Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
776/17.6YRLSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
DECISÃO ARBITRAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CLÁUSULA PENAL
Data do Acordão: 09/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL – IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS.
Legislação Nacional:
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV): - ARTIGO 46.º, N.º 9.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C) E 635.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-2016, PROCESSO N.º 415/07.3TBMMV.C1.S1, SASTJ, CÍVEL, IN WWW.STJ.PT.
Sumário :
I. A questão da admissibilidade do recurso de revista de acórdão da Relação proferido em acção de anulação de sentença arbitral, na vigência do actual Código de Processo Civil, encontra-se resolvida em sentido afirmativo pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, “destinando-se o recurso, apenas e estritamente, a apurar da verificação ou inverificação dos específicos fundamentos de anulação da sentença arbitral, invocados pelo autor”.

II. Não padece a sentença arbitral de falta de fundamentação quando apreciou, em termos lógicos, claros e consistentes, uma das questões em causa (aplicação de cláusula penal contratual), nem quando – em termos igualmente lógicos, claros e consistentes – conclui pela irrelevância da resolução de outra questão (nulidade de uma segunda cláusula penal), prejudicada pela solução dada à primeira questão.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA, Lda. outorgou dois “contratos de subarrendamento” com BB, Lda., respectivamente, em 20 de Abril de 2005 e 24 de Maio de 2007.

Clausuraram que “qualquer controvérsia entre as partes, relativa à interpretação e execução do presente contrato, será resolvida sem possibilidade de recurso, por Tribunal Arbitral, composto por três árbitros: o primeiro será nomeado pela Parte que requerer o procedimento de arbitragem, no próprio requerimento de arbitragem; o segundo será nomeado pela outra Parte nos quinze dias seguintes a partir da notificação da designação do primeiro árbitro; o terceiro, que terá a função de Juiz Presidente do Tribunal Arbitral, será nomeado pelos dois árbitros nomeados pelas Partes no prazo de quinze dias a contar da nomeação do segundo árbitro” (...) “Em tudo o que não estiver previsto na presente cláusula dever-se-á aplicar a Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto de 2003.”.

Instalado o conflito, todos os árbitros foram nomeados.

O Tribunal foi constituído em 24 de Novembro de 2015.

   Em 17 de Fevereiro de 2017 proferiu o Acórdão (fls. 876 e seguintes, 4.° volume), com o voto de vencido do árbitro nomeado pela demandada “BB Lda.”, com o seguinte segmento decisório:


“I. Quanto aos pedidos da Demandante [AA Limitada]:

a) Condenar a Demandada ["BB Portugal] a pagar a Demandante, a título de indemnização pela cessação antecipada dos contratos de arrendamento dos lotes 5 e 7, nos termos da sua cláusula 11.4, o montante de € 5.538.750,00 acrescido de juros de mora a taxa legal de juros comerciais, desde 1 de junho de 2015 até integral pagamento.

b) Condenar a Demandada a pagar à Demandante:

i. €45.000, valor de substituição de três compressores de que os imoveis carecem;

ii. € 109.000, correspondentes aos custos de reparações de que os imoveis devolvidos carecem e que a Demandante aceitou fazer;

iii. € 1.800,00, correspondentes ao custo da análise química ao pavimento dos imoveis, de que estes carecem;

c) Condenar a Demandada a pagar à Demandante o montante de € 116.431,46, correspondente à renda dos meses de março, abril e maio de 2015, acrescido de juros de mora a taxa legal de juros comerciais, desde 31 de maio de 2015 até integral pagamento.

d) Declarar improcedentes e absolver a Demandada dos restantes pedidos deduzidos pela Demandante.

II. Declarar improcedente e absolver a Demandante do pedido reconvencional.

III. Repartir os encargos da arbitragem pelas duas Partes, na proporção do de 60% pela Demandada e 40% pela Demandante.

Todos os restantes pedidos da Demandante e da Demandada são expressamente rejeitados.”.


Veio a BB Portugal, Unipessoal, Lda. intentar a presente acção de anulação da deliberação arbitral, com três fundamentos:

“i) Falta de fundamentação da Sentença Arbitral na parte relativa às Cláusulas 11.4 (cláusulas penais) do contrato de subarrendamento Lote 5 e do contrato de subarrendamento Lote 7, nos termos da subalínea vi) da alínea a) do n.° 3 do artigo 46.° e do n.° 3 do artigo 42.° da LAV;

ii) Falta de fundamentação da Sentença Arbitral na parte relativa ao não conhecimento da cláusula 11.4 (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vi) da alínea a) do n.° 3 do artigo 46.° e do n.° 3 do artigo 42.° da LAV;

iii) A Sentença Arbitral ofender os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (subalínea ii) da alínea b) do n.° 3 do artigo 46.° da LAV.”


    Por acórdão de fls. 1175 a acção foi julgada improcedente, dando-se por não verificada qualquer das nulidades arguidas.


2. Inconformada, vem a BB Portugal, Unipessoal, Lda. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões (em resposta ao convite a, nos termos do art. 639º, nº 3, do Código de Processo Civil, esclarecer e sintetizar as conclusões iniciais):


“1. O Acórdão recorrido não se encontra fundamentado e não é inteligível.

2. Com efeito, estando em causa a falta de fundamentação da Sentença Arbitral, o Acórdão recorrido apenas enuncia os princípios gerais sobre esta nulidade e não justifica em concreto por que considera a Sentença Arbitral fundamentada. Assim, refere que "para que ocorra a nulidade em apreço não basta que tenha havido uma justificação deficiente, ou menos convincente, antes se exigindo uma ausência total de motivação que impossibilite o conhecimento das razões que levaram à opção final" (oitavo parágrafo do ponto 2.1. do Acórdão recorrido, páginas 6-7).

4. E que "da leitura atenta do aresto posto em crise resulta que se procurou, com a argumentação doutrinária e jurisprudencial possível, convencer da bondade da solução encontrada, tomando-se em consideração os argumentos aduzidos pelas partes, aceitando-os ou infirmando-os motivadamente" (décimo primeiro parágrafo do ponto 2.1. do Acórdão recorrido, páginas 6-7).

5. Estas passagens são manifestamente insuficientes para considerar o Acórdão recorrido fundamentado e inteligível.

6. Pois o que o Acórdão recorrido deveria ter feito era fundamentar em concreto a sua decisão, demonstrando as razões concretas pelas quais considera a Sentença Arbitral fundamentada.

7. Por um lado, a Sentença Arbitral não é inteligível na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7.

8. A Sentença Arbitral não conseguiu fundamentar de forma coerente e não contraditória por que considera que o mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, resulta do ponto iii) do Aditamento aos Contratos de Subarrendamento, que altera as datas de vigência do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7 para 28 de fevereiro de 2021.

9. Mas não há qualquer fundamentação do Acórdão recorrido para justificar por que considera que a Sentença Arbitral se encontra fundamentada neste ponto.

10. Apenas se enunciam princípios gerais sobre a nulidade da falta de fundamentação, sem que o Acórdão recorrido justifique e fundamente, em concreto, por que considera a Sentença Arbitral fundamentada.

11. Ou seja, o próprio Acórdão recorrido não se encontra fundamentado, não sendo inteligível.

12. Dessa forma, o Acórdão recorrido viola a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que determina que as sentenças têm que ser inteligíveis, e viola também o n.º 1 do artigo 205.º Constituição da República Portuguesa, que determina que as sentenças têm que ser fundamentadas.

13. Até porque a Sentença Arbitral deveria ter sido anulada pelo Tribunal a quo por falta de fundamentação na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7, nos termos da subalínea vI) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º e do n.º 3 do artigo 42.º da LAV e do n.º 1 do artigo 205.° Constituição da República Portuguesa.

14. Por outro lado, a fundamentação da Sentença Arbitral na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 não existe.

15. A Sentença Arbitral entendeu não conhecer a exceção de nulidade da Cláusula 11.4. do Contrato de Subarrendamento Lote 5 deduzida pela Recorrente, então Demandada, por considerar que não era relevante para a decisão da causa.

16. A Sentença Arbitral não esclarece nem explica quais os fundamentos jurídicos que permitem sustentar as razões pelas quais a Cláusula 11.4. do Contrato de Subarrendamento Lote 7 é suficiente para abranger também o Contrato de Subarrendamento Lote 5 e assim dispensar o Tribunal Arbitral de conhecer a exceção de nulidade relativamente à cláusula penal ao Contrato de Subarrendamento Lote 5.

17. Mais uma vez, não há qualquer fundamentação do Acórdão recorrido para justificar por que considera que a Sentença Arbitral se encontra fundamentada também neste ponto.

18. Uma vez mais, apenas se enunciam princípios gerais sobre a nulidade da falta de fundamentação, sem que o Acórdão recorrido justifique e fundamente, em concreto, por que considera a Sentença Arbitral fundamentada.

19. Ou seja, novamente, o próprio Acórdão recorrido não se encontra fundamentado, não sendo inteligível.

20. Dessa forma, também neste ponto, o Acórdão recorrido viola a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que determina que as sentenças têm que ser inteligíveis e viola também o n.º 1 do artigo 205.º Constituição da República Portuguesa, que determina que as sentenças têm que ser fundamentadas.

21. Também neste ponto, a Sentença Arbitral deveria ter sido anulada pelo Tribunal da Relação de … por falta de fundamentação na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vI) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º e do n.º 3 do artigo 42.º da LAV e do n.º 1 do artigo 205.º Constituição da República Portuguesa.

22. Conclui-se que a Sentença Arbitral deveria ter sido anulada pelo Tribunal a quo por dois fundamentos: (i) falta de fundamentação na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7 e (ii) na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vI) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.° e do n.º 3 do artigo 42.º da LAV e do n.º 1 do artigo 205.° Constituição da República Portuguesa.

23. Dessa forma, o Acórdão recorrido não está fundamentado e não é inteligível, violando a alínea c) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC, que determina que as sentenças têm que ser inteligíveis, e o n.º 1 do artigo 205.° Constituição da República Portuguesa, que determina que as sentenças têm que ser fundamentadas, violando também a subalínea vI) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.°, o n.º 3 do artigo 42.° da LAV e o n.º 1 do artigo 205.° Constituição da República Portuguesa, dado que o Acórdão Recorrido deveria ter anulado a Sentença Arbitral por falta de fundamentação na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7 e na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5.”

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, sendo o acórdão recorrido revogado por violação da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.° do CPC, e a sentença arbitral anulada por falta de fundamentação, na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7 e na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vI) da alínea a) do n.º 3, do artigo 46.° e do n.º 3, do artigo 42.° da LAV e do n.º 1 do artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa.


     A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões (que apresentou a fls. 1381, como resposta às novas conclusões recursórias da Recorrente, e dando como reproduzidas as contra-alegações iniciais):

“1. Em cumprimento do douto despacho de fls., que convidou a Recorrente a esclarecer e sintetizar as conclusões do presente recurso de revista, veio esta apresentar nova versão das referidas conclusões.

2. As iniciais 115 conclusões foram reduzidas a 23.

3. A Recorrida dá aqui por inteiramente reproduzidas as contra-alegações oportunamente apresentadas.

4. No entanto, a síntese da Recorrente tornou ainda mais evidente que o presente recurso nada tem que ver com a alegada nulidade do douto Acórdão recorrido - que, de todo o modo, não se verifica - mas, tão só, com a discordância da Recorrente quanto à decisão Arbitral.

5. Decisão esta que - parece não ser demais continuar a repetir - é irrecorrível.

6. Com efeito, nas conclusões nºs 1 a 6 ora apresentadas, a Recorrente alega que o douto Acórdão recorrido padece do vício de falta de fundamentação pois, no seu entender, os argumentos do Tribunal a quo são "manifestamente insuficientes para considerar o Acórdão recorrido fundamentado e inteligível". 

7. Sucede, porém, que ao invés de alegar por que razão entende que a fundamentação do douto Acórdão recorrido é insuficiente, nas conclusões nºs 7 e 8 a Recorrente discorre sobre a alegada falta de fundamentação e sobre a ininteligibilidade da decisão Arbitral!

8. Concluindo, assim, na conclusão nº 10 que o Tribunal a quo não fundamenta por que razão entende que a decisão Arbitral foi fundamentada.

9. Ora, a argumentação da Recorrente é redundante e incoerente.

10. Com efeito, e conforme já foi alegado à saciedade, não compete, nestes autos, apreciar o mérito da decisão Arbitral, o que a Recorrente parece querer sistematicamente olvidar.

11. Acresce que, é a própria Recorrente quem transcreve, na conclusão nº 4, um excerto da fundamentação do douto Acórdão aqui posto em crise o qual é suficiente para, por si só, ficar demonstrada a improcedência da alegada falta de fundamentação.

12. Como se retira da própria conclusão nº 4 da Recorrente, entendeu o Tribunal a quo que “da leitura atenta do aresto posto em crise resulta que se procurou, com a argumentação doutrinária e jurisprudencial possível, convencer da bondade da solução encontrada, tomando-se em consideração os argumentos aduzidos pelas partes, aceitando-os ou infirmando-os motivadamente”:

13. Daqui decorre, que o Tribunal a quo analisou a decisão Arbitral e concluiu que naquela decisão foram ponderados os argumentos doutrinários e jurisprudenciais existentes para a questão então em apreciação,

14. Decorre, ainda, que os Senhores Árbitros ponderaram, igualmente, os argumentos apresentados pelas partes,

15. Após o que, o Tribunal Arbitral chegou à solução que a Recorrente pretende atacar.

16. Assim, resta concluir, como concluiu - e bem - o Tribunal a quo, que a decisão Arbitral foi devidamente fundamentada.

17. Ora, tendo o Tribunal a quo concluído - depois de demonstrar que analisou a decisão Arbitral, repete-se - que o argumento invocado pela Recorrente de que aquela não foi devidamente fundamentada não colhe, não há necessidade de, o Acórdão - aqui recorrido - explicar mais do que isso mesmo.

18. Não há necessidade nem há, sequer, como fazê-lo pois não há outra forma de fundamentar o óbvio.

19. A Recorrente pretendia - ou assim parece - que o Tribunal a quo proferisse um Acórdão extenso, explicando em muitas páginas aquilo que se explica - e explicou - num simples parágrafo,

20. O que não constitui falta de fundamentação nem sequer fundamentação deficiente.

21. De igual modo, não se verifica qualquer falta de fundamentação do douto Acórdão recorrido no que se refere à invocada nulidade da decisão Arbitral por omissão de pronúncia.

22. Com efeito, e conforme alegado oportunamente, o Tribunal Arbitral conheceu da referida excepção, no entanto decidiu que a respectiva apreciação ficou prejudicada face ao que as partes acordaram no aditamento de 2009.

23. Pelo que, quanto a esta questão, decidiu o Tribunal a quo - tal como, aliás, alegado pela ora Recorrida - que “para que ocorra a omissão de pronúncia é necessário que se silencie uma questão que o Tribunal deva conhecer, sem que esse dever implique abordar, de forma detalhada e exaustiva, todos os argumentos, juízos de valor e considerações trazidas pelas partes”,

24. O que é suficiente para concluir que o Tribunal a quo fundamentou, de forma clara e suficiente, a sua decisão quanto à nulidade invocada.

25. Por todo o exposto, o douto Acórdão recorrido não violou qualquer norma legal, não merecendo, por isso, qualquer reparo, devendo, consequentemente, ser mantido na íntegra.”


3. A questão da admissibilidade do recurso de revista de acórdão da Relação proferido em acção de anulação de sentença arbitral, na vigência do actual Código de Processo Civil, encontra-se resolvida em sentido afirmativo pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça. Nas palavras do sumário do acórdão de 10/11/2016 (proc. nº 1052/14.1TBBCL.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt:

“I. A norma constante do nº 1 do art. 671º do CPC não deve interpretar-se no sentido de pretender excluir cabalmente o exercício do duplo grau de jurisdição nas causas em que a Relação haja excepcionalmente actuado, não como tribunal de recurso, mas como órgão jurisdicional que, em 1ª instância, apreciou o objecto do litígio – como ocorre com as acções de anulação de sentença arbitral, necessariamente iniciadas perante esse Tribunal.

II. Na verdade, numa interpretação funcionalmente adequada do sistema de recursos que nos rege, não se vê razão bastante para excluir o normal exercício pelo STJ do duplo grau de jurisdição sobre decisões finais proferidas pela Relação, em acções ou procedimentos que, nos termos da lei, se devam obrigatoriamente iniciar perante elas - podendo convocar-se relevantes lugares paralelos, em que o acesso ao STJ está assegurado, relativamente a decisões finais proferidas em causas apreciadas em 1ª instância pelas Relações, como ocorre com as acções especiais de indemnização contra magistrados ou com a revisão de sentença estrangeira.

III. É, assim, admissível a revista interposta do acórdão da Relação que apreciou a referida acção anulatória - não incluindo, porém, o seu objecto qualquer reapreciação do mérito da causa, vedado aos Tribunais estaduais pelo art. 46º, nº 9, da LAV, destinando-se o recurso, apenas e estritamente, a apurar da verificação ou inverificação dos específicos fundamentos de anulação da sentença arbitral, invocados pelo autor.”


     Assim, nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir dentro dos limites que se acabam, de enunciar.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo.

Assim, no presente recurso estão em causa as seguintes questões:

- Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e por ininteligibilidade da decisão quanto à apreciação da nulidade da sentença arbitral;

- Erro de julgamento do acórdão recorrido ao não anular a sentença arbitral com fundamento em falta de fundamentação.


5. Quanto à apreciação da questão da alegada nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e por ininteligibilidade da decisão, importa ter presente o teor da respectiva fundamentação, na parte que aqui releva:


“2. A Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 (Lei n.° 63/2011, de 14 de Dezembro, Anexa, entrou em vigor três meses após a data da sua publicação (artigo 6.°). Sucedeu, e revogou, o diploma anterior (Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março).

O artigo 4.° da citada Lei n.° 63/2011, contém uma disposição de trânsito, a regular a aplicação no tempo do novo diploma.

Assim, sujeitam-se ao novo regime os processos arbitrais que, nos termos do n.° 1 do artigo 33.° (e salvo tratando-se de litígios emergentes a contratos de trabalho) se iniciem após a sua entrada em vigor (n.° 1 do artigo 4.°).

Claro que, como na arbitragem está sempre subjacente uma convenção/acordo das partes, estas podem convencionar a aplicação da nova lei aos pleitos pretéritos (n.° 2).

E se celebraram convenções de arbitragem antes da entrada em vigor do novo regime "mantêm o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos da lei anterior", "caso o processo tivesse decorrido ao abrigo deste diploma" (n.° 3). 

Ora, de acordo com o n.° 1 do artigo 33.° da Lei vigente, o processo arbitral tem início na data em que o pedido de submissão à arbitragem é recebido pelo demandado.

Aqui, o pedido de submissão à arbitragem foi formulado em 7 de Outubro de 2015 pela, então, demandante que notificou a então demandada e logo indicou o seu perito.

A demandada respondeu e, em 22 de Outubro de 2015, indicou o seu perito.

Daí que, e nos termos expostos, o processo arbitral tivesse tido início, pelo menos em 22 de Outubro de 2015, portanto sempre na vigência da nova lei.

Certo que as convenções de arbitragem foram outorgadas, como antes se disse, em 20 de Abril de 2005 e 24 de Maio de 2007.

Mas não é de aplicar o n.° 3 do artigo 4.° da Lei n.° 63/2011 por duas razões: o processo arbitral só se iniciou em 2015, portanto após a entrada em vigor do novo regime; de outra banda as convenções de arbitragem excluem expressamente os recursos, tal como ficou transcrito.

Assim, indubitável fica ser aplicável ao caso a Lei n.° 63/2011, de 14 de Dezembro.

Na Lei n.° 31/86 a sentença arbitral era, em regra, recorrível para os Tribunais, salvo renúncia explícita aos recursos pelas partes, ou renúncia implícita pela via da opção por julgamento de equidade.

No regime vigente, e perante uma sentença arbitral definitiva, o único meio de impugnação previsto é a acção da sua anulação perante os Tribunais, com base num elenco taxativo de fundamentos.

É o "favor arbitrandum", sendo que, em sede de execução os fundamentos da anulação podem, em regra, fundamentar a oposição à execução, nos termos do artigo 48.° da citada Lei n.° 63/2011.


2.1. O elenco dos fundamentos do pedido de anulação da "sentença arbitral" consta do n.° 3 do artigo 46.° daquele diploma.

Trata-se de pedido de reapreciação meramente formal, que nunca de mérito, pois este só pode ser sindicado pela via do recurso (cfr. Acórdão do STJ, de 16 de Março de 2017 - proc. n° 1052/14. 1TBBCL.P1.S1).

Os primeiros fundamentos invocados pela impetrante são a falta de fundamentação relativa a cláusulas penais dos contratos de subarrendamento, Lote 5 e 7, e o não conhecimento da cláusula penal 11.4 do contrato de subarrendamento, Lote 5.

São vícios de limite, subsumíveis ao artigo 42.°, n.° 3, da LAV.

Mas enquanto o primeiro vício assacado tem a sua matriz dogmática na alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, já o segundo encontra a sua matriz na omissão de pronúncia da alínea d) do n.° do mesmo preceito.

Desde já se adianta que não ocorrem esses motivos de anulação.

A fundamentação de uma decisão traduz-se no carrear argumentos de facto e de direito constitutivos da premissa menor do silogismo judiciário.

Mas para que ocorra a nulidade em apreço não basta que tenha havido uma justificação deficiente, ou menos convincente, antes se exigindo uma ausência total de motivação que impossibilite o conhecimento das razões que levaram à opção final.

E para que ocorra a omissão de pronúncia é necessário que se silencie uma questão que o Tribunal deva conhecer, sem que esse dever implique o abordar, de forma detalhada e exaustiva, todos os argumentos, juízos de valor e considerações trazidas pelas partes (cfr. Prof. Alberto das Reis, in "Código de Processo Civil - Anotado", V, 140; Prof. A. Varela "Manual de Processo Civil", 669).

Se a decisão contém, como é o caso, os elementos de facto e de direito, suficientes para inferir o motivo da opção final, não ocorre falta de motivação (cf., ainda, Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", 111, 246).

Da leitura atenta do aresto posto em crise resulta que se procurou, com a argumentação doutrinária e jurisprudencial possível, convencer da bondade da solução encontrada, tomando-se em consideração os argumentos aduzidos pelas partes, aceitando-os ou infirmando-os motivadamente.

Como se disse, movemo-nos no âmbito dos vícios formais que não podem confundir-se com o erro de julgamento ou resultado da decisão.

Como atrás se acenou não ocorrem os dois primeiros fundamentos (i) e (ii), já que, como ficou dito, a decisão abordou, em termos inteligíveis e consistentes "o objecto do processo, enunciando as pretensões das partes e respectivos fundamentos e especificando a matéria de facto tida por assente" (...) "significa isto que a decisão condenatória proferida - e cujo mérito não cabe sindicar nos presentes autos - se encontra suficientemente fundamentada, nos planos factual e jurídico, sendo perfeitamente perceptível o "iter" lógico jurídico que nela se seguiu" (cfr. ainda o já citado Acórdão do STJ, de 16 de Março de 2017).

Finalmente, não se mostra tocada a obrigação constitucional de fundamentar as decisões.


         Vejamos.

     Da leitura da fundamentação do acórdão recorrido resulta evidente não ocorrer qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível pelo que não se verifica a alegada nulidade prevista no art. 615º, nº 1, alínea c), do CPC.

     Quanto à alegada falta de fundamentação, segundo a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal apenas ocorre havendo uma ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não quando a fundamentação seja “meramente deficiente, medíocre ou errada” (cfr., entre muitos, o acórdão de 05/04/2016, proc. n.º 415/07.3TBMMV.C1.S1, consultável em sumários da jurisprudência cível, www.stj.pt).

       No caso dos autos, a fundamentação do acórdão recorrido, ainda que sucinta, existe e apresenta-se como suficiente. Ainda que, porventura, possa ser incorrecta, questão que corresponde afinal à questão subsidiária objecto do presente recurso.

      Por ora, resta-nos concluir pela não verificação da alegada nulidade prevista no art. 615º, nº 1, alínea b), do CPC.


5. Quanto à questão do alegado erro de julgamento do acórdão recorrido ao não anular a sentença arbitral com fundamento em falta de fundamentação, formula a Recorrente, em síntese, a seguinte conclusão: “Conclui-se que a Sentença Arbitral deveria ter sido anulada pelo Tribunal a quo por dois fundamentos: (i) falta de fundamentação na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7 e (ii) na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vI) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.° e do n.º 3 do artigo 42.º da LAV e do n.º 1 do artigo 205.° Constituição da República Portuguesa”.

 

        Importa, assim, apreciar se a sentença arbitral padece de:

- Falta de fundamentação na parte relativa à interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7;

- Falta de fundamentação na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vI).


       Está aqui em causa a possibilidade de anulação de sentença arbitral por falta de fundamentação, prevista no art. 46º, nº 3, alínea a), vi), conjugado com o art. 42º, nº 3, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei nº 63/2001, de 14 de Dezembro (regime idêntico ao do art. 27º, nº 1, alínea d), conjugado com o art. 23º, nº 3, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto).

         Vejamos.

Percorrida a fundamentação do acórdão arbitral (de fls. 874 a 962) que a Recorrente pretende anular, constata-se que nele se conhece da interpretação e aplicação aos factos das cláusulas 11.4 do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7 nas fls. 921-931 e 933-944 dos presentes autos (correspondentes, respectivamente, às págs. 96-115 e 119-142 do acórdão arbitral). Em tais páginas o tribunal arbitral apreciou, em termos lógicos, claros e consistentes, a dita questão da interpretação das Cláusulas 11.4. (cláusulas penais) do Contrato de Subarrendamento Lote 5 e do Contrato de Subarrendamento Lote 7, pelo que não ocorre o alegado vício de falta de fundamentação.


Quanto ao que a Recorrente qualifica, autonomizando-a da questão anterior, como sendo “Falta de fundamentação na parte relativa ao não conhecimento da nulidade da Cláusula 11.4. (cláusula penal) do Contrato de Subarrendamento Lote 5, nos termos da subalínea vI)”, analisado o acórdão arbitral, constata-se que, a fls. 931-933 (correspondentes às págs. 115-119 da decisão) e sob a epígrafe “Exceção de nulidade da cláusula 11.4, por violação de normas imperativas do regime do arrendamento urbano”, se enunciou a questão da alegada nulidade da dita cláusula 11.4 do Contrato de Subarrendamento Lote 5, começando por apreciar, em termos lógicos, claros e consistentes, da relevância da resolução da mesma questão para a decisão da causa, concluindo-se (a fls. 933, correspondente à pág. 119 do acórdão arbitral) pela sua irrelevância. Trata-se, por isso, de questão que fica prejudicada pela solução de questão anterior.

Tanto basta para considerar não padecer o acórdão arbitral, também nesta parte, do alegado vício de falta de fundamentação.

Assim sendo, conclui-se não se verificar erro de julgamento do acórdão recorrido ao decidir não padecer a sentença arbitral de falta de fundamentação.


6. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 27 de Setembro de 2018


Maria da Graça Trigo (Relatora)


Maria Rosa Tching


Rosa Maria Ribeiro Coelho