Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
153/04.9TYLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: CESSÃO DE QUOTA
SOCIEDADE POR QUOTAS
CONSENTIMENTO
CONTRATO DE SOCIEDADE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
REGIME APLICÁVEL
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
CLÁUSULA CONTRATUAL
RECUSA
REQUISITOS
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS / SOCIEDADES POR QUOTAS / QUOTAS / TRANSMISSÃO DE QUOTAS / CESSÃO DE QUOTAS / CONSENTIMENTO / AMORTIZAÇÃO DE QUOTAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO ( DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO ).
Doutrina:
- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Almedina, 4ª ed. 2011, Vol. II, 373.
- Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 2012.
- Raúl Ventura, Comentário ao C.S.C. - Sociedades por Quotas, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., I, 585 e ss..
- Taveira da Fonseca no artigo “Amortização de quotas”, publicado na Revista de Doutrina e Jurisprudência nº 10 do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, pp 97 e seguintes.
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 220 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 220.º, 228.º, N.ºS 2 E 3, 229.º, N.º 2, 230.º, 231.º, N.º 1, 235.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10-12-2015 (1990/07.8TBAGD.C1.S1), DE 20-09-2012 (3716/10.0TBVFR.P1.S1), DE 8-02-2011 (767/06.2TCFUN.L1.S1), DE 8-07-2003 (03B1938) E DE 9-12-1999 (99A800).
Sumário :
I - O CSC distingue a cessão de quotas – enquanto acto voluntário transmissivo da respectiva titularidade – das demais modalidades de transmissão de quotas entre vivos, como se constata, desde logo, pela epígrafe do art. 228.º e pelo teor dos n.os 2 e 3 deste preceito quanto às diferenças dos respectivos efeitos em relação à sociedade.

II - Com a exigência do consentimento da sociedade (art. 228. º, n.º 2), ainda que não imperativa (art. 229.º, n.º 2), a lei visa facultar aos sócios a oposição à entrada para a sociedade de pessoas diferentes daquelas com quem acordaram associar-se, desiderato que, antes do CSC, era, frequentemente, prosseguido pelos próprios interessados, estipulando no pacto social vários tipos de barreiras a essa entrada, como sucedia, para além desse consentimento, com a convenção de um direito de preferência no caso de cessão de quotas a estranhos (não sócios).

III - A aquiescência da sociedade só se torna exigível para tornar operante a cessão de quotas em relação a ela própria e pode ser manifestada em qualquer momento posterior, mas, enquanto o não for, a cessão engendrada sem o consentimento da sociedade mantém-se ineficaz em relação a esta.

IV - O pedido e a prestação de consentimento são regulados pelo art. 230.º e, se recusar o pedido de consentimento, a sociedade deve, na comunicação da recusa, incluir uma proposta de amortização ou de aquisição da quota (art. 231.º, n.º 1), a qual compreende, naturalmente, a contrapartida oferecida (arts. 220.º e 235.º); se o sócio cedente não aceitar tal proposta, não se concretiza a cessão (art. 231.º, n.º 1).

V - Dispondo o contrato social da sociedade, celebrado em 15-12-1978, que a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência, prevalece, em toda a sua extensão, o regime legal fundado na falta de consentimento à cessão de quota em relação ao regime eventualmente advindo da cláusula contratual de preferência e, consequentemente, a sociedade também não pode usar ou exercer o direito de preferência contratualmente estipulado, em cuja aplicação, aliás, não tem qualquer interesse, pois foi atingido, por outra via, o resultado que os sócios pretenderam obter com a dita cláusula contratual: erguer uma barreira à entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios.

Decisão Texto Integral:

Revista 153/04.9TYLSB.L1.S1

           

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

           

AA, Lda propôs esta acção contra 1) BB, 2) CC, 3) DD e mulher EE, 4) FF e mulher GG, 5) HH e marido II e 6) JJ, S.A., pedindo que:

- se reconheça o seu direito de preferência na cessão efectuada para a 6ª R por escritura de 19-12-2002 da quota que os 1º a 5º RR detinham no capital social da A e, em consequência, se ordene a substituição pela A da R cessionária, com efeitos à data da outorga de tal escritura, mediante pagamento do preço da cessão no montante de € 63.862, e se ordene o cancelamento de qualquer inscrição da titularidade da referida quota no capital social da A a favor da 6ª R;

- quando assim não se entenda, sejam os 1º a 5º RR condenados a pagar-lhe a indemnização no montante de € 63.862, ou outro mais elevado que se venha a apurar em liquidação de sentença, pelos prejuízos causados com a violação do direito de preferência na cessão de quota a favor da 6ª R.

Alegou, em síntese: os 1º a 5º RR eram seus sócios, cotitulares de uma quota no valor nominal de € 4.987,98 deixada por óbito de KK; por carta recebida pela A em 6-01-2003, o 1º R deu conhecimento à A que essa quota havia sido transferida para a 6ª R pelo montante de € 63.862,00, pago em acções do capital social da 6ª R; nos termos do artigo 4º do contrato de sociedade da A, em caso de cessão de quotas a estranhos, a sociedade tem direito de preferência, com eficácia real; o exercício do direito de preferência foi deliberado na assembleia geral da A de 26-02-2003. E, quanto ao pedido indemnizatório, alegou que é uma sociedade familiar e que a entrada da 6ª R, uma sociedade anónima, se traduz na possibilidade de um estranho interferir na sua vida societária e na perda do seu direito de controlar e impedir a entrada de terceiros na sociedade, avaliando o prejuízo daí decorrente no valor atribuído pelos RR à quota cedida (€ 63.862).

 Os RR contestaram, sustentando, além do mais, que o invocado artigo 4º do contrato de sociedade não é válido, por violar o disposto no artigo 229º, nº 5 do CSC, que apenas efectuaram a transferência da quota para uma sociedade que pertence à sua família, que não receberam qualquer preço mas acções da 6ª R e que daí não advieram prejuízos para a A.

Foi proferida sentença considerando a acção improcedente, com os argumentos de que o invocado direito de preferência tem mera eficácia obrigacional e inexiste fungibilidade entre as acções dadas em troca pela 6ª R e a quantia pecuniária que a A pode dar em troca, pelo que os RR não estavam obrigados a dar preferência à A, não havendo assim direito a qualquer indemnização.

A Relação de …, julgando procedente a apelação interposta pela A, reconheceu o direito de preferência desta na referida cessão da quota e, em consequência, ordenou a substituição da 6ª R pela A na posição de cessionária e titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura, mediante pagamento do respectivo preço da cessão, no montante de € 63.862, e o cancelamento de toda e qualquer inscrição da titularidade da referida quota no capital social da A a favor da 6ª R.

Os RR interpuseram recurso de revista dessa decisão, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões, com que suscitam a questão de saber se não deve reconhecer-se o direito invocado pela A de lançar mão da acção de preferência:

 «1. É ilegal a cláusula existente num pacto social em que se estabelece que as cessões de quotas entre os sócios são livres, no todo ou em parte, e que a estranhos só depois de ser dada preferência primeiro à sociedade e depois aos sócios não cedentes;

2. O artigo 4° do pacto social estabelece o seguinte: “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá o direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não cedentes”. Ressalta claramente a ilegalidade desta cláusula e que a mesma está a subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente de consentimento da sociedade, o que o artigo 229.º, n.º 5 do C.S.C. proíbe.

3. Os verbos “subordinar” e “depender” são normalmente sinónimos, como pode ver-se em qualquer dicionário e deduzir dos artigos 486.º e 493.º do C.S.C..

4. Na falta de convenção expressa ou de registo, uma cláusula de preferência não tem eficácia real, sendo evidente que do art. 4.º dos estatutos da Sociedade não consta uma estipulação “expressa” da eficácia real da preferência.

5. A preferência contemplada no artigo 4º do pacto social não tem eficácia real pois a mesma não está expressamente estipulada no seu texto.

6. Não é igual um montante em dinheiro líquido a um conjunto de acções de uma sociedade anónima (sem cotação em bolsa) pois o seu valor depende da avaliação do património social, das expectativas de lucros futuros da sociedade anónima, da percentagem (dominante ou não) a adquirir na dita sociedade.

7. Importa atender também ao interesse dos sócios cedentes, quando não pretendem simplesmente alienar a quota, mas apenas restruturar o modo de exercício da sua participação na sociedade, passando de directa a indirecta e passando as decisões dos contitulares das quotas a ser tomadas de modo mais expedito pelos administradores da JJ.

8. Quando a cessão da quota se efectua mediante uma troca por acções, não existe um “preço”; mesmo que à quota e às acções seja atribuído um valor, este não tem a natureza de um preço, visto que, na hipótese de troca, ninguém entrega moeda corrente.

9. Não pode haver preferência no normal contrato de escambo, porque e na medida em que o titular desse direito não pode exercê-lo em condições iguais (“tanto por tanto”) às do adquirente: a coisa dada por este em troca da coisa recebida do alienante não lhe poderá ser dada pelo preferente, razão por que este não se poderá fazer substituir ao adquirente.

10. O que os sócios cedentes quiseram e está inequivocamente provado foi “trocar” a sua quota por acções da JJ familiar, numa reorganização concentrada de todas as suas participações sociais que a lei abertamente lhe permite.

11. O interesse dos cedentes não reside na percepção do preço (ainda que o preço justo) da quota; reside, sim na percepção em espécie das acções do cessionário que lhe facultem continuar a gerir (indirectamente) a quota na sociedade participada.

12. Ver nos 63.862 euros a contrapartida da quota transferida para a JJ (como se fez no acórdão da Relação) não capta fielmente a realidade do negócio efectivamente concluído pelo cedente (contitulares da quota).

13. Não é passível de extensão a alegada preferência estatutária dos restantes sócios à cessão de quota “por troca” com acções infungíveis da holding familiar, por definição insubstituíveis por outros bens ou equivalente em dinheiro, constituída pelos RR. para nela concentrar as suas participações sociais e através dela continuar a gerir (indírectamente) essas mesmas participações.».

*

A Relação considerou assente a seguinte factualidade:

1. A Autora intentou, em 04.07.2003, no Tribunal Cível da Comarca de …, acção declarativa, com processo comum ordinário, contra os Réus, que correu os seus termos pela 2.ª Secção da 12.ª Vara Cível do Tribunal Cível da Comarca de … sob o n.º 5978/03.0TVLSB, na qual alegou em síntese que:

(i) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de artigos religiosos e regionais;

(ii) O capital social da Autora é de 24.939,00 €, encontrando-se integralmente realizado, e é representado por cinco quotas iguais, cada uma no valor nominal de 4.987,98 € (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a 20% do montante total do referido capital social, uma das quais, até 19 de Dezembro de 2002, pertencente em comum, sem determinação de parte ou direito, a BB, CC, DD, FF e HH, - os ora 1.º a 5.º Réus.

(iii) Por escritura outorgada em 19 de Dezembro de 2002 no 4.º Cartório Notarial de …, os 1.º a 5.º Réus transferiram, pelo valor de 63.862,00 € (sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros), para a 6.º Ré, a sociedade JJ, S.A., a quota no valor nominal de 4.987,98 €, que os ditos 1.º a 5.° Réus detinham no capital social da Autora;

(iv) o negócio realizado pelos 1.º a 5.º Réus, objecto da referida escritura outorgada em 19 de Dezembro de 2002, constitui uma verdadeira cessão onerosa de quota no capital social da sociedade Autora a terceiro estranho à dita Autora, nos termos do disposto no artigo 228.º do Código das Sociedades Comerciais;

(v) Dispõe o Artigo Quarto do Contrato de Sociedade da Autora, que “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não-cedentes”;

(vi) Assim, à Autora assiste o direito de preferência na aquisição na quota que os 1.º a 5.º Réus cederam à 6.ª Ré através da escritura outorgada em 19 de Dezembro de 2002, o qual goza de natureza real e eficácia erga omnes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 421.º do Código Civil;

(vii) Pelo que, tem a Autora o direito de haver para si a quota alienada, pelo preço de 63.862,00 € (sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros), mediante substituição da Autora na posição contratual da 6.ª Ré, enquanto titular da referida quota, com efeitos retroactivos à data da outorga da escritura de cessão da quota, nos termos das disposições conjugadas do Artigo Quarto do Contrato de Sociedade da Autora e ainda dos artigos 413.º, 421.º e 1410.º, n.º 1, todos do Código Civil, direito que exerce pela presente acção.

(viii) Mas, caso se entenda que à Autora não assiste o direito de se substituir à 6.ª Ré enquanto cessionária, na cessão da quota detida pelos 1.º a 5.º Réus, então, sempre deverão os ditos 1.º a 5.º Réus indemnizar a Autora pelos prejuízos que lhe causaram com a violação do direito de preferência da dita Autora previsto no Artigo Quarto do respectivo Contrato de Sociedade, como se requer, os quais correspondem ao valor que os 1.º a 5.º Réus atribuíram à quota por eles cedida a 6.ª Ré, em 19 de Dezembro de 2002, ou seja 63.862,00 €.

2. Em 10 de Julho de 2003 a Autora depositou na conta n.º 00000000000004350, constituída exclusivamente para o efeito, na BANCO LL, à ordem da Juiz da referida 2.ª secção da 12.ª Vara Cível da Comarca de …, o valor de 63.862,00 €.

3. Por despacho judicial de 08.01.2004, notificado às partes por ofício expedido em 14.01.04, transitado em julgado em 29.01.2004, foi na acção referida em 1) julgada procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Cível da Comarca de …, em razão da matéria, para preparar e julgar a acção, considerando-se competente para o efeito o Tribunal de Comércio, tendo os Réus sido absolvidos da instância.

4. A presente acção deu entrada em 06.02.2004.

5. A Autora encontra-se inscrita na Conservatória de Registo Comercial de … sob o n.º 00330 e tem como objecto social “comércio de artigos religiosos e regionais”.

6. A Autora foi constituída por escritura outorgada em 16 de Dezembro de 1978, no Cartório Notarial de …, a fls. 87 do Livro de Escrituras n.º B-78, do dito Cartório.

7. Pela apresentação 08/790215 encontra-se registada na matrícula da Autora a constituição inicial da sociedade pelos sócios por MM, casado com NN em comunhão geral, OO, casado com PP em comunhão geral, QQ, casado com RR em comunhão geral, SS, casado com TT em comunhão geral e BB, casado com KK em comunhão geral, cada um com uma quota de 60.000$00.

8. Pela apresentação 22/930820, encontra-se registada na matrícula da Autora a transmissão de quota, de 60.000$00, por partilha da herança de NN a favor de UU e VV.

9. Pela apresentação n.º 011980521 encontra-se registada na matrícula da Autora a aquisição de uma quota de 60.000$00, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de PP, viúva, de WW, casada com XX, na comunhão de adquiridos, de OO, solteiro, maior e de YY, casado com ZZ, na comunhão de adquiridos, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária por óbito de AAA.

10. O capital social da Autora é de 24.939,00 €, encontrando-se integralmente realizado, e é representado por cinco quotas iguais, cada uma no valor nominal de 4.987,98 € (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a 20% do montante total do referido capital social, as quais, em 19 de Dezembro de 2002, se encontravam assim distribuídas: (vi) QQ, titular de uma quota no valor nominal de 4.987,98€; (vii) SS, titular de uma quota no valor nominal de 4.987,98€; (viii) UU e VV, titulares em comum de uma quota no valor nominal de 4.987,98 €; (ix) WW, OO, YY e PP, titulares em comum, sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor nominal de 4.987,98 €; (x) BB, CC, DD, FF e HH, titulares em comum, sem determinação de parte ou direito, de uma quota no valor nominal de 4.987,98 €.

11. A quota detida pelos 1.º a 5.º Réus no capital social da Autora pertencia originalmente ao 1.º Réu BB, casado com KK, sob o regime de comunhão geral de bens, tendo vindo ao património comum dos 1.º a 5.° Réus por dissolução daquela comunhão conjugal e sucessão hereditária, em consequência do óbito da dita KK em 25.03.2001.

12. No dia 19.12.2002, no 4.º Cartório Notarial de …, o 2.° Réu por si e na qualidade de procurador dos Réus, HH e BB; DD, FF e JJ, S.A., lavraram escritura de aumento de capital e alteração de contrato social da JJ, S.A., tendo declarado:

“Que o capital social da referida sociedade é de cinquenta mil euros, totalmente subscrito e realizado e representado por cinquenta mil acções com o valor nominal de um euro, cada uma. Que, pela presente escritura, e em execução das deliberações tomadas na mencionada assembleia geral realizada em vinte e oito de Março do corrente ano aumentam o capital da aludida sociedade para seis milhões e quinhentos mil euros, sendo a importância do aumento de seis milhões quatrocentos e cinquenta mil euros integralmente subscrita, e realizada em dinheiro e parte pela transferência para a sociedade, de bens, pertencentes a eles outorgantes e mandantes (accionistas), quer em nome próprio, quer em comum e sem determinação de parte ou direito, pela forma seguinte: (…) e) A quantia de sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros a realizar pela transferência para a sociedade de uma quota no valor nominal de QUATRO MIL NOVECENTOS E OITENTA E SETE EUROS E OITENTA E SETE CÊNTIMOS no capital da sociedade comercial por quotas com a firma “AA, LIMITADA”, NIPC 000008067, com sede na Rua ..., ..., ..., concelho de …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número trezentos e trinta, com o capital social de vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos, quota esta pertencente, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos accionistas BB, CC, DD, FF e HH, à qual é atribuído o valor de sessenta e três mil oitocentos e sessenta e dois euros. (…) Que este aumento é efectuado com a emissão de seis milhões quatrocentas e cinquenta mil novas acções, no valor nominal de um euro cada. Que, assim, o capital da dita sociedade passa a ser de seis milhões e quinhentos mil euros, representado por seis milhões e quinhentas mil acções com o valor nominal de um euro cada uma, distribuídas do seguinte modo: - BB – três milhões seiscentas e nove mil e setenta e seis acções; - CC – seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - FF - seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - DD – seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - HH – seiscentas e duas mil setecentos e sessenta e quatro acções; - Os cinco accionistas acima mencionados, em comum e sem determinação de parte ou direito – quatrocentas e setenta e quatro mil oitocentos e sessenta e oito acções; - “BBB, Limitada – cinco mil acções.“

13. Os 3.ª, 4.º e 5.º Réus outorgaram na escritura referida em 12) com conhecimento e autorização dos respectivos cônjuges, os Réus EE, GG e II.

14. A 6.ª Ré nunca foi sócia da Autora.

15. O administrador e representante da 6.ª Ré na escritura referida em 12) o Réu FF, nessa data, era também contitular da quota cedida.

16. Dispõe o Artigo Quarto do contrato social da sociedade da Autora, datado de 16.l2.1978, celebrado por escritura pública que “É livre a cessão de quotas à sociedade ou a outros sócios, mas a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência em primeiro lugar, passando tal direito, em segundo lugar, para os sócios não cedentes”.

17. São accionistas da JJ, S.A a BBB S.A. e os l.º a 5.º Réus.

18. Na data da propositura da acção o valor das reservas livres constituídas pela Autora era de montante não inferior a 130,000,00 €.

19. MM, QQ, SS, PP e KK sempre actuaram no sentido de manterem exclusivamente no seio da família o controlo societário da Autora.

20. O que os Réus entregaram em 6 de Janeiro foi uma cópia autenticada da escritura outorgada em 19.12.

21. A BBB S.A., accionista da JJ, S.A., é totalmente detida por esta última.

22. A sociedade JJ, S.A é uma sociedade de índole familiar.

23. Os estatutos da sociedade JJ, S.A. limitam a entrada de estranhos no respectivo capital, conferindo aos actuais accionistas, designadamente a possibilidade de se oporem à entrada de estranhos no capital e de exercerem a preferência ou opção, consoante o caso, no respectivo negócio jurídico.

24. A sociedade JJ, S.A. foi constituída com o objectivo de concentrar todas as participações sociais na holding familiar.

*

Importa apreciar a questão enunciada e decidir.

A questão suscitada no recurso demanda que se averigue o preenchimento dos pressupostos do direito exercido na acção pela sociedade A e prende-se com a cessão onerosa efectuada para a 6ª R por escritura de 19-12-2002 da quota que os 1º a 5º RR detinham no capital social daquela e correspondente a 20% deste.

O CSC (Código das Sociedades Comerciais ([1])) distingue a cessão de quotas – enquanto acto voluntário transmissivo da respectiva titularidade – das demais modalidades de transmissão de quotas entre vivos, como se constata, desde logo, pela epígrafe do art. 228º e pelo teor dos nºs 2 e 3 deste preceito quanto às diferenças dos respectivos efeitos em relação à sociedade.

Tendo a sociedade A sido constituída por escritura outorgada em 16-12-1978, ficou estipulado no artigo quarto do respectivo contrato social que dependeria sempre do consentimento da sociedade a cessão de quotas que viesse a ser feita a estranhos, ou seja, não à sociedade ou a outros sócios (facto 16).

O art. 6º § 3º da Lei de 11-04-1901, então vigente, já autorizava que a escritura social fizesse depender a cessão de quota do consentimento da sociedade ou de outros requisitos. Hoje, nos termos do citado art. 228º nº 2, a exigência do consentimento da sociedade é estabelecida por lei ([2]) e este constitui requisito legal da eficácia da cessão de quotas para com a sociedade. Com efeito, estipula claramente o preceito a «cessão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto não for consentida por esta, a não ser que se trate de cessão entre cônjuges, entre ascendentes e descendentes ou entre sócios».

A aquiescência da sociedade só se torna exigível para tornar operante a cessão de quotas em relação à própria sociedade a que diz respeito e pode ser manifestada em qualquer momento posterior, mas, enquanto o não for, a cessão engendrada sem o consentimento da sociedade mantém-se ineficaz em relação a esta ([3]).

É o que esclarece o Prof. Raúl Ventura ([4]): o alcance do preceito contido no nº 3 do artigo circunscreve-se às demais modalidades da transmissão da quota entre vivos já que, por força daquele nº 2, a falta de consentimento da sociedade, não determinando a invalidade da cessão, enquanto esta «não for consentida, a sociedade pode ignorá-la, tudo se passando como se nenhuma cessão tivesse existido».

A transmissibilidade das quotas é, assim, acentuadamente condicionada, mediante o consentimento, que, regra geral, é exigido, pelo que, se os sócios pretenderem que a cessão seja livre têm de o clausular expressamente ([5]). Com a exigência do consentimento, ainda que não imperativa ([6]), a lei visa facultar aos sócios a oposição à entrada para a sociedade de pessoas diferentes daquelas com quem acordaram associar-se, desiderato que, antes do CSC, era, frequentemente, prosseguido pelos próprios interessados, estipulando no pacto social vários tipos de barreiras à entrada de estranhos na sociedade, como essa do consentimento da sociedade ou a da convenção de um direito de preferência no caso de cessão de quotas a estranhos (não sócios).

Prosseguindo a sua análise, diz o acima citado Autor, agora sobre o art. 229º nº 5: «Esta disposição tem por finalidade simplificar quanto possível o regime jurídico das restrições à cessão de quotas, ficando a existir apenas duas vias directas, às quais se reconduzem todos os caminhos acessórios: a via da intransmissibilidade da quota, imediatamente estipulada no contrato de sociedade; a via do consentimento da sociedade, na qual desembocam todos os outros possíveis requisitos. Assim se evitam dúvidas quanto ao regime de cada um dos requisitos a que a cessão fique condicionada: – condicionado será sempre e só o consentimento e a consequência da recusa do consentimento será sempre uma só. (…) É lícito no contrato de sociedade condicionar o consentimento da sociedade a requisitos específicos não proibidos por lei.» ([7]).

«(…) Nada impede que a cláusula de preferência substitua o regime legal de consentimento. O contrato de sociedade dispensará o consentimento e ao mesmo tempo estipulará o direito de preferência da sociedade e dos sócios, ou de uma ou de outros. Também neste caso a simples e isolada estipulação de preferência não é bastante para se considerar que ela substitui o consentimento; a dispensa deverá ser expressa. Especialmente para contratos anteriores ao CSC, a intenção de dispensa de consentimento pela simples existência de cláusula de preferência é impossível, visto que no direito anterior ao CSC não existia o regime legal de consentimento.

 Coexistindo o regime legal de consentimento e a cláusula contratual de preferência, o primeiro tem de prevalecer sobre a segunda, dadas as respectivas naturezas; e tem de prevalecer em toda a sua extensão – a regra do consentimento e todo o processo a ela ligado, pois não se trata de peças soltas e escamoteáveis, mas sim de um sistema completo e internamente coligado. A cláusula de preferência só terá o espaço de aplicação que por aquele sistema lhe for deixado.

 Se a sociedade recusar o consentimento e a recusa se mantiver nos termos do art. 231.º, não fica espaço algum para a cláusula de preferência ser aplicada; a quota ou é amortizada ou é adquirida. Nem haveria qualquer interesse na aplicação da cláusula, pois foi atingido, por outra via, o resultado que os sócios pretendiam obter: a quota não foi adquirida por um estranho à sociedade.

 Na hipótese de o consentimento ser concedido ou a cessão se ter tornado livre, a sociedade não pode usar o direito de preterência contratualmente estipulado, porque tinha a possibilidade de, pelo processo legal de consentimento, amortizar ou adquirir a quota e não o fez; ela manifestou claramente o seu desinteresse quanto ao destino da quota.» ([8]).

Também o Prof. Coutinho de Abreu ([9]) escreveu: «Uma cláusula de preferência (em contrato social) é uma nota personalística na caracterização da respectiva sociedade – é uma barreira à entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios actuais; quando não seja exigido nem por lei nem pelo contrato social o consentimento da sociedade para a eficácia da cessão de quotas, uma tal cláusula aparecerá normalmente como (único) sucedâneo desse consentimento.». E, mesmo no seu Parecer que foi junto a estes autos pela A em 14/5/2015 (fls. 896-924), elaborado para uma acção com objecto semelhante ao desta, sustentou o reconhecimento do direito de preferência da sociedade também aqui A – tema para que fora explicitamente consultado –, mas não sem antes deixar expresso o pressuposto de que «a transmissão da quota houvesse sido eficaz relativamente à sociedade por quotas (pelo consentimento desta)» ([10]).

O pedido e a prestação de consentimento são regulados pelo art. 230º. Assim, o pedido terá de ser formulado nos termos previstos no nº 1 ([11]) e poderá ser concedido expressamente – por deliberação dos sócios (nº 2) ([12]), em cujo procedimento terá de ser respeitado o prazo de 60 dias, a contar da recepção do pedido, sem o que se presume concedido o consentimento e a cessão se torna livre (nº 4) – ou tacitamente, designadamente se se verificarem as situações aludidas nos nºs 5 e 6 ([13]).

Porém, se recusar o pedido de consentimento, a sociedade deve, na comunicação da recusa, incluir uma proposta de amortização ou de aquisição da quota (art. 231º nº 1), a qual compreende, naturalmente, a contrapartida oferecida (arts. 235º e 220º) ([14]); se o sócio cedente não aceitar tal proposta, não se concretiza a cessão (art. 231º nº 1).

Posto isto, sobre a situação ocorrida no caso em apreço, alegam os recorrentes, na sua minuta, que a sociedade recusou o consentimento a tal cessão, sendo esta, por isso, válida e eficaz entre as partes mas ineficaz perante a sociedade, da qual os mesmos, enquanto cedentes, continuam a ser quotistas. Por seu turno, a sociedade recorrida objecta que não foi por aqueles pedido o seu consentimento à cessão da respetiva quota à 6ª R., pelo que, não tendo sido pedido, o consentimento não poderia ter sido recusado.

É certo que da factualidade assente não se infere que os cedentes e ora recorrentes tenham formulado qualquer pedido de consentimento sobre que pudesse incidir uma deliberação explicitamente negatória (ou não) por parte da sociedade recorrida. Ao invés, o que se retira dos factos é que os recorrentes, em 6-01-2003, se limitaram a comunicar a cessão que haviam já consumado em 19-12-2002, tendo, então, entregado uma cópia autenticada da escritura outorgada para tal efeito (cf. facto 20).

Contudo, para a apreciação da concreta questão suscitada no recurso apenas releva a falta de consentimento da sociedade recorrida à efectuada cessão de quota, ainda que, em abstracto, a divergência que as partes manifestaram sobre este ponto não seja de índole meramente semântica porquanto o pedido de consentimento de cessão de quota que um potencial cedente formule e a sua eventual recusa subsequente estão sujeitos ao regime e efeitos jurídicos acima muito resumidamente delineados ([15]), de entre os quais agora apenas importa reter que a lei obriga a sociedade a amortizar ou a adquirir a quota, se recusar o pedido de consentimento para a cessão ([16]).

Na verdade, de todo o modo, é incontroverso entre as partes que essa cessão não foi consentida pela sociedade recorrida. Antes pelo contrário: atendendo à por ambas referenciada deliberação social de 26-02-2003, no sentido favorável ao exercício do aqui invocado direito de preferência, quadro volitivo que se mantém, até se pode afirmar, sem hesitação, que nunca – nem então nem em momento posterior – a sociedade recorrida deu a sua aceitação à questionada cessão de quota.

E daí que, por um lado, para com a recorrida, sem a sua aquiescência, a cessão não produz quaisquer efeitos e a quota em cuja cessão a mesma pretenderia preferir não foi adquirida por qualquer estranho à sua esfera. Por outro lado, prevalecendo, em toda a sua extensão, o regime legal fundado na falta de consentimento em relação ao regime eventualmente advindo da cláusula contratual de preferência ([17]), consequentemente, a sociedade recorrida também não pode usar ou exercer o direito de preferência contratualmente estipulado, em cuja aplicação, aliás, não tem qualquer interesse, pois foi atingido, por outra via, o resultado que os sócios pretenderam obter com a dita cláusula contratual: erguer uma barreira à entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios.

Assim sendo, improcedem as pretensões formuladas pela A na acção e, por consequência, procede o recurso de revista, embora por fundamento jurídico que, sendo esgrimido nas alegações deste, não foi transportado até às conclusões com que os recorrentes delimitaram o objecto do recurso.

Esta omissão não passou despercebida à recorrida que alegou: «Uma vez que este argumento não foi levado pelos RR. às Conclusões do recurso sob resposta, resulta terem aqueles restringido, ainda que tacitamente, o objeto inicial do recurso, conforme previsto no nº 4 do artigo 635º do CPC, não podendo, consequentemente, o mesmo ser conhecido por este Supremo Tribunal».

Mas a recorrida não tem razão.

Se é certo que o tribunal só se deve ocupar das questões suscitadas, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ([18]), não o é menos que a expressão «questões» se prende com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, o que, de modo algum, se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.

Assim, a este Tribunal incumbe o dever (prescrito nos arts. 608º nº 2 e 635º nº 4 do CPC) de resolver a questão de saber se não deveria reconhecer-se o direito invocado pela A de lançar mão da acção de preferência, a única realmente suscitada, ainda que estribada nos diversos argumentos jurídicos expostos nas conclusões de recurso. Não estava, para o efeito, o Tribunal sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, mas apenas aos factos essenciais que constituíssem a causa de pedir e aqueles em que se baseassem as exceções invocadas e que, esses sim, às partes caberia ter alegado (art. 5º do CPC).

Ora, por assim ser, não estava vedado a este Tribunal retirar as consequências tidas por juridicamente adequadas da reconhecida eficácia em relação à A da cessão de quota a que os autos aludem.

Tudo visto, procede o recurso, embora nos apontados termos.

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Síntese conclusiva.

1. - O CSC distingue a cessão de quotas – enquanto acto voluntário transmissivo da respectiva titularidade – das demais modalidades de transmissão de quotas entre vivos, como se constata, desde logo, pela epígrafe do art. 228º e pelo teor dos nºs 2 e 3 deste preceito quanto às diferenças dos respectivos efeitos em relação à sociedade.

2. - Com a exigência do consentimento da sociedade (art. 228º nº 2), ainda que não imperativa (art. 229º nº 2), a lei visa facultar aos sócios a oposição à entrada para a sociedade de pessoas diferentes daquelas com quem acordaram associar-se, desiderato que, antes do CSC, era, frequentemente, prosseguido pelos próprios interessados, estipulando no pacto social vários tipos de barreiras a essa entrada, como sucedia com, para além desse consentimento, a convenção de um direito de preferência no caso de cessão de quotas a estranhos (não sócios).

3. - A aquiescência da sociedade só se torna exigível para tornar operante a cessão de quotas em relação a ela própria e pode ser manifestada em qualquer momento posterior, mas, enquanto o não for, a cessão engendrada sem o consentimento da sociedade mantém-se ineficaz em relação a esta.

4. - O pedido e a prestação de consentimento são regulados pelo art. 230º e, se recusar o pedido de consentimento, a sociedade deve, na comunicação da recusa, incluir uma proposta de amortização ou de aquisição da quota (art. 231º nº 1), a qual compreende, naturalmente, a contrapartida oferecida (arts. 235º e 220º); se o sócio cedente não aceitar tal proposta, não se concretiza a cessão (art. 231º nº 1).

5. – Dispondo o contrato social da sociedade, celebrado em 16-l2-1978, que a cessão a estranhos dependerá sempre do consentimento da sociedade, à qual caberá direito de preferência, prevalece, em toda a sua extensão, o regime legal fundado na falta de consentimento à cessão de quota em relação ao regime eventualmente advindo da cláusula contratual de preferência e, consequentemente, a sociedade também não pode usar ou exercer o direito de preferência contratualmente estipulado, em cuja aplicação, aliás, não tem qualquer interesse, pois foi atingido, por outra via, o resultado que os sócios pretenderam obter com a dita cláusula contratual: erguer uma barreira à entrada na sociedade de sujeitos indesejados pelos sócios.

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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista interposta e, por consequência, em revogar o acórdão recorrido, julgar a acção improcedente e absolver os RR dos pedidos nela formulados.

Custas pela recorrida, tanto as deste recurso como as das instâncias.         

Lisboa, 7/2/2017

Alexandre Reis - Relator

Lima Gonçalves

Sebastião Póvoas

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[1] Diploma a que pertencem as normas subsequentemente citadas sem menção de proveniência.

[2] Embora não imperativamente, porquanto, pode ser dispensado no contrato de sociedade (cf. art. 229º nº 2 do CSC).

[3] É a jurisprudência constante deste Tribunal, expressa, p. ex., nos acs. de 10-12-2015 (1990/07.8TBAGD.C1.S1 - Lopes do Rego), de 20-09-2012 (3716/10.0TBVFR.P1.S1 - Silva Gonçalves), de 8-02-2011 (767/06.2TCFUN.L1.S1 - Hélder Roque), de 8-07-2003 (03B1938 - Ferreira de Almeida) e de 9-12-1999 (99A800 - Pinto Monteiro).

[4] In Comentário ao C.S.C. - Sociedades por Quotas, Coimbra, Almedina, 2ª ed., I, 585 e s). Trata-se, como é reconhecido, do principal responsável pela elaboração do projecto final do CSC, sem esquecer, obviamente, outros contributos muito relevantes, designadamente os corporizados nos anteprojectos dos Profs. Ferrer Correia e Vaz Serra.

[5] Conforme refere Paulo Olavo Cunha (in Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 2012, p.), «a limitação à livre transmissibilidade da quota é um efeito natural da crescente pessoalização das sociedades por quotas, gradualmente mais fechadas, a ponto de a lei admitir que uma sociedade se feche completamente ao exterior, proibindo em absoluto a cessão» (cf. art. 229º nº1).

[6] Cf. nota 2.

[7] Ibidem, pp 606 e s.

[8] Ibidem, pp 615 e s.

[9] In Curso de Direito Comercial, Almedina, 4ª ed. 2011, Vol. II. p. 373.

[10] V. pp 17 e 18 do Parecer.

[11] Por escrito, com indicação do cessionário e de todas as condições da cessão.

[12] Tomada, em regra, por maioria simples (art. 250° nº 3).

[13] Consentimento a uma cessão posterior e falta de impugnação da deliberação em que o cessionário participar, respectivamente.

[14] V. cit. acórdão de 8-02-2011.

[15] Diante do qual, como parece óbvio, a mera comunicação de uma cessão já efectuada mas ainda não consentida não substitui o pedido de consentimento, pelo que, in casu, a cessão deverá ser considerada ineficaz até que, porventura, venha a ser devidamente pedido e obtido o consentimento.

[16] Cf., sobre esta matéria, também Taveira da Fonseca no artigo “Amortização de quotas”, publicado na Revista de Doutrina e Jurisprudência nº 10 do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, pp 97 e seguintes.

[17] V., neste sentido, o cit. acórdão de 8-02-2011.

[18] Como escreve Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 220 e s), está em causa «o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artº 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões».