº 2º da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, 236º nº 1 do Cód. Civil, 607º nº 4 e 5 do Cód. de Processo Civil, e incorreu nas nulidades previstas no artº 615º nº 1 alªs c) e d), aplicável “ex vi” artº 666º, ambos deste último diploma legal.                  

A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

II- Fundamentação:

2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do C.P.Civil).

Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

- Se o tribunal recorrido desconsiderou em absoluto o depoimento da testemunha CC e se este Supremo pode corrigir a posição assumida.

- Se as partes pretenderam que o contrato de “opção de recompra” ficasse submetido à disciplina do contrato de “compra e venda de acções de cessão de créditos” no que toca à submissão dos litígios dele decorrentes à apreciação do tribunal arbitral e se este STJ pode apreciar a questão.                 

                       

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão:

1) Por escrito de 7 de Maio de 2009, denominado “Contrato de Compra e Venda e Cessão de Créditos”, a Ré, designada por “BB” ou “Vendedora”, e a Autora, designada por “AA” ou Compradora”, declararam, além do mais, o seguinte:

Considerando que:

A. A Vendedora é titular e legítima possuidora de 1 630 acções representativas de 16,3% do capital social da sociedade DD, sociedade que tem como objecto social a organização, administração e gestão de empresas; a elaboração de estatutos e análises económico-financeiras; a representação, em Portugal, de empresas estrangeiras; a importação e exportação de bens e serviços; a promoção e desenvolvimento imobiliário, incluindo a compra de imóveis para revenda ou a exploração própria; e a gestão da carteira de títulos pertencente à sociedade;

B. A Vendedora é também titular de Suprimentos prestados à sociedade DD no montante de €2 820 103,69 (dois milhões oitocentos e vinte mil cento e três euros e sessenta e nove cêntimos) e de outros créditos no valor de €36.800,00 (trinta e seis mil e oitocentos euros);

C. A Compradora é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo accionista maioritária da DD;

D. Não existindo quaisquer restrições à transmissão das Acções, as Partes estão de acordo em celebrar um contrato de compra e venda de Acções e Cessão de Créditos, pelo qual a Compradora adquire à Vendedora todas as acções que esta detém na DD, bem como a totalidade de créditos, sob a forma de Suprimentos e outros créditos de que esta é titular e detém sobre a DD;

É reciprocamente acordado e livremente aceite o Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos constante das seguintes cláusulas:

1. Definições e Interpretação

1.1. No presente contrato (incluindo os Considerandos acima enunciados), sempre que iniciados por letra maiúscula, e salvo quando do contexto claramente decorrer sentido diferente, os termos e expressões abaixo indicados terão o significado que a seguir lhes é apontado:

(a) Acções: as 1 630 (mil seiscentas e trinta) acções ordinárias tituladas, ao portador, com o valor nominal unitário de €5 (cinco euros), representativas de 16,3% (dezasseis vírgula três por cento) do capital social e dos direitos de voto da DD e detidas pela Vendedora;

(b) DD ou Sociedade: a DD, S.A. (…);

(c) Contrato: o presente contrato de compra e venda de acções e cessão de suprimentos, incluindo os respectivos Anexos e quaisquer alterações e/ou aditamentos que o mesmo vier a sofrer;

(d) Créditos: a totalidade dos créditos detidos pela Vendedora, nomeadamente sob a forma de suprimentos e de outros créditos;

(e) Declarações de Garantia: as declarações de garantia prestadas pelas Partes nos termos da Cláusula 6 infra;

(f) Estatutos DD: os estatutos da Sociedade, cuja versão actual as partes declaram conhecer;

(g) Operação: a compra e venda das Acções e dos Créditos, a realizar nos termos e condições previstos neste Contrato;

(h) Partes: a BB, enquanto Vendedora, e a AA, enquanto Compradora;

(i) Preço das Acções: o montante a pagar pela Compradora à Vendedora como contrapartida da venda das Acções, conforme estabelecido na cláusula 3.1. (a);

(j) Preço dos Créditos: o montante a pagar pela Compradora à Vendedora como contrapartida da cessão dos Créditos a favor da Compradora, conforme estabelecido na cláusula 3.1. (b);

k) Preço Global: significa o Preço das Acções e o Preço dos Créditos;

(l) Suprimentos: todos os créditos que, em resultado de suprimentos ou outros créditos, por empréstimo ou emergentes de qualquer outra situação, seja detidos pela Vendedora, na qualidade de accionista, sobre a DD, totalizando o montante de €2.856.948,91 (dois milhões oitocentos e cinquenta e seis mil novecentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) e correspondendo €2.820.103,69 (dois milhões oitocentos e vinte mil cento e três euros e sessenta e nove cêntimos) a suprimentos e €36.845,22 (trinta e seis mil oitocentos e quarenta e cinco euros e vinte e dois cêntimos) a outros créditos, reconhecidos pela Sociedade. (…)

1.4. Os títulos das cláusulas do presente Contrato são incluídos por razões de mera conveniência, não constituindo suporte da interpretação ou integração do mesmo. (…)

1.6. Os Anexos ao presente Contrato fazem parte integrante do mesmo para todos os efeitos legais e contratuais.

2. Objecto

Pelo presente Contrato, e nos termos e condições dele constantes:

(a) A Vendedora vende à Compradora as Acções, livres de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades, excepto aqueles que decorram da transmissão ora realizada;

(b) A Vendedora cede à Compradora todos os Créditos, compostos por Suprimentos, incluindo todos aqueles que com referência aos Suprimentos prestados pela Vendedora pudessem ser exigidos à DD, e outros créditos livres de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades;

(c) A Compradora adquire à Vendedora as Acções e os Créditos, nos termos constantes do presente Contrato, livres de ónus, encargos ou outras responsabilidades, excepto aqueles que decorram da transmissão ora realizada.

3. Preço e Forma de Pagamento

3.1. O Preço Global corresponderá ao montante global de €2.865.098,91 (dois milhões oitocentos e sessenta e cinco mil noventa e oito euros e noventa e um cêntimos), sendo:

(a) €8.150 (oito mil cento e cinquenta euros) correspondente ao Preço das Acções detidas pela Vendedora; e (b) €2.856.948,91 (dois milhões oitocentos e cinquenta e seis mil novecentos e quarenta e oito euros e noventa e um cêntimos) correspondente ao Preço dos Créditos detidos pela Vendedora, e cedidos a valor nominal.

3.2. Os montantes referidos no número anterior serão pagos pela Compradora, ou terceira entidade por esta indicada, à Vendedora, mediante entrega de cheque bancário, nos seguintes termos e condições:

(a) 60% do Preço Global, correspondente a €1.719.059,35 (um milhão setecentos e dezanove mil cinquenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos) é pago na presente data, dando a promitente vendedora quitação dessa importância;

(b) O preço remanescente, no montante de €1.146.039,56 (um milhão cento e quarenta e seis mil trinta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos) será pago no prazo de três meses a contar da presente data.

3.3. Com a efectivação do primeiro pagamento descrito no número anterior, as Acções serão transmitidas de imediato, através da entrega física dos respectivos títulos à Compradora, ficando esta com a titularidade das referidas Acções, bem como com todos os direitos a elas inerentes. (…)

5. Efeitos do Contrato

Com a celebração do presente Contrato, transmite-se a favor da Compradora a titularidade das Acções e dos Créditos. (…)

10. Disposições Diversas

(…)

10.3. Este Contrato apenas poderá ser alterado mediante acordo expresso, por escrito, celebrado entre as Partes.

10.4. O presente Contrato constitui o acordo integral entre as Partes, sobrepondo-se e revogando quaisquer declarações ou compromissos, verbais ou escritos, relativos às matérias aqui reguladas. (…)

13. Resolução de Litígios

13.1. No caso de litígio quanto à validade, interpretação ou aplicação deste Contrato, as Partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão.

13.2. Caso não seja possível obter a solução concertada prevista no número anterior, qualquer das Partes poderá, mediante notificação escrita, declarar tal circunstância à outra Parte e iniciar um procedimento arbitral nos termos da presente cláusula.

13.3. A arbitragem terá lugar em …, utilizará a língua portuguesa e obedecerá ao disposto na presente cláusula e na Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.

13.4 O tribunal arbitral será constituído por um árbitro único, se as Partes em litígio acordarem na sua designação nos termos do artigo 11.º, número 5, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.

13.5. Se a Parte notificada nos termos do artigo 11.º, número 5, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, não aceitar o árbitro proposto pela outra Parte no prazo de 15 (quinze) dias a contar da recepção da correspondente notificação, o tribunal arbitral passará a ser constituído por 3 (três) árbitros, cabendo a cada uma das Partes a nomeação de um árbitro e aos árbitros nomeados pelas Partes a nomeação do terceiro árbitro, que presidirá.

13.6. Caso o tribunal arbitral seja constituído por 3 (três) árbitros nos termos referidos no número anterior, deverão as Partes nomear o árbitro respectivo mediante notificação dirigida à outra Parte no prazo único de 15 (quinze) dias a contar da data de termo do prazo para a aceitação do árbitro único nos termos previstos no número anterior ou da correspondente recusa, consoante o que ocorrer mais cedo.

13.7. No prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da notificação da nomeação do segundo árbitro, terá lugar a escolha do terceiro árbitro por acordo entre os dois primeiros.

13.8. À falta de nomeação de árbitros nos termos da presente cláusula aplicar-se-á o disposto na lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, em particular no seu artigo 12.º.

13.9, As partes desde já acordam que o tribunal arbitral poderá julgar segundo a equidade.

13.10. A decisão arbitral será final e não recorrível.

13.11. Na falta de acordo sobre o objecto do litígio, este será definido pelo tribunal arbitral, em função do pedido formulado na petição e da defesa deduzida na contestação, incluindo eventuais excepções ou pedidos reconvencionais.”

                        2) A Autora, a Ré e a sociedade “EE, S.A.”, firmaram um escrito, datado, na sua primeira página, de 7 de Maio de 2009, com o seguinte conteúdo:

Assunto: Opção de recompra de posição accionista de 16,3% na DD, S.A., pela BB, S.A.

Exmos. Senhores,

Na sequência e no âmbito do contrato de compra e venda de acções da DD, SA, realizado no dia 7 de Maio de 2009, a AA, SA (‘AA’), vem conceder à BB, SA (‘BB’) ou se esta não a exercer, à EE, SA, uma opção de recompra da posição accionista de 16,3% transmitida por efeito do referido contrato, nos seguintes termos:

1. Período de exercício de opção: 1 de Janeiro de 2010 a 31 de Dezembro de 2012.

2. Condições para recompra

O preço será determinado segundo a seguinte fórmula:

PR= PTX (1 + N9/100) x (1 + N10/100) x (1 + N11/100)

Em que:

PR é o preço de recompra

PT é o preço total de contrato assinado em 7 de Maio de 2009.

N é:

(i) o valor da inflação que se tenha verificado em cada um dos anos 2009, 2010, 2011 que antecederem o do exercício de opção acrescido de três pontos percentuais

ou

(ii) 5 (cinco), conforme o que for mais elevado.

3. A opção de recompra tem de ser exercida, por opção da BB (ou EE):

(i) na totalidade, ou

(ii) até um máximo de 1/3 da posição objecto do contrato assinado em 7 de Maio de 2009, fazendo-se neste caso adaptação no valor PT da fórmula acima enunciada.

4. A concessão da opção acima mencionada só é válida na condição de que o domínio accionista da BB ou da EE, no momento do exercício da opção, seja o que se verifica na data da assinatura desta carta.

5. A opção caduca, sem que à BB (e à EE) assista o direito a ser indemnizada por esse facto, caso a AA pretenda alienar, total ou parcialmente, a sua posição na DD. Neste caso, a caducidade ocorrerá com a notificação da BB e da EE de que a AA pretende alienar a sua posição.

6. Em caso de venda total da participação a terceiro – que não integre o grupo económico ou jurídico de empresas de que faz parte –, a AA compromete-se a englobar, nos mesmos termos e condições que lhe sejam aplicáveis, os (demais) accionistas da DD.

7. Em caso de venda parcial da participação a terceiro – que não integre o grupo económico ou jurídico de empresas de que faz parte –, a AA poderá englobar na mesma, nos mesmos termos e condições que lhe são aplicáveis, os (demais) accionistas da DD, sem prejuízo de não o fazer proporcionalmente para manter na DD uma posição qualificada, ainda que minoritária (de 10%, 20% ou 33,3%)”.

3) Este escrito não se encontra datado, no espaço a tanto destinado, que antecede as assinaturas dos representantes da Ré e da sociedade “EE, S.A.”.

                        ….

37) O escrito relativo ao acordo de “Opção de Recompra” foi subscrito pelos representantes da Autora em data posterior àquela que dele consta e, mais tarde, em data não apurada em concreto, foi entregue a FF, para ser assinado pelos representantes legais da Ré.

38) O escrito relativo ao acordo de “Opção de Recompra” foi elaborado e redigido pelo então advogado da Autora, mediante instruções recebidas de um representante desta.

Foi dada como não provada (entre outra) a seguinte factualidade:

j) Que a vontade real das partes quando subscreveram o acordo de “Opção de Recompra” foi a de que este deve ter-se como incluído no âmbito do “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos”, submetendo-se à disciplina consagrada neste último. -------------------------

                       

2-3- Como se disse no anterior acórdão deste STJ, a questão essencial que se colocava na revista, era a de saber se a interpretação que o Tribunal Relação fez dos termos dos contratos em questão, no que toca à incompetência do tribunal arbitral para conhecer do contrato de “opção de recompra de acções”, foi, ou não, correcta.

Nesse anterior aresto referiu-se, para além do mais, que “a A., AA, S.A. instaurou a presente acção com vista à anulação do acórdão arbitral de 2 de Novembro de 2011 de que, amplamente, se dá nota nos presentes autos. Sustenta o seu pedido, para o que agora interessa, na incompetência do tribunal arbitral para conhecer dos litígios decorrentes do contrato de “opção de recompra de acções”. É que, no seu entender, o litígio atinente à opção de recompra de acções não estava incluído na convenção de arbitragem, estatuída no “contrato de compra e venda de acções e cessão de créditos”, daí decorrendo a incompetência do tribunal arbitral para apreciar e julgar tal litígio. Sobre o assunto no douto acórdão recorrido mencionou-se que “como resulta da matéria dada como provada, foram celebrados dois contratos datados ambos, de 7 de maio de 2009. O primeiro designado de “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos”, e o segundo designado de “Opção de recompra de posição accionista de 16,3% na DD, S.A., pela BB, S.A.”… Porém, do segundo contrato, ou seja, do contrato de “Opção de recompra”, não consta qualquer remissão para o regime aplicável ao primeiro. Porém, consta daquele escrito o seguinte excerto: “na sequência e no âmbito do contrato de compra e venda de acções da DD, SA, realizado no dia 7 de Maio de 2009, a AA, SA (‘AA’), vem conceder à BB, SA (‘BB’) ou se esta não a exercer, à EE, SA, uma opção de recompra da posição accionista de 16,3% transmitida por efeito do referido contrato…”. Do teor deste excerto e do facto de os dois contratos apresentarem a mesma data, entendeu o tribunal a quo poder concluir pela existência de uma vontade das partes (e da EE, S.A) em estabelecerem, por acordo, “uma relação de complementaridade temporal e funcional entre ambos os negócios…”. E mais adiante “Na verdade, não resultou provado nos autos que a vontade real das partes, quando subscreveram o acordo de “Opção de Recompra” tenha sido a de que este deve ter-se como incluído no âmbito do “Contrato de Compra e Venda de Acções e de Cessão de Créditos” (alínea j dos factos não provados conforme consta da sentença recorrida), pelo que não se pode daqui retirar que há uma remissão da disciplina do segundo contrato para o primeiro. Contudo, poderá concluir-se pela existência dessa vontade das partes em estabelecerem uma relação de complementaridade temporal e funcional entre ambos os negócios, quando incluíram no segundo contrato a expressão “Na sequência e no âmbito (...)” do referido contrato”? Pergunta-se: pode esta expressão ser considerada uma remissão (implícita) para as regras do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos de 7 de Maio de 2009, que inclui a convenção arbitral? Apesar da prova que foi produzida, nada se apurou nesse sentido e parece-nos que se tivesse sido essa a intenção das partes então tê-lo-iam expressado de forma explícita, dado que tais contratos foram redigidos por um Jurista. Nada nos permite concluir que a expressão utilizada (“na sequência e no âmbito (...)” consubstanciava uma remissão para as regras do contrato anterior. Uma coisa é relacionar a celebração de um contrato com outro, pois como é óbvio ambos têm uma relação estreita, visto que um trata de uma venda de acções e o outro de um direito de opção de recompra dessas acções. Porém, coisa muito diferente é a intenção de remeter para um determinado regime jurídico e torná-lo extensivo ao segundo contrato… Impõe-se, assim concluir que o contrato que está na origem do litígio (“Opção de Recompra”) não contém uma cláusula arbitral. Nestas condições, não tinha o Tribunal Arbitral competência para conhecer deste litígio”. Por isso, considerou procedente a acção anulando o acórdão arbitral de 2 de Novembro de 2011”. Referiu-se ainda que “no contrato de “opção de recompra” consta a menção de que “na sequência e no âmbito do contrato de compra e venda de acções da DD, SA, realizado no dia 7 de Maio de 2009, a AA, SA (‘AA’), vem conceder à BB, SA (‘BB’) ou se esta não a exercer, à EE, SA, uma opção de recompra da posição accionista de 16,3% transmitida por efeito do referido contrato…”, sendo que a 1ª instância, do teor deste excerto e do facto de os dois contratos apresentarem a mesma data, concluiu pela existência de uma vontade das partes em estabelecerem, por acordo, “uma relação de complementaridade temporal e funcional entre ambos os negócios” e, consequentemente, pelo estabelecimento do tribunal arbitral para a resolução dos litígios decorrentes do contrato, construção que o acórdão recorrido repudiou com a fundamentação já acima referenciada. Acrescentou-se que “como se assinala no douto acórdão recorrido (e decorre a factualidade assente) do contrato “opção de recompra” não consta qualquer remissão explícita para o regime aplicável ao outro contrato (contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos), sendo certo que para a resolução de litígios decorrentes deste contrato as partes convencionaram o tribunal arbitral. Considerou-se depois que, face às normas que se evidenciou, a convenção de arbitragem deve constar de documento escrito (convenção expressa ou explícita). Todavia pode admitir-se como reduzida a escrito a convenção de arbitragem feita por remissão nos termos indicados na norma evidenciada, concluindo-se que “deve valer como convenção de arbitragem a remição feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, desde que tal contrato revista a forma escrita e a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo”. Porém, no caso, “não pode ter-se como concretizada esta remissão pois “ao lermos o contrato de “opção de recompra”, em local algum consta qualquer remição que permita a extensão da aplicabilidade da cláusula compromissória ao contrato de “opção de recompra”, sendo que “a simples menção “na sequência e no âmbito do contrato de compra e venda de acções”, não será possível, sem o apoio de outros elementos, ser interpretada como uma remissão para a convenção de arbitragem estipulada no outro contrato”.

Ou seja, considerou-se que, nos termos do contrato celebrado pelas partes, não consta qualquer remição (expressa) para a cláusula compromissória em relação à opção de recompra, sendo, porém, possível com o apoio de outros elementos, interpretar a dita menção constante do contrato (“na sequência e no âmbito do contrato de compra e venda de acções”), como uma remissão para a convenção de arbitragem acordada no referido contrato. Isto é, na ausência de remissão expressa, poderá chegar-se a tal remissão através da interpretação da vontade dos contratantes.

Foi para efectuar esta interpretação (determinação da vontade declarada dos contratantes - al. j) dos factos não provados -), através da apreciação da impugnação da matéria de facto feita pela apelada (ora recorrente)[1] que se anulou o acórdão recorrido.

Remetido o processo ao Tribunal da Relação aí se procedeu à ordenada reapreciação da matéria de facto, tendo-se referido no acórdão ora recorrido:

Por determinação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça passa-se a reapreciar tal matéria: Foi ouvido o depoimento gravado da testemunha CC, Professor de Direito e Advogado que elaborou os documentos em causa. A questão está em saber se o depoimento da referida testemunha "aponta de modo inequívoco para que as partes quiseram na realidade submeter este último [Acordo de Recompra de Acções] à disciplina do primeiro e, necessariamente à respectiva cláusula compromissória". Ora, analisado o teor do seu depoimento e embora a testemunha efectivamente o afirme em audiência, tal não nos parece suficiente para alicerçar uma convicção nesse sentido, por parte do Tribunal. Na verdade, para que um facto seja dado como provado, não basta que alguém afirme que esse facto ocorreu. É necessário que o afirme de forma convincente e credível. Ora, como é sabido, nos termos da lei, a convenção de arbitragem deve adoptar a forma escrita, valendo como convenção de arbitragem a remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, desde que tal contrato revista a forma escrita e a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo. A testemunha como Jurista que é não podia deixar de ter conhecimento de tal exigência legal. Por isso, mais inverosímil se torna que, se tal tivesse sido a vontade das partes, a testemunha não tenha feito constar do contrato de "opção de recompra de acções" pelo menos a remissão para a cláusula compromissória constante do contrato de "Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos". A testemunha, a nosso ver, não explica o motivo pelo qual, tendo sido os contratos redigidos por um ilustre Jurista que tinha conhecimento das consequências da omissão da cláusula em apreço, não providenciou para que a mesma constasse do contrato, se tal fosse a vontade das partes”. Concluiu-se, assim, afirmando-se “que o depoimento da testemunha CC não é suficiente para alterar a convicção deste Tribunal, no sentido de dar como provado que "a vontade real das parles, ao subscreverem os acordos em causa, foi a de submeterem a arbitragem os litígios emergentes de qualquer desses acordos ", sendo certo, também, que “do teor dos documentos em análise também não se pode retirar tal conclusão, ou seja de que a vontade das partes teria sido estender a aplicabilidade da cláusula compromissória, constante do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos" ao "Acordo de Recompra de Acções". Não nos parece que tal intenção possa ser depreendida apenas da expressão constante do segundo "Acordo" onde se lê que este foi celebrado "na sequência e no âmbito daquele”…”. Entendeu-se, assim, não existir “razão para censurar a decisão da primeira instância no sentido de considerar como "não provado" que "a vontade real das partes quando subscreveram o acordo de "Opção de Recompra" foi a de que este deve ter-se como incluído no âmbito do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos", submetendo-se à disciplina consagrada neste último".

Quer isto dizer que o douto acórdão recorrido, após a produção da prova, considerou não existir qualquer razão para censurar e modificar a decisão de 1ª instância, ao considerar como “não provada” a vontade real das partes, ao subscreveram o acordo de "Opção de Recompra", em querer submetê-lo ao regime do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos", no que toca à convenção arbitral.

Em consequência e dado que a falta de convenção arbitral gera a sua nulidade (nos termos do art. 3º da Lei 31/86 de 29/8 – LAV- que remete para o art.2°/1), o tribunal recorrido acabou por declarar a incompetência do tribunal arbitral para dirimir o litígio, anulando a sentença arbitral (nos termos do art. 27º nº 1 al.b) do LAV).

A recorrente afirma, em oposição ao entendimento do acórdão recorrido, que o Tribunal da Relação desconsiderou em absoluto o depoimento da testemunha CC, autor material dos textos do “Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos” e do “Acordo de Recompra de Acções”, desconsideração essa feita ao arrepio das disposições do art. 607º nº 4 e 5 do Código de Processo Civil e que enferma das nulidades previstas no artº 615º nº 1 alªs b) e c) do mesmo diploma legal.

A posição da recorrente é, sobre estes pontos, claramente improcedente.

Como é sabido, este S.T.J., como tribunal de revista, não aprecia, em regra, a matéria de facto. Com efeito, os poderes do Supremo em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos, só podendo proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos arts. 674º nº 3, 682º nº 2º e 3 do C.P.Civil, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Por outras palavras, o S.T.J. só poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa. Para além disso, o S.T.J. só poderá ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos referidos, ou anular a decisão relativa à matéria de facto por contradição (art. 682º nº 3 do mesmo diploma). De resto, como decorre do disposto no art. 662º nº 4 do C.P.Civil, das decisões da Relação sobre a matéria de facto, não é, em regra, admissível o recurso para o S.T.J. Trata-se, no essencial, de consagrar o princípio de que a competência jurisdicional do Supremo Tribunal, se limita à apreciação da matéria de direito, como decorre do art. 46º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) segundo o qual “fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito”, estabelecendo o art. 682º nº 1 do C.P.Civil que “aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado”.

Significa isto que este Supremo não poderá controlar e ajuizar da forma como o tribunal recorrido analisou o depoimento da testemunha CC, pelo que pretensão da recorrente nesse sentido carece de sentido.

No que toca à circunstância de o aresto recorrido não ter referenciado que meios de prova contribuiriam para a formação da convicção contrária à que resulta do depoimento da dita testemunha, diremos que, para além de não ser real que não tenham sido indicados, no aresto, os meios de prova que levaram o tribunal a dar não provado a circunstância questionada (pois aí se explicou a razão da posição assumida)[2], tal falta de fundamentação da convicção poderia gerar uma irregularidade processual, mas não originaria qualquer nulidade ao acórdão, designadamente as irregularidades invocadas pela recorrente (art. 615º nº a al. b) e c), aplicável por força do art. 666º nº 1, ambos do C.P.Civil), já que o aresto está patentemente fundamentado de facto e de direito (art. 615º nº 1 al. b)), e não se vê, sendo que a recorrente também o não evidencia, que no acórdão os fundamentos estejam em oposição com a decisão (art. 615º nº 1 al. c)).

Diz ainda a recorrente que a interpretação da vontade negocial das partes, isto é, do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nas arts. 236º nº 1 e 238º nº 1 do Cód. Civil, constitui matéria de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que da conjugação das expressões utilizadas no “Acordo de Opção de Recompra” – v.g. “no âmbito e na sequência do Contrato de Compra e Venda de Acções…” – com a data aposta (a mesma) num e noutro desses negócios e da evidente conexão funcional e económica entre eles existente, é legítima a interpretação, à luz do critério da impressão do declaratário, constante do art. 236º nº 1 do Cód. Civil, que as partes pretenderam que o primeiro ficasse submetido à disciplina do segundo e, designadamente, ao neste estatuído sobre resolução de litígios (cláusula compromissória). Dizer-se que um contrato é feito “no âmbito e na sequência” de outro não pode deixar de significar, objectivamente, que se situa no mesmo “domínio”, no mesmo “campo de acção” e que os seus subscritores desejaram essa abrangência, a qual inclui necessariamente a cláusula compromissória. Da procedência do pedido de ampliação do âmbito do recurso de apelação deduzido pela ora recorrente resulta manifesto que a vontade das partes foi justamente no sentido para que aponta a interpretação legítima mencionada nas alíneas anteriores.

A posição da recorrente é, também aqui, manifestamente infundada.

Em sede de interpretação das declarações vale o disposto no art. 236º nº 1 do C.Civil segundo o qual “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Esta disposição, como é comummente reconhecido, consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário.

Como refere Calvão da Silva (in Estudos de Direito Comercial, 1996, págs. 102 e segs. e 217) “o alcance decisivo da declaração será aquela que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente, sagaz, colocado na posição concreta do real declaratário, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concominantes, dos usos da prática e da lei”.

Sublinharemos, porém, que a regra contida no referido nº 1 do art. 236º, deve ceder perante a regra enunciada no nº 2 do mesma disposição, segundo a qual “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

No que toca aos negócios formais, estabelece o art. 238º nº 1 sempre do C.Civil que “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, acrescentando o nº 2 que “esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuseram a essa validade”.

Por outro lado, este STJ, como já acima se referiu, não conhece, em regra, de matéria de facto, ficando, assim, o seu âmbito de apreciação circunscrito ao conhecimento de matéria de direito.

Serve isto para dizer que perante a situação que nos é colocada, deverá distinguir-se os casos em que a interpretação de declaração negocial resultou directamente da prova produzida nas instâncias (matéria de facto), dos casos em que a interpretação negocial decorreu do recurso à teoria da impressão do destinatário, já acima referenciada (matéria de direito). Como se refere no Acórdão deste STJ de 9-5-2006 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) “a interpretação da vontade real, e não conjectural, das partes é matéria de facto, só cabendo a este STJ censurar este resultado interpretativo das instâncias se produzido ao arrepio dos nºs 1 dos citados artigos 236º e 238º. O Acórdão do STJ de 8 de Maio de 1991 - 080138 - julgou no sentido da interpretação da declaração negocial constituir matéria de direito, só sendo matéria de facto se feita de harmonia com a vontade real do declarante. (cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, "Código Civil Anotado", 3ª Ed., I, 223, citando Prof. Castanheira Neves e Prof. Vaz Serra, RLJ, 111, 380 e 112-154)”.

Ora, analisando o acórdão recorrido, verifica-se que a interpretação da vontade negocial em relação à cláusula em causa, que foi objecto de indagação expressa, assentou em prova produzida na audiência de julgamento. Não foram utilizadas as regras consagradas nos arts. 236º nº 1 e 238º com vista à reconstituição do sentido virtual ou hipotético que o homem padrão atribuiria a tais declarações, pelo que nos encontramos perante uma questão de facto e não direito (sendo que só nesta o Supremo poderia intervir).

Também neste ponto a recorrente carece de razão.

O recurso improcede in totum.

                       

III- Decisão:

Por tudo o exposto nega-se a revista

Custas pela recorrente

Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do C.P.Civil):

                             

Lisboa, 26 de setembro de 2017

Garcia Calejo – Relator

Helder Roque

Roque Nogueira

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[1] Designadamente a apreciação do depoimento da testemunha Paulo Olavo Cunha pretendido pela então apelada e ora recorrente.
[2] Concretamente referindo-se que “a testemunha, a nosso ver, não explica o motivo pelo qual, tendo sido os contratos redigidos por um ilustre Jurista que tinha conhecimento das consequências da omissão da cláusula em apreço, não providenciou para que a mesma constasse do contrato, se tal fosse a vontade das partes. Entendemos, por conseguinte, que o depoimento da testemunha Paulo Olavo Cunha não é suficiente para alterar a convicção deste Tribunal, no sentido de dar como provado que "a vontade real das partes, ao subscreverem os acordos em causa, foi a de submeterem a arbitragem os litígios emergentes de qualquer desses acordos". Do teor dos documentos em análise também não se pode retirar tal conclusão, ou seja de que a vontade das partes teria sido estender a aplicabilidade da cláusula compromissória, constante do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos" ao "Acordo de Recompra de Acções". Não nos parece que tal intenção possa ser depreendida apenas da expressão constante do segundo "Acordo" onde se lê que este foi celebrado "na sequência e no âmbito daquele". Na verdade, não se vê que, em face da prova produzida, haja razão para censurar a decisão da primeira instância no sentido de considerar como "não provado" que "a vontade real das partes quando subscreveram o acordo de "Opção de Recompra" foi a de que este deve ter-se como incluído no âmbito do "Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Créditos", submetendo-se à disciplina consagrada neste último".