Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
355/14.0JELSB.L2.S2
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
INADMISSIBILIDADE
REJEIÇÃO
Apenso:
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Mantida pelo acórdão do Tribunal da Relação a pena aplicada na decisão do tribunal de 1.ª instância é inquestionável a sua irrecorribilidade, dado tratar-se de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, que confirma decisão de 1.ª instância e aplica pena de prisão não superior a 8 anos (art. 400.º, n.º 1, al. f, do CPP).
II - Sendo assim, então, quando, como no caso, o acórdão proferido, em recurso, pela Relação, reduz em benefício do arguido a matéria de facto provada, mas confirma a decisão condenatória proferida em 1.ª instância, a respetiva qualificação jurídica e a pena aplicada em medida não superior a 8 anos (art. 400.º, n.º 1, al. f, do CPP), por maioria de razão deve ser afirmada a irrecorribilidade.
Decisão Texto Integral:

Processo: 355/14.0JELSB.L2

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. No Juízo Central Criminal de Lisboa o arguido AA foi condenado:

«(…) na pena de 7 anos de prisão pela prática, sob forma consumada e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelo disposto nos artigos 21º/1 e 24º/c), do DL n.º 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-B, em reincidência, nos termos dos artigos 75 e 76º do CP».

2. Dessa decisão recorreram apenas o Ministério Público (na parte relativa à absolvição da arguida BB) e os arguidos CC e DD. O TRL, em consequência da parcial procedência do recurso do arguido EE, em vista do disposto no art. 402.º/2/a, CPP, restringiu a matéria de facto relevante para a imputação penal ao arguido AA, mas manteve a qualificação jurídica e a pena aplicada ao arguido AA. Assim, segundo a decisão recorrida «Os arguidos CC e AA actuaram relativamente às 3º e 4ª operações de importação de cocaína, no âmbito das quais foram apreendidos 25 quilos e 540,824 gramas, na operação descrita dos pontos 57 e ss, e 16 quilos e 289,66 gramas, na operação descrita nos pontos 93 e ss. Num total foram apreendidos 41 quilos e 830,484 gramas». Porém, atendendo a que a moldura penal abstrata em consequência do funcionamento da reincidência era de «6 anos e 8 meses de prisão (…) a quinze anos» o tribunal considerou «adequada a pena de 7 anos que foi a aplicada».

3. Inconformado recorre o arguido AA para o STJ, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

«1º A matéria de facto alterada em sede de recurso e elencada em sede de reclamação, diminuiu a participação do recorrente para apenas dois dos factos provados – as últimas duas operações de transporte de droga por via aérea;

2º No mesmo acórdão onde se altera a matéria de facto se declara a diminuição drástica da participação do arguido, e em consequência, a ilicitude da sua conduta e a culpa!;

3º Contudo, na alteração da matéria de facto, e bem assim em sede de reclamação, não vem o tribunal a quo a pronunciar-se e fundamentar porque motivo entendeu ser de manter a pena aplicada ao recorrente;

4ºVerifica-se pois que ante a alteração da matéria de facto provada, e a redução da culpa, sempre teria o tribunal a quo de, obrigatoriamente adequar a pena á culpa agora reduzida) do recorrente, o que não só não fez como omitiu de fundamentar e pronunciar-se sobre tal matéria;

5º Da matéria de facto ora provada, resulta evidente que a pena não pode manter-se nos sete anos de prisão, pois que se aquela era a pena que se entendia adequada não pode ter-se a mesma por ajusatada ante a diminuição (drástica) da culpa, devendo o tribunal a quo ter, com base da redução da culpa, aplicado uma pena condicente com a mesma, ou seja uma pena que se situe entre os 4 e os 5 anos de prisão ao invés dos sete anos de pena de prisão que manteve inalterados.

6º A pena, sendo de cinco anos de prisão, ou menor, sempre teria de ser suspensa na sua execução atento o tempo até aqui corrido e a ausência de ocorrências criminais na vida do recorrente, a sua plena integração social, laboral, familiar e acima de tudo a guarda integral da sua filha menor, que lhe foi atribuída, encontrando-se aquela dependente do pai para manter o seu nível de estabilidade, orgânica familiar e vivência sã que até aqui encontrou junto do pai, aqui recorrente, e por fim a situação de saúde do recorrente que pedece de grave doença hepática, tendo já sido contaminado com o Corona Vírus enquanto esteve recluso á ordem dos presentes autos, tendo saído na sequência de providencia de habeas corpus por si intentada que veio a obter provimento.

Nestes termos e nos melhores de justiça, que V.Exas doutamente suprirão deve o acórdão ora em crise ser declarado nulo, nulidade que é insanável, e ser proferido outro que;

1º Determine realização de novo julgamento com produção de prova e a decorrer na presença do arguido, OU;

2º Absolva o recorrente com base na aplicação do princípio da presunção de inocência do arguido, Ou;

3º Caso assim se não entenda o que só por dever de patrocínio se configura, determinar-se a redução drástica da medida da pena, para outra que se situe abaixo dos limites mínimos da moldura penal, naturalmente suspensa na sua execução».

4. Respondeu o Ministério Público no sentido de que a decisão do Tribunal da Relação não é suscetível de recurso, nos termos das disposições conjugadas dos arts 432º e 400.º, CPP.

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça a Procuradora-Geral Adjunta sustentou que se deve «rejeitar o recurso em análise, por inadmissibilidade legal da sua apreciação».

II

§ 1 A questão a decidir é apenas uma: a da recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que ao abrigo do disposto no art. 402.º/2/a, CPP, restringiu factualidade relevante para a imputação penal, concretamente, considerou apenas provado que «Os arguidos CC e AA actuaram relativamente às 3º e 4ª operações de importação de cocaína, no âmbito das quais foram apreendidos 25 quilos e 540,824 gramas, na operação descrita dos pontos 57 e ss, e 16 quilos e 289,66 gramas, na operação descrita nos pontos 93 e ss. Num total foram apreendidos 41 quilos e 830,484 gramas», mas atendendo a que a moldura penal abstrata em consequência do funcionamento da reincidência era de «6 anos e 8 meses de prisão (…) a quinze anos», teve «por adequada a pena de 7 anos que foi a aplicada».

§ 2 Dispõe o art. 400.º, CPP, quanto a decisões que não admitem recurso:

1 - Não é admissível recurso: (…).

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

§ 3. Em matéria de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dispõe o artigo 432.º:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

§ 4. Mantida pelo acórdão do TRL a pena aplicada na decisão do tribunal de 1.ª instância é inquestionável a sua irrecorribilidade, dado tratar-se de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, que confirma decisão de 1.ª instância e aplica pena de prisão não superior a 8 anos (art. 400.º/1/f, CPP). Sendo assim, então, quando, como no caso, o acórdão proferido, em recurso, pela Relação, reduz em benefício do arguido a matéria de facto provada, mas confirma a decisão condenatória proferida em 1.ª instância, a respetiva qualificação jurídica e a pena aplicada em medida não superior a 8 anos (art. 400.º/1/f, CPP), por maioria de razão deve ser afirmada a irrecorribilidade.

§ 5 Esta solução normativa não padece de inconstitucionalidade como sucessivamente vem dizendo o TC. Assim, o TC nos acórdãos 263/09, 551/09, 645/09, 125/10, 174/10, 276/10, 277/10, 308/10, 314/10, 359/10, 471/10, 215/11, 385/11, 659/11, 726/13, 139/14, 784/14, 889/14, 298/15, 260/16, não julgou inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, na redação da Lei 48/2007, de 29 de agosto, na medida em que estabelece a inadmissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que, confirmando decisão de primeira instância, apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; no mesmo sentido as Decisões Sumárias 793/14, 692/15, 122/16 e 355/16. E no tocante à reformatio in mellius, acórdão 32/06 e Decisão Sumária 99/16 que não julgou inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, na interpretação de que não é admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que reduza a pena de prisão aplicada em 1ª instância para pena de prisão não superior a 8 (oito) anos. Paradigmática a Decisão Sumária 35/2010, onde não se julgou inconstitucional a “norma extraída do disposto no art. 400.º n.º 1, al. f) e no art. 432.º, n.º 1, al. b) do C.P.P, no sentido ou interpretação em que se entendeu por confirmativo um acórdão proferido pela Relação, cuja subida ao S.T.J. fora admitida pelo mesmo Tribunal, que aplica uma pena de oito anos de prisão quando a decisão de 1ª instância condena em nove anos de prisão, assim, se impedindo, por um lado, o conhecimento de arguição de nulidade do acórdão da Relação, e, por outro, o conhecimento do recurso propriamente dito, pelo S.T.J.”.

§ 7. A irrecorribilidade não impede que o recorrente suscite eventuais nulidades, omissão de pronúncia, etc. do acórdão da relação. O que deve é suscitar essas questões no tribunal competente para as decidir e esse é o tribunal que proferiu a decisão.

§ 8. O recurso foi admitido, mas a sua admissão não vincula este tribunal (art. 414.º/3, CPP). Sendo irrecorrível a decisão do TRL, tal configura circunstância que obsta ao seu conhecimento, o que não tendo determinado a sua não admissão, constitui agora fundamento de rejeição sumária (art. 420.º/1/b, CPP). A rejeição do recurso implica que fica prejudicado o conhecimento de todas as questões suscitadas no recurso, e ainda, para o recorrente, independentemente das custas, a sanção processual a que alude o art. art. 420.º/3, CPP.

Decisão:

Rejeita-se o recurso.

Pagará o recorrente 5 UC de taxa de justiça e ainda a importância de 3UC, nos termos do art. 420º, nº 3 CPP.
Supremo Tribunal de Justiça 24 de fevereiro de 2022.


António Gama (Relator)

Orlando Gonçalves