Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
723/18.8T8OVR-A.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
INTERPELAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 04/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.

II. Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações.

III. As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo.

Decisão Texto Integral:
                 

I – Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que, em 03/04/2018, lhes moveu “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, para haver deles o pagamento da quantia de € 34.155,05, juros de mora, sobretaxa e comissões, correspondente à soma de prestações em dívida num contrato de mútuo que celebrou com o executado CC, de que os executados AA e mulher, BB, se constituíram fiadores, deduziram, separadamente, mas posteriormente apensados, embargos de executado, nos seguintes termos:

Apenso A) AA e mulher, BB, concluindo pela procedência dos embargos, com as legais consequências, pedem que se declare extinta a execução por força do disposto nos artºs 12º, 13º, 14º, 18º, 21º e 39º do DL nº 227/2012, de 15/10, com a sua absolvição da instância, que se declare a sua absolvição do pedido, na procedência da exceção da prescrição, ou, caso assim se não entenda, sejam absolvidos do pedido, na procedência da impugnação da liquidação de capital e de juros que deduziram.

Para tanto alegam, em síntese, que tendo assinado, em 17/04/2006, na qualidade de fiadores, o contrato de mútuo celebrado entre a Exequente e o Executado CC: desde aquela data até ao dia em que foram citados para os termos da execução (14/05 e 15/05/2018) nunca mais souberam nada sobre o empréstimo, que consideravam encontrar-se pago pelo que lhe foi transmitido pelo mutuário, não podendo a Exequente, que nunca os informou do incumprimento do contrato, exigir-lhes quase o triplo do montante em dívida à data em que efetuou a liquidação da dívida; que, dada a sua qualidade de fiadores, a exequente não os informou do incumprimento do contrato e de que podiam requerer a sua integração no PERSI, o que obsta a que fosse instaurada a execução; que a dívida se encontra prescrita por força do disposto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil; finalmente que existiu mora do credor durante cerca de onze anos, pelo que não lhes pode ser exigido o pagamento do montante do capital e dos juros nos termos liquidados pela exequente.

Apenso B) CC alega que, sendo o título executivo um contrato de mútuo, datado de Abril de 2006, nos termos do qual foi acordada a restituição do capital mutuado em prestações, ocorrendo a falta de pagamento de uma das prestações, as restantes não se vencem automaticamente, impondo-se que a Exequente o tivesse interpelado para que procedesse ao pagamento da totalidade da dívida, o que não sucedeu, e, tendo pago 5 prestações, a última que teria que pagar venceu-se em 17 de Abril de 2011, ou seja, há mais de oito anos, pelo que se encontram prescritas todas as prestações, por força do disposto no art.º 310.º, alíneas d) e e) do Código Civil, já que apenas foi citado para os termos da execução em 26 de Julho de 2018, concluindo pela procedência dos embargos com as legais consequências.

Contestou a embargada, sustentando a improcedência dos embargos.

Alegou para tanto, que notificou todos os embargantes em 2010 e 2011, informando-os da existências de prestações vencidas no contrato de mútuo e interpelando-os para o seu pagamento; que o não cumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º nº 227/12 não tem a consequência pretendida pelos apelantes fiadores, além de que os integrou no PARI, do que lhes deu conhecimento, e que, ao caso, não se aplica a prescrição de cinco anos constante do artigo 310º, al. e), do Código Civil, mas sim a prescrição ordinária de vinte anos.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou procedentes ambos os embargos, com fundamento na prescrição do crédito exequendo, e determinou a extinção da instância, quanto a todos os Executados.

A Exequente recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do ..... que proferiu acórdão, julgando improcedente o recurso e confirmando a sentença da 1.ª instância.

A Exequente interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

...

III - À hipótese dos aplica-se o prazo ordinário de prescrição, nos termos dos artigos 309º e 311º, n.º 1 do Código Civil, quanto ao capital e o prazo breve de cinco anos quanto aos juros, mas apenas quanto aos juros vencidos há mais de cinco anos antes da data em que se procedeu à liquidação do montante em divida, que, no caso dos autos, ocorreu em 27/03/2018;

IV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as disposições dos artigos 310º alínea e) 306º nº 1, 309º, 311º nº 1, 323º, nºs 1 e 2, 326º e 327º do Código Civil;

V.  Foi dado como provado que o mutuário, a partir de 17/10/2006 deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado através do contrato de mútuo dado à execução;

VI.  A partir da indicada data ficou a exequente com o direito a considerar vencido o empréstimo e consequentemente exigível e em mora todo o seu crédito;

VII. A exequente pediu a cobrança coerciva do valor peticionado, invocando o vencimento antecipado de toda a divida;

VIII. Conforme resulta do requerimento executivo, a exequente procedeu à liquidação dos montantes em divida em 27/03/2018;

IX.  A exequente valeu-se do disposto no artigo 781º do Código Civil, o que significa que o prazo de pagamento escalonado das prestações anteriormente acordado deixa de estar em vigor;

X.  Desfeito o plano de amortização da divida inicialmente acordado, os valores em divida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros;

XI.  Assim, o crédito exequendo, exigido pela aqui recorrente, não é relativo a qualquer quota de amortização, mas sim à globalidade do capital em divida, acrescido dos juros de mora contratualmente estabelecidos;

XII.   Pelo que a alínea e) do artigo 310º do Código Civil não poderá ser aplicável aos autos, pois estamos em presença de uma única obrigação, jamais podendo ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo;

XIII. No que concerne aos juros, apenas estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos para aquém da data da liquidação do montante em dívida – 27/03/2018, sendo devidos todos os demais e ainda os que se forem vencendo até integral pagamento;

XIV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não aplicou como devia as normas dos artigos 310º alínea e), 310º alínea d), 306º nº 1, 323º nºs 1 e 2, 326º e 327º, todos do Código Civil, à matéria de facto dada como provada, assim violando tais disposições substantivas;

XV.   A questão jurídica objeto do presente recurso assume, pois, contornos de indiscutível relevância jurídica, afeta interesses de particular relevância social, para além de estar em oposição com outro acórdão, já transitado, proferido pela Relação ....., no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;

XVI. Impõe-se, assim, uma clarificação do prazo de prescrição das quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com juros em caso de incumprimento dos devedores e consequente vencimento antecipado da totalidade das prestações;

XVII. Deve, assim, o acórdão recorrido ser revogado, proferindo-se acórdão que reconheça a aplicabilidade do prazo ordinário de prescrição nos termos dos artigos 309º e 311º nº 1 do Código Civil ao caso em apreço, conferindo assim à Exequente, ora Recorrente, o direito de exigir aos embargantes/recorridos a totalidade do capital vencido, bem como os juros que se venceram há menos de cinco anos antes de 27 de março de 2018 e os que se foram vencendo posteriormente, determinando-se o prosseguimento da execução para cobrança coerciva do valor do capital em divida e do valor correspondente aos juros não prescritos.

O Executado CC apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

A Formação, a que alude o artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, proferiu acórdão admitindo a revista excecional.

                                               *

II – Objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, importa apurar se é aplicável ao crédito exequendo o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, e), do Código Civil.

III – Os factos

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

a) - No exercício da sua atividade creditícia, a exequente Caixa Geral de Depósitos, SA, celebrou com o executado CC, um contrato de mútuo, no montante de € 10.615,14 (dez mil seiscentos e quinze euros e catorze cêntimos), formalizado por escrito de 17/04/2006, pelo prazo de 60 meses nos termos e demais condições dele constantes e do respetivo documento complementar a que corresponde a referência interna ......84;

b) - Contrato esse em que os executados AA e BB, se constituíram como fiadores e principais pagadores à exequente de todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas no seu âmbito, e aceitando quaisquer modificações que viessem a ser convencionadas entre o mutuário e a exequente;

c) - Em virtude de tal contrato, a exequente disponibilizou ao mutuário, pela forma convencionada, a quantia mutuada que este recebeu nos termos contratuais, utilizou em seu proveito e de que expressamente se confessou devedor, obrigando-se a amortizá-lo nos termos acordados;

d) - Sucede que a partir de 17/10/2006, o mutuário deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado através do referido contrato;

e) - A exequente integrou os embargantes AA e BB no PARI, dando-lhes disso conhecimento por cartas datadas de 22/04/2015.

f) - Por carta data da de 29/07/2010, ao executado e embargante CC, foi comunicado pela Exequente para proceder à regularização do empréstimo que, naquela data, apresentava o valor de € 16.088,80 € em dívida, respeitante a 47 prestações vencidas e não pagas;

g) - Por carta datada de 07/09/2010, foi o embargante CC novamente notificado para liquidar os montantes em dívida, respeitantes ao empréstimo em causa nos presentes autos;

h) - Em 07/07/2011, foi remetida carta ao embargante CC para proceder à regularização dos montantes em dívida.

i) - O montante do capital em dívida ascende a 9.814,44€; os juros de mora ascendem a 23.628,55€ contados de 17.10.2006 a 27.03.2018; e as comissões são no montante de 712,06 €.

                                               *

IV – O direito aplicável

Através do processo executivo, ao qual foram deduzidos os embargos aqui em julgamento, a Caixa Geral de Depósitos pretende cobrar o valor do capital não reembolsado que mutuou ao Executado CC, acrescido de juros remuneratórios e moratórios.

Apresentou como título executivo o contrato de mútuo que celebrou em 17.04.2006 com aquele Executado e em que intervieram como fiadores os restantes Executados.

Nesse contrato, estipulou-se que o capital mutuado (€ 10.615,14) seria devolvido no prazo de 60 meses, através do pagamento de prestações que incluiriam a amortização parcial do capital mutuado e o pagamento dos juros remuneratórios acordados.

Provou-se que, a partir de 17.10.2006, o mutuário deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado através do referido contrato.

Apesar de, por cartas datadas de 29.07.2010, 07.09.2010 e de 07.07.2011, a Autora ter interpelado o Executado CC para proceder à regularização dos montantes que se encontravam em dívida só em 03.04.2018 instaurou a respetiva ação executiva

No requerimento executivo alegou o seguinte: “Sucede que a partir de 17710/2006, o mutuário deixou de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado através do referido contrato tendo assim a Exequente CGD, S.A. o direito a considerar vencido o empréstimo e, consequentemente, exigível e em mora, todo o seu crédito. Deste modo, do empréstimo concedido e referido no precedente artigo 1.º, encontra-se em dívida, na presente data (27.03.2018), o valor global de € 34.155,05...”

O acórdão recorrido decidiu que o crédito exequendo se encontrava prescrito, uma vez que o mesmo corresponde à soma do valor das prestações acordadas não pagas, acrescido de juros de mora, pelo que é aplicável, a cada uma dessas prestações, o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, e), do Código Civil.

Sustenta a Autora que, tendo o Executado deixado de efetuar o pagamento das prestações a que se havia vinculado a partir de 17.10.2006, a Exequente tem o direito a considerar vencida a obrigação de reembolso do empréstimo e, consequentemente, a poder exigir o pagamento de todo o crédito, o que fez com a propositura da ação executiva, em que invocou o vencimento antecipado de toda a dívida, tendo procedido à liquidação dos respetivos montantes.

Dispõe o artigo 781.º do Código Civil que, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

Este dispositivo aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.

Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º [1], a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações, constituindo, com essa interpelação, o devedor em mora, relativamente às prestações vincendas [2].

No entanto, quando as prestações de amortização de uma quantia mutuada estão fundidas com as prestações dos respetivos juros moratórios numa prestação única, não sendo estas últimas prestações fracionadas, mas sim, prestações reiteradas periódicas, em que o decurso do tempo influi na determinação do seu valor global, a aplicação do disposto no artigo 781.º do Código Civil, só funciona, relativamente à parte que corresponde à amortização do capital, uma vez que não é possível exigir o pagamento de juros remuneratórios relativos a períodos que não correspondam a uma disponibilidade do capital a que respeitam [3].

Mas, no presente caso, a aplicabilidade do artigo 781.º do Código Civil a estas prestações de natureza mista, não é decisiva, uma vez que as partes estipularam no contrato de mútuo qual seria a consequência de falta de pagamento das prestações que se fossem vencendo, sendo certo que a norma inserida naquele preceito legal, tendo natureza supletiva [4], pode ser afastada pela vontade das partes.

Consta da cláusula 20.1 do contrato de mútuo:

A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:

a) Incumprimento pelo CLIENTE ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato...

Ora, a Autora não alegou e consequentemente não provou que, após se ter iniciado a falta de pagamento das prestações acordadas e durante o decurso do período previsto para o reembolso do total do empréstimo, alguma vez tenha exercido o direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida que lhe era conferido pela transcrita cláusula, provocando o vencimento das prestações, na parte relativa à amortização da quantia mutuada, cujo prazo de pagamento ainda não tivesse decorrido. Pelo contrário, os conteúdos das cartas enviadas ao mutuário em 29.07.2010, 07.09.2010 e 07.07.2011 indiciam que não o fez.

E o facto de, no requerimento executivo, ter feito referência à existência daquela cláusula, isso não corresponde a uma interpelação que provoque o vencimento de qualquer prestação ainda não vencida, o que, aliás, já era insuscetível de ocorrer, uma vez que, nessa data, já todas as prestações acordadas se tinham vencido.

O crédito exequendo corresponde, pois, à soma dos montantes da parte das prestações não pagas, acrescida do valor de comissões e dos juros de mora vencidos e vincendos.

As alíneas d) e e) do artigo 310.º, do Código Civil, prevêem um prazo de prescrição de cinco anos para os créditos relativos a juros convencionais ou legais e para as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, a par de outras prestações de cariz periódico, terminando a alínea g) do mesmo artigo por abranger quaisquer outras prestações renováveis.

Com estas prescrições de médio prazo pretendeu-se evitar que, devido à inércia do credor, se dilate excessivamente o valor de uma dívida que, devido às prestações acumuladas, possa atingir uma dimensão tal que provoque a insolvência do devedor [5], nelas se tendo incluído, expressamente (alínea e) do artigo 310.º), as prestações relativas à amortização periódica de capital quando combinada com os juros que remuneram o adiantamento desse capital, abrangidos pela previsão da alínea anterior.

Como denunciam os trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, da autoria de VAZ SERRA, adotou-se a solução na altura consagrada no B.G.B. [6]: com os juros devem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão § 197), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros [7].

Outra não podia ser a solução, uma vez que seria, no mínimo, estranho, o concurso de duas prescrições com prazos distintos sobre as mesmas prestações compósitas (uma quanto aos juros e outra quanto à amortização do capital).

Anteriormente, no domínio do Código de Seabra, apesar de se prever um prazo de prescrição de cinco anos para as prestações vencidas que se costumam pagar em certos e determinados tempos (artigo 543.º), defendia-se que tal previsão, por ser excecional, deveria ser interpretada de forma restritiva, não abrangendo as anuidades de capital e juros convencionadas para a lenta amortização duma dívida [8].

As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e), do art.º 310º, do Código Civil, abrangem, assim, inequivocamente, as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo [9], como sucede com o crédito exequendo.

Ora, quando os Executados foram citados para a presente ação já haviam decorrido mais de 5 anos sobre o vencimento da última prestação que o Executado mutuário se obrigara a pagar, pelo que o crédito relativo a todas as prestações que integravam esse crédito se encontravam prescritas, tal como considerou o acórdão recorrido.

Por esta razão deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.

                                               *

Custas pela Autora.

                                               *

Notifique.

 

                                               *

Nos termos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

                                               *

Lisboa, 29 de abril de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Vieira e Cunha

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[1] O artigo 742.º do Código de Seabra, nas dívidas a pagar em prestações, conferia o direito ao credor de exigir o pagamento de todas, caso faltasse o pagamento de alguma, regra que, com algumas atenuantes, foi mantida por VAZ SERRA, no Anteprojeto do Código Civil de 1966. Na 1.ª Revisão Ministerial, essas atenuantes desapareceram, optando-se por uma redação muito próxima do anterior artigo 742.º do Código de Seabra. Foi na 2.ª Revisão Ministerial que se adotou a expressão vencimento de todas, a qual deve ser “traduzida” por exigibilidade de todas.
[2] PESSOA JORGE, Direito das Obrigações, AAFDL, 1975-1976, pág. 316-318,  VASCO LOBO XAVIER, Venda a prestações: algumas notas sobre os artigos 934.º e 935.º do Código Civil, R.D.E.S., Ano XXI, n.º 1-2-3-4, pág. 201, nota 4, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., Almedina, 2013, pág. 53-54, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 1017-1018, RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, pág. 325, nota 1, BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 85, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX,  3ª ed., Almedina, 2019, pág. 96-97, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 12.ª ed., vol. II, Almedina, 2019, pág. 166, NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 391-392, ANA AFONSO, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1071, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Código Civil Comentado, vol. II, Almedina, 2021, pág. 986, JANUÁRIO GOMES, Assunção fidejussória de dívida, Almedina, 2000, pág. 955, BRUNO FERREIRA, Contratos de Crédito Bancário e Exigibilidade Antecipada, Almedina, 2011, pág. 187-188, MIGUEL BRITO BASTOS, O Mútuo Bancário. Ensaio Sobre a Estrutura Sinalagmática do Contrato de Mútuo, Coimbra Editora, 2015, pág. 206-210, nota 432,  e, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2005, Proc. 282/05 (Rel. Moitinho de Almeida); de 17.01.2006, Proc. n.º 3869/05 (Rel. Azevedo Ramos); de 25.05.2017, Proc. n.º 1244/15 (Rel. Olindo Geraldes); de 12.07.2018, Proc. n.º 10180/15 (Rel. Hélder Almeida), de 11.07.2019, Proc. n.º 6496/16 (Rel. Ilídio Sacarrão Martins); de 14.01.2021, Proc. n.º 6238/16 (Rel. Tibério Gomes).
  INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª ed. Coimbra Editora, 1997, pág. 270 e seg., entende, contudo, que esta interpretação não é possível, face à atual redação da lei.
[3] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, de 25 de março de 2009, publicado no Diário da República n.º 86, Série I, de 05.05.2009.
  MARIA DE LURDES PEREIRA e PEDRO MÚRIAS, Sobre o Conceito e a Extensão do Sinalagma, “Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão”, Almedina, 2008, pág. 388, e MIGUEL BRITO BASTOS, ob. cit., pág. 210-212, defendem, no entanto, que o disposto no artigo 781.º do Código Civil não é aplicável a estas situação em que as prestações são compósitas, estando misturadas prestações fracionadas com prestações reiteradas, apenas sendo possível interromper o vencimento periódico das prestações, face a um incumprimento, através da resolução do contrato de mútuo prevista no artigo 1150.º do Código Civil.
[4] ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 1018, nota 1, PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 986, ANA AFONSO, ob. cit., pág. 1071, e ANA PRATA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 980.
[5] VAZ SERRA, Prescrição Extintiva e Caducidade, B.M.J. n.º 106, pág. 119, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 280, FILIPA MORAIS ANTUNES, Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 124-125, JÚLIO GOMES, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 755, e RITA CANAS DA SILVA, Código Civil Anotado, Almedina, 2017, pág. 382.
[6] Dispunha, na altura, o § 197 do B.G.B. que os créditos relativos a estas prestações compósitas prescreviam em quatro anos. Todas as prescrições de médio prazo vieram, contudo, a desaparecer, com a reformulação do regime da prescrição operada pela Reforma do B.G.B., ocorrida em 2001/2002.
[7] Est. cit., pág. 113-114.
[8] CUNHA GONÇALVES, Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil Português, vol. III, Coimbra Editora, 1930, pág. 749.
[9] FILIPA MORAIS ANTUNES, ob. cit., pág. 128-129, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. V, 3.ª ed., Almedina, 2018, pág. 214, e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.03.2014, Proc. n.º 189/12 (Rel. Silva Gonçalves); de 29.09.2016, Proc. n.º 201/13 (Rel. Lopes do Rego); de 06.06.2019, Proc. n.º 902/14 (Rel. Abrantes Geraldes); de 12.11.2020, Proc. n.º 7214/18 (Rel. Maria do Rosário Morgado); e de 14.01.2021, Proc. n.º 6238/16 (Rel. Tibério Nunes da Silva).
  O Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 18.10.2018, Proc. n.º 2483/15 (Rel. Olindo Geraldes); de 23.01.2020, Proc. n.º 4518/17 (Rel. Nuno Pinto Oliveira); de 3.11.2020, Proc. n.º 8563/15 (Rel. Fátima Gomes); de 10.09.2020, Proc. n.º 805.16 (Rel. Rijo Ferreira); e de 26.01.2021, Proc. n.º 20767/16 (Rel. Maria João Vaz Tomé), também tem considerado que é aplicável este prazo de prescrição de cinco anos, mesmo quando o credor tenha já exigido o pagamento antecipado de todas as prestações, com fundamento na falta de pagamento de uma delas, o que parece contrariar a opinião de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. V, cit., pág. 215, e Código Civil Comentado, vol. I, cit., pág. 893, quando refere que, nestes casos, já não se trata de ... quotas de amortização.