Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
040811
Nº Convencional: JSTJ00001833
Relator: MAIA GONÇALVES
Descritores: BURLA
CONSUMAÇÃO
COMPETENCIA TERRITORIAL
CONFLITO DE COMPETENCIA
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: SJ199004180408113
Data do Acordão: 04/18/1990
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N396 ANO1990 PAG250
Tribunal Recurso: T J V REAL - T CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2792/87
Data: 12/20/1989
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETENCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETENCIA.
Área Temática: DIR JUDIC - CONFLITOS.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 313.
Sumário : I - O crime de burla previsto no artigo 313 do Codigo Penal consuma-se quando o defraudado larga mão da coisa, de modo a não poder obstar a que ela possa chegar ao poder do burlão e regresse a sua propria esfera de poder.
II - Nas entregas por via indirecta, a partir da emissão da coisa que e objecto do crime com destino ao burlão, perdido completamente o dominio do defraudado sobre ela, esta verificado o prejuizo patrimonial e consumado o crime, ainda que, por qualquer razão, a coisa não venha a chegar a posse do agente.
III - Assim, no caso de entrega por via postal e em outras em que e feita por modo indirecto, maxime atraves de aves adestradas, o crime consuma-se com a emissão da coisa que e objecto do crime, sendo, consequentemente, competente para dele conhecer o tribunal do local da emissão.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
O Ministerio Publico requereu a resolução do conflito negativo de competencia suscitado entre o Tribunal Judicial de Vila Real e o 3 Juizo Criminal de Lisboa, porque ambos se atribuiram mutuamente a competencia, negando a propria, para conhecer do processo em que e arguido A, tendo as decisões em que assim foi entendido transitado em julgado.
Ouvidas as autoridades em conflito, nada disseram.
O Ministerio Publico emitiu douto parecer, no sentido de que o conflito deve ser resolvido atribuindo-se a competencia ao Tribunal de Vila Real.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
O Tribunal e competente e a resolução do conflito foi pedida por quem para o efeito tem legitimidade.
Verificam-se todos os pressupostos da existencia do conflito, nada obstando a respectiva resolução.
Contra o arguido A foi deduzida acusação pelo crime de burla agravada previsto e punivel pelos artigos 313 e 314 do Codigo Penal porque, com a intenção de obter para si um enriquecimento ilegitimo, atraves de engano astuciosamente provocado no ofendido B, determinou este a enviar-lhe, atraves de vale postal remetido para Lisboa, a quantia de 21900 escudos, assim sofrendo prejuizo material. A referida importancia foi enviada, por vale postal remetido de Vila Real para Lisboa, onde foi efectivamente recebida pelo arguido.
Perante esta factualidade constante da acusação, e que sera levada em conta para determinação da competencia, põe-se a questão de saber qual o tribunal competente para conhecer do crime.
Para tanto, sera necessario determinar qual o tribunal em cuja area de jurisdição o crime se consumou.
No caso sub judicibus trata-se de uma burla em que a coisa que foi seu objecto foi entregue por via postal. Este caso, como outros de entrega por via indirecta, tem sido objecto da atenção da doutrina e da jurisprudencia e dado origem a duvidas e imprecisões afloradas no processo e em que seria ocioso insistir.
O crime de burla, como se encontra estruturado no Codigo Penal, consiste em determinar outrem, atraves de erro ou engano astuciosamente provocados, a pratica de acto que cause prejuizo patrimonial, com a intenção de o agente obter para si ou para terceira pessoa um enriquecimento ilegitimo.
E um crime de natureza estrutural mista - contra a vontade e contra o patrimonio - o que se tornou mais perceptivel no Codigo Penal de 1982, com o relevo dado ao elemento determinação de outrem a pratica de actos, actos que não praticaria se estivesse actuando de vontade esclarecida.
Tem-se entendido que o crime de burla se consuma, nos casos como o que esta sub judicibus, quando o defraudado larga mão da coisa, de modo a ja não poder obstar a que ela não chegue ao poder do burlão e regresse a sua propria esfera de poder. Na realidade, a partir da emissão da coisa com destino ao agente do crime, perdido completamnte o dominio sobre a coisa, esta verificado o prejuizo patrimonial, ainda que, por qualquer razão, a coisa não chegue as mãos do agente.
Assim, nas entregas por via postal, atraves de aves adestradas, como pombos-correios, e em outras feitas de modo indirecto.
Em tais termos, o crime ter-se-a verificado na area de jurisdição da comarca de Vila Real, pelo que se decide o conflito atribuindo-se a competencia ao Tribunal de Vila Real.
Sem imposto de justiça nem custas.
Maia Gonçalves;
Jose Saraiva;
Barbosa de Almeida.