Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2722/20.0T8CSC.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: INTERPRETAÇÃO DE CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, e as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 2722/20.0T8CSC.S1

Acordam na Seção Social do Supremo Tribunal de Justiça.

 1. Relatório

 AA intentou ação de processo comum contra Caixa Económica Montepio Geral S.A., tendo requerido que a Ré seja condenada no seguinte:

“a) a reconhecer ao A. o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões, deduzida do valor correspondente à percentagem de 20%, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b) a pagar ao A. o valor de € 4.674,30 Euros, acrescido de juros de mora no montante de € 464,58 Euros, num valor total global de € 5.138,88 Euros, correspondente ao valor excessiva e ilegalmente descontado e respeitante aos meses de Outubro de 2015 até à presente data, valor onde se encontram englobados os respetivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros vencidos até integral pagamento;

c) a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo A. para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d) a pagar ao A. todas as quantias que ilicitamente venha a reter da pensão do CNP pela não aplicação da regra descrita em c) do pedido, desde a propositura da presente ação até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em execução de sentença;

e) a suportar as custas processuais.

A Ré deduziu contestação.

Foi proferida Sentença em 30.04.2021 na qual se decidiu o seguinte:

“Destarte, julgo procedente a presente ação e, em consequência:

a) Condeno a ré Caixa Económica Montepio Geral, S.A., a reconhecer ao autor AA o direito a receber a pensão completa do Centro Nacional de Pensões deduzida do valor correspondente à percentagem de 20%, correspondente aos anos de descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

b) Condeno a ré a pagar ao autor o valor de € 4.674,30 (quatro mil seiscentos e setenta e quatro euros e trinta cêntimos), correspondente ao valor excessivamente descontado e respeitante aos meses de outubro de 2015 até à presente data, valor onde se encontram englobados os respetivos subsídios de férias e de Natal, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

c) Condeno a ré a aplicar uma regra pro-rata temporis ou regra de três simples pura no apuramento da parte da pensão do CNP a entregar ao Banco, respeitante aos descontos efetuados pelo autor para a Segurança Social enquanto trabalhador bancário;

d) Condeno a ré a pagar ao A. todas as quantias que tenha retido da pensão do CNP, desde a propositura da presente ação, pela não aplicação da regra descrita em c), e venha a reter até trânsito em julgado da mesma, acrescidas de juros de mora vincendos, a liquidar em incidente de liquidação.”.

Inconformada a ré interpôs recurso de revista per saltum (artigo 678.º CPC), com as seguintes Conclusões:

1. A interpretação das cláusulas regulativas de convenção coletiva de trabalho deve fazer-se de acordo com as regras de interpretação da lei, em particular de acordo com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, como vem sendo entendimento da Jurisprudência, como recentemente foi defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 55, de 19 de março de 2019.

2. Na interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário, deve atender-se aos seus elementos literal, sistemático, histórico e teleológico.

3. No que respeita ao elemento literal, a redação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (cláusula que veio a ser substituída pela cláusula 94.ª do ACT do setor bancário) é clara nos dois aspetos que aqui relevam.

4. Primeiro, que nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares - como sucede com a Recorrida, a partir de 1.1.2011, dada a sua integração no regime geral de segurança social por imposição do Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro -, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos no ACT – cfr. 2.ª parte do n.º 1 da cláusula 136.ª.

5. Segundo, que o benefício a “abater” é o que decorre de contribuições feitas no período de serviço contado pelo Banco para o cálculo da pensão a pagar por este, pois, como se refere no n.º 2 daquela cláusula estão em causa os benefícios decorrentes de contribuições.

6. A “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP.

7. As cláusulas aludem, literalmente, ao benefício decorrente das contribuições com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador.

8. Acresce ainda que, quando no Acordo Coletivo se pretendeu exprimir o critério pro rata temporis tal foi feito de modo particularmente claro e direto (n.º 3 da cláusula 102.ª) sem qualquer semelhança com a redação da analisada cláusula 98.ª

9. O elemento sistemático é também conducente ao mesmo resultado interpretativo.

10. A norma em causa insere-se no sistema de previdência e, no caso concreto, na conjugação de dois regimes de previdência: o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral de segurança social.

11. Para isso, por se tratar de um sistema previdencial, remete para as regras decálculo utilizadas pelo regime geral da segurança social.

12. A fim de as utilizar e não de aproveitar os seus resultados.

13. A inserção sistemática da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário impõe a sua interpretação no sentido da aplicação das mesmas regras que servem para o cálculo da pensão do CNP.

14. São essas as regras aplicadas pela Recorrente, para apuramento da “pensão de abate”.

15. Este sentido saí reforçado, por um lado, por não haver dúvidas quanto à aplicação das regras de cálculo do regime da segurança social quando não há tempo “extra-banco” e, por outro lado, pela redação da cláusula 98.ª do ACT do Banco Montepio.

16. Naquela cláusula as Partes Outorgantes, acautelando o caso de o trabalhador não requerer a atribuição do benefício do CNP, expressamente previram como seria feito o “abate” daquele benefício à pensão a pagar pelo Banco, remetendo expressamente para as regras do regime geral de segurança social.

17. Caso o trabalhador não requeira o pagamento do benefício do CNP, o Banco estima qual o valor desse benefício e apenas garante o pagamento da diferença entre a pensão prevista do ACT e o benefício do CNP.

18. O que significa que as Partes sempre tiveram presente que o benefício a “abater” é apurado de acordo com as regras aplicáveis ao cálculo desse mesmo benefício e não de acordo com uma qualquer regra de repartição em “três simples” ou pro rata temporis.

19. Ao invés, não há qualquer elemento do sistema que aponte para a interpretação que defende o Recorrido, ou seja, não há qualquer norma no sistema em que se insere a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula98.ª quelhe sucedeu, que contenha norma para o cálculo de benefícios de pensão em razão de qualquer critério de pro rata temporis.

20. O montante da pensão do CNP é igual ao produto da remuneração de referência pela taxa global de formação da pensão e pelo fator de sustentabilidade., como resulta do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.

21. E a remuneração de referência é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.

22. São estas as regras do sistema a que apela a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e que, com recurso ao elemento sistemático, devem aplicar-se no apuramento da parte da pensão a pagar pelo CNP que há-de ser entregue pela Recorrida ao Recorrente.

23. Por fim, o elemento teleológico é particularmente relevante na tarefa interpretativa, pois a norma da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário tem por fim coordenar o percebimento de benefícios por trabalhadores submetidos a diferentes regimes de forma a impedir que, por força do mesmo período contributivo, o trabalhador venha a auferir, deforma cumulada, dois benefícios.

24. Fá-lo, limitando a responsabilidade da instituição bancária, à diferença entre os benefícios devidos por aplicação do IRCT e os benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou serviços de segurança social com fundamento na prestação do serviço no Sector Bancário.

25. É uma expressão clara do princípio da não acumulação de prestações plasmado no artigo 67.º, n.º 1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).

26. A não acumulação de prestações não pode alcançar-se com recurso, para a repartição da pensão a pagar pelo CNP, a um critério de “regra de três simples pura”.

27. Tal conclusão ofende diretamente o fim a que se propõe a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e a cláusula 98.ª que lhe sucedeu, que é, precisamente, abater à pensão paga pelo Banco Recorrente, a pensão (ou parte de pensão) que for paga ao Recorrido pelo CNP que respeite ao tempo de Banco.

28. O entendimento da Recorrente é, de resto, o que conduz a um resultado mais equitativo.

29. É bom notar que a carreira extra-banco pode ser mais favorável ao trabalhador, o que sucede no caso de as remunerações registadas nesse período serem superiores às registadas na carreira ao serviço do Banco.

30. Por isso, acrescenta-se, a este propósito, que o entendimento da Recorrente assegura, inclusivamente, que nesses casos, em que a pensão teórica extra-banco seja mais favorável ao pensionista (por as remunerações auferidas nesse período serem superiores), não veja este o seu benefício penalizado.

31. A questão não é meramente teórica, tendo sido objeto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/11/2017, disponível em www.dgsi.pt.

32. Como sucedeu no caso julgado no referido douto Acórdão do Tribunal de Relação de Évora de 22/11/2017, em que estava em causa uma pensão da Caixa Geral de Aposentações e em que o Banco ali Réu reconhecera parte da carreira na CGA, verificou-se que as remunerações auferidas pelo trabalhador no período extra-banco eram superiores àquelas que auferira no período que o Banco lhe contara, tendo o tribunal concluído que não era aplicável a regra de pro rata temporis, que aquele Banco aplicara.

33. O Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento aqui defendido pela Recorrente que, naquele caso, era favorável ao pensionista.

34. O elemento teleológico da norma não consente, assim, outra interpretação que não seja a que lhe dá a Recorrente.

35. Em suma, para dizer que a interpretação da cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e da cláusula 98.ª que lhe sucedeu, com recurso aos elementos de interpretação literal, sistemático e teleológico, conduz ao resultado oposto ao da Sentença recorrida.

36. A interpretação preconizada pela douta Sentença recorrida olvida que para o cálculo do beneficio pago pelo CNP concorre, nos termos do disposto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, não só o tempo (por via da taxa de formação a pensão) mas também as remunerações (por via da remuneração de referência que é definida no artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40).

37. Em suma: porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (tal como a cláusula 98.ª do atual ACT Montepio) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas respeitantes a cada um dos períodos em causa e, em função desses resultados, repartir o benefício pago pelo CNP.

38. Entendimento que foi sufragado pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2016 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2017, que se juntaram aos autos.

39. Mais recentemente, e já posteriormente à mencionada douta Jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi também este o entendimento versado nas três doutas sentenças proferidas pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ..., de 20/02/2020 e de 01/10/2020, e Juiz ... de 25/04/2020, já juntas a estes autos.

40. E é também a douta opinião dos SENHORES PROFESSORES DOUTORES BERNARDO LOBO XAVIER e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO expressa nos doutos Pareceres de Direito juntos aos autos.

41. O entendimento sufragado pelo Recorrido viola também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República.

42. Ao remeter-se o cálculo da “pensão de abate” para uma “regra de três simples” está o Recorrido, inevitavelmente, a transferir para si, como pensionista, parte do benefício que o Banco deve abater à mensalidade que está obrigado a pagar, potenciando, ilegalmente e em afronta àquele comando constitucional, o benefício que o pensionista teria a receber se isoladamente lhe fosse considerada apenas a carreira contributiva extra-banco.

43. O efeito de tal entendimento é, efetivamente, a violação do preceito constitucional vertido no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República que determina que “Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado”.

44. A interpretação dada pelo Recorrido à cláusula 136.ª do ACT do sector bancário e à cláusula 98.ª do atual ACT do Montepio, é, assim, materialmente inconstitucional por violação do artigo 63.º, n.º 4 da Constituição.

45. A douta Sentença recorrida deve, pelos fundamentos expostos, ser revogada, concedendo-se provimento ao Recurso e, consequentemente, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos.

46. Ao decidir como decidiu, violou a douta Sentença recorrida o disposto na cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do sector bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 - Data de Distribuição: 24/01/2011), cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do Montepio, (BTE n.º 8 de 28/02/2017, Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República”.

E rematava pedindo que fosse dado provimento ao recurso e julgada totalmente improcedente a ação.

Estando reunidos os requisitos do artigo 678.º o recurso per saltum foi admitido.

O Recorrido contra-alegou.

Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

A Recorrente respondeu ao Parecer.

2. Fundamentação

De Facto

Foram os seguintes os factos dados como provados no presente processo:

1. A ré é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária, tendo participado nas negociações e outorgado o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 8, de 28/02/2017, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte.

2. O autor encontra-se filiado no Mais Sindicato, que também usou Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como o sócio n.º ...

3. O autor foi admitido ao serviço da ré em 28-05-1980.

4. Por carta datada de 12-03-2012 a ré informou o autor da sua passagem à situação de reforma com efeitos a 31-03-2012.

5. O autor recebeu a do Centro Nacional de Pensões a carta datada de 04-02-2016, cuja cópia faz fls. 18 a 18v. dos autos, informando-o, para além do mais que «o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi DEFERIDO» e que «a pensão por VELHICE tem início em 2015-10-01, sendo o seu valor atual 246,31 Euros».

6. O autor passou então à situação de reforma integrado no nível 10 do ACT para o Montepio.

7. Na data da propositura da ação a ré entregava ao autor uma pensão de reforma, pagável 14 vezes por ano, com a pensão base de € 1.208,18, diuturnidades no valor de € 260,77 e complemento no valor de € 291,24.

8. A ré enviou uma carta ao autor, datada de 14-07-2017, cuja cópia faz fls. 35 e 35v. dos autos, notificando-o para a reversão a favor do Montepio do período respeitante à integração do período de descontos previdenciais posteriores a Janeiro de 2011, ou seja, que dos descontos efetuados para a segurança social, todos os anos, a ré faria seu o valor respeitante aos descontos no sector bancário.

9. Em resposta o autor remeteu à ré a informação que lhe fora prestada pela Segurança Social relativamente à sua pensão, e solicitou, através de troca de emails com a ré entre 25-07-2017 e 08-11-2017, informação sobre os valores a descontar pelo Banco, daquela pensão que lhe fora atribuída pelo CNP.

10. Na data da propositura da ação a ré deduz à pensão de reforma do Centro Nacional de Pensões o valor de € 119,30 Euros, conforme comunicação de novembro de 2017, tendo-o feito retroativamente.

11. Entre março de 1977 e julho de 1980 o autor efetuou descontos para a Segurança Social decorrentes da prestação de atividade dependente remunerada a entidade não bancária.

12. Entre maio de 1980 e dezembro de 2010 o autor, enquanto trabalhador bancário, efetuou os descontos obrigatórios para a Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB) e para o Fundo de Pensões do Banco.

13. A partir de janeiro de 2011 e até março de 2012 o autor descontou para a Segurança Social.

14. Em 17-12-2018 o autor remeteu um email à ré solicitando uma tomada de posição, relativamente à posição entretanto assumida pela FEBASE, relativamente ao procedimento por algumas instituições bancárias no cálculo das pensões a debitar aos reformados.

15. Tendo a ré respondido em 18-12-2018 que «não obstante o que tem sido veiculado pela Febase, não é esse o entendimento da CEMG, mantendo por isso o procedimento que tem vindo a aplicar, por considerar que é o que resulta das disposições do ACT».

16. Em 26-03-2019, o autor remeteu à ré a carta junta como Doc.17, a solicitar o pagamento de acordo com a fórmula de cálculo pugnada pelo autor, não tendo a ré apresentado resposta.

De Direito

No seu recurso per saltum o Recorrente afirma que “ao decidir como decidiu, a douta Sentença violou o disposto cláusula 136.ª do Acordo Coletivo de Trabalho do setor bancário (BTE n.º 3 de 22/01/2011 – data de distribuição: 24/01/2011) cláusula que veio a ser substituída, com redação similar, pela cláusula 98.ª do atual Acordo Coletivo de Trabalho do Montepio (BTE n.º 8 de 28/02/2017, Data de Distribuição: 01/03/2017), os artigos 26.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio e, bem assim, violou também o disposto no artigo 63.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa”.

A questão colocada no presente recurso per saltum, no que toca à interpretação da cláusula 136.ª do mencionado Acordo Coletivo de Trabalho não só não é nova, como tem sido reiterada e recentemente decidida por este Tribunal sempre no mesmo sentido.

Assim, e ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 5 do CPC (aplicável ao recurso de revista por força do artigo 679.º do CPC), remete-se para a fundamentação constante do Acórdão proferido por este Tribunal a 8 de junho de 2021, no âmbito do processo n.º 2276/20.8VCT.S1, com o mesmo Relator, que em seguida se transcreve:

“A mencionada cláusula 136.ª do ACT do setor bancário tinha o seguinte teor:

Cláusula 136.ª

“Âmbito
1. As Instituições de Crédito, por si ou por serviços sociais privativos já existentes, continuarão a garantir os benefícios constantes desta Secção aos respetivos trabalhadores, bem como aos demais titulares das pensões e subsídios nela previstos. Porém, nos casos em que benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo.

2. Para efeitos da segunda parte do número anterior, apenas serão considerados os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social com fundamento na prestação de serviço que seja contado na antiguidade do trabalhador nos termos das Cláusulas 17.ª e 143.ª.
3. As Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza.”

É a partir da interpretação desta cláusula e invocando os elementos literal, sistemático e teleológico que o Recorrente conclui que “a “pensão de abate” é, assim, o benefício do CNP pelo tempo de carreira ao serviço do banco (pensão teórica) que resulta das contribuições feitas no período em apreço, apurado segundo as regras do regime geral da segurança social, que são as regras aplicáveis ao cálculo do benefício a pagar pelo CNP” (Conclusão 6.ª[1]), defendendo também que “porque a cláusula 136.ª do ACT do sector bancário (…) se refere expressamente a benefícios decorrentes de contribuições para o regime geral de segurança social e porque o benefício pago pelo regime geral de segurança social (através do CNP) é apurado considerando, além do tempo de carreira contributiva (que determina a taxa de formação da pensão), os montantes das contribuições feitas ao longo da carreira contributiva (por via da determinação da remuneração de referência), torna-se imperioso calcular as duas pensões teóricas” (Conclusão 25.ª[2]).

Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções coletivas deve seguir as regras da interpretação da lei.

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se á letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete  o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação  do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas  e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).

A letra da lei – aqui a letra da cláusula da convenção – é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

Ora da letra da cláusula resulta tão-só a garantia de benefícios pelas instituições de crédito, sendo que caso benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços de Segurança Social, aos trabalhadores e seus familiares, as instituições de crédito apenas garantirão a diferença entre o valor desses benefícios e o valor dos benefícios previsto no ACT. Por outro lado, e para o cálculo desta diferença apenas são relevantes os benefícios decorrentes de contribuições para Instituições ou Serviços de Segurança Social respeitantes a períodos que contam para a antiguidade do trabalhador ao serviço das instituições de crédito.

A cláusula refere-se única e exclusivamente ao valor dos benefícios o que, obviamente, e como este Tribunal teve já ocasião de referir, não coincide (nem se confunde) com o valor das contribuições[3]. E quando se refere no seu n.º 2 às contribuições é para mandar atender aos benefícios decorrentes das contribuições em um determinado período e, portanto, para esclarecer qual o período de tempo relevante – o período de tempo relevante para a antiguidade do trabalhador ao serviço da instituição de crédito, mas em que houve contribuições para outras instituições ou serviços de Segurança Social.

Em suma, a cláusula nunca refere o valor das contribuições. E partindo da presunção do legislador que se sabe exprimir adequadamente há que concluir que não se pretendeu atribuir qualquer relevância ao valor em concreto dessas contribuições. Acresce que não há qualquer remissão para o Decreto-Lei n.º 187/2007, nem qualquer referência ao cálculo de duas pensões como pretende o Recorrente.

Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula, como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente[4], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.

Acrescente-se, apenas, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade nesta cláusula a qual se limita a cumprir o desiderato constitucional do aproveitamento integral de todo o tempo de trabalho[5] para o cálculo da pensão (artigo 63.º n.º 4 da Constituição).”

Decisão: Negada a revista.

Junta-se ao Acórdão cópia do Acórdão proferido no processo n.º 2276/20.8VCT.S1.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 11 de maio de 2022

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Domingos José de Morais

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[1] Corresponde também à Conclusão 6.ª no presente processo.
[2] Corresponde à Conclusão 37.ª no presente processo.
[3] A sentença recorrida observa, a este respeito, certeiramente, que “o cálculo das remunerações a ter em consideração para a contabilização da pensão de reforma tem em consideração inúmeros fatores para além do valor da retribuição o que reforça a ideia de que não existe uma relação direta entre o valor da retribuição e o da pensão final atribuída”.
[4] Acórdão de 22/02/2018, proferido no processo n.º 9637/16.5T8LSB.L1.S1 (CHAMBEL MOURISCO): “As expressões utilizadas na referida cláusula “a diferença entre o valor desses benefícios” na parte final do n.º 1, “benefícios decorrentes de contribuições para instituições ou Serviços de Segurança Social” no segundo segmento do n.º 2 e “benefícios da mesma natureza” na parte final do n.º 3, referem-se tão só às pensões, não se podendo afirmar que dos respetivos textos resulte um mínimo de correspondência verbal que possa suportar a interpretação no sentido da introdução de um fator de ponderação que tenha a ver com o valor das contribuições efetuadas”. No mesmo sentido cfr. o Acórdão de 12/07/2018, processo n.º 3312/16.8T8PRT-P1.S1 (RIBEIRO CARDOSO): “nesta cláusula não se estabelece que a percentagem da pensão a devolver ao R. pelo A. deva ser calculada não só com base no tempo de contribuições para a Segurança Social, enquanto trabalhador do setor bancário, mas também levando em conta o valor das retribuições sobre que incidiram essas contribuições”
[5] Em rigor, para GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. Revista, Coimbra Editora, 2007, vol. I, p. 829, trata-se da contagem de tempos de serviço juridicamente relevantes.