Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1862/13.7TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 01/26/2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO INDEMNIZAÇÃO / REPARAÇÃO EQUITATIVA DOS DANOS.
Doutrina:
– Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, em anotação ao artigo 496.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, 566.º, N.º 3.
Sumário :
I - Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho, já que, havendo uma incapacidade permanente, dela sempre resultará uma afetação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que, de futuro, terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.

II - O dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.

III - Tendo ficado provado que, em consequência das lesões sofridas em virtude do acidente de viação de que foi vítima, a lesada: (i) ficou com dores diárias na coluna cervical e na cabeça; (ii) devido às dores, tem dificuldade em dormir, andar, sentar-se, curvar-se, pegar em objetos, vestir-se, pentear-se, secar o cabelo, arrastar mobília, pegar em tachos, dar banho à filha, subir e descer escadas, passar a ferro e conduzir um veículo automóvel; (iii) frequenta desde o acidente (08-07-2012), e terá de continuar a frequentar, tratamentos de fisioterapia; (iv) ficou a sofrer de perturbação de stress pós-traumático, o que afeta a sua autonomia pessoal, social e profissional, importando uma incapacidade de 10%; (v) o exercício da sua atividade profissional (cabeleira) é possível, mas implica esforços suplementares, o que lhe importa uma incapacidade de 2,7%; (vi) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos; (vii) as lesões sofridas e as sequelas com que ficou têm repercussão permanente nas atividades desportivas, a qual foi fixada no grau 3 numa escala de 7; (viii) à data do acidente estava desempregada e inscrita no Centro de Emprego, tendo perdido essa qualidade a partir de 27-02-2012 por aí se ter deixado de apresentar em consequência das lesões; (ix) por causa destas, teve de recusar um emprego na sua profissão de cabeleireira; e (x) contratou uma empregada que lhe assegura as lides domésticas, é de concluir que, tendo, ou podendo ter, estes factos repercussão nas atividades da vida diária da autora, o dano biológico sofrido merece a tutela do direito, devendo ser ressarcido.

IV - Considerando os factos elencados em III, bem como que a indemnização, a título de dano biológico, deve ser calculada de acordo com a equidade nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, é justo e correto o montante de € 70 000 fixado pela Relação (por contraposição ao de € 8 000 fixado pela 1.ª instância).

V - Estando ainda provado que, em consequência das lesões sofridas no acidente, a autora ficou a padecer de uma cervicalgia com intensidade progressiva permanente, que necessitará de auxílio de terceira pessoa nas situações ocasionais de agudização de dor cervical e sendo de considerar como razoável que essas situações ocorram, pelo menos e em média, uma vez por semana e que perdurem por toda a vida da autora, é justo o montante indemnizatório de € 50 000 calculado pela Relação, com recurso à equidade, tendo em conta um período de seis horas semanais a € 5/hora.

VI - Os danos morais são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária por atingirem bens que não integram o património do lesado (designadamente a vida, a saúde, a liberdade e a beleza), pelo que a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.

VII - Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (i) tinha 29 anos de idade à data do acidente; (ii) em virtude deste, sofreu pânico e dores corporais; (iii) recorreu, várias vezes, ao serviço de urgência hospitalar, tendo sido submetida a exames, tratamentos e medicação; (iv) usa colar cervical e colete dorsal; (v) continua em tratamento, designadamente medicação, com o mesmo quadro clínico de síndrome pós-traumático, dores lombares e cervicais com intensidade progressiva, irradiação occipital, dores de cabeça, crises de pânico, humor depressivo, angústia e insónia; (vi) o quantum doloris foi fixado no grau 4; (vii) é casada e tem a seu cargo dois filhos menores; (viii) antes do acidente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa; (ix) apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou, queixando-se do evitamento para a condução e revivências do acidente; (x) não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes fazia; e (xi) deixou de fazer desporto, caminhadas e de andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa, é correto, de acordo com a equidade, o montante de € 30 000 fixado pela Relação a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial (arts. 494.º e 496.º do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Em 201305.16, no então 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB Seguros, S.A..


Pediu

a condenação da ré no pagamento da quantia global de 346.318,00 euros (já considerando a ampliação do pedido, ascendendo o valor inicial pedido ao montante de 38.550,00 euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e morais, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação.

 

Alegou

em resumo, que o veículo automóvel com a matrícula ...-UM-..., sua pertença, foi interveniente em acidente de viação, do qual lhe advieram prejuízos resultantes de atuação do condutor do veículo com a matrícula ...-LS-..., segurado da ré.

  

Contestando

a ré admitiu a responsabilidade do LS na eclosão do acidente, mas impugnou os montantes indemnizatórios peticionados.


Foi realizada audiência prévia, onde se fixou o objeto do processo, se elencaram os temas da prova e se admitiram os meios de prova.

   

Antes da realização da audiência de discussão e julgamento, a autora veio ampliar o pedido inicialmente formulado, ao abrigo do disposto no art.º 569.º do Código Civil, o que foi admitido por despacho de fls. 363.


Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 2015.07.15, com o seguinte segmento decisório:

Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência:

- Condeno a ré BB Seguros, SA a pagar à autora AA a quantia global de 51.780,00 euros (cinquenta e um mil setecentos e oitenta euros) acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da sua citação, às sucessivas taxas legais em vigor, situando-se atualmente em 4%, até integral pagamento, mas deduzida dos montantes entregues pela ré à autora desde a data da prolação da decisão de arbitramento de indemnização provisória até ao trânsito em julgado da sentença ora proferida.

- No mais, vai a ré absolvida dos demais pedidos formulados pela autora.

Custas a cargo da autora e da ré, na proporção do seu decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a autora goza – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”


A autora apelou, com parcial êxito, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 2016.06.28, proferido a seguinte decisão:

Pelos fundamentos expostos, na parcial procedência do recurso, condena-se a Ré a pagar à Autora:

1. A quantia de €158.780,00 (cento e cinquenta e oito mil setecentos e oitenta euros), deduzida dos montantes entregues pela Ré à Autora desde a data da prolação da decisão de arbitramento de indemnização provisória, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados do seguinte modo:

a) Sobre €8.780,00, desde a citação até à data deste acórdão;

b) Sobre €158.780,00, a partir da data deste acórdão;

2. As importâncias que se vierem a liquidar pelas despesas com medicamentos, consultas médicas e de fisioterapia, decorrentes do acidente dos autos.


Inconformadas, quer a autora, quer a ré, deduziram a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

A autora contra alegou.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) – Dano decorrente da incapacidade/dano biológico;

B) – Dano por necessidade de auxílio de terceira pessoa;

C) – Dano de natureza não patrimonial.


Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados e não provados nas instâncias:

1. No dia 08/julho/2012, pelas 23 horas, ao km 38,90 da A41, em …, Gondomar, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ...-LS-..., pertença de CC e por este conduzido e o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …-MU-…, pertença da autora e por esta conduzido.

2. Ambos os veículos circulavam no sentido Espinho/Matosinhos, seguindo o MU à frente do LS.

3. Logo após a passagem do túnel do Covelo, onde a A41 configura uma reta, o condutor do LS, porque circulava distraído e sem atenção ao trânsito, embateu de forma violenta com a frente do LS na traseira do UM.

4. A autora conduzia o UM com atenção ao trânsito, pela direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, não conseguindo, contudo, evitar o embate e consequente despiste.

5. Em consequência da colisão, o UM embateu no talude e capotou, ficando na berma direita atento o sentido de marcha de ambos os veículos.

6. A responsabilidade civil decorrente da circulação do LS encontrava-se transferida para a requerida mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 034/….

7. No dia e hora do embate a requerida dispensou qualquer assistência médica, sentindo combalida.

8. Em consequência do acidente a ré sofreu pânico e danos corporais, tendo sido assistida, 2 dias depois, no Hospital de Penafiel.

9. A requerente recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Penafiel, em 10/07, com lombalgias cervical e lombar, onde foi submetida a um exame radiográfico à coluna cervical com duas incidências, um exame radiográfico à coluna dorsal, com duas incidências, a uma análise hemograma com fórmula leucocitária, análises de tempo de protrombina e análises de tempo de tromboplastina parcial e submetida a tratamento de soros e administrada medicação analgésica por injeção intravenosa.

10. Nessa data, foi-lhe diagnosticada uma cervicalgia, tendo tido alta, sendo-lhe recomendada vigilância, descanso no domicílio e receitada medicação analgésica.

11. Desde então, a requerente tem andado com dores, sem poder fazer qualquer tipo de atividade e constantemente em visitas às urgências, fisioterapia e idas aos médicos de diferentes especialidades – ortopedia, neurologia, psiquiatria.

12. No dia 23/07 a requerente recorreu ao serviço de urgência do Hospital de S. Gonçalo com cefaleia, dor severa, tendo sido medicada com diversas soluções injetáveis e foi-lhe dada alta às 00:19 do dia 24/07.

13. Ali foi-lhe diagnosticada cervicalgia com intensidade progressiva e irradiação occipital, cefaleia diária e apresentava cefaleia diária e holocraneana com fonofotobia associada.

14. Nessa data foi determinado que a requerente tinha antecedentes de enxaqueca sendo esta medicada com topiramato 50mg e zomig em sos.

15. Desde a data do acidente que a requerente tem dores cervicais e de cabeça permanentes tomando sempre medicação analgésica, corticoides, relaxantes musculares e antidepressivos (acido acetilsalicílico 1000mg/5ml ampolas injetáveis, hidrocortisona 100mg/2ml amp Im/Iv Inj, metoclopramida 10mh/2ml amp/iv Inj e tramadol 100mg/2ml amp/iv inj.).

16. No dia 06/08 a autora voltou a recorrer ao serviço de urgência do Hospital de Penafiel, com os mesmos sintomas acrescidos de perda de memória pontual e situações de amnésia global transitória.

17. Nessa data realizou em Doppler Carotídeo aos vasos sanguíneos do pescoço, passando a usar um colar cervical e durante várias semanas um colete corretor dorsal.

18. No presente apenas em casa usa o colar cervical e o colete dorsal.

19. A autora tem dificuldade em dormir com as dores que sente, acordando com dores e tendo de tomar medicação para as mesmas e para dormir.

20. No dia 14/09 recorreu novamente ao serviço de urgência do Hospital de S. Gonçalo com os mesmos sintomas de cervicalgia, tendo sido medicada com analgésicos.

21. Desde o acidente que a requerente passa o dia em tratamentos de fisioterapia e consultas médicas, estando, de resto, em casa ora na cama ora no sofá, com crises de angústia e de pânico, insónia, humor depressivo e permanentes dores cervicais e de cabeça.

22. Tem-se deslocado ao Porto de carro particular para as consultas nos serviços clínicos da requerida.

23. A requerente continua em tratamento, com o mesmo quadro clínico – síndrome pós-traumático, fortes dores lombares e cervicais com intensidade progressiva desde o acidente, irradiação occipital, fortes dores de cabeça, crises de pânico, humor depressivo, angustia e insónia.

24. As lesões sofridas pela autora atingiram a consolidação médico-legal em 08/03/2013.

25. A autora esteve em situação de ITA para o trabalho de 08/07/2012 a 08/03/2013.

26. A autora em consequência do referido, não consegue andar durante muito tempo, sentar-se por períodos prolongados, tem dificuldade em curvar-se, em pegar em objetos com peso superior a 3kg por adormecimento dos membros superiores, tem dificuldade em vestir-se por causa das dores no pescoço, acorda com dores, tem dificuldade em pentear-se e secar o cabelo, não consegue arrastar sofás, cómodas, mesas ou camas, não consegue pegar em tachos, não consegue dar banho à filha, nem subir ou descer escadas sem esforço e sem dor, não consegue passar a ferro, nem conduzir um veículo automóvel.

27. Em consequência do acidente a autora ficou a sofrer de perturbação de stress pós traumático o que afeta a sua autonomia pessoal, social e profissional, com repercussão nas suas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais e de lazer e importando uma incapacidade de 10%

28. O quantum doloris da autora foi fixado no grau 4.

29. Em consequência das lesões sofridas e das sequelas com que ficou o exercício da sua atividade profissional é possível, implicando esforços suplementares na manipulação continuada de objetos que obriguem uma postura fixa, como estar muito tempo a segurar num secador, devendo efetuar períodos de repouso entre atendimento de clientes, o que lhe imposta uma incapacidade de 2,7%.

30. A autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.

31. As lesões sofridas e as sequelas com que ficou implicam uma repercussão permanente nas atividades desportivas, a qual foi fixada no grau 3 numa escala de 7.

31-A. A autora, desde junho/2014, toma Targin, prescrito pela sua médica de família para minorar as dores que sente.

32. A autora não consegue conduzir um veículo automóvel por causa das lesões de que padece, mas também por ter pavor vindo-lhe à memória o acidente sofrido, tendo ataques de pânico quando se senta ao volante.

33. A autora deixou de levar a sua filha à escola como antes fazia e tem dificuldade em executar qualquer tarefa que implique o esforço dos braços.

34. A autora vive, em permanência, com dores, triste, deprimida, sem alegria, continua a ter pesadelos com o acidente e que a sua filha vai no automóvel.

35. A requerente nasceu em 16/Janeiro/1983, sendo casada e tendo a seu cargo uma filha nascida em 21/Outubro/2001 e um filho nascido em 26/04/2014.

36. Antes do acidente a requerente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa.

37. A autora apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou e mostrando ansiedade e labilidade emocional quando descreve as circunstâncias do evento, queixando-se de evitamento para a condução e revivências do acidente.

38. À data do acidente, a requerente estava desempregada e inscrita no Centro de Emprego, tendo perdido essa qualidade a partir do dia 27/07/2012, por se ter deixado de apresentar no Centro de Emprego em consequência das lesões sofridas com o acidente.

39. A requerente tem a profissão de cabeleireira.

40. E tinha um convite para começar a trabalhar num salão de cabeleireiro no mês de Setembro/2012, com o salário de 700 euros, acrescido de gratificações, o qual recusou por causa das lesões sofridas com o acidente.

41. A autora não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes do acidente fazia.

42. Desde o acidente que a autora deixou de fazer desporto, caminhadas e andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa.

43. A autora contratou uma empregada que lhe assegura as lides domésticas.

44. De julho/2013 a dezembro/2014 a autora pagou à empregada a quantia global de 5.920,00 euros e a quantia de 848,00 euros, correspondendo esta à contribuição para a Segurança Social.

45. A autora apenas necessitará do auxílio de terceira pessoa nas situações ocasionais de agudização acentuada da dor cervical, para realizar as tarefas mais pesadas ao nível das atividades do dia-a-dia, como efetuar limpezas profundas da casa.

46. Por mês, em medicação analgésica, anti-inflamatória, relaxantes musculares, a autora despende cerca de 90 euros.

47. Em consequência das lesões sofridas e das sequelas a autora terá de fazer tratamentos de fisioterapia em situações de agudização da dor cervical, o que implica consultas médicas, consultas de fisioterapia, sessões de fisioterapia, com alguma regularidade, ascendendo as consultas médicas a cerca de 75 euros e cada sessão de fisioterapia cerca de 20 euros.

47-A. Em consequência do acidente a Autora vai necessitar ao longo de toda a sua vida de tomar medicação e de realizar exames e bem assim de se submeter a consultas médicas.

48. A autora terá de fazer dois ciclos de fisioterapia por ano.

49. É a autora quem suporta o custo das idas aos serviços de urgência.

50. A requerente vive com o marido, a sua filha e o filho de ambos numa casa situada no rés-do-chão da moradia dos seus pais, mas independente.

51. A requerente gozou de subsídio de emprego de 12/02/2004 a 11/02/2011, com o valor diário de 7,63 euros, de 12/02/2005 a 11/08/2005, com o valor diário de 7,63 euros, de 19/07/2009 a 23/07/2009, com o valor diário de 9,57 euros, de 24/07/2009 a 22/08/2009, com o valor diário de 9,57 euros e de 02/02/2010 a 31/07/2010, com o valor diário de 13,21 euros.

52. A autora intentou contra a ré um procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, no qual foi determinada a entrega mensal da quantia de 100,00 euros, acrescida do salário mínimo nacional, descontado das obrigações fiscais, o que a ré cumpriu.

53. A ré assumiu o custo de todas as despesas médicas e medicamentosas da autora até à data da sua alta e realizadas nos seus serviços, no valor global de 3.143,55 euros (à data da contestação).

Não foram considerados provados os seguintes factos:

1. O LS circulava a uma velocidade superior a 120km/h.

2. O UM circulava a uma velocidade de 80km/h.

3. A autora ficou encarcerada no MS.

4. Com o embate e capotamento a autora ficou desorientada.

5. A autora, de futuro, irá ter de suportar o custo com intervenções cirúrgicas e exames médicos.

6. Devido ao acidente a autora passou uma fase da vida em estado quase vegetal, acamada, tendo de ser alimentada por terceira pessoa e ajudada na realização das tarefas básicas.

7. As lesões e sequelas sofridas impedem a autora de desempenhar uma atividade profissional.

8. A autora tem perdas de memória e dificuldade em memorizar.

9. Em consequência do acidente e das lesões sofridas a vida sexual da autora reduziu-se a não mais de 5% da média que tinha antes do acidente, pois a autora devido às dores que sente e aos efeitos secundários dos medicamentos que toma não consegue praticar atos sexuais e perdeu o desejo sexual.

10. Além do mais, sente-se complexada, sente que já não dá prazer ao seu então namorado, agora marido e deprimida por achar que ele perdeu o interesse em si.

11. Por causa do acidente a intenção da autora e do seu marido de casarem no final do ano de 2012 foi afastada, tendo o casamento sido adiado apenas se concretizando no dia 12/05/2013.

12. A autora está sem ir à praia desde o dia do acidente, por não se sentir com forças para o fazer, o que a entristece por gostar muito de o fazer.

13. A requerente iria auferir a quantia mensal de 150 euros a título de gratificações.

14. O custo de cada ida ao serviço de urgência ascende a 50 euros.

15. A autora vai ter de compensar quem a levou nas deslocações para a fisioterapia, para as consultas no Porto – mais de 15 -, para as idas aos hospitais do Março e de Penafiel, o que implica um gasto de cerca de 300,00 euros.

16. A autora necessitará de consultas médicas de 3 e 3 meses.

17. A autora não está em condições de retomar a sua atividade profissional.

18. No futuro a autora terá de suportar, por ano, um valor não inferior a 1.000,00 euros, correspondente aos 2 meses de salário que corresponderão ao período em que a autora se terá de submeter aos tratamentos de fisioterapia e limpezas mais profundas da casa.

A autora só engravidou por ela e o marido terem feito as contas para o dia certo em que o ato deveria acontecer para ter como consequência engravidar.

19. A autora, em matéria de relacionamento sexual com o seu marido, depois do acidente reduziu-se a 10%.

20. A autora tem constantes tonturas com pequenos movimentos que faça com a coluna.

21. A autora comprometeu-se a pagar à mãe a quantia de 4.400,00 euros correspondente aos 11 meses que assumiu as funções de empregada de limpeza em sua casa.

22. O custo de uma empregada de limpeza é de 6.00 euros/hora, 30 horas por mês.

23. Desde o acidente a autora gastou em medicação, exames, consultas e empregada a quantia de 10.000,00 euros.


Os factos, o direito e o recurso


A) – Dano decorrente da incapacidade/dano biológico


Na sentença proferida na 1ª instância condenou-se a ré a pagar à autora a quantia de 8.000,00 € “a título de indemnização pelo défice funcional permanente da integridade física de 13 pontos, de que ficou a padecer “ a autora.

No acórdão recorrido condenou-se a ré a pagar à autora a quantia de 70.000,00 € como indemnização pelo dano biológico proveniente da incapacidade de que aquela ficou a padecer.

A autora entende que tal dano deve ser indemnizado com a quantia de 100.000,00 €.

A ré entende que a indemnização por tal dano deve ser fixada no montante de 8.000,00 €.

Vejamos.


Entende a autora que “tem direito a ser indemnizada pela incapacidade permanente geral de que passou a padecer no que concerne ao exercício da sua atividade profissional, quer ao nível do dano biológico, quer ao nível da perda da capacidade de ganho – lucros cessantes”, pelo que “peca por defeito” o montante da indemnização fixado no acórdão recorrido por esse motivo.

Mas não tem razão, pois não provou que a autora ficasse a padecer dessa incapacidade em virtude das lesões sofridas no acidente.


Na verdade, não se provou que “as lesões e sequelas sofridas impedem a autora de desempenhar uma atividade profissional” e que “a autora não está em condições de retomar a sua atividade profissional” – pontos 7 e 17 do elenco dos factos dados como não provados.


E provou-se que “em consequência das lesões sofridas e das sequelas com que ficou, o exercício da sua atividade profissional é possível, implicando esforços suplementares na manipulação continuada de objetos que obriguem uma postura fixa, como estar muito tempo a segurar num secador, devendo efetuar períodos de repouso entre atendimento de clientes, o que lhe imposta uma incapacidade de 2,7%.” – ponto 29, do elenco dos factos dados como provados.


Estes factos, uma vez que foram devidamente apreciados em audiência de julgamento, não podem agora ser alterados utilizando presunções, como parece pretender a autora.


Temos, pois, que concluir, que a autora, em virtude das lesões sofridas no acidente, não ficou impossibilitada de exercer a sua profissão de cabeleireira ou de exercer qualquer outra profissão que de futuro venha a enveredar.


Os esforços suplementares, que terá que suportar para esse exercício, em virtude das sequelas das lesões sofridas no acidente, serão tidos em conta, não no âmbito desta inexistente impossibilidade, mas no âmbito do chamado dano biológico, que a seguir abordaremos.


Não se provou que a autora AA exercesse qualquer profissão à altura da ocorrência do acidente e, portanto, o défice funcional permanente da sua integridade física de 2,7 pontos, de que ficou a padecer em termos de incapacidade profissional por virtude das sequelas provenientes do acidente, não se traduziram em perda efetiva do rendimento do trabalho, tanto mais que também se provou que essas sequelas eram compatíveis com o alegado exercício da atividade profissional de cabeleira, embora com esforços suplementares.


Mas apesar disso, há que considerar a existência de um dano, determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral da mesma autora, justificativo de indemnização.


Se se entende, como se deve entender, o dano biológico como uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, naturalmente tem que se entender que tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade.


Sendo assim, tem sido dado relevo ao facto de havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.

E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.


Embora com contactos evidentes com os danos de natureza não patrimonial, o dano biológico não se pode reduzir a estes, na medida em que nos danos não patrimoniais apenas estão em causa prejuízos insuscetíveis da avaliação pecuniária e no dano biológico estão em causa prejuízos de natureza patrimonial, provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado.


Mas como calcular o montante da indemnização deste dano biológico com esta natureza patrimonial?

Parece evidente que não poder ser utilizado para o efeito a retribuição que a autora auferia da sua profissão.


Na verdade, estando provado que a incapacidade parcial permanente de 2,7 pontos que a autora AA ficou a padecer definitivamente em consequência das lesões e sequelas ao nível profissional resultantes do acidente era compatível com o exercício da sua profissão habitual e não estando provado que esse défice funcional tenha reduzido a sua capacidade de ganho, o montante da sua retribuição profissional nunca poderia ser considerado, por não provado e, de qualquer forma, nenhum interesse teria para a questão, na medida em que não estava em causa essa específica atividade, mas antes a sua atividade em geral.


Quanto a esta atividade e quanto a prejuízos de natureza patrimonial, provenientes das consequências negativas ao nível da atividade geral da autora, temos que considerar alguns factos que foram dados como provados.


Em 2012.07.10,como consequência do acidente, foi diagnosticada à autora uma cervicalgia, tendo tido alta, sendo-lhe recomendada vigilância, descanso no domicílio e receitada medicação analgésica.

Em 2012.07.23, foi-lhe diagnosticada cervicalgia com intensidade progressiva e irradiação occipital, cefaleia diária e apresentava cefaleia diária e holocraneana com fonofotobia associada.

A autora tem dificuldade em dormir com as dores que sente, acordando com dores e tendo de tomar medicação para as mesmas e para dormir.

Desde o acidente que a autora passa o dia em tratamentos de fisioterapia e consultas médicas, estando, de resto, em casa, ora na cama, ora no sofá, com crises de angústia e de pânico, insónia, humor depressivo e permanentes dores cervicais e de cabeça.

A autora, em consequência das lesões sofridas, não consegue andar durante muito tempo, sentar-se por períodos prolongados, tem dificuldade em curvar-se, em pegar em objetos com peso superior a 3kg, por adormecimento dos membros superiores, tem dificuldade em vestir-se por causa das dores no pescoço, acorda com dores, tem dificuldade em pentear-se e secar o cabelo, não consegue arrastar sofás, cómodas, mesas ou camas, não consegue pegar em tachos, não consegue dar banho à filha, nem subir ou descer escadas sem esforço e sem dor, não consegue passar a ferro, nem conduzir um veículo automóvel.

Em consequência do acidente a autora ficou a sofrer de perturbação de "stress" pós traumático, o que afeta a sua autonomia pessoal, social e profissional, com repercussão nas suas atividades da vida diária, incluindo as familiares, sociais e de lazer e importando uma incapacidade de 10%.

Em consequência das lesões sofridas e das sequelas com que ficou, o exercício da sua atividade profissional é possível, implicando, no entanto, esforços suplementares na manipulação continuada de objetos que obriguem uma postura fixa, como estar muito tempo a segurar num secador, devendo efetuar períodos de repouso entre atendimento de clientes, o que lhe importa uma incapacidade de 2,7%.

A autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.

As lesões sofridas e as sequelas com que ficou implicam uma repercussão permanente nas atividades desportivas, a qual foi fixada no grau 3 numa escala de 7.

A autora não consegue conduzir um veículo automóvel por causa das lesões de que padece, mas também por ter pavor, vindo-lhe à memória o acidente sofrido, tendo ataques de pânico quando se senta ao volante.

A autora deixou de levar a sua filha à escola, como antes fazia e tem dificuldade em executar qualquer tarefa que implique o esforço dos braços.

À data do acidente, a autora estava desempregada e inscrita no Centro de Emprego, tendo perdido essa qualidade a partir do dia 2012.07.27, por se ter deixado de apresentar no Centro de Emprego em consequência das lesões sofridas com o acidente.

A autora tem a profissão de cabeleireira.

Tinha um convite para começar a trabalhar num salão de cabeleireiro no mês de Setembro de 2012, com o salário de 700 euros, acrescido de gratificações, o qual recusou por causa das lesões sofridas com o acidente.

A autora contratou uma empregada que lhe assegura as lides domésticas.

Em consequência das lesões sofridas e das sequelas, a autora terá de fazer tratamentos de fisioterapia em situações de agudização da dor cervical, o que implica consultas médicas, consultas de fisioterapia, sessões de fisioterapia, com alguma regularidade.

A autora terá de fazer dois ciclos de fisioterapia por ano.


É notório que todos estes factos têm ou podem ter repercussão nas atividades da vida diária da autora, nos termos acima assinalados.


Na verdade, em face das consequências que lhe advieram do acidente ao nível da coluna cervical, do sono, da locomoção, da atividade desportiva, da condução de veículos automóveis – dores diárias, dificuldades em andar, sentar-se, curvar-se, pegar em objetos, vestir-se, pentear-se, secar o cabelo, arrastar mobília, pegar em tachos, dar banho à filha, subir e descer escadas, passar a ferro, conduzir um veículo automóvel, ter que fazer tratamentos de fisioterapia, incapacidade parcial para o trabalho na ordem dos 2,7 pontos e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos, assim como a necessidade que teve de recusar um emprego na sua profissão de cabeleireira – parece não podermos deixar de concluir que destas consequências resultará necessariamente um dando biológico, ou seja e como acima ficou referido, uma diminuição da efetiva utilidade do corpo da autora ao nível de atividades laborais, recreativas, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo, dano este que merece a tutela do direito e assim, deve ser ressarcido.


Na impossibilidade de averiguar o valor exato do dano, deve ser utilizado para o seu cálculo a equidade, nos termos do nº3 do artigo 566º do Código Civil.


E assim, atendendo à gravidade do dano decorrentes das consequências acima descritas, entendemos ser correto e justo o montante de 70.000,00 € fixado no acórdão recorrido, que se fixa como indemnização pelo dano biológico de que ficou a padecer a autora AA.


B) – Dano por necessidade de auxílio de terceira pessoa


Na sentença proferida na 1ª instância, não se condenou a ré a pagar à autora uma quantia a título de indemnização por despesas com uma empregada, que a autora alegou necessitar para a auxiliar, porque se entendeu que “a contratação de uma empregada com presença diária em sua casa não é uma ocorrência direta dos danos sofridos com o acidente”.


No acórdão recorrido entendeu-se condenar a ré a pagar à autora a quantia de 50.000,00 € como indemnização “que permita pagar a uma pessoa para a realização de tarefas que a autora ficou impossibilitada de realizar”, remuneração esta que calculou com recurso à equidade e considerando um período de seis horas semanais, a cinco euros por hora.


A ré entende que tal condenação deve ser revogada ou o seu montante “substituído por um valor mais razoável e consentâneo com os critérios “que anteriormente enunciou, uma vez está provado tão só que “a autora apenas necessitará do auxílio de terceira pessoa nas situações ocasionais de agudização acentuada da dor cervical, para realizar as tarefas mais pesadas ao nível das atividades do dia-a-dia, como efetuar limpezas profundas da casa.”

Cremos que não tem razão.


Na verdade, está provado que a autora ficou a padecer, como consequência das lesões sofrida no acidente, de uma cervicalgia com intensidade progressiva permanente – cfr. pontos 13º e 15º do elenco dos factos dados como provados – e que “necessitará de auxílio de terceira pessoa nas situações ocasionais de agudização de dor cervical” – cfr. ponto 45º do mesmo elenco.


Sendo assim, parece-nos razoável entender que essas situações ocasionais acorram, pelo menos e em média, uma vez por semana e que essas situações perdurem por toda a vida provável da autora, conforme se entendeu no acórdão recorrido, sendo que o montante da remuneração horária de uma empregada também nos parece razoável.


Assim, é de aceitar a existência do dano em causa e justo o montante da indemnização em causa.


C) – Dano de natureza não patrimonial


Na sentença proferida na 1ª instância, condenou-se a ré a pagar à autora a quantia de 20.000,00 €, como indemnização pelos danos se natureza não patrimonial que sofreu com o acidente.

No acórdão recorrido, entendeu-se fixar em 30.000,00 € o montante dessa indemnização.

A autora entende que tal montante deve ser fixado em 50.000,00 €.

A ré entende que deve ser fixado em “montante nunca superior a 20.000,00 €”.

Cremos, no entanto, que não têm razão e se decidiu bem.


Danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis da avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado – por exemplo, a vida, a saúde, a liberdade, a beleza.

Porque não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.


Por isso, o chamado “dano de cálculo” não serve para aqui e a lei lançou mão de uma forma genérica, estabelecendo, no nº1 do artigo 496º do Código Civil, que apenas se “deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, gravidade esta que deve ser apreciada objectivamente – Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado, em anotação ao referido artigo.


O montante dos referidos danos deve ser fixado equitativamente  - art.4º e 496º nº3 do mesmo diploma -   tendo em conta os fatores referidos no artigo 494º - grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias, sendo que o juízo de equidade não pode ser entendido como qualquer arbitrariedade por parte de quem julga, mas como a procura da mais justa das soluções, sendo sempre a justiça do caso concreto.

O quantitativo a fixar há-de ser o bastante para contrapor às dores e sofrimentos ou, ao menos, a minorar de modo significativo os danos delas provenientes.


Postas estas noções, voltemos ao caso concreto em apreço.

A culpa na produção do acidente em causa nos autos foi imputada ao condutor do veículo seguro na ré.

Recordemos agora alguns factos com interesse para a questão.


Em consequência do acidente, a autora sofreu pânico e danos corporais, tendo sido assistida, dois dias depois do acidente, no Hospital de Penafiel.

Dois dias depois do acidente recorreu ao serviço de urgência do Hospital, com lombalgias cervical e lombar, onde foi submetida a um exame radiográfico à coluna cervical, com duas incidências, um exame radiográfico à coluna dorsal, com duas incidências, a uma análise hemograma com fórmula leucocitária, análises de tempo de protrombina e análises de tempo de tromboplastina parcial e submetida a tratamento de soros e administrada medicação analgésica por injeção intravenosa.

Nessa data, foi-lhe diagnosticada uma cervicalgia, tendo tido alta, sendo-lhe recomendada vigilância, descanso no domicílio e receitada medicação analgésica.

Desde então, a autora tem andado com dores, sem poder fazer qualquer tipo de atividade e constantemente em visitas às urgências, fisioterapia e idas aos médicos de diferentes especialidades – ortopedia, neurologia, psiquiatria.

No dia 23 do mesmo mês de Julho, a requerente recorreu ao serviço de urgência do Hospital de S. Gonçalo, com cefaleia, dor severa, tendo sido medicada com diversas soluções injetáveis e foi-lhe dada alta às 00:19 do dia seguinte.

Desde a data do acidente que a requerente tem dores cervicais e de cabeça permanentes, tomando sempre medicação analgésica, corticoides, relaxantes musculares e antidepressivos (acido acetilsalicílico 1000mg/5ml ampolas injetáveis, hidrocortisona 100mg/2ml amp Im/Iv Inj, metoclopramida 10mh/2ml amp/iv Inj e tramadol 100mg/2ml amp/iv inj.).

No dia 6 de Agosto seguinte, a autora voltou a recorrer ao serviço de urgência do Hospital de Penafiel, com os mesmos sintomas acrescidos de perda de memória pontual e situações de amnésia global transitória.

Nessa data, realizou um Doppler Carotídeo aos vasos sanguíneos do pescoço, passando a usar um colar cervical e durante várias semanas, um colete corretor dorsal.

No presente, apenas em casa usa o colar cervical e o colete dorsal.

No dia 14 de Setembro seguinte, recorreu novamente ao serviço de urgência do Hospital de S. Gonçalo com os mesmos sintomas de cervicalgia, tendo sido medicada com analgésicos.

A autora continua em tratamento, com o mesmo quadro clínico – síndrome pós-traumático, fortes dores lombares e cervicais com intensidade progressiva desde o acidente, irradiação occipital, fortes dores de cabeça, crises de pânico, humor depressivo, angustia e insónia.

O “quantum doloris” da autora foi fixado no grau 4.

A autora, desde Junho de 2014, toma Targin, prescrito pela sua médica de família para minorar as dores que sente.

A autora vive, em permanência, com dores, triste, deprimida, sem alegria, continua a ter pesadelos com o acidente e que a sua filha vai no automóvel.

A autora nasceu em 16 de Janeiro de 1983, sendo casada e tendo a seu cargo uma filha nascida em 21 de Outubro de 2001e um filho nascido em 26 de Abril de 2014.

Antes do acidente, a requerente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa.

A autora apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou e mostrando ansiedade e labilidade emocional quando descreve as circunstâncias do evento, queixando-se de evitamento para a condução e revivências do acidente.

A autora não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes do acidente fazia.

Desde o acidente que a autora deixou de fazer desporto, caminhadas e andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa.


Face aos elementos acima referenciados, entendemos como correto o montante fixado no acórdão recorrido como indemnização pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pele autora.


A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em negar as revistas, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 26 de Janeiro de 2017


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade