Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
923/13.7TBGDM-B.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
EFEITO DEVOLUTIVO
CASO JULGADO
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / EXCEÇÕES / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS / APELAÇÃO / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO / REVISÃO.
DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS / IGNORÂNCIA OU MÁ INTERPRETAÇÃO DA LEI.
DIREITO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / TRIBUNAIS.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Manual Dos Recursos Em Processo Civil, 8.ª Edição, p. 176;
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado Em Processo Civil, p. 109 e 110;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, p. 163 e 164 ; Fundamentos da Constituição, 1991, p. 82 e 83.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 580.º, 581.º, 619.º, N.º 1, 620.º, N.º 1, 621.º, 628.º, 647.º, N.º 1, 676.º, N.º 1, 696.º, 697.º, 698.º, 699.º, 700.º, 701.º E 702.º.
CÓDIGO CIVIL: - ARTIGO 6.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 20.º, 202.º E 205.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 508/2002, RELATOR NUNES DE ALMEIDA;
- ACÓRDÃO N.º 287/2003, RELATOR ARTUR MAURÍCIO, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I Sendo interposto recurso de uma decisão interlocutória, ao qual seja atribuído efeito devolutivo, o processo continua os seus termos, e decisão assim proferida, embora pendente de impugnação, é imediatamente exequível, tudo se passando no processo, quer a nível do seu andamento, quer ao nível da eficácia do que foi determinado, como se nenhuma impugnação tivesse existido.

II A atribuição ao recurso de um efeito meramente devolutivo, tem muitas vezes consequências perversas de produzir um volte face nas situações jurídicas constituídas: o que é agora determinado, poderá ser alterado por via do resultado final da decisão proferenda em sede recursiva, pois devolve-se o conhecimento da questão ao Tribunal hierarquicamente superior, sobre o qual impende o poder de rever a decisão com o objectivo de a confirmar ou revogar.

III Por assim ser, nunca se poderia ter como transitado em julgado um primeiro despacho que determinou a adjudicação do imóvel aos Autores, aqui Recorrentes, pois o mesmo foi objecto de recurso de Apelação pelo Réu, recurso esse ao qual foi atribuído efeito devolutivo, e subsequentemente, na reapreciação efectuada pelo Tribunal da Relação veio a ser proferido Acórdão a julga-lo procedente, tendo sido revogado o mesmo e ordenada a sua substituição por outro a reverter a situação primitivamente criada, no âmbito e exercício dos poderes do Tribunal da Relação em sede recursória.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I F e M instauraram acção de divisão de coisa comum contra A, alegando a indivisibilidade do imóvel constituído por um prédio urbano(…), pretendendo o fim da indivisão,e requerendo a sua adjudicação.

Na pendência dos autos, foi celebrada transacção, homologada por sentença transitada em julgado, em que as partes acordaram nos seguintes termos:

“1. As partes acordam que o prédio deverá permanecer indiviso.

2. Os réus prescindem do pedido quanto à usucapião.

3. As partes acordam que a área do prédio é de 1.462 m2.

4. Acordam em proceder à venda judicial, com início pela venda por propostas em carta fechada e com o valor mínimo, fixado na perícia, de € 64.712,74.

5. As partes acordam prescindir do prazo de trânsito.

6. Custas em partes iguais”.

Designado dia para a abertura de propostas em carta fechada, apresentaram os Autores uma proposta no valor de € 66.200,00 e o Réu apresentou a proposta no valor de € 70.200,00, que foi aceite.

Não tendo o Réu, notificado, em 8 de Fevereiro de 2016, para os efeitos do disposto no artº 824º, nº 2, do CPC, procedido ao depósito do preço, mas tendo, no decurso do prazo subsequente àquela notificação dirigido aos autos requerimento em que, alegando pretender comprar e pagar de imediato o que ainda faltava do preço, requeria que fosse dispensado de depositar a parte do preço não necessária para pagar a quota do consorte/requerente e que fosse determinada a liquidação da sua responsabilidade e se fixasse um prazo de dois dias para proceder ao depósito em falta, foi, em 11 de Abril de 2016, precedido de audição das partes, proferido despacho que considerou que o prazo para depósito do preço era improrrogável e deu sem efeito a venda e, ao abrigo do disposto no artº 825º, nº 1, al. a), aceitou a proposta de valor inferior dos Autores.

Deste despacho foi interposto recurso pelo Réu, ao qual foi atribuído efeito devolutivo, e subsequentemente veio a ser proferido Acórdão, transitado em julgado, que, julgando procedente a Apelação, revogou o referido despacho, ordenando a sua substituição por outro que determinou a manutenção da venda ao proponente Réu, que se definisse qual o preço que ele teria que depositar e, por fim, que se fixasse prazo para a concretização do depósito.

Remetidos os autos à 1ª Instância, foi ali proferido o seguinte despacho:

“Em obediência ao decidido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, determina-se a manutenção da venda do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, registado na Conservatória do Registo Predial de (…), ao ora R.

O preço a depositar pelo Réu é de 50% do valor de € 70.200,00, proposto e aceite por despacho de fls. 210 dos autos.

O prazo para depósito é de 10 dias.

Deve ainda o R. comprovar a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão.

Relativamente ao despacho de adjudicação proferido a fls. 314 (refª 369803373), a favor dos AA., considerando que o mesmo foi proferido com base na aceitação da venda constante do despacho de refª 367048173 (cfr. fls. 301), que foi revogado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 09/02/2017, conclui-se que tal adjudicação não produz efeitos (v.g. artigo 195º nº 2 do CPC)”.

Inconformados com este despacho interpuseram os Autores recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente.

Irresignados, recorrem agora os Autores de Revista, nos termos do artigo 629º, nº2, alínea a) do CPCivil, por ofensa de caso julgado, apresentando as seguintes conclusões:

- O R. deduziu recurso de apelação, com efeito devolutivo a subir imediatamente e em separado, alegando, na sua ótica, que o douto despacho proferido em 28/04/2016, com a referência 367048173, comunicado às partes por notificação elaborada em 2/5/2016 presumindo-se esta feita em 05/05/2016, que determinou que a venda do imóvel ao R. ficasse sem efeito e a aceitação da proposta de valor inferior, perdendo o R. o valor da caução constituída, devia ser revogado e substituído por outro que determinasse a manutenção da venda ao imóvel ao R. e lhe consentisse o depósito do valor em falta.

- Para tanto, alegou que, atentas as circunstâncias do caso, não podia o Tribunal de 1ª instância considerar que o R. não cumpriu o prazo legalmente fixado para o depósito do preço.

- Em sede de resposta às alegações de recurso apresentadas pelo R., vieram os AA. arguir, além do mais, a manifesta improcedência do recurso, uma vez que o despacho recorrido não havia decidido pelo incumprimento por banda do R. do prazo legalmente fixado para o depósito do preço em falta, mas, ao invés, tal decisão tinha sido objeto do despacho proferido pelo douto tribunal a quo em 05/04/2016, comunicado às partes por notificação elaborada em 07/04/2016, presumindo-se feita em 11/04/2016, já transitado em julgado.

- Pelo que, concluíram, ali, os Recorridos que deveria ser negado o provimento à apelação da decisão recorrida, através da qual o R. apenas procurava a revogação da anterior já transitada (datada de 05/04/2016 e notificada as partes mediante notificação elaborada em 07/04/2016) e em que a ulterior (a apelada) nada mais fez que, na sua sequência, a respeitar em absoluto, cumprindo os ulteriores termos processuais, mormente, determinar que a venda ficasse sem efeito e aceitar a proposta de valor inferior, perdendo o proponente e aqui Recorrente o valor da caução constituída, como dispõe a ai. a) do n.° 1 do art. 825.° do CPC.

- Sucede que, o douto Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão proferido em 09/02/2017, sem emitir qualquer pronuncia acerca do invocado vício apontado pelos AA., julgou procedente o recurso interposto pelo R., revogando o despacho datado de 28/04/2016, com a referência 367048173, determinando a sua substituição por outro no qual se determine a manutenção da venda ao mesmo proponente, se defina qual o preço a depositar pelo mesmo e se fixe um prazo para que tal depósito se concretize.

- Entretanto, por douto despacho proferido em 23/06/2016, com a referência 369803373, comunicado às partes por notificação elaborada em 24/06/2016, presumindo-se feita em 27/06/2016, o Tribunal de 1.° instância adjudicou o bem imóvel em causa aos AA. e mandou emitir o respetivo título de transmissão, o que veio a acontecer em 15/07/2016, com a devida certificação do trânsito em julgado do despacho supra.

- Aconteceu que, recebido o translado, o douto Tribunal de 1.ª instância, por despacho datado de 11/12/2017, com a referência 387553972, decidiu que:

"O preço a depositar pelo Réu é de 50% do valor de € 70.200,00 proposto e aceite por despacho de/Is. 210 dos autos. O prazo para depósito é de 10 dias. Deve ainda o R. comprovar a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão.

*

Relativamente ao despacho de adjudicação proferido a fls. 314 (ref 369803373), a favor dos AA., considerando que o mesmo foi proferido com base na aceitação da venda constante do despacho de ref 367048173 (cfr. fls. 301), que foi revogado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 09/02/2017, conclui-se que tal adjudicação não produz efeitos (v.g. artigo 195° n°2 do CPC)."

- Não se conformando com o teor deste despacho, não obstante o devido respeito, os AA. recorreram para o douto Tribunal da Relação do Porto, mediante recurso de apelação, com subida imediata e em separado, ao qual foi atribuído efeito suspensivo.

- Para tanto, invocaram os AA./Recorrentes que o douto despacho recorrido padece de manifesta nulidade, nos termos do disposto no n.° 1 do art.0 195.° do Novo Código do Processo Civil, e, ainda, incorreu em violação dos princípios do caso julgado formal e da extinção do poder jurisdicional, colidindo o entendimento ali adotado com os mais elementares princípios constitucionais, e, por fim, a título subsidiário, violou o disposto no n.° 3 do art.° 839.° do CPC, aplicável ex vi art.° 549.°, n.° 2 do CPC.

- Apesar do exposto naquela sede recursiva, o douto Tribunal da Relação do Porto, mediante Acórdão datado de 26/04/2018, julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão recorrida.

- Data vénia, os AA. discordam do aresto proferido.

- Porquanto, e salvo o devido respeito, que é muito, entendem os AA. que a decisão da 1.° instância, mantida pelo douto Acórdão recorrido, constituiu uma ofensa do caso julgado em virtude de ter transitado a decisão de adjudicação do imóvel aos AA. com a referência 369803373, proferida em 23/06/2016, comunicado às partes por notificação elaborada em 24/06/2016, presumindo-se feita em 27/06/2016, colidindo o entendimento ali adotado com os mais elementares princípios constitucionais, conforme sufragaram nas alegações do recurso de apelação.

- Com efeito, defendem os AA. que a decisão do Tribunal de 1.° instância de 23/06/2016, com a referência 369803373, comunicada às partes por notificação elaborada em 24/06/2016, presumindo-se feita em 27/06/2016, e que adjudicou o bem imóvel em causa aos AA. e mandou emitir o respetivo título de transmissão, transitou em julgado, como, de resto, foi certificado no título de transmissão emitido 15/07/2016, e que instruiu o pedido de registo predial a favor dos AA. e que deu origem à AP. 3248 de 2016/07/20.

- Pelo que, não poderia a decisão recorrida proferida em 11/12/2017 determinar que a adjudicação do imóvel a favor dos AA. ordenada pelo referido despacho proferido em 23/06/2016, com a referência 369803373, que também ordenou a emissão do respetivo título de transmissão, não produz efeitos, mais determinando a notificação do R. para, no prazo de dez dias, depositar 50% do valor de € 70.200,00 por ele proposto e comprovar a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão, justificando, para tanto, o decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/02/2017.

- Pois, desde logo, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/02/2017 não anulou o despacho objeto de recurso naquela sede, proferido em 28/04/2016, com a referência 367048173, que determinou que a venda ao R. ficasse sem efeito e aceitou  a proposta imediatamente inferior apresentada pelos AA., perdendo o proponente o valor da caução constituída, nem, ainda menos, mandou anular os atos subsequentes a este e que dele tenham decorrido.

- Isto porque, no recurso de apelação com efeito meramente devolutivo que interpôs do dito despacho proferido em 28/04/2016, com a referência 367048173, o R. acusou-o de haver incorrido na violação do disposto nos artigos 152.°, n.° 1 e 825.°, ambos do NCPC, pugnando pela sua revogação e substituição por outro que determinasse a manutenção da venda a seu favor e permitisse que o R. procedesse ao depósito da parte do preço oferecido em falta.

- Ora, em momento algum, o R. suscitou que o despacho ali recorrido (proferido em 28/04/2016) havia incorrido na prática de um ato que a lei não permitia, ou na omissão de um ato ou formalidade que a lei prescrevia, o que poderia acarretar a sua nulidade, por a lei assim o determinar, ou por tal irregularidade influir no exame ou na decisão da causa, peticionando, em consequência, a sua anulação, ao abrigo do art. 195° do NCPC, bem como dos termos subsequentes que dela dependessem absolutamente.

- E não invocou a ocorrência de um tal vício, apesar de ter acusado o douto despacho de 28/04/2016, com a referência 367048173, de ter, segundo defendeu, omitido a pronuncia, como se lhe impunha, nos termos do art. 152.°, n.° 1 do CPC, acerca do seu requerimento junto aos autos em 11/02/2016, nos termos do qual requereu ao Tribunal de 1ª instância dispensasse o depósito da parte do preço que não era necessária para pagar a quota do consorte.

- Também não requereu o R., a qualquer outro título, que, com a procedência do recurso por si interposto - e que visava a revogação do despacho recorrido -, fossem anulados os termos subsequentes que dependessem da decisão por ele recorrida.

- Pelo que, o Acórdão desta Relação de 09/02/2017, julgando procedente o recurso interposto pelo R., limitou-se a revogar o despacho datado de 28/04/2016, com a referência 367048173, determinando a sua substituição por outro no qual se determinasse a manutenção da venda ao mesmo proponente, se definisse qual o preço a depositar pelo mesmo e se fixasse um prazo para que tal depósito se concretize.

- O Acórdão da Relação do Porto de 09/02/2017, não anulou, por conseguinte, o despacho datado de 28/04/2016, pois, desde logo, nenhuma nulidade lhe foi imputada pelo R.

- Nem, em consequência, mandou anular os atos processuais subsequentes ao despacho por si revogado como, no que ora interessa, o ato de adjudicação do imóvel aos AA., corporizado no despacho proferido em 23/06/2016, com a referência 369803373, bem como o ato de emissão do respetivo título de transmissão peio mesmo ordenado e que se veio a concretizar em 15/07/2016.

- Destarte, a Meritíssima Juiz do Tribunal de 1ª instância não tem competência funcional para anular os atos posteriores ao ato recorrido, pois só o Tribunal ad quem o poderia determinar - e não o determinou -, não se aplicando, in casu, o regime do art. 195.° do NCPC, invocado na decisão recorrida - como, de resto, assentiu o douto Acórdão recorrido.

- Não podendo, portanto, merecer, acolhimento, data vénia, o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo de que o Tribunal de 1ª instância ao determinar que o despacho de adjudicação aos recorrentes não produz efeitos, fê-lo em obediência ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 09/02/2017.

- Por outro lado, o recurso de apelação interposto pelo R. do despacho que deu sem efeito a venda que lhe havia sido feita, admitido com subida imediata, nos termos do disposto no n.° 4 art.° 853.° do CPC, não teve efeito suspensivo da decisão recorrida, porque, desde logo, o R. não requereu a sua atribuição, nos termos do n.° 4 do art.° 647.° do CPC.

- Sendo certo que, caberia ao R. requerer o reconhecimento de que a execução imediata do despacho de que recorrera era suscetível de lhe causar prejuízo considerável, como o que veio a suceder, com a prolação de decisão de adjudicação do imóvel aos AA., emissão do respetivo título de transmissão e registo de tal aquisição a favor dos mesmos.

- De fato, com a prolação de decisão de adjudicação do imóvel aos AA., emissão do respetivo título de transmissão e registo de tal aquisição a favor dos mesmos, estamos perante um resultado irreversível não redutível a uma mera inutilização de atos processuais, como defendeu o douto Acórdão recorrido, e ainda menos por simples decorrência do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto em 09/02/2017.

- E a inutilidade do resultado do recurso apresentado pelo R. só a si é imputável quer porque não o alicerçou nos termos do disposto do art. 195.° do CPC - como poderia em face do vício que imputou à decisão por si recorrida -, quer, ainda, porque não requereu a atribuição do efeito suspensivo, como era seu ónus, perante a possibilidade de ocorrer um resultado irreversível com a não suspensão dos efeitos da decisão recorrida, como se veio a concretizar.

- Deste modo, com a prolação do despacho de 23/06/2016, com a referência 369803373, que adjudicou o bem em causa aos AA. e ordenado a emissão do respetivo título de transmissão, o poder jurisdicional da Meritíssima Juiz da 1ª instância, se esgotou, permitindo a execução imediata de tal decisão, mediante a emissão do referido título em 15/07/2016 e o registo de aquisição do imóvel a favor dos AA.

- Por outro lado, importa não olvidar que, devidamente notificado da decisão que adjudicou o bem em causa aos AA. e mandou emitir o respetivo título de transmissão, pelo despacho de 23/06/2016, com a referência 369803373, através de notificação elaborada em 24/06/2016, não apresentou qualquer reação nos autos.

- Não se conformando com a mesma porque, desde logo, a sua execução implicaria a concretização do fim pretendido com a demanda, mediante a culminação do processo de venda, o R. deveria ter apresentado, no momento próprio, o respetivo recurso de apelação, o que não fez, deixando assim que ocorresse o seu trânsito.

- Por outro lado, a decisão que adjudicou o bem em causa aos AA. e mandou emitir o respetivo título de transmissão, operada pelo despacho de 23/06/2016, com a referência 369803373, não a condicionou a qualquer evento, nem por qualquer forma, diferiu a emissão deste, quiçá até à prolação de decisão definitiva no recurso do R..

- Em consequência, no dia 15/07/2016, a secretaria do Tribunal de 1ª instância emitiu o Título de Transmissão a favor dos AA., tendo certificado em tal documento que "o despacho de adjudicação ora certificado foi devidamente notificado a todos os interessados e transitou em julgado."

- Pelo que a emissão deste Título culminou, do modo irreversível, o processo de transmissão da propriedade.

- De fato, com a prolação do despacho que mandou adjudicar o imóvel aos AA. e a emissão do respetivo título de transmissão, foi posto termo à situação de indivisão da coisa comum, mediante a adjudicação desta aos AA., cumprindo-se, desse modo, o fim pretendido com a ação de divisão de coisa comum.

- Deste modo, o Tribunal de 1ª instância não poderia deixar de seguir outro caminho que não fosse o de considerar que, com a prolação da decisão que mandou adjudicar o imóvel aos AA. e com a emissão do respetivo título de transmissão, se esgotou, em concreto, toda e qualquer utilidade prática do decidido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/02/2017, donde necessariamente decorre que a instância de recurso empreendida pelo R. se tornou supervenientemente inútil (art.° 277.°, ai. e) do CPC).

- Ao ter proferido o despacho recorrido datado de 11/12/2017, com a referência 387553972, nos termos do qual, determinou, ex oficio, que a adjudicação corporizada no despacho datado de 23/06/2016, com a referência 369803373, não produz efeitos, nos termos do artigo 195.°, n.° 2 do CPC, e decidiu que o "O preço a depositar pelo Réu é de 50% do valor de € 70.200,00 proposto e aceite por despacho de fls. 210 dos autos. O prazo para depósito é de 10 dias. Deve ainda o R. comprovar a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão.", confirmado pelo Tribunal da Relação, o Tribunal de 1ª instância violou ostensivamente o princípio da extinção do poder jurisdicional e o princípio do caso julgado formal consagrados, respetivamente, nos art.º 613.°, n.° 1 e 620.°, ambos do NCPC.

- Acresce que, a interpretação feita pelo Tribunal de 1ª instância, anuída pelo Acórdão recorrido, quanto aos artigos 195.°, 613.°, n.° 1 e 620.°, todos do NCPC, de que após o transito em julgado de decisão de adjudicação do bem imóvel aos AA., e perante a revogação - e não anulação - da decisão que determinou que a venda ao R. ficasse sem efeito e aceitou a proposta dos AA., pode, ainda, assim, a primeira ser anulada, por aplicação do disposto no n.° 2 do referido art.° 195.°, é inconstitucional por violadora dos princípios constitucionais do Estado de direito democrático, o princípio da juridicidade decorrente das garantias constitucionais da segurança e da proteção da confiança jurídica na eficácia das decisões judiciais, plasmados nos artigos 2.°, 20.°, n°s 1 e 4, e 202.°, 2 da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais.

- Urge, assim, concluir, pela concessão de revista e, consequentemente, transitada em julgado - e devidamente consumada, mediante a emissão do respetivo Título de transmissão - a decisão de adjudicação do imóvel aos AA., deve ser anulada a decisão da 1.ª instância, confirmada pelo Acórdão recorrido, que determinou a não produção de efeitos da referida adjudicação, nos termos do artigo 195.°, n.° 2 do CPC

Nas contra alegações os Recorridos pugnam pela manutenção do julgado.

II A única questão que se coloca no âmbito da presente Revista é a de saber se transitou ou não em julgado a decisão que adjudicou aos Autores o imóvel.

Mostra-se provado o seguinte iter processual com interesse para a decisão:

- Os Autores, aqui Recorrentes, instauraram acção de divisão de coisa comum contra os Réus, Recorridos, alegando a indivisibilidade do imóvel constituído por um prédio urbano (…), pretendendo o fim da indivisão,e requerendo a sua adjudicação.

- Foi celebrada transacção, homologada por sentença transitada em julgado, em que as partes acordaram nos seguintes termos:

“1. As partes acordam que o prédio deverá permanecer indiviso.

2. Os réus prescindem do pedido quanto à usucapião.

3. As partes acordam que a área do prédio é de 1.462 m2.

4. Acordam em proceder à venda judicial, com início pela venda por propostas em carta fechada e com o valor mínimo, fixado na perícia, de € 64.712,74.

5. As partes acordam prescindir do prazo de trânsito.

6. Custas em partes iguais”.

- Designado dia para a abertura de propostas em carta fechada, apresentaram os Autores uma proposta no valor de € 66.200,00 e o Réu apresentou a proposta no valor de € 70.200,00, que foi aceite.

- Não tendo o Réu, notificado, em 8 de Fevereiro de 2016, para os efeitos do disposto no artº 824º, nº 2, do CPC, procedido ao depósito do preço, mas tendo, no decurso do prazo subsequente àquela notificação dirigido aos autos requerimento em que, alegando pretender comprar e pagar de imediato o que ainda faltava do preço, requeria que fosse dispensado de depositar a parte do preço não necessária para pagar a quota do consorte/requerente e que fosse determinada a liquidação da sua responsabilidade e se fixasse um prazo de dois dias para proceder ao depósito em falta, foi, em 11 de Abril de 2016, precedido de audição das partes, proferido despacho que considerou que o prazo para depósito do preço era improrrogável, dando a venda sem efeito a venda e, ao abrigo do disposto no artº 825º, nº 1, al. a), aceitou a proposta de valor inferior dos Autores.

- Deste despacho foi interposto recurso de Apelação pelo Réu, ao qual foi atribuído efeito devolutivo.

- Foi produzido Acórdão, transitado em julgado, que, julgando procedente a Apelação, revogou o referido despacho, ordenando a sua substituição por outro que determinasse a manutenção da venda ao proponente Réu, que se definisse qual o preço que ele teria que depositar e, por fim, que se fixasse prazo para a concretização do depósito.

- Remetidos os autos à 1ª Instância, foi ali proferido o seguinte despacho:

“Em obediência ao decidido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, determina-se a manutenção da venda do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, registado na Conservatória do Registo Predial de (…), ao ora R O preço a depositar pelo Réu é de 50% do valor de € 70.200,00, proposto e aceite por despacho de fls. 210 dos autos.

O prazo para depósito é de 10 dias.

Deve ainda o R. comprovar a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão.

Relativamente ao despacho de adjudicação proferido a fls. 314 (refª 369803373), a favor dos AA., considerando que o mesmo foi proferido com base na aceitação da venda constante do despacho de refª 367048173 (cfr. fls. 301), que foi revogado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 09/02/2017, conclui-se que tal adjudicação não produz efeitos (v.g. artigo 195º nº 2 do CPC)”.

Insurgem-se os Autores/Recorrentes contra o Aresto em impugnação porquanto defendem que com o primitivo despacho que mandou adjudicar o imóvel aos Autores e a emissão do respetivo título de transmissão, foi posto termo à situação de indivisão da coisa comum tendo a subsequente decisão do Tribunal de 1.ª instância de 23 de Junho de 2016, produzida na sequência do Acórdão da Relação que determinou a manutenção da venda ao proponente Réu, que se definisse qual o preço que ele teria que depositar e, por fim, que se fixasse prazo para a concretização do depósito e que determinou a adjudicação do bem imóvel ao Réu e deu sem efeito aqueloutra, ofendeu o caso julgado então produzido.

Vejamos.

Uma das tarefas primordiais do Estado de direito democrático é a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos seus princípios, e, por isso, o princípio da segurança jurídica e da protecção da segurança dos cidadãos aparece-nos como uma das traves mestras da manutenção da ordem jurídica.

Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRPortuguesa e deve ser tido como sendo politicamente conformado, explicitando as valorações fundamentadas do legislador constituinte, assumindo-se como princípio classificador do Estado de Direito Democrático, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.

Dentro de tal princípio destaca-se, além do mais, o caso julgado, como seu postulado máximo.

Sendo o caso julgado um ponto em que o binómio dialéctico justiça-segurança cede em favor da segurança, poderá concluir-se que uma limitação ao alcance do instituto será sempre favorável à justiça, «(…) Se uma sentença injusta pode aequare quadrata rotundis ou facere de albo nigrum, valha-nos a ideia de que esta quadratura do círculo ou este escurecimento do branco só é irremediável quanto à decisão; as decisões futuras, prejudiciais ou finais, continuarão a poder ser livre e justamente quadradas e brancas.(…)», apud Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado Em Processo Civil, 109/110.

Resulta do artigo 619º, n.º 1 l que «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.», dispondo o normativo inserto no artigo 620º, nº1, no que ao caso julgado formal diz respeito que «As sentenças ou os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.», acrescentando o artigo 621º,todos do CPCivil, além do mais, que «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga; (…)».

A primeira perplexidade que nos é suscitada pela alegação conclusiva dos Recorrentes, prende-se com a circunstância de se chamar à colação a dado passo, uma eventual inutilidade superveniente da instância recursiva primeiramente encetada pelo Réu, aqui Recorrido, face à decisão de adjudicação do imóvel aos Autores e consequente passagem do título de transmissão, pois com este acto se teria esgotado toda e qualquer utilidade prática do Acórdão que ali foi proferido.

Como decorre do preceituado no artigo 628º do CPCivil a decisão só se considera transitada em julgado quando a mesma já não é passível de qualquer recurso ordinário ou de reclamação, sendo certo que aquela decisão que determinou a adjudicação do imóvel aos Autores, aqui Recorrentes e que estes esgrimem ter transitado em julgado, foi objecto de impugnação recursiva, não podendo por isso, ex adverso do que propugnam ter transitado em julgado.

É certo que a atribuição ao recurso então encetado, de um efeito meramente devolutivo, tem muitas vezes consequências perversas de produzir um volte face nas situações jurídicas constituídas: o que é agora determinado, poderá ser alterado por via do resultado final da decisão proferenda em sede recursiva, pois atribui-se ao Tribunal hierarquicamente superior o poder de rever a decisão com o objectivo de a confirmar ou revogar, devolvendo-se-lhe o conhecimento da questão, cfr Amâncio Ferreira, Manual Dos Recursos Em Processo Civil, 8ª Edição, 176.

A decisão assim proferida, pendente de recurso interposto ao qual é atribuído o efeito devolutivo é imediatamente exequível, tudo se passando no processo, quer a nível do seu andamento, quer ao nível da eficácia do que foi determinado, como se nenhuma impugnação tivesse existido.

Por assim ser, nunca se poderia ter como transitado em julgado aquele primeiro despacho que determinou a adjudicação do imóvel aos Autores, aqui Recorrentes, pois o mesmo foi objecto de recurso de Apelação pelo Réu, recurso esse ao qual foi atribuído efeito devolutivo, e subsequentemente, na reapreciação efectuada pelo Tribunal da Relação veio a ser proferido Acórdão a julga-lo procedente, tendo sido revogado o referido despacho e ordenando a sua substituição por outro a reverter a situação primitivamente criada, no âmbito e exercício dos poderes do Tribunal da Relação em sede recursória.

Por isso, e bem, foram os autos remetidos ao primeiro grau, que em cumprimento da decisão hierarquicamente superior, nos termos do artigo 205º, nº2 da CRPortuguesa, fez adjudicar o imóvel ao Réu, dando sem efeito o anterior despacho de adjudicação aos Autores, aqui se plasmando a consequência nefasta do efeito devolutivo da Apelação, a qual constitui regra, sendo a atribuição de efeito suspensivo excepcional, como resulta inequivocamente das regras gerais de processo civil, não violando a mesma qualquer normativo constitucional, máxime, o da defesa dos direitos dos Recorrentes, nem o do acesso ao direito, nem tão pouco os princípios que regem o Estado de direito democrático prevenidos nos artigos 202º, 20º e 2º daquela mesma Lei fundamental, sempre se acrescentando que mesmo que se tratasse de uma questão de «ignorância ou má interpretação da lei», sempre se teria de ter qualquer dessas situações como irrelevantes nos termos do artigo 6º do CCivil .

De facto, concretizando, o direito de acção dos Recorrentes mostra-se materializado através dos presentes autos, aos quais foram dadas todas as garantias quanto ao exercício dos respectivos direitos, os quais se mostram concretizados, sendo disso apanágio o inconformismo pelos mesmos demonstrado até este Supremo Tribunal de Justiça, no exercício do seu direito ao recurso.

Assim, o direito da tutela à efectiva compreende a proibição da indefesa que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os orgãos judiciais, que se verificará sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer os seus direitos, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses, cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 163/164 e Fundamentos da Constituição,  1991, 82/83; inter alia os Ac TC 508/2002 (Relator Nunes de Almeida) e 287/2003 (Relator Artur Maurício), in www.dgsi.pt.

Os aludidos princípios não se mostram beliscados pelo facto de o legislador ordinário no âmbito do seu poder de conformação ter optado por um sistema regra de efeito devolutivo à interposição de recursos, quer de Apelação quer de Revista, artigos 647º, nº1 e 676º, nº1 do CPCivil, sendo o efeito suspensivo excepcional, apenas nos casos prevenidos na Lei.

Soçobram, pois, todas as conclusões da impugnação.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 16 de Outubro de 2016

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho