Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
73/17.7TNLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
FACTOS ESSENCIAIS
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Face ao acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, desde que o Tribunal da Relação não se tenha pronunciado sobre factos, alegados pelos Autores, relevantes para determinar se a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco; sobre se se a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente; ou sobre  se a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro sem a explicação do que eram obrigações subordinadas, deve anular-se o acórdão recorrido, para que a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base adequada e suficiente para a decisão de direito (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do Código de Processo Civil).
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. AA e BB intentaram acção declarativa sob a forma comum contra Banco BIC Português, SA, pedindo:

I. — que o Banco BIC Português, SA, seja condenado a indemnizar os Autores no valor de 86.601,48 euros, acrescido de juros legais sobre o montante de 50.000 euros desde 25 de Abril de 2017 e até integral pagamento;

subsidiariamente,

II. — que o contrato de intermediação financeira concluído entre os Autores e o Banco BPN seja declarado nulo, por falta de forma, ou ineficaz;

III. — que o Banco BIC Português, SA, seja condenado a restituir os Autores o valor de 50.000 euros;

IV. — e que, em qualquer caso, o Réu seja condenado a pagar o valor de 10.000 euros, a título de danos morais, e a quantia de 20.859,36 euros.


2. A 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:

I. — condenou o Banco Réu a pagar aos Autores o valor de 50.000€, acrescido de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal;

II. — declarou improcedente a excepção de prescrição invocada pelo Banco Réu.;

III. — absolveu o Banco Réu do demais peticionado;


3. Inconformado, o Réu Banco BIC Português, SA, interpôs recurso de apelação.


4. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.


5. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.


6. Inconformado, o Réu Banco BIC Português, SA, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.


7. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7.º, 290.º, n.º 1 alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D e 323.º a 323.º-D e 327.º do CdVM e 4.º, 10.º, 11.º e 19.º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364.º, 483.º e ss., 563.º, 628.º e 798.º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante - sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto - corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do `tulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses - www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptivel de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do `tulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo `pico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo `pico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo… ... JUSTIÇA!


8. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, no caso de o recurso ser admitido, pela sua improcedência.


9. A Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil admitiu a revista.


10. Em 23 de Maio de 2019, foi proferido pelo presente relator o seguinte despacho:

“Atendendo a que está pendente uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros por violação de deveres de esclarecimento e de informação, por via de recursos já admitidos no Supremo Tribunal de Justiça nos processos n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, e que tal uniformização é susceptível de adquirir relevância para a questão a decidir no presente recurso, suspende-se a instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, até ao trânsito em julgado daquele(s) acórdão(s) uniformizador(es)”.


11. Em 6 de Dezembro de 2021, foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.


12. Tendo transitado em julgado do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foram os presentes autos conclusos ao relator.


13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

i. — se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação;

II. — se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato;

III. — se a conclusão do contrato foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


14. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. Os AA. são clientes do Banco R., anteriormente BPN, sendo titulares da conta n° ...01, agência de ...:

2. Até Novembro de 2008, o "BPN - Banco Português de Negócios, SA" era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua actividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro em instrumentos financeiros.

3. Até Novembro de 2008, a totalidade do capital social do "BPN - Banco Português de Negócios, SA" era detida pela sociedade "BPN, SGPS, SA", a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA”.

4. A A. apôs a sua assinatura no documento cuja cópia consta de fls. 34 e se dá por reproduzido, datado de 14/10/2004, denominado "SLN Rendimento Mais 2004 Boletim de Subscrição", e do qual consta, além do mais, que: "(...) Pelo presente (pretendemos) subscrever 1 obrigações com o valor nominal de 50.000€ cada uma (…)";

5. O réu entregou à A. cópia do documento referido denominado "Boletim de Subscrição" (alegado no art° 34° da p.i);

6. Encontram-se depositados na carteira de títulos dos AA. junto do "Banco BIC, SA", uma obrigação "SLN Rendimento Mais 2004", no valor de 50.000€;

7. A "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SA", actualmente denominada "Galilei, SGPS, SA" apresentou no Tribunal da Comarca de Lisboa, um processo especial revitalização, o qual corre termos pela Ia Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido proferida sentença, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, o que determinou o encerramento do processo.

8. A "Galilei, SGPS, S.A." foi declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, 1 .a Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.0T8LSB — cf. fls. 58;

9. Os AA. quer no proc. de revitalização, que correu termos sob o n° 22922/15.4T8LSB, quer no proc. n° 23449/15.0T8LSB, no qual a Galilei foi declarada insolvente, reclamaram os seus créditos, no valor de 50.000€ e 350,68€ de juros, e de 50.000€ e juros de 2.005,48€, respectivamente — cf. fls. 59 a 66;

10. Os AA. nada receberam da Galilei no âmbito desses processos;

11. Os AA. foram emigrantes na Suíça e o valor investido nas obrigações SLN 2004, correspondia às suas poupanças;

12. Os AA. têm como habilitações literárias a 4a classe;

13. Em Setembro de 2004, pela "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.", foi decidido emitir 1000 obrigações subordinadas a 10 anos, denominadas "SLN -Rendimento Mais 2004", por "emissão de 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de 50.000 euros, por dez anos, em 25/10/2014, sendo que nos termos da nota interna cuja cópia foi junta a fls. 83 a 100 cujo teor se reproduz ( reproduzido ainda a fls. 132 v° a 151 v°), datada de Outubro de 2004, o emitente era a SLN sendo que as receitas destas responderiam integralmente pelo serviço da dívida do "presente empréstimo obrigacionista", existindo ainda em tal nota informações sobre o emitente (ponto 3. De tal nota);

14. Nos termos da nota informativa referida refere-se quanto a juros dos l°s ao 10 cupões 4,5%, sendo o seu pagamento semestral e postecipadamente, e a nível de capital garantido consta "100% do capital investido", e em relação á subordinação consta que «as receitas da SLN respondem integralmente pelo serviço da dívida do presente empréstimo obrigacionista, sendo qu os subscritores terão sempre prioridade sobre os accionistas SLN, mas estarão subordinados aos restantes credores», consta ainda o «prospecto da emissão, que enviamos em anexo, deverá estar disponível para consulta e ser entregue a todos os clientes que o solicitem»;

15. Mais se refere na mesma nota que a atribuição de prémios em Dezembro encontra-se dependente do "Grau de realização dos objectivos (GRO) deste produto”;

16. Na mesma nota consta ainda na parte relativa ao argumentário (fls. 151) que «d) Caso o Subscritor pretenda vender as suas Obrigações, o BPN assumirá uma atitude pró-activa, tentando identificar potenciais compradores no universo de clientes BPN. Contudo, o BPN não assegura a recompra desta emissão, nem garante a existência de compradores para eventuais intenções de venda das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004»;

17. A conta dos AA. no Banco era um depósito à ordem, resultando a aplicação de 50.000 euros na compra da obrigação SLN 2004 referida de uma transferência desse valor para a conta referida, em 14/10/2004 — cf. extracto de fls. 183 v;

18. No dia 14 de Outubro de 2004, o funcionário do banco "BPN, SA", comunicou à A. que o banco tinha um novo produto, com capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior;

19. A A. dado que pretendia melhor rentabilidade e não necessitava nessa altura do valor depositado, e sem que lhe tenha sido explicado verbalmente que tal constituía a compra de uma obrigação, aceitou subscrever 1 obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de € 50.000,00;

20. A A. ao assinar o documento de subscrição entendeu que se tratava de um produto do banco BPN sendo assegurado o pagamento por este;

21. Os AA. não têm formação para avaliar o tipo de produto que lhe foi proposto, ficando convictos que a devolução do montante era garantido pelo banco;

22. Desde a subscrição das obrigações e até 24/04/2015, os AA. vêm recebendo semestralmente a remuneração dos cupões da obrigação que subscreveram, com a indicação que os juros dizem respeito à referida obrigação (cf. extractos de fls. 184 a 197);

23. A A., nascida a .../.../1951, com data de 01/05/2014, foi-lhe concedida a pensão de reforma antecipada em um ano pelo trabalho prestado na Suíça, sendo a taxa de redução da antecipação de 6,8% e o valor da pensão 896 CHF (francos Suíços);

24. Ao A., nascido a .../.../1951 com data de 01/01/2016 foi-lhe concedida a pensão de reforma antecipada em um ano pelo trabalho prestado na Suíça, sendo a taxa de redução da antecipação de 6,8% e o valor da pensão 8724 CHF (francos Suíços);

25. A falta de pagamento aos AA. do valor da subscrição tem angustiado os AA., com zangas no casal e vergonha perante os familiares e amigos.


15. Em contrapartida, o acórdão recorrido deu como não provados os factos seguintes:

— Que A "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA" pagou os juros referente à obrigações "SLN Rendimento Mais 2004" até 8/05/2014 e que os AA. entenderam que era um depósito a prazo, a cinco anos (alegado no art° 75° da p.i. - provado o que consta da resposta ao ponto 23);

— Que os AA. se tenham socorrido das poupanças do BES, que entretanto se esgotaram e que se tenham socorrido do auxilio financeiro da mãe da A.;

— Que a A. tenha vendido o seu ouro para sobreviver;

— Que os AA. na sequência do não pagamento do valor em causa pelo réu tenham tido necessidade de pedir emprestado dinheiro à sua filha;

— Que os pedidos dos AA. das reformas antecipadas decorram da falta de restituição do valor em causa nos autos;

— Que tenha sido entregue aos AA. a nota informativa do produto em causa.


   O DIREITO


16. O tema da intermediação financeira [1] e, em particular, da responsabilidade dos intermediários financeiros pela violação de deveres de esclarecimento e de informação dos clientes tem sido objecto de uma apreciável atenção da doutrina [2] e da jurisprudência [3] — fenómeno explicável por uma particular conjuntura económica e social [4].


17. A primeira questão suscitada pelos Autores, agora Recorrentes, consiste em averiguar se o Réu, agora Recorrido, violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.


18. O sistema dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros é complexo [5], devendo coordenar-se os princípios gerais do art. 227.º do Código Civil com as regras dos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e com as regras dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras [6].


a) O art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, era do seguinte teor:

1. — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


Em termos semelhantes ao art. 312.º, n.ºs 1 e 2, o art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial, determinava que“[a]s instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.


O fim dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários deve determinar-se através de uma referência aos interesses protegidos:

O art. 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, afirmava que “[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” e o art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras confirmava-o, dizendo que, “[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

O conteúdo dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, esse, deve determinar-se através de uma referência a duas coisas:— ao standard genérico dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e do art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras; — ao standard específico do art. 7.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, por que se exigem “determinados requisitos, positivos e negativos, a toda a informação prevista noutros preceitos do código” [7].

Ora o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, determinava que “[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” e os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em termos globalmente consonantes com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, determinavam que “[a]s instituições de crédito […], em todas as actividades que exerçam,” devem proceder com diligência [8]; “devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica” [9]; e devem proceder com lealdade e com neutralidade [10] [11].


b) O padrão ou standard genérico decorrente dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras deve completar-se com o standard específico sobre a qualidade da informação consignado no art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários: a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores… deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [12].

Ora a extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário possa completar-se completa, e a profundidade necessária para que uma informação completa permita ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, dependem de pelo menos quatro elementos: em primeiro lugar, do tipo de contrato de intermediação financeira [13];  em segundo lugar, dos conhecimentos e da experiência dos clientes; em terceiro lugar, da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados; e, em quarto lugar, do perfil e da situação financeira dos clientes. Em relação ao segundo elemento — i.e., aos conhecimentos e à experiência dos clientes —, o art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra a chamada regra da proporcionalidade inversa [14]: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. Em relação ao terceiro e ao quarto elementos, a relevância dos riscos especiais resulta explicitamente do art. 312.º, n.º 1, alínea b), e a relevância da situação financeira, do art. 314.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários [15].


19. Entre os corolários dos arts. 312.º e 314.º do Código dos Valores Mobiliários está o de que o conteúdo e a extensão dos deveres dos intermediários financeiros dependem das circunstâncias do caso; têm uma geometria variável [16].

Estando em causa instrumentos financeiros como as obrigações, “conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público”, o conteúdo dos deveres de esclarecimento do intermediário pode ir de um mínimo a um máximo.  O seu conteúdo mínimo consistirá em “explicar aos clientes que estes receberiam periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido; explicitar o período de maturidade do investimento e as taxas de juro, cuja aplicação ao montante daquele capital determinará o valor que receberá; e avisar que, em contrapartida, só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”.  O seu conteúdo máximo, esse, consistirá, p. ex., em “mostrar [aos clientes] — mesmo quando negoceiem por conta própria — os factores de cálculo das vantagens e desvantagens de certo produto financeiro, a subscrever por estes; ou [em] indicar o pior cenário relacionado com essa mesma subscrição; ou de apresentar a esse mesmo cliente as alternativas que existem para as suas necessidades (tal como previamente apuradas pelo intermediário financeiro, ou tendo ele mesmo o dever de as perscrutar e avaliar); ou [em] indicar, mesmo, o valor (de mercado, quando exista), sobretudo se negativo, do aludido produto ao tempo da celebração do contrato” [17].

Em abstracto, não pode dizer-se se uma acção ou se uma omissão do intermediário financeiro implica, ou não implica, uma violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — comportamentos comparáveis do intermediário podem representar uma violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação em relação a produtos financeiros mais complexos e não representar nenhuma violação ilícita em relação a produtos financeiros menos complexos, como uma obrigação; poderão representar uma violação ilícita em relação a produtos financeiros com riscos especiais e não representar nenhuma violação em relação a produtos sem riscos especiais; poderão representar uma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos seja mínimo ou, em todo o caso, mais reduzido e não representar nenhuma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos e/ou de experiência seja mais elevado.


20. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Os factores referidos no n.º 2 do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 correspondem à descrição de um caso exemplar de violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — em lugar de requisitos cumulativos, de cujo preenchimento depende a conclusão de que foi infringido ou violado um dever pré-contratual, devem interpretar-se como factores relevantes para a decisão.

O intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”. Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas [18] e os riscos da sua subscrição [19]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente [20]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios” [21]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser [22]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses”.


21. Entre o enquadramento adoptado no acórdão recorrido e o enquadramento adoptado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021 há uma diferença fundamental — absolutamente fundamental:

O acórdão recorrido preocupou-se essencial ou exclusivamente em averiguar se a declaração do intermediário financeiro tinha um sentido e um valor constitutivo — preocupou-se, essencial ou exclusivamente, em averiguar se havia uma declaração negocial do intermediário financeiro conformando ou contribuindo para conformar as condições do investimento e, em especial, em averiguar se havia uma declaração negacial do intermediário financeiro constituindo uma obrigação de garantia do capital investido.

A fundamentação do acórdão recorrido é esclarecedora:

O Banco assegurou aos clientes que o produto financeiro proposto tinha "capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior.”

A declaração do Banco, segundo a qual "estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco", interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.°, n.° 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade.

Como se pode ler no supracitado acórdão do STJ de 10-01-2013, em caso semelhante ao dos autos:

«(...) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 n° 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)»

«A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica».


O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, pressupondo que a declaração do intermediário financeiro tinha um valor descritivo-informativo, preocupou-se essencialmente em averiguar se a declaração era verdadeira ou falsa — em vez de averiguar se a declaração do intermediário financeiro constitui um dever ser contratual, conformando ou contribuindo para conformar as condições do investimento, preocupou-se essencialmente em averiguar se a declaração do intermediário financeiro era uma descrição adequada, contendo informação completa, do investimento.

Em consequência da diferença de enquadramento, a decisão de facto é insuficiente.

O acórdão recorrido dá como provados factos suficientes para que se conclua que a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos foi sugerida pelo intermediário financeiro, agora Réu, ao cliente [23], ou que a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente, agora Autor, que não tinha conhecimentos ou experiência para avaliar o risco daquele produto financeiro [24] .

O problema está em que não dá nem como provados nem como não provados (em que não se preocupa em dar como provados ou como não provados) factos suficientes para que se diga, p. ex.,  se a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro a um cliente que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco; se a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente; ou se a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro sem a explicação do que eram obrigações subordinadas.


22. Face à resposta dada à primeira questão — se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação —, fica prejudicada a resposta à segundase a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato.


23. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Em concreto, faltando a produção da prova, ou a apreciação da prova produzida necessária para que se diga se houve ou não violação de deveres de esclarecimento ou de informação, falta ainda a produção da prova, ou a apreciação da prova produzida necessária para que se diga se a violação de deveres foi condição sine qua non da decisão de investir (de que “a prestação da informação devida levaria os Autores a não tomar a decisão de investir”).

O processo deverá, em consequência, regressar ao tribunal recorrido, para que a decisão de facto seja ampliada, em ordem a constituir base adequada e suficiente para a decisão de direito (cf. arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do Código de Processo Civil) [25].


25. Face à resposta dada às duas primeiras questões — se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação e se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato —, fica prejudicada a resposta à terceira — se a conclusão do contrato foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pelos Autores.


III. — DECISÃO

Face ao exposto, anula-se o acórdão recorrido e determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para que a causa seja julgada novamente, nos termos dos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º do Código de Processo Civil.

Custas a final. 


Lisboa, 10 de Janeiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

______

[1] Sobre o conceito e o regime da intermediação financeira em geral, vide António Pereira de Almeida, Sociedades comerciais, valores mobiliários e mercados, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 729-737; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 245-327; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 271-273 e 381-528; José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 573-615; Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 353-373 = in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 7-26; Fátima Gomes, “Contratos de intermediação financeira: sumário alargado”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 565-599; José Augusto Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, in: Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], vol. 85.º (2009), págs. 277-319; José Augusto Engrácia Antunes, “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro. Alguns aspectos”; in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 56 — Abril de 2017, págs. 31-52; Assunção Cristas, Transmissão contratual do direito de crédito. Do carácter real do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2005, pág. 423 (nota n.º 1114); José Pedro Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 331-350; ou José Queirós de Almeida, “Contratos de intermediação financeira enquanto categoria jurídica”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 24 — 2006, págs. 291-303.

[2] Como demonstram, p. ex., António Menezes Cordeiro, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in: António Menezes Cordeiro / Manuel Januário da Costa Gomes / Miguel Brito Bastos / Ana Alves Leal (coord.), Estudos de direito bancário I, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 9-46; Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in: Direito dos valores mobiliários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 129-156; Luís Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II — Direito bancário, Livraria Almedina, Coimbra 2002, págs. 225-244; Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in: Revista de direito e economia, ano 14.º (1988), págs. 135-165; Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, in: Direito das sociedades em revista, vol. 16 — 2016, págs. 15-31; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 401-410; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Revista de direito comercial, ano 2.º (2018), págs. 1225-1240, disponível in: WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com >; Margarida Azevedo de Almeida. A responsabilidade civil por prospecto no direito dos valores mobiliários. O bem jurídico protegido, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, esp. nas págs. 222-227; Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteira. Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”,  in: Maria de Fátima Ribeiro (coord.), Jornadas — Sociedades abertas, valores mobiliários e intermediação financeira, Livraria Almedina, Coimbra, 2007, págs.  55-86; Catarina Monteiro Pires, “Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro”, in: Cadernos de direito privado, n.º 44 — Outubro / Dezembro de 2013, págs. 3-22; Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2001; Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Livraria Almedina, Coimbra, 2008; Fernando Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil”, in: Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31 — 2008, págs. 50-87; Pedro Miguel Rodrigues, A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário (dissertação de mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011; ou Pedro Miguel Rodrigues, “A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário”, in: DataVenia. Revista jurídica digital, ano 1.º (2013), págs. 101-131, disponível in: < https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p101-132.pdf >.

[3] Como o demonstram, p. ex., as colectâneas O direito bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in: WWW: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitobancario.pdf > ou in: Centro de Estudos Judiciários, Direito bancário, in: WWW: < http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf >. [4] Vide designadamente António Menezes Cordeiro, “A tutela do consumidor de serviços financeiros e a crise mundial”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 603-632; ou Paulo Câmara, “Crise financeira e regulação”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 697-728, esp. nas págs. 716-719.[5] Cf. designadamente Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 403 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1229: “… a construção do sistema no âmbito da responsabilidade dos intermediários financeiros [apresenta-se] extremamente complexa”. Entre as razões da sua complexidade estaria a necessidade de “articulação entre o Código dos Valores Mobiliários e o direito privado comum”: “importa sobretudo”, escreve o Professor Carneiro da Frada, “pôr em guarda contra apriorismo simplificadores, que partem com excessiva auto-suficientência do Código dos Valores Mobiliários para resolver os problemas de responsabilidade dos intermediários financeiros e não reconhecem, como é mister, a necessidade e a imprescindível valia, para o efeito, o direito comum dos contratos”.

[6] Salvo indicação em contrário, considerar-se-á o teor das disposições do Código dos Valores mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras em vigor em Abril de 2006, ou seja, na data da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos.[7] Expressão de Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, cit., pág. 30.

[8] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

[9] Cf. art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

[10] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial.

[11] Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que o padrão de diligência do art. 304º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e nos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras é superior ao padrão do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil [vide, na doutrina, p. ex., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 258 — dizendo que “[d]o confronto entre os regimes regra com os regimes mobiliários específicos resulta, do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio) espera-se uma actuação como elevados padrões de diligência” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 — e de de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, considerando que se substitui o bonus paterfamilias do art. 487.º, n.º 2, por um diligentissimus paterfamilias, “não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve”.

[12] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, “[a] violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários”. [13] Cf. designadamente Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, cit., pág. 17: “… nos preceitos dedicados a cada tipo contratual surgem também regras sobre deveres de informação”.

[14] Expressão usada, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —: “O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. (

[15] Embora o art. 312.º não refira expressamente a natureza dos instrumentos financeiros negociados, deve concordar-se com as afirmações feitas pelo Professor António Pinto Monteiro, no parecer junto aos autos: “… o grau de conhecimento de uma pessoa em relação a um instrumento como uma obrigação é completamente diverso do conhecimento que o mesmo sujeito possa ter, p. ex., de um swap de taxas de juro” (págs. 15-16); “conceitos como ‘obrigação’ e, no seu âmbito, ‘resgate’, são conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público, contrariamente ao que acontece com produtos de elevada complexidade, como a noção de synthetic collateralized debt obligation, assente em swaps e outros derivados, já que assentarão no pólo oposto do espectro” (pág. 16)

[16] Expressão usada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 —e de 11 de Outubro de 2018 — processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1.

[17] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 404 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1231.

[18] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.

[19] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.

[20] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.

[21] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente: “Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

[22] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.

[23] Cf. facto dado como provado sob o n.º 18: “No dia 14 de Outubro de 2004, o funcionário do banco "BPN, SA", comunicou à A. que o banco tinha um novo produto, com capital garantido, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior”.

[24] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 11 e 12, em ligação com os factos dados como provados sob os n.ºs 20 e 21: “11. Os AA. foram emigrantes na Suíça e o valor investido nas obrigações SLN 2004, correspondia às suas poupanças; 12. Os AA. têm como habilitações literárias a 4a classe; […] 20. A A. ao assinar o documento de subscrição entendeu que se tratava de um produto do banco BPN sendo assegurado o pagamento por este; 21. Os AA. não têm formação para avaliar o tipo de produto que lhe foi proposto, ficando convictos que a devolução do montante era garantido pelo banco”

[25] Em termos em tudo semelhantes, vide o acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2018 — processo n.º 3759/15.7T8LRA.L1.S1 —, em que se decidiu. “a) Mandar baixar os autos ao tribunal recorrido para que, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, amplie ou clarifique a matéria de facto conexa com a [a]firmação de que ‘foi assegurado ao A. pelo funcionário do R. que o retorno das quantias subscritas com as obrigações DD era absolutamente garantido, indistintamente pelo CC e pela DD’. b) Julgar em conformidade”.