Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
34/11.0TBMTR.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: ENERGIA EÓLICA
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
ESPAÇO AÉREO
OCUPAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PARCIALMENTE CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
-Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2014, p. 118;
-Baptista Machado, A Cláusula do razoável, RLJ, 119.º, p. 162;
-Manuel de Andrade, Teoria da Relação Jurídica, volume II, 1983, p. 326;
-Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, volume II, p. 906;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, p. 67;
-Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5.ª edição, p. 178, 179 e 185;
-Vaz Serra, RLJ, 103.º, p. 213-4.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, E 639.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-02-2013, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Prevendo o contrato de cessão de exploração de terrenos baldios, para fins de instalação de sistemas de produção de energia eólica, que “compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação”, deve nele incluir-se a utilização, quer do solo (e subsolo), quer do espaço aéreo – neste, em função do sobrevoo das hélices dos aerogeradores.

II - Dado o mencionado em I, os aerogeradores edificados pela ré, recorrida (quatro, de um total de seis), embora implantados em propriedade vizinha, ocupam, o espaço aéreo do autor, recorrente.

III - Tal ocupação determinou a restrição da utilização dos terrenos, numa dada extensão, deles deixando o seu proprietário, autor/recorrente, de usufruir e de tirar rendimentos, justificando-se uma contrapartida.

IV - O equilíbrio contratual revela como adequada a contrapartida devida pela ocupação produtiva do espaço aéreo do autor, por cada um dos quatro aerogeradores em causa, quando calculada em razão da percentagem utilizada da respetiva área de ação.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. O Conselho Diretivo dos Baldios de ... intentou ação contra AA, S.A., pedindo a condenação desta  a (i) reconhecer que ocupa espaço aéreo do autor com a implantação de seis torres destinadas a produção de energia eólica; (ii) pagar uma indemnização anual ao autor pela ocupação desse espaço, na proporção de 3.740,00 Euros por cada torre, para além de juros moratórios; (iii) pagar uma indemnização ao autor de 10.000,00 Euros, para ressarcimento dos prejuízos sofridos por esta pela não fruição plena dos seus terrenos.

Fundamentou a sua pretensão alegando ter celebrado com BB um contrato de cessão de exploração dos Baldios de ..., por força do qual o segundo pagaria por cada torre e como contrapartida da ocupação do solo, um valor de 2.500,00 Euros até estar concluído o estudo e licenciamento do parque e o valor de 3.740,00 Euros, a partir daí; em 15.03.2006, tomou conhecimento que o referido BB cedeu a sua posição contratual à Ré, tendo esta iniciado a construção de um parque eólico, com a instalação de seis ventoinhas, sendo que apenas tem vindo a pagar a indemnização relativa a uma das ventoinhas.

Mais alegou que no contrato celebrado com BB, apenas se cedia o direito de servidão para passagem de pessoas, máquinas, linhas elétricas e meios de ligação, já não uma servidão para ocupação do espaço aéreo pelas hélices das torres.

A CC, S.A. requereu a sua intervenção principal espontânea, com fundamento em que a Ré lhe cedeu a sua posição contratual no contrato debatido nos autos, intervenção essa que veio a ser admitida.

A interveniente deduziu contestação, por exceção e por impugnação.

A Ré manifestou a sua adesão ao requerimento da Interveniente.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu (i) condenar a interveniente CC, S.A. (i.i) a reconhecer que ocupa o espaço aéreo dos AA., com a implantação de 5 torres destinadas a produção de energia eólica e (i.ii) a pagar a estes uma quantia anual de 3.740,00 Euros por cada uma das cinco torres aerogeradoras que ocupam o espaço aéreo dos seus terrenos, num total anual de 18.700,00 Euros; (ii) absolver a mesma interveniente dos demais pedidos dos AA. e (iii) absolvendo a Ré AA dos pedidos formulados pelos AA.»

2. Apelou a interveniente.

Proferido acórdão pela Relação, julgando procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo a interveniente Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.

3. O Autor pede, agora, revista.

Formula, a final da alegação, as seguintes conclusões.

«1. Por acórdão datado de 2 de fevereiro de 2017, foi decidido pelo tribunal a quo, o Tribunal da Relação de Guimarães, julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se agora absolver a ré integralmente dos pedidos formulados pelo autor;

2. Entende o Tribunal da Relação de Guimarães, que as "utilidades" proporcionadas pelas servidões prediais são prespetivadas em função dos proveitos que trazem ao prédio dominante, e não em função da pessoa/entidade que em cada momento seja o seu proprietário. Pese embora este posso disfrutar da "utilidade" proporcionada, a trave mestra da servidão implica sempre que o proveito é constituído de forma imediata ao prédio e só de forma mediata ao seu proprietário;

3. Entende também que num contrato de cessão de exploração de terrenos baldios cuja finalidade é a “implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação", sabendo-se que os aerogeradores são constituídos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas pelas ditas hélices, também elas com vários metros, não pode deixar de se concluir que no âmbito do contrato também está incluído o espaço aéreo correspondente aos terrenos;

4. Entende ainda que, perante a necessidade de integração de lacunas contratuais, opera-se com a vontade hipotética ou conjetural das partes, sem deixar de atender ao equilibro contratual e às regras de boa fé (artigo 239.° do C.C.), mas sempre com o limite do domínio negocial traçado pelas partes, e que os limites impostos pelo n.° 2 do artigo 1344.° do C.C. à plena in re potestas em termos de espaço aéreo (o proprietário não pode proibir os atos de terceiro que, pela altura a que tenham lugar, não haja interesse em impedir) devem ser avaliados tendo como referente a função social exercida pelo direito de propriedade e a ponderação dos interesses que estiveram em conflito;

5. Tendo-se demonstrado que o aerogerador n.° 4 apenas ocupa os terrenos dos Baldios de ..., restava apurar se é devida "indemnização" ao Autor pela ocupação do espaço aéreo das ventoinhas dos outros quatro aerogeradores;

6. Nos termos do contrato apenas se prevê que, uma vez construído o parque eólico, a contraprestação da ré será o pagamento de € 3.740,00 por cada torre instalada (cláusula 4.ª);

7. Por outro lado, resulta da cláusula 2.ª do contrato que a finalidade do mesmo era a “implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação", não estando aqui incluída a exploração do espaço aéreo;

8. Entende erradamente o tribunal a quo quando conclui que as regras da boa fé não permitem que a ré seja condenada ao pretendido pagamento no âmbito do cumprimento das obrigações, já que nenhuma das obrigações assumidas se mostra incumprida, nem a integração da declaração negocial permite concluir pela obrigação de pagamento nos termos pretendido pelo autor;

9. Como resultou provado em sede de primeira instância, a 6 de abril de 2009, a ré AA celebrou um contrato com a interveniente CC, S.A., que denominaram de "cessão de posição contratual (parque eólico de Montalegre)", contrato esse do qual fazem parte integrante os contratos efetivamente cedidos à aqui ré;

10. Com base na predita cessão da posição contratual, a ré não apresentou contestação no prazo legalmente estabelecido para o efeito, tendo sido suscitado incidente de intervenção principal espontânea da CC, no qual se alega tal cessão, sendo este o argumento principal em que se escusou esta ultima na sua defesa diante do presente processo;

11. Analisando os documentos juntos com o incidente de intervenção/contestação apresentado, nomeadamente o Anexo I do Documento n.° 1, verificamos que a cessão, base alegada com vista a uma eventual ilegitimidade passiva da ré - que não logrou sucesso -, abrange somente os contratos de cessão de exploração de ..., e não o contrato relativo a ...;

12. Uma vez que a cessão de posição contratual não operou quanto aos contratos de ..., deveria a ré contestado no prazo legal, o que não fez, pelo que nos termos do disposto nos artigos 566.° e 567,° do Código de Processo Civil, se consideram confessados os fatos articulados pela autora;

13. Deveremos atentar no disposto no artigo 574.° do Código de Processo Civil, com a epígrafe "ónus de impugnação", de acordo com o qual "ao contestar, deve o Réu tomar posição definida perante os fatos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor";

14. Verifica-se estarmos diante de uma errónea interpretação da lei processual civil, nomeadamente no que concerne aos seus artigos 566.° e 567.°, o que aqui expressamente se invoca, pelo que deveria terem sido julgados todos os factos articulados pelo autor porque não contestados pela ré;

15. De acordo com o disposto no artigo 1305.° do Código Civil, "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com a observância das restrições por ela impostas";

16. O n.° 1 do artigo 1344.° do Código Civil estipula que "a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou por negócio jurídico", acrescentando o seu n.° 2 que "o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir";

17. Embora do contrato celebrado pelas partes não se possa ver estabelecido nada em concreto relativamente ao espaço aéreo ocupado, se deve fazer aqui a interpretação das suas declarações;

18. O acórdão proferido pelo tribunal a quo baseia o seu entendimento no disposto no artigo 239.° do Código Civil. Todavia, somos do entendimento de que, e no seguimento do explanada em sede de decisão de primeira instância, em primeira linha nos devemos socorrer aqui de artigo 236.° do mesmo diploma legal;

19. Considerando, por um lado, o que será o fito negocial em jogo, concluir-se-á que, por aquele negócio jurídico (contrato de cessão de exploração inicial), o autor dispôs a favor do segundo outorgante (e subsequentemente da ré e da terceira interveniente) do seu direito de fruição dos seus terrenos, para efeitos de implantação dos sistemas de produção de energia eólica, cedendo, dessa forma, os direitos de exploração do solo, subsolo e espaço aéreo para efeitos de implantação de todas as estruturas necessárias à exploração da energia eólica;

20. Dessa forma, as declarações negociais que os outorgantes dos aludidos contratos aí emitiram pressupõem que ambos estarão de acordo que as referidas infraestruturas, efetivamente, para realizarem o seu fim, têm necessidade de ocupar espaço aéreo dos terrenos afetados pelo seu raio de ação;

21. Se não estivessem tais terrenos ocupados, teriam como destino o comércio dos seus frutos, matos, árvores, a pastagem e o usufruto dos compartes;

22. Parece-nos, e salvo o devido respeito, ser também neste sentido que se deve fazer a integração de lacuna por aplicação do disposto no artigo 239.° do Código Civil, na medida em que a ocupação do espaço aéreo se mostra equivalente a uma eventual implantação no que concerne à impossibilidade de fruição da propriedade;

23. Nos diz também o tribunal a quo, face aos termos da ação, afigura-se-nos suficientemente claro que o Autor se sente prejudicado, mormente ao olhar para a situação do vizinho Baldios de ..., onde a Ré implantou as outras 5 torres, recebendo o correspondente preço (€ 3.740,00 cada), sendo que as hélices/ventoinhas de 4 delas ocupam parcialmente o espaço aéreo do Autor sem qualquer contrapartida;

24. Porém, há que atentar no equilíbrio contratual e perspetivar também a posição da ré;

25. Nunca se deverá fazer uma interpretação e integração de tal forma, lhes assistindo plenamente o direito do autor, ora recorrente, a que a ré e a terceira interveniente reconheçam que esta última (a CC, S.A.) ocupa o espaço aéreo dos Baldios de ... com a implantação de cinco torres (os aerogeradores n.°s 1,2,3,5 e 6) destinados à produção de energia eólica;

26. Assim se fazendo esta interpretação, ficam arredadas todas e quaisquer considerações acerca da relação íntima entre o fundamento do direito real e a sua função social, da qual surgem aquilo que se poderão denominar de limitações sociais à propriedade";

27. Como todos os direitos, também o direito de propriedade não poderá ser exercido de forma abusiva, se impondo uma consideração funcional ou finalística do direito de propriedade;

28. Não obsta o autor, ora recorrente, à utilização do espaço aéreo das suas propriedades pela ré e pela terceira interveniente, não contrariando, por isso, interesses sociais relevantes, apenas pretendendo o justo ressarcimento pela não fruição dos terrenos a que tal ocupação de espaço aéreo obriga.»

Contra-alegou a Ré, defendendo a inadmissibilidade do recurso no segmento coberto pela decisão da 1ª instância, na parte, já transitada, que absolveu a Ré AA e pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

Afirma, designadamente (conclusões nº 10 e 11 da contra-alegação):

«10. No contrato celebrado entre as partes, estava incluída a cedência do espaço aéreo, na medida em que, as partes contratantes sabiam que se pretendia a construção de um parque eólico, sendo este constituído por aerogeradores, os quais são compostos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas por hélices, também elas com vários metros.

11. A contrapartida devida pela implantação de uma torre (aerogerador n.° 1), corresponde à totalidade da obrigação da Recorrida para com a Recorrente, em termos de pagamento de contrapartida, exatamente por a exploração do espaço aéreo já estar incluída no contrato dos autos e as partes nada terem previsto quanto a esta exploração sem implantação de torre, em termos de contrapartida.»

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II


5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação do A., ora Recorrente, para efeitos de delimitação do objeto do recurso (CPC, arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2).

5.1. O Recorrente, nas conclusões 9 a 14, suscita a questão da inexistência de cessão de posição contratual por parte da AA para a CC, S.A., no que respeita aos contratos do ..., pelo que, não tendo aquela deduzido impugnação, deveriam todos os factos articulados pelo autor sido dados como provados.

Trata-se de questão não anteriormente suscitada no recurso para a Relação; questão resolvida na sentença da 1ª instância, na parte a ela respeitante, transitada em julgado.

Questão, pois, de que se não poderá conhecer no presente recurso.

5.2. Importa, deste modo, decidir no presente recurso se (i) a interveniente R. ocupa o espaço aéreo do A. com implantação de cinco torres – os  aerogeradores nºs. 1, 2, 3, 5 e 6 – destinados à produção de energia eólica e (ii) a verificar-se tal ocupação, deve o A. receber da mesma R. algum pagamento, em contrapartida, e em que termos.

6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):
«1. Todas as terras que vão do ... até ao .... são terrenos que integram os Baldios de ... e que têm vindo a ser administrados pela comunidade de ..., há mais de 30 anos.

2. Consta da acta n.º 4, de 25 de Março de 2002, da reunião celebrada entre os Presidentes das Juntas de Freguesia de ..., ... e de ... e as “comissões de compartes” de .... e de ... que:

… todos juntos acordamos a divisão dos Baldios destas Freguesias: Denominação das divisões: É da ..., à possa grande, em linha recta pelas ..., até ao marco Geodézico, depois pelas águas vertentes pelo alto fora, até à partilha com...; pelos mesmos ficou acordada esta divisória…”.

3. Estes terrenos são locais privilegiados para a construção de ventoinhas para aproveitamento de energia eólica.

4. A 21 de Agosto de 2005, o Conselho Directivo dos Baldios de ... celebrou um acordo com BB, que denominaram de “contrato de cessão de exploração”, onde consta, além do mais, que:
                “(…)
Segunda: Pelo presente contrato o primeiro outorgante concede ao segundo, e este aceita, a exploração dos terrenos baldios de ... no seu todo, para fins de implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação.
(…) 
Quarta: Como contrapartida da cessão, o segundo outorgante paga ao primeiro, na sua sede, os seguintes valores:
- 2.500,00 € por ano até estar concluído o estudo e licenciamento completo do parque de produção e instalação as duas primeiras torres.
- A partir daí, o segundo outorgante pagará a quantia de 3 740,00 € anuais por torre instalada.
Quinta: Os valores atrás referidos são actualizados anualmente a requerimento do primeiro outorgante de acordo com o índice da inflação anual calculado pelo Instituto Nacional de Estatísticas para o ano a que disser respeito.
(…)
Sétima: O número de torres a instalar fica dependente da aprovação de projecto a apresentar às autoridades competentes, sendo da responsabilidade do segundo outorgante as despesas de licenciamento e instalação do sistema de produção.
Oitava: As lenhas e madeiras que venham a ser cortadas para implantar a exploração, são entregues ao primeiro outorgante que indicará um local próximo onde serão depositadas.
(…)
Décima segunda: A presente cessão é feita sem prejuízo de os compartes manterem para si a exploração e fruição do baldio, a título pessoal e gratuito, designadamente de apascentação de gados, recolha de lenhas, mato e qualquer outra fruição de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola. As fruições previstas na cláusula anterior deverão ser exercidas sem prejudicar a normal exploração de produção e transporte de energia, nomeadamente com o cuidado de não permitir movimentos de gados e de não deixar crescer árvores, plantações ou outras explorações florestais que prejudiquem o normal funcionamento do parque a instalar bem como prejudiquem ou alterem o normal percurso dos ventos, ou que afectem os aerogeradores, instalações, postes, linhas de transporte de energia ou  quaisquer outras actividades que de qualquer modo possam afectar, reduzir ou impedir a normal exploração por parte do primeiro outorgante. O exercício destes direitos por terceiros, fica, no entanto, dependente de autorização do segundo outorgante.
(…)
Décima sétima: O segundo outorgante poderá associar-se a terceiros nesta exploração, bem como ceder a sua posição contratual a terceiros, podendo igualmente subarrendar no todo ou em parte os terrenos objecto do presente contrato, actos para o qual o primeiro outorgante dá desde já consentimento irrevogável. (…)”.

5. A 18 de Novembro de 2005, BB celebrou um acordo com a ré AA, que denominaram de “contrato de cessão de posição contratual”, onde consta, além do mais, que:
“(…)
… O Primeiro Outorgante celebrou em 21 de Agosto de 2005 (…) um contrato de cessão de exploração de baldios, cujo original se junta como Anexo I (…)
(…)
Cláusula 1.ª
Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante cede à Segunda Outorgante que aceita, a sua posição no contrato.
(…)”.

6. Corria o dia 15 de Março de 2006, quando o autor tomou conhecimento que BB cedera, em 18 de Novembro de 2005, a sua posição, no acordo celebrado consigo, à aqui ré AA.

                7. A 6 de Abril de 2009, a ré AA celebrou um acordo com a interveniente CC, S.A., que denominaram de “cessão da posição contratual (parque eólico de Montalegre)”, onde consta, além do mais, que:
“(…)
Cláusula 1.º
Pelo presente contrato, a Cedente cede à ... a posição contratual emergente dos Contratos Cedidos.
Cláusula 2.º
A cessão da posição contratual abrange todos os direitos e deveres que resultavam dos Contratos Cedidos para a Cedente relativamente aos terrenos que são objecto de cessão, aceitando desde já a SPV todo o cláusulado dos mesmos, que declara conhecer. (…)”.

8. Na carta dirigida pelo gestor de projectos ... ao Presidente do Conselho Directivo dos Baldios de ..., datada de 12 de Abril de 2009, com o assunto “Parque Eólico de ... / Início de Construção”, consta que:
“(…)
Vem a CC, S.A. (…) informar V. Exa. que assumiu a posição contratual de Exploração dos Baldios do Conselho Directivo por V. Exa. Presidido.
Ainda pela presente carta e no âmbito do Processo de Avaliação de Impactes Ambientais do Parque Eólico de ..., incumbiu-nos a Agência Portuguesa do Ambiente na respectiva Declaração de Impacte Ambiental, de informar do início de construção e respectiva calendarização das obras de construção do Parque Eólico de .... (…)”.

9. A partir desta comunicação, a CC, S.A. iniciou os trabalhos necessários à construção de um parque eólico com 6 ventoinhas.

10. O aerogerador n.º 1 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 5281 m2 do raio de acção do aerogerador.

11. O aerogerador n.º 2 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 625 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 12% do raio de acção do aerogerador.

12. O aerogerador n.º 3 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 995 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 19% do raio de acção do aerogerador.

13. O aerogerador n.º 4 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 5281 m2 destes terrenos.

14. O aerogerador n.º 5 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 975 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 18% do raio de acção do aerogerador.

15. O aerogerador n.º 6 encontra-se implantado nos terrenos dos Baldios de ..., ocupando um espaço aéreo de 1181 m2 dos terrenos baldios de ..., correspondente a 22% do raio de acção do aerogerador.

16. A CC, S.A. vem pagando, anualmente, ao autor a quantia devida relativamente ao aerogerador n.º 1.

17. Se a CC, S.A. não estivesse a ocupar estes terrenos, tais teriam como destino o comércio dos seus frutos, matos, árvores, a pastagem e o usufruto dos compartes.

18. A CC, S.A. tem obrigado o autor a respeitar distâncias e a não fazer plantações próximas das torres.»

7. Examinando as questões que importa decidir (supra, 5.2).

7.1. Dos seis aerogeradores que constituem o Parque Eólico de ...e, um encontra-se implantado nos terrenos do A. – o aerogerador nº 1 (ponto 10 da matéria de facto) – e os outros cinco nos Baldios de ...; desses outros estão aqui em causa os aerogeradores nºs. 2, 3, 5 e 6, os quais, em diferentes proporções, ocupam o espaço aéreo dos terrenos do A. (pontos 11, 12, 14 e 15 da matéria de facto).

7.1.1. Estabelece o nº 1 do art. 1344º do CC que «a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, (…)».

Espaço aéreo esse sujeito a uma reserva de soberania, nos termos da alínea  b) do n.º 1 do art. 84.º da Constituição: «As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário».

Precisa-se na alínea f) do DL 477/80, de 15 de Outubro, que integram o domínio público do Estado «As camadas aéreas superiores aos terrenos e às águas do domínio público, bem como as situadas sobre qualquer imóvel do domínio privado para além dos limites fixados na lei em benefício do proprietário do solo».

Na ausência da prevista fixação legal, tem a doutrina procurado dimensionar tais limites.

Assim, «Marcello Caetano [Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 906] sustenta que integra o domínio público o espaço aéreo a partir do qual o proprietário já não tem interesse legítimo em impedir actos de terceiro. Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, pág. 67] considera que o domínio público aéreo começa para lá da altitude onde o proprietário já não alcança (…). Oliveira Ascensão [Direito Civil, Reais, 5.ª edição, págs. 178/9 e 185] entende que o critério dominante da extensão dos limites em altura dos direitos incidentes sobre imóveis reside no interesse prático influenciado pela consagração do princípio da função social: são inaceitáveis “poderes de expansão” do direito a outras zonas que não correspondam a qualquer interesse efectivo do respectivo titular (…)» (ASTJ, de 14.2.2013, publicado em www.dgsi.pt).

Tendo igualmente por subjacente a função social da propriedade, dispõe o nº 2  do mesmo art. 1344º (reproduzindo, conforme anotação ao preceito de Pires de Lima e Antunes Varela, a doutrina da parte final do parágrafo 905º do Código alemão e o segundo parágrafo do art. 840º do Código italiano de 1942) que «O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura (…) a que têm lugar, não haja interesse em impedir».

7.1.2. É ao espaço aéreo dominial do A. que os citados pontos 10, 11, 12, 14 e 15 factualmente se referem, não se podendo, com razoabilidade, pretender que os aerogeradores operariam nas camadas aéreas superiores, objeto do domínio público do Estado.

Em vista do objeto do contrato, tal como definido na cláusula segunda (ponto 4 da matéria de facto), ter-se-á por necessariamente compreendida a utilização, quer do solo (e subsolo), quer do espaço aéreo, neste em função do sobrevoo das hélices dos aerogeradores.

Observa-se, justamente, no acórdão da Relação: «sabendo-se que um parque eólico é constituído por aerogeradores, os quais são compostos por torres implantadas no solo, com vários metros de altura, encimadas pelas ditas hélices, também elas com vários metros, não pode deixar de se concluir que no contrato celebrado também estava incluído o espaço aéreo correspondente aos terrenos da Autora».

Mesmo nos casos de servidão administrativa de linhas de transporte de eletricidade (aí incluídas as de alta tensão, de mais elevada altura), dispõe o art.37º do DL 43335, de 19 de Novembro de 1960, preceito ainda atualmente vigente, que «Os proprietários dos terenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas».

7.1.3. Conclui-se, tal como decidido em 1ª instância, que a R., ora Recorrida, com a edificação dos aerogeradores nºs. 2, 3, 5 e 6, embora implantados em propriedade vizinha, passou a ocupar o espaço aéreo do A.

7.2. Confirmada a ocupação do espaço aéreo do A. com a edificação daquelas quatro torres nos terrenos vizinhos, importa decidir se ao A. é devido algum pagamento, em contrapartida, por parte da R., e em que termos [supra, 5.2.(ii)].

7.2.1. Questão a ser examinada e decidida no quadro contratualmente estabelecido entre as partes – ambas as partes convergem no entendimento da licitude, por via do contrato, da ocupação do espaço aéreo pelas torres em causa (conclusões nº 28 da alegação do A. e nº 10 da contra-alegação da R.).

O A. «apenas pretendendo o justo ressarcimento pela não fruição dos terrenos a que tal ocupação de espaço aéreo obriga» (conclusão nº 28, cit.).

A ocupação parcial de espaço aéreo do A., sem a implantação da torre do aerogerador nos terrenos da mesma – como justamente se observa no acórdão da Relação –, integra situação não prevista no contrato.

Situação diferentemente resolvida pelas instâncias,
· A 1ª instância, centrando-se na interpretação da cláusula 4ª do contrato, com apelo aos arts. 236º e ss. do CC e à teoria objectivista da impressão do destinatário, entendeu que «para cumprimento da dita obrigação do pagamento do preço no âmbito do contrato de cessão de exploração, deve a chamada CC, S.A. pagar ao autor, anualmente, a quantia de 3.740,00 Euros (três mil setecentos e quarenta Euros) por cada uma das cinco torres aerogeradoras que ocupam os terrenos dos Baldios de ..., isto é, pela ocupação do espaço aéreo pelos aerogeradores n.ºs 1, 2, 3, 5 e 6), num total anual de 18.700,00 Euros (€3.740,00 x 5 aerogeradores» – ou seja, determinou-se exclusivamente pela ocupação do espaço aéreo do A. consequente à edificação da torre do aerogerador nela implicada, irrelevando o facto de a mesma torre ter sido implantada em terrenos de terceiro (terrenos contíguos, pertencentes aos Baldios de ...).

· A Relação considerando que «Se a exploração do espaço aéreo estava incluída no contrato e se as partes apenas previram contrapartida de pagamento em função do número de torres implantadas, deve concluir-se que, tendo a Ré apenas lá instalado uma torre (aerogerador nº 1), apenas por essa terá de pagar, estando a utilização do restante espaço aéreo de todos os terrenos dos Baldios de Sacozelo incluído nesse pagamento».

7.2.2. Rege-se a interpretação e integração dos contratos, como já observado nas instâncias, pelo disposto nos arts. 236º a 239º do CC.

Interessa particularmente à resolução do caso o disposto no art. 239º do CC.

Em vista da aplicação do regime definido naquele preceito, escreve-se no acórdão da Relação: «Quanto à vontade hipotética ou conjetural das partes, nenhum facto indiciador foi alegado (e, pour cause, nada foi provado) que nos permita ilacionar como teriam elas acordado se tivessem previsto essa situação».

Não tendo a atividade integrativa desenvolvida pelas instâncias sido viabilizada através da indagação da vontade hipotética ou conjetural das partes – matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, conforme jurisprudência reiterada deste tribunal (diferentemente, alguns arestos, no sentido de que a vontade hipotética deve ser entendida, não como uma vontade psicológica, mas como um critério normativo, isto é, um critério de razoabilidade e de boa fé, apoiando-se no ensinamento doutrinário de Baptista Machado, A Cláusula do razoável, in RLJ, 119.º, pág. 162; anteriormente, Vaz Serra, revista cit., 103º, pp. 213/4) –, os diferentes resultados pelas mesmas obtidos integram claramente matéria de direito, nestes termos sindicável no presente recurso de revista.

7.2.3. Ressalvando o citado art. 239º do CC, na sua abertura, a existência de «disposição especial», cabe em primeiro lugar cuidar da eventual aplicação supletiva ao caso, e em razão da função social da propriedade, da norma contida no nº 2 do art. 1344º do mesmo código (supra, 7.1.1 e 7.1.2).

Procedendo-se à interpretação da cláusula 13ª do contrato, concluiu-se, a final, no acórdão da Relação: «Daqui resulta a inexistência de dano ou prejuízo; nos termos contratuais, compartes podem continuar a usufruir das finalidades normais dos terrenos — apascentar os gados, recolha de lenhas, mato e qualquer outra fruição de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola — e não se provou que a Ré tenha impedido tal utilização. O facto de a Ré ter vindo a obrigar a respeitar distâncias e a não fazer plantações próximas das torres, à míngua de outros dados de facto, tem de ser considerado como o exercício de um direito que lhe foi concedido pela cláusula 12ª do contrato».

Não está em causa, em vista do contrato celebrado, a licitude dessa ocupação de espaço aéreo (supra, 7.2.1).

Mas importa assinalar, afastando-se a aplicação supletiva da norma, que a ocupação do espaço aéreo do A., em razão da edificação de quatro torres nos terrenos vizinhos, pertencentes aos Baldios de ..., igualmente determinou a restrição da utilização dos seus próprios terrenos, em uma dada extensão, deles deixando de usufruir e de tirar rendimentos (factos nºs. 17 e 18).

7.2.3. A Relação entendeu não ser devida, em razão do contrato, qualquer contrapartida (além da que tem vindo a ser paga, calculada em razão da única torre implantada nos terrenos do A.), com a seguinte motivação:

«(…) afigura-se-nos suficientemente claro que o Autor se sente prejudicado, mormente ao olhar para a situação do vizinho Baldios do ..., onde a Ré implantou as outras 5 torres, recebendo o correspondente preço (€ 3.740,00 cada), sendo que as hélices/ventoinhas de 4 delas ocupam parcialmente o espaço aéreo do Autor sem qualquer contrapartida.

Porém, há que atentar no equilíbrio contratual e perspetivar também a posição da Ré.

Como já se disse, resulta dos autos que ela está a pagar idêntico preço por cada uma das torres implantadas nos terrenos do vizinho Baldios do ..., o que implicaria um desequilíbrio contratual obrigá-la agora a pagar qualquer acréscimo pela ocupação parcial do espaço aéreo que, resulta do contrato, lhe tinha sido cedido na totalidade.

Para além de que, a integração judicial da declaração negocial tem um limite: «(…) nunca substituindo-se ou alargando-se o objecto negocial – digamos – do negócio questionado (a coisa vendida, o serviço a prestar, etc.). a integração tem de manter-se, portanto, num certo sentido, dentro do domínio negocial traçado pelas partes» [Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Coimbra, 1983, pág. 326].

O contrato foi celebrado em 2005, e desde logo o Autor passou a receber € 2.500,00/ano, pelo menos até 2009, ano do início da construção do parque eólico, sem que ainda existissem as torres aqui em causa (factos 3 e sua cláusula 4ª, 8 e 9).

Em termos de rentabilidade do negócio, também nenhuma expectativa juridicamente relevante foi criada ao Autor em termos do número de torres que iriam ser implantadas, pois tudo ficou dependente do projeto que viesse a ser aprovado (cláusula 7ª do contrato).

No caso em concreto, afira-se-nos que o equilíbrio contratual terá de passar por uma renegociação tripartida do contrato, Autor/Ré e Baldios de ... [… ]

Tudo visto, consideramos que as regras da boa fé não permitem que a Ré seja condenada ao pretendido pagamento no âmbito do cumprimento das obrigações, já que nenhuma das obrigações assumidas se mostra incumprida, nem a integração da declaração negocial permite concluir pela obrigação de pagamento nos termos pretendidos pelo Autor».

7.2.4. Visa a integração alcançar uma regulamentação, que se mostra necessária, relativa a situação não prevista pelas partes, confrontando-se com a existência de uma lacuna no contrato (lacuna de insuficiente regulamentação), que é preciso preencher.

Transversal a todo o ordenamento jurídico, designadamente nas «fases vitais do negócio jurídico e da relação obrigacional – formação, integração e execução –, (…) se exterioriza a regra da boa fé» (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2014, pág. 118).

Regra estabelecida, relativamente à integração do negócio jurídico, no art. 239º do CC, aqui em causa; também, «no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé» (art. 762º, nº 2 do CC).

No prosseguimento da apontada regra diretora, deve, na linha evocada pelo acórdão da Relação, considerar-se o equilíbrio do compromisso contratual, as posições e interesses legítimos aí manifestado pelas partes, a sua satisfação recíproca.

7.2.5. O contrato, conforme consta da cláusula 2ª, tinha por objeto a cedência dos terrenos para exploração «para fins de implantação de sistemas de produção de energia eólica, que compreende todo o conjunto de aerogeradores, estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação».

A contrapartida ficou nomeada na cláusula 4ª, vindo a respetiva fórmula de cálculo estabelecida com referência apenas a cada «torre instalada», pela qual seria paga a quantia anual de €3.740.

A instalação (instalação funcional) de torre de aerogeradores, como objetivo final na economia do sistema de produção de energia que uma das partes aí pretendia implantar, referenciava, cada uma per si, útil e simplificadamente, a contrapartida devida à outra, que, enquanto proprietária dos terrenos, possibilitava a pretendida exploração.

Sendo a cedência do espaço aéreo (ocupado pelo sobrevoo das hélices dos aerogeradores) essencial ao projeto económico em causa, foi ela aglutinada em cálculo único, com referência às torres que sustentariam os aerogeradores, naturalmente supondo-se a identidade dominial de ambos (quanto ao solo e quanto ao espaço aéreo).

Diferente entendimento, na economia do contrato, careceria de lógica e de razoabilidade: de lógica, no que respeita ao dono dos solos onde a torre foi instalada, pois não se pode pretender que o mesmo ceda uma coisa de que não dispõe; de razoabilidade, relativamente ao dono do espaço aéreo, reportando-se a contrapartida recebida apenas ao ocupado pelo aerogerador aí instalado.

É o próprio equilíbrio contratual que impõe que, na percentagem em que o dono do espaço aéreo contribui para o resultado final do funcionamento dos aerogeradores pretendido pela outra parte (concomitantemente se verificando, quanto àquele, conforme acima referido, a restrição da utilização dos seus próprios terrenos, em uma dada extensão, deles deixando de usufruir e de tirar rendimentos – factos nºs. 17 e 18), receba desta uma contrapartida.

Equilíbrio endogenamente aferido nos termos do próprio contrato aqui em causa – e não ponderado no quadro global de demais contratos, com o mesmo objeto e de idêntico teor, celebrados entre o produtor de energia e terceiros, não objeto da presente ação, ou de outra a esta apensa.

Está-se, obviamente, dentro do domínio negocial traçado pelas partes (Manuel de Andrade, passo citado, ao alertar para os apontados limites, reporta-se, em primeira linha, aos problemas da redução e conversão dos negócios jurídicos).

7.2.6. Mostrando-se devida, no prosseguimento do preenchimento da lacuna de insuficiente regulamentação detetada no contrato dos autos, nos termos do art. 239º do CC (supra, 7.2.4 e 7.2.5), a contrapartida ao A. pela ocupação do seu espaço aéreo dos aerogeradores nºs. 2, 3, 5 e 6 instalados em terrenos contíguos (pontos 11, 12, 14 e 15 da matéria de facto), cabe, finalmente, fixar o respetivo montante.

Não tendo a determinação da prestação em causa sido feita no tempo devido, dever-se-á partir do critério único estabelecido no contrato, na sua aplicação temperado por juízos de boa fé e de equidade (art. 400º do CC).

Não pode fixar-se, em relação a cada um dos quatro aerogeradores que parcialmente ocupam o espaço aéreo do A., a contrapartida prevista para a ocupação total, como decidido na 1ª instância.

Nos pontos 11, 12, 14 e 15 da matéria de facto, vem indicada a percentagem de cada um, relativamente à respetiva «área de ação».

É certo que a contrapartida acordada pelas partes, singularmente referida a cada torre de aerogeradores instalada, cobre não apenas a produtiva ocupação do espaço aéreo, mas também a ocupação do solo e subsolo com as próprias torres e «estações de acumulação e/ou transformação, postes, linhas de transporte e meios de ligação, bem como sistemas de armazenamento e transformação», consignados na cláusula 2ª (além da já referida restrição da utilização dos próprios terrenos, em uma dada extensão).

Não constam dos autos os termos em que tais elementos deverão ser ponderados para a determinação da prestação acordada, apresentando-se os mesmos tão só instrumentalmente elencados em vista da instalação funcional da torre de aerogeradores – objetivo final na economia do sistema de produção de energia, acima aludido.

Não foram igualmente levadas à matéria provada as razões pelas quais as quatro torres em causa foram instaladas nas extremas dos terrenos vizinhos, passando parcialmente a ocupar o espaço aéreo do A., sendo, nos termos do clausulado contratual, a respetiva localização da responsabilidade da R.

Tem-se, a esta luz, como adequada a contrapartida devida ao A. pela ocupação produtiva do seu espaço aéreo por cada um dos quatro aerogeradores em causa, quando calculada em razão da percentagem utilizada da respetiva área de ação, tal como consignada nos pontos 11, 12, 14 e 15 da matéria de facto.

Deve, deste modo, a R., além da contrapartida integral devida pela instalação do aerogerador nº 1, a qual tem vindo a ser anualmente realizada, pagar ao A. (i) €448,8 pelo aerogerador nº 2 – 12%; (ii) €710,6 pelo aerogerador nº 3 – 19%; (iii) €673,2 pelo aerogerador nº 5 – 18%; (iv) €822,8 pelo aerogerador nº 6 – 22%; (i+ii+iii+iv) no total de €2.655,4.


III

Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcial provimento à revista, condenando-se a R., além da contrapartida que tem vindo anualmente a realizar, no montante de €3.740, a pagar ao A., com a mesma periocidade, a quantia de €2.655,4.

Custas pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção do decaimento.


Lisboa, 20 de Dezembro de 2017

Cabral Tavares (Relator)

Maria de Fátima Gomes
Garcia Calejo
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)