Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4449
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: DECISÃO JUDICIAL
INTERPRETAÇÃO
PROVA GRAVADA
OMISSÃO DE GRAVAÇÃO
NULIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200703220044491
Data do Acordão: 03/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário :
- As decisões judiciais constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos (art. 295º C. Civil), valendo, na respectiva interpretação, as normas do n.º 1 dos arts. 236º e 238º C. Civil;
- Importa, porém, ter em consideração que, não se estando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei” no caso concreto, que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito.
- A lei – DL n.º 29/95, de 15/12 – é omissa quanto à fixação de prazo para arguição de anomalias verificadas na gravação de prova;
- Tratando-se de nulidade secundária de acto processual, a regra é que prazo seja de 10 dias, contado da data em que foi cometida a irregularidade;
- Porém, como o acto viciado se encontra oculto e o seu conhecimento depende de um acto da parte – audição do registo – instrumental de outro acto processual – a alegação de recurso -, mas praticado fora do processo, o prazo para invocar a irregularidade/nulidade de inaudibilidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, isto é, o prazo para a apresentação das alegações, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. – AA intentou acção declarativa contra BB e mulher, CC, e, não se conformando com a sentença ali proferida, dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação.
Tendo requerido que lhe fosse facultado o suporte magnético onde foram gravados os depoimentos das testemunhas, foi a pretensão deferida, e, em 18/10/04, foram-lhes entregues 7 cassetes gravadas.
Por requerimento enviado por fax em 20/10/04, comunicou que a instância feita pelo seu Mandatário às suas testemunhas era absolutamente imperceptível ao ouvir as cassetes e requereu fosse ordenada “ a solução técnica que melhore o nível de áudio da voz do seu mandatário (…) e em termos de a tornar audível e perceptível, e outrossim que a secretaria proceda a novas cópias daquele suporte em boas condições, notificando a Autora quando as mesmas estiverem prontas”; mais requereu que fosse marcado novo prazo previsto nos nºs 2 e 6 do art. 698º do CPC para poder apresentar as suas alegações de recurso em que incluiria a reapreciação de prova gravada e novo prazo para consulta dos autos.
Posteriormente informou que nas cassetes nº 6 e 7 não se verificava anomalia de som.
Em 10/11/04 proferiu o Sr. Juiz o seguinte despacho (a fls. 534):
«Atento o teor do requerimento junto a fls. 531 (informação sobre o estado das cassetes n.ºs 6 e 7), nada há a ordenar quanto ao requerido a fls. 525 (= fls. 517, por inutilidade superveniente do aí requerido.
fls. 518: atento as incidências processuais constantes de fls. 510 a 531 e à não oposição da parte contrária (..) concedo à Recorrente um novo prazo de 30 dias para apresentar as suas alegações de recurso, a contar a partir da data de notificação do presente despacho».
Para notificação deste despacho foram expedidas cartas em 14/12/04, inclusive ao Exmo. Mandatário de A..
Em 12/1/05 – requereu esta que lhe fossem facultados os autos bem como o suporte magnético onde foram gravados os depoimentos das testemunhas, juntando cassetes áudio para a sua duplicação, à excepção das nº 6 e 7 conforme fls. 631, o que foi deferido por despacho de 17/1/05, cuja carta de notificação seguiu no mesmo dia, tendo em 24/1/05 sido lavrado termo de entrega das 5 cassetes áudio (reprodução);
Em 1 de Fevereiro de 2005, a A. apresentou um requerimento dizendo que as anomalias anteriormente apontadas se mantinham em relação às ditas 5 cassetes, “sendo a audição da voz do seu mandatário inaudível, ou audível em algumas partes, mas com muita dificuldade e total ausência de comodidade, em manifesto contraste com o que se verifica com a voz das testemunhas, da Senhora Juíza e do Ilustre Advogado dos RR.» pelo que, dando por reproduzidos todos os argumentos expendidos no seu requerimento de fls. 521/526, requeria fosse ordenada a rectificação da anomalia apontada e fixado novo prazo para recurso, sempre tendo em conta o disposto nos nº 2 e 6 do artº. 698º do C.P.C..
A pretensão formulada pela A. veio a ser indeferida, tendo ao mesmo tempo sido julgado deserto o recurso por falta de alegações.
A Autora impugnou a decisão, dela agravando, mas a Relação manteve--a.
Agrava novamente a Autora, pedindo a substituição do despacho por outro que fixe novo prazo para apresentação das suas alegações, apoiando-se nas seguintes conclusões:
- Havia, como há, fundamento legal para a Autora pedir novo prazo para alegações, como fez pelo seu requerimento de fls. 541/543 e o fundamento é o mesmo que veio a ser acolhido no despacho de fls. 534.,
- No seu requerimento de fls. 521/526 a A.- não só apontou as deficiências técnicas das gravações em causa, como requereu solução para as mesmas e lhe fosse marcado novo prazo previsto nos nºs 2 e 6 do art. 698º do CPC e tal pedido foi entendido pela senhora Juíza no despacho de fls. 534;
- E este prazo, e tendo em conta as condições de gravação das cassetes, as anomalias ou irregularidades técnicas que apresentavam que o tribunal considerou procedentes, só pode ser o previsto no nº 2 do art. 698º do CPC, acrescido dos 10 dias para que aponta o nº 6 de tal normativo, (ou seja, 40 dias).
- O requerimento da A. de fls. 541/543 entrou atempadamente no Tribunal.
- O trânsito em julgado do despacho de fls. 534 não briga nem pode brigar com o requerimento de fls. 541/543 da A. e o que aí se diz nos itens 5 e 6.
- No caso das anomalias apontadas já no requerimento de fls. 521/526 já nos itens 5 e 6 do requerimento de fls. 541/543 não estaremos mesmo perante uma nulidade, mas a ser esse o caso a mesma aí foi bem entendida pelo tribunal por via do despacho de fls. 534 e este sim constitui um evidente caso julgado formal – art. 672º do CPC a que o próprio tribunal deve obediência.
- As referidas anomalias na gravação das indicadas cassetes têm incidências processuais como resulta daquele despacho de fls. 534 e briga com os direitos e deveres processuais da A.
- Decidindo, como decidiu, o despacho recorrido violou, entre outros, as seguintes disposições, todos do CPC: - nº 2 do art. 2; art. 698º, nº 2 e 6; nº 1 do art. 201º; art. 522º-B e nº 1 do art. 522º. C.
Não foi apresentada resposta.
2. - A apreciação da pretensão da Recorrente passa pela apreciação das seguintes questões, colocadas no recurso:
- Quais os efeitos das anomalias ou irregularidades técnicas atribuídas às cassetes; e,
- Em que prazo e com que consequências podiam ser invocadas tais irregularidades.
3. - A factualidade relevante para apreciação do objecto do recurso encontra-se já descrita no relatório desta peça.
Dá-se aqui por reproduzida na totalidade
4. – Mérito do recurso.
4. 1. - No despacho de fls. 534, estando submetido à apreciação do julgador um requerimento em que a Recorrente invocava anomalias no suporte digital e pedia solução técnica que tornasse audível a voz do mandatário, ou seja, as perguntas feitas aos intervenientes, denúncia e remédio que, entretanto, restringiu a 5 das 7 cassetes que constituíam o suporte probatório gravado, foi declarada a inutilidade superveniente do requerido, atenta a informação sobre a regularidade das cassetes 6 e 7 e concedido “um novo prazo de 30 dias para apresentação das alegações de recurso”, sendo que os trinta dias de prazo se esgotariam em 31 de Janeiro de 2005.
Em 12/01/05, a Recorrente formulou outro requerimento, pedindo que lhe fosse facultado o suporte magnético das gravações, à excepção das cassetes n.ºs 6 e 7, o que lhe foi deferido, e feita a entrega em 24/1/05.
Em 1/02/05, a recorrente formulou novo requerimento, alegando a persistência das anomalias e pedindo a respectiva rectificação e a fixação de novo prazo para alegar.
Desta síntese factual resulta de difícil inteligibilidade a decisão de considerar supervenientemente inútil o pedido de correcção das anomalias nas 5 cassetes e de, ao mesmo tempo, conceder “novo” prazo para alegações, incompreensibilidade que se acentua face ao posterior deferimento da pretensão de entrega das cassetes no decurso do “novo” prazo de alegação.
Com efeito, quer a concessão de «um novo prazo» de alegações quer o posterior deferimento de repetição de entrega das cassetes alegadamente portadoras de deficiências técnicas que inviabilizavam a audição são decisões e actos processuais que só fazem sentido e revelam utilidade quando se pressuponha que as acusadas anomalias tinham real existência. Se tal não se reconhecia, a que propósito, e com que fundamento – não se alude a qualquer preceito - conceder novo prazo para alegar, e, sobretudo, a que pretexto, e com que fundamento, mandar entregar novos suportes magnéticos, com excepção das cassetes 6 e 7?
4. 2. - A questão, assim formulada, remete-nos para a interpretação das decisões judiciais, ou seja, dos despachos proferidos sobre os requerimentos da Recorrente.
Os despachos judiciais, como as sentenças, constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos – art. 295º C. Civil.
O afirmado vale então por dizer que a decisão judicial há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente – arts. 236º-1 e 238º-1 C. Civil.
Como tem vindo a ser salientado, não se tratando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei”, no caso concreto, correspondendo ao “resultado de uma operação intelectual que consiste no apuramento de uma situação de facto e na aplicação do direito objectivo a essa situação” (ac. STJ, de 5/11/98, proc. 98B712, ITIJ, citando Rosenberg e Schwab).
Importa, assim, ter em consideração, não só que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito, como também a correlação lógica e teleológica entre a pretensão em apreciação, os fundamentos de facto e de direito em que assenta o dispositivo decisório e este, tudo á luz da sua estrita conexão, desenvolvimento e interdependência (cfr. ac. STJ de 28/01/97, CJ V-I-83).
4. 3. - No acórdão impugnado, depois de se ter considerado errada a decisão que nada ordenou quanto à entrega de cassetes, por inutilidade superveniente (pois que a inutilidade apenas diria respeito às cassetes 6 e 7), entendeu-se que tal decisão formou caso julgado formal (art. 677º CPC).
Só que, dizemos nós, não pode desprezar-se que, na mesma decisão e sobre o mesmo requerimento, a Recorrente pediu «novo prazo» para alegar, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 6 do art. 698º, o que viu deferido por “30 dias” e no curso deste prazo viu deferida a pretensão de entrega das cassetes cujo vício denunciara.
Assim sendo, o que acaba por estar em causa são os efeitos positivos dos dois despachos sucessivos, a saber: - o de concessão de um novo prazo para alegação e o de entrega dos suportes a que antes se haviam atribuído as anomalias.
Estes despachos, um simultâneo e o outro posterior ao que “nada (teve) a ordenar” quanto à entrega das cassetes, são, como se avançou, do ponto de vista lógico, de difícil inteligibilidade e compatibilidade.
Porém, em termos práticos, não são incompatíveis e, em concreto, não o são, pois não há colisão de efeitos.
Efectivamente, a pretendida entrega das cassetes acabou por ser apenas diferida para momento posterior, bem podendo entender-se, como era razoável, atendendo ao objecto da decisão e às peças da Parte sobre que recaía, que a referência à inutilidade abrangia apenas as cassetes 6 e 7, conforme a restrição ulterior da própria Requerente.
Não se está, pois, ao menos a nosso ver, perante uma incompatibilidade prática de decisões em razão da qual se deva invocar o caso julgado e, consequentemente, a prevalência da decisão que passou em julgado em primeiro lugar (arts. 672º, 673º e 675º CPC).
4. 4. - Importa, então, apreciar o despacho recorrido, à luz dos despachos que lógica e cronologicamente o antecedem e dos efeitos jurídico-processuais pretendidos pela Requerente-recorrente.
A Recorrente, alegou manter-se a inaudibilidade das cinco cassetes, e pediu que, rectificada a anomalia, lhe fosse fixado novo prazo para alegações.
Esse requerimento foi apresentado no trigésimo primeiro dia, contagem reportada ao prazo de trinta dias fixado no despacho anterior, e no oitavo dia contado da data da entrega das cassetes.
Não consta ter o Tribunal efectuado qualquer diligência no sentido de apurar a veracidade das anomalias invocadas ou de as superar.
A decisão parece tê-las havido como existentes, pois que, como antes afirmado, só assim se compreende a ordem de entrega.
Assim, ao invocar, oito dias depois, a manutenção das anomalias, que consistiam em inaudibilidade das perguntas feitas às testemunhas, a Recorrente não estaria a fazer coisa diferente de que arguir uma irregularidade cuja verificação ou não se impunha ao Tribunal averiguar.
Se inexistente, competia-lhe indeferir a pretensão, mas, se verificada – o que parece ter-se presumido e aceite -, impunha-se supri-la, se possível, ou, não o sendo, a repetição do acto.
É isso, justamente, que impõe o art. 9º do DL n.º 39/95, de 15/2, onde expressamente se dispõe que “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.
Não estando em causa, segundo a Recorrente, os próprios depoimentos, certo é que bem pode acontecer que estes, como também se alega (e se terá aceite), quando destacados ou desfasados das perguntas que os enquadram e provocam tornem imperceptível a prova registada.
A situação alegada, e não refutada, configura uma irregularidade que, inviabilizando a possibilidade de cumprimento, pela Recorrente, das formalidades exigidas pelas normas dos arts. 712º-1-a) e 690º-A CPC, e, por via disso, influindo na decisão da causa, importa nulidade, como previsto no art. 201º CPC.
Na economia da decisão recorrida, a omissão/desvio da formalidade prescrita na lei está admitida. Logo, se não era caso de obtenção de solução técnica, só restava qualificar a irregularidade como nulidade e declará-la, com os pertinentes efeitos legais.
O que não poderá é dizer-se que a nulidade não pode ser reconhecida porque, ao agir como agiu, a Recorrente a não arguiu.
A Parte alegou os factos integradores da irregularidade. Aceitando-os, só restava ao Tribunal extrair as devidas consequências, designadamente as relativas à qualificação e aplicação das normas legais – art. 665º CPC.
4. 5. - Adquirido que está que foi – novamente - arguida uma irregularidade que, a ser confirmada, integra nulidade, a questão que ora se coloca é apenas a de saber até quando estava a parte prejudicada pelo acto omitido em tempo de arguir, com sucesso, o vício.
O art. 2.º do DL n.º 39/95, de 15-2, diploma que estabelece o regime do registo da prova nas audiências finais, é omisso quanto à fixação, seja de início, seja de termo, de qualquer prazo para arguição das anomalias verificadas na gravação, limitando-se a prevenir que "se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade" (art. 9.º cit.).
Mais se dispõe aí que incumbe ao tribunal facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia do registo á parte que a requeira, incumbindo ao requerente que use da faculdade fornecer ao tribunal as fitas magnéticas necessárias - art. 7.º-2 e 3.
Porém, apesar da falta de indicação expressa da lei, afigura-se-nos que ela fornece duas linhas de orientação incontornáveis:
- por um lado, até ao encerramento da audiência, pelo menos, a repetição do registo deve ter lugar sempre que, em qualquer momento, se tomar conhecimento da anomalia; e,
- por outro lado, as partes não estão sujeitas a qualquer prazo para solicitar a entrega da cópia, mas apenas a Secretaria Judicial, e, por isso, se a parte interessada na obtenção do registo o pede quando está a correr o prazo para apresentação da sua alegação, cumprido que seja pela Secretaria o prazo máximo para a entrega, terá ela (parte) de sofrer as inerentes consequências que corresponderão, pelo menos, a um encurtamento do prazo que lhe era legalmente concedido para a prática o acto recursivo, prazo que, no limite, pode ficar reduzido a apenas um dia.
Tratando-se de nulidade processual, e ultrapassado o campo de aplicação do art. 9.º, o prazo para a arguição é de dez dias e conta-se do dia em que, depois de cometida a irregularidade, «a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que não tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência» - art.s 205.º-1 e 153.º-1 CPC.
Ora, afigura-se-nos que o caso dos autos se não "encaixa" directamente na previsão legal sobre o momento de conhecimento do acto viciado para efeitos de início do prazo preclusivo de sanação.
Com efeito, o acto processual viciado não está patente no processo por forma a poder ser directamente detectado através de exame dos autos, como supõe o regime estabelecido no art. 205.º-1.
Diferentemente, o acto viciado encontra-se oculto e o seu conhecimento depende da prática de um outro acto material da parte, instrumental de outro acto processual - a alegação de recurso -, mas praticado fora do processo. Por isso, terá a norma sobre o momento de conhecimento de ser entendida à luz dessa especial situação e a ela devidamente adaptada.
Isto posto:
O momento do conhecimento de eventuais irregularidades que inviabilizem o efeito útil dos registos fonográficos coincidirá, como é natural, com o momento da sua audição;
A lei não fixa, nem prevê, quaisquer prazos, quer para que a parte proceda ao pedido e levantamento dos suportes de registo da prova, quer para que leve a efeito o seu exame e audição para, a partir deles, denunciar vícios de gravação;
Assim, apesar da extensão do prazo para alegações por dez dias (art. 698.º-6), nada impede, e bem pode acontecer, que a parte proceda à audição das cassetes apenas no último dia do prazo para apresentação da alegação, desde que ainda em tempo de praticar o acto - entrega do suporte da alegação de que pudesse constar a impugnação da matéria de facto - em juízo, sem ou com alguma das multas previstas no art. 146.º-5 e 6.
De facto, o último dia de um prazo processual é, como o seu primeiro, tempo útil para a prática válida do acto e, a nosso ver, do mesmo modo que não pode presumir-se que pelo facto de ter levantado as cassetes a parte logo tomou conhecimento dos defeitos de registo, também não pode ter-se por exigível que proceda à audição em termos de invocar eventuais anomalias, seja nos dez dias subsequentes a essa entrega, seja em qualquer outro prazo de dez dias que não seja o da data do efectivo conhecimento do vício - data que, por se tratar de acto praticado fora do processo, não se vê como demonstrar - que integra a nulidade e, por via disso, taxar de negligente a conduta da parte.
Consequentemente, entende-se que o prazo para arguir a nulidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, isto é, o prazo para a apresentação das alegações, sem ou com multa, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo.
No caso aqui em apreciação, os registos fonográficos foram entregues à Agravante em 24 de Janeiro, pelo que a reclamação, porque apresentada em 1 de Fevereiro, o foi no prazo de em 10 dias.
Acontece, porém, que se teve por precludido o prazo a pretexto de ter terminado em 31 de Janeiro o “novo prazo” fixado no despacho para apresentar as alegações.
Fazendo novamente apelo ao que acima se deixou dito sobre a interpretação da decisão e seus critérios, não pode deixar de entender-se, mormente no contexto da formulação do pedido – «que numa e noutra hipótese seja marcado novo prazo previsto nos n.ºs 2 e 6 do art. 698º CPC (…) -, que, concedendo-se um “novo prazo de 30 dias, a contar da notificação do despacho” esse “novo prazo” beneficia do acréscimo ou prazo suplementar, de dez dias, que a lei expressamente concede no caso, anunciado e invocado no requerimento, de o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada.
Assim sendo, como se entende ser, a reclamação/arguição revela-se tempestiva.
4. 6. - Mesmo que se entendesse que o “novo prazo” para alegar não era efectivamente um «novo prazo», atribuído em razão da inutilização do anterior, por causa das anomalias, mas consubstanciava apenas uma «prorrogação» do prazo, como admitido no art. 147º CPC, coisa nunca dita nem invocada no processo, de modo a determinar que o termo do prazo para alegação ocorresse em 31 de Janeiro, ainda assim, a nosso ver, a arguição seria tempestiva.
Neste caso, a questão será de validade do acto de arguição da nulidade em juízo.
A Agravante reclamou da irregularidade no primeiro dia subsequente ao termo do prazo para apresentação da sua alegação.
Como dito, a sua pretensão procede, no entendimento de que estavam em tempo de arguir a irregularidade enquanto o estivesse para apresentar a alegação.
A prática deste acto (apresentação da alegação) estaria sujeito à multa prevista no art. 145.º-5 CPC e do mesmo modo o estava o acto (arguição da nulidade) que torna possível a prática do acto não praticado no prazo normal e impeditivo do efeito extintivo do decurso desse prazo mediante uma sanção pecuniária.
Assim, a validade da reclamação e seus efeitos, ficam condicionados ao prévio pagamento da multa prevista no n.º 6 do art. 145.º CPC, sob pena de se considerar perdido o direito correspondente à prática desse acto, formalidade que foi preterida.
5. – Decisão.
Termos em que, em conformidade com quanto ficou exposto, se decide:
- Conceder provimento ao agravo;
- Revogar o acórdão impugnado;
- Julgar não sanada a nulidade e, em consequência, determinar que na 1ª Instância se proceda à apreciação das pretensões formuladas pela Agravante no seu requerimento de 1 de Fevereiro de 2005, reconhecendo ou não a existência das invocadas irregularidades, bem como a sua qualificação ou não como nulidade, tudo com as respectivas consequências; e,
- Condenar os Agravados nas custas do recurso.


Lisboa, 22 Março 2007

Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias