Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13132/18.0T8LSB.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
SEGURO DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
JUÍZO DE PROBABILIDADE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
OMISSÃO
ILICITUDE
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
MANDATO FORENSE
SEGURADORA
RECLAMAÇÃO
FRANQUIA
OPONIBILIDADE
LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Data do Acordão: 11/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I. Numa ação em que se discute o desempenho defeituoso do advogado, a quem havia sido conferido mandato para a propositura de uma ação de reivindicação da propriedade de bens móveis, por o mesmo ter omitido na petição dessa ação factos essenciais e com tal omissão veio o mandante a sofrer a perda parcial da ação, com a consequente perda de parte dos bens que reivindicava, o advogado não se obrigou a garantir a produção de um certo efeito ou resultado, tendo assumido uma obrigação de meios.

II. Não tendo sido alcançado o resultado visado, e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação, para se considerar demonstrado o não cumprimento.

III. Não basta alegar a perda da ação para que o advogado que patrocinou a causa se considere em falta, sendo, igualmente, necessário provar o facto ilícito do não cumprimento, uma concreta ilicitude da falta de cumprimento, i.e, que o advogado não realizou os atos em que, normalmente, se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.

IV. Demonstrando-se que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo mandatário ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou que omitiu a diligência exigível.

V. Tendo os danos dos Autores resultado da improcedência parcial da ação (improcedência total na decisão do Tribunal de 1.ª instância e procedência do recurso de apelação – estando em causa somente um dos bens móveis), com a consequente absolvição dos Réus do pedido de restituição dos bens móveis, não sendo possível saber qual o grau de probabilidade de êxito ou insucesso da ação, se os Autores conseguissem fazer prova dos factos omitidos e relativos à aquisição originária dos bens móveis, não se pode afirmar o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do 1.º Réu e os danos sobrevindos para os Autores.

VI. Na situação dos autos, estamos no âmbito do denominado dano pela “perda de chance” ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, que permite a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis.

VII. Sendo a vitória judicial incerta, e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a ação judicial, onde ocorreu semelhante omissão do seu mandatário, teria sido, sem ela, julgada, total ou parcialmente, procedente, muito embora com a mesma haja ficado, irremediavelmente, comprometida e, através dela, a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.

VIII. A reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava.

IX. Quando num contrato de seguro de Responsabilidade Civil se está perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), a cláusula em causa afasta a regra geral de delimitação da responsabilidade ao tempo de vigência do contrato.
X. A responsabilidade da Seguradora deve ser limitada ao capital seguro (€150 000,00), sem a devida dedução da franquia contratualmente estabelecida, por esta não ser oponível a terceiros lesados.
Decisão Texto Integral:


Processo nº13132/18.0T8LSB.C1.S1







Acórdão




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I Relatório

1. AA e mulher, BB, e Agro-Ponsul-Sociedade Agro-Pecuária da Quinta da Várzea, propuseram ação declarativa com Processo Comum contra CC e Mafre Seguros Gerais, S.A., pedindo a sua condenação a pagar aos 1.º e 2.º Autores a quantia de €31 530,00, e à 3.ª Autora, a quantia de €75 000,00, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, os vencidos nos 5 anos anteriores à propositura da ação e os vincendos até integral pagamento.

Alegam, em síntese, que:

- no seguimento de contratos de dação em pagamento outorgados com a Caixa de Crédito Agrícola, ficaram nos imóveis cedidos bens dos Autores, que esta se recusou a restituir;

- propuseram, através de mandato outorgado ao Réu CC, advogado, ação judicial a pedir essa restituição;

- a ação foi julgada improcedente, já que o Advogado Réu não alegou a factualidade referente à aquisição de tais bens, nomeadamente por usucapião;

- tentaram, ainda, serem ressarcidos no âmbito de outra ação, mas por força do caso julgado, tal não ocorreu;

- por erro do Réu, perderam os bens em causa e o valor dos mesmos;

- foi o Réu que deu causa a tal prejuízo;

- a Ré, por força do contrato de seguro outorgado com a Ordem dos Advogados, deve responder pelo valor referente à indemnização de tais danos.

2. Citados:
- O Réu contestou, arguindo a petição de inepta, por não se perceber se os Autores pretendem a condenação de ambos os Réus e se tal condenação deverá ser solidária ou meramente subsidiária; defendeu-se também por exceção entendendo ter-se por válida e totalmente transferida a Responsabilidade Civil Profissional derivada do exercício da advocacia, por força do contrato de seguro de grupo obrigatoriamente celebrado pela Ordem dos Advogados, devendo ser totalmente absolvido do pedido, impugnando, no mais, a ação, referindo que em representação dos Autores como advogado, sempre atuou cumprindo os deveres profissionais, não tendo incorrido em omissão ou erro que lhes tenha determinado danos.
- a Ré veio contestar por exceção, defendendo a exclusão nos termos do contrato do sinistro por pré-conhecimento, tendo este ocorrido em data anterior a 1/01/2014 (data do início do seguro).
3. Os Autores responderam à matéria das exceções, sustentando que a petição não padece de ineptidão, e fazendo relevar que o facto em função do qual o 1.º Réu poderia ter admitido que o mesmo seria passível de gerar alguma reclamação, só pode ter sido o acórdão que declarou a exceção de caso julgado, de que ele foi notificado em 5/11/2015, pelo que sendo a participação do sinistro de 25/7/2017, a seguradora responde pelo sinistro.
4. Realizada audiência preliminar, foi julgada improcedente a exceção de nulidade do processo com fundamento em ineptidão da petição, tendo sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
5. Realizou-se audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
6. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação improcedente e absolvendo os Réus do pedido.
7. Não se conformando com a decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ….
8. O Tribunal da Relação de …. decidiu “julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, julgando parcialmente procedente a acção, condenando a R. Mapfre a pagar à A. Agro Ponsul Sociedade Agro Pecuária da Quinta da Várzea Lda, a quantia de € 75.000,00 no referente à estrutura de ordenha “Alfa Lavai” - Blue Diamond, e a pagar aos autores AA e BB, a quantia que se vier a apurar, em liquidação desta decisão, corresponder, em 2004, aos demais bens referidos no ponto 10 da matéria de facto, sendo uma e outra dessas quantias acrescidas de juros à taxa civil vincendos e vencidos nos 5 anos anteriores à propositura desta acção, absolvendo tal R. do demais que contra ela vinha peticionado e absolvendo totalmente o R. CC dos pedidos contra ele formulados.”
9. Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. Tendo a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, após minuciosa e crítica análise de toda a prova produzida nos autos, e bem assim através de irrepreensível apreciação e fundamentação da questão de direito, julgado a presente acção totalmente improcedente por não provada, nomeadamente por considerar não se encontrarem devidamente demonstrados nos autos os requisitos legais necessários passíveis de gerar uma obrigação de indemnizar, absolvendo assim os RR. dos pedidos formulados pelos AA., vem agora a ser revogada pelo douto Acórdão recorrido, que, salvo o devido respeito, apresenta fundamentação com a qual não poderá a ora Recorrente (de todo) concordar;
2.ª De facto, considerando o Tribunal da Relação de …. encontrar-se demonstrado nos autos um nexo causal directo entre a (pretensa) omissão profissional alegadamente incorrida pelo Réu advogado, Dr. CC, no âmbito do patrocínio forense assumido perante os A.A., e os prejuízos por estes peticionados nos autos, veio condenar exclusivamente a ora Recorrente Seguradora na totalidade dos pedidos formulados nos autos pelos A.A.;
3.ª Mantém, contudo, a Recorrente a sua profunda e séria convicção de que se encontram nos autos elementos, de facto e de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, designadamente no que concerne:
i. à (pretensa) responsabilidade civil que se pretende imputar ao 1.º Réu, Dr. CC, no âmbito do patrocínio forense assumido perante os AA., considerando, nomeadamente a ora Recorrente, não se encontrarem demonstrados nos autos todos os requisitos/pressupostos legais passíveis de gerar uma obrigação de indemnizar;
ii. à medida da indemnização fixada pela Veneranda Relação, com recurso a um nexo de causalidade directo, e não com recurso à doutrina da “perda de chance”, e consequentemente ao raciocínio hipotético que tal doutrina sugere, e aos critérios de probabilidade, in casu, aplicáveis;
iii. à inaplicabilidade das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro n.º ……, por via da delimitação de cobertura temporal resultante da aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das Condições Particulares da apólice;
iv. aos juros de mora considerados devidos, nomeadamente quanto ao momento inicial do seu vencimento relativamente à prestação indemnizatória considerada devida pela ora Recorrente.
4.ª Assim, encontrando-se o presente recurso circunscrito à matéria de direito, considera a Recorrente que, ao decidir do modo supra mencionado, o douto Tribunal da Relação fez uma apreciação (salvo o devido respeito) incorreta e/ou equivocada interpretação e aplicação do regime legal previsto nos artigos 342.º, n.º 1, 483.º, 563.º, 798.º e 799.º, 805.º, 1253.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º, 1290.º, 1299.º, 1311.º, 1313.º, 1316.º, e 1317.º, todos do Código Civil, e bem assim dos artigos 24.º, n.º 1, 44.º, n.º 2 e 101.º, n.º 4 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-lei n.º 72/2008 de 16 de Abril), e ainda da cláusula contratual prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições particulares da apólice de seguro n.º .................;
5.ª De facto, e tal como resulta da factualidade julgada provada nos autos, não se põe em causa que o 1.º Réu tenha, efectivamente, sido mandatado pelos aqui AA. para, com os fundamentos melhor descritos nos autos, intentar uma acção judicial contra a Caixa de Crédito Agrícola e DD e mulher EE, tendo em vista o reconhecimento da propriedade dos bens móveis (referidos em 10. dos factos provados), e a restituição imediata de tais bens aos aqui AA. – cfr. pontos 16 e 17 dos factos julgados provados;
6.ª Conforme resulta dos pontos 17 e 18 dos factos provados, “O réu advogado elaborou a alegação que consta da petição inicial nos seus precisos termos”, e que deu origem ao processo 172/06.0TBCTB, que correu termos pelo 3º Juízo do douto Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco.
7.ª A referida acção foi, contudo, por sentença proferida em 27 de Julho de 2010, julgada improcedente, por não provada, tendo os ali Réus sido absolvidos dos pedidos formulados pelos AA. – cfr. ponto 19 dos factos provados.
8.ª Sendo que, na fundamentação da douta sentença citada, considerou aquele Tribunal que: “… a causa de pedir.... nestas acções ... é o direito de propriedade” “não basta que o autor invoque ser proprietário dos bens reclamados, é necessário, ainda, que ao lado da aquisição derivada, alegue e prove os factos tendentes a demonstrar que o direito transmitido existia na pessoa do transmitente, pelo que terá de alegar e provar a cadeia das sucessivas aquisições dos seus antecessores no domínio, até ao adquirente, a título originário”. “No caso em apreço, tão foi alegado ... uma forma de aquisição derivada de transmissão de direitos e não de constituição de direitos e não dispensava os A.A., uma vez que não gozam de presunção derivada de registo em seu nome ... de alegar e provar os factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, por exemplo” cfr. ponto 21 dos factos provados, com destaque nosso.
9.ª Com base no referido entendimento vieram os AA. fundamentar a sua pretensão indemnizatória nos presentes autos, considerando, de facto, que a improcedência total da sua pretensão relativamente aos ali RR. Caixa de Crédito Agrícola e DD e EE, teve exclusivamente por base a (pretensa) omissão incorrida pelo Réu advogado aquando da elaboração da referida petição inicial, nomeadamente por não terem sido alegados factos passíveis de demonstrar a aquisição originária dos aludidos bens móveis por parte dos aqui AA.
10.ª Sustentaram assim os AA. que, caso o Réu Advogado tivesse alegado factos concretos relativos à aquisição originária do referido conjunto de bens móveis, no articulado inicial, nunca a acção judicial que correu termos sob o nº 172/06.0TBCTB, teria sido julgada improcedente, entendendo ainda os AA. que, em virtude de tal comportamento que imputam ao Réu Advogado, tiveram um prejuízo correspondente ao valor dos aludidos bens, atento ao facto de não terem conseguido recuperar a sua posse.
11.ª Sucede contudo que, tal como salientou (com manifesta clareza) a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo (cujos fundamentos, por razões de economia processual, se dão aqui por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos), “… apesar da omissão referida na sentença, a acção, quanto a nós, estava em condições de ser julgada procedente, pelo que não foi o comportamento do réu advogado agora em análise que determinou a improcedência da acção e o dano dos autores.
12.ª Concluindo-se assim pela inexistência de nexo causal entre a pretensa omissão imputada ao Réu advogado, e os danos decorrentes da perda da titularidade dos bens em causa;
13.ª Efectivamente, e conforme resulta da fundamentação da douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, concluiu esse douto Tribunal que, atendendo à factualidade alegada e apurada na referida acção n.º 172/06.0TBCTB, “… havia fundamento normativo para que a acção fosse julgada procedente e os bens móveis em causa restituídos aos autores”.
14.ª Concluindo assim que, apesar do decidido nesse processo a factualidade alegada e julgada provada era bastante para que tais pedidos formulados fossem julgados procedentes.
15.ª De facto, a posse dos ali Réus estava fundamentada em dois contratos de dação em pagamento, ou seja, em dois acordos translativos da propriedade, sendo que, por força dos mesmos, os ali RR. não podiam ter adquirido quaisquer direitos sobre tais bens móveis que não lhe foram transmitidos.
16.ª Para além disso, resultou alegado e demonstrado naqueles autos que, os bens em causa tinham sido adquiridos pelos AA., a título oneroso, a terceiros, e que estavam na posse dos AA. aquando da entrega dos bens imóveis transmitidos à ali Ré Caixa Agrícola, posse essa adquirida pela tradição material dos anteriores possuidores (cfr. art. 1263°, al. c. do CC).
17.ª De modo que, não havendo prova de melhor posse dos ali RR. réus (nem fundamento para estes a terem adquirido), tal posse continuava em poder dos AA. aquando da acção, sendo que, em relação a esses bens, apenas se poderiam considerar os ali RR. como meros detentores, nos termos previstos no artigo 1253° do CC.
18.ª Não assiste razão ao Venerando Tribunal da Relação de ……. ao entender que, encontrando-se os bens móveis em causa, à data da propositura da referida acção judicial, na detenção dos ali RR. DD e mulher EE, há mais de 1 ano, tendo estes, implicitamente, se arrogado proprietários desses mesmos bens, tal circunstância terá implicado a aquisição originária de uma nova posse desses bens, a qual será contraditória com a posse dos AA.
19.ª Com efeito, a usucapião é, ao lado da ocupação e da acessão, uma forma originária de aquisição do direito real de propriedade – cfr. arts. 1287º e 1316º do CC., constituindo, por sua vez, a compra e venda, sucessão ou doação, formas derivadas de aquisição.
20.ª De modo que, contrariamente ao afirmado no doto Acórdão recorrido, encontrando-se os ali RR. DD e mulher, na detenção dos aludidos bens móveis (presumivelmente) entre 27 de Julho de 2004 e 20 de Janeiro de 2006 – cfr. pontos 17 e 20 – 10) e 22) – dos factos provados), e, tratando-se, de uma posse precária, nos termos previstos no artigo 1253.º do CC, nunca se poderia concluir (como fez o douto Acórdão recorrido para alterar e revogar a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância), pela constituição de uma nova aquisição originária por parte dos ali RR. DD e mulher, alegadamente contrária à dos AA.
21.ª De facto, não se encontrando decorridos os aludidos 3 anos a contar do início da posse – cfr. artigos 1263.º, 1267.º, n.º 2, 1268.º, e 1299.º do C.C. – nunca poderiam os ali RR. Ser considerados proprietários dos aludidos bens, não tendo sido evidentemente demonstrada qualquer forma de aquisição por aqueles – quer originária, quer derivada.
22.ª Por outro lado, e conforme resulta do disposto no artigo 1268.°, n.º 1 do CC, considerando que a prova da aquisição originária pode ser extremamente difícil, especialmente quando estejam em causa bens móveis não sujeitos a registo, poderá esta prova ser dispensada quando existam presunções de propriedade, nomeadamente quando derivada da posse.
23.ª No caso em apreço, e tal como concluiu a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, por força da presunção de propriedade derivada da posse, poder-se-ia entender, tal como entendeu o douto Tribunal de Primeira Instância, que os AA. estavam dispensados de demonstrar a aquisição originária.
24.ª Para além disso, e tal como reza a jurisprudência existente acerca desta matéria – a qual esteve na base, aliás, da decisão proferida nos autos do processo n.º 172/06.0TBCTB – nas acções de reivindicação previstas nos artigos 1311.º e ss. do CC., estando em causa uma forma de aquisição derivada de bens (como na compra e venda, por exemplo), deverão, em princípio, ser provadas as sucessivas aquisições dos antecessores até à aquisição originária.
25.ª Existindo, contudo, jurisprudência abundante no sentido de que, estando em causa uma verdadeira “prova diabólica”, não se deve ser muito exigente neste aspecto, tendo em conta as necessidades práticas, sendo suficiente que o reivindicante demonstre uma simples probabilidade que o torne preferível ao seu adversário.
26.ª Assim, se tem entendido que, nem sempre a procedência da acção de reivindicação depende da alegação e prova da aquisição originária ou do “dominium auctoris”, quando se invoque a aquisição derivada.
27.ª Ora, verifica-se assim claramente da jurisprudência citada que, a procedência (ou não) de uma acção de reivindicação, nos termos previstos no artigo 1311.º e ss. do Código Civil, não depende necessariamente da alegação e prova exaustiva da titularidade do direito de propriedade, nomeadamente da aquisição originária, por via da usucapião, pelos reivindicantes, tal como entendeu o Tribunal na sentença proferida nos autos do processo n.º 172/06.0TBCTB.
28.ª Com efeito, casos existem em que, demonstrada a aquisição derivada por parte dos reivindicantes, nomeadamente através de uma forma de aquisição translativa de propriedade (como a compra e venda, por exemplo), não será exigível a alegação e prova da aludida aquisição originária, nomeadamente por via de usucapião.
29.ª Ora, concluiu o douto Acórdão recorrido que, tendo os ali RR. DD e mulher se arrogado implicitamente proprietários de tais bens móveis, não resulta daí que os mesmos tenham impugnado expressamente a propriedade dos bens cuja titularidade se arrogavam os AA.
30.ª Razão pela qual, nunca se poderá concluir, s.m.o, nos termos que concluiu o douto Acórdão recorrido, no sentido de se verificar, in casu, um nexo causal directo entre a pretensa conduta omissiva do Réu advogado, Dr. CC, e os alegados prejuízos sofridos pelos AA.
31.ª Com efeito, e conforme se pode claramente verificar da análise da jurisprudência supra citada, os entendimentos dos Tribunais têm sempre carácter aleatório, dependendo sempre das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais existentes acerca das determinadas matérias chamadas a apreciar.
32.ª De modo que, nunca se poderá concluir, in casu, pela existência de um (pretenso) nexo causal directo entre a conduta profissional do Réu advogado e os danos peticionados nos autos pelos AA.
33.ª Aliás, assumindo-se como pressuposto da procedência do direito dos aqui AA., a alegação e prova da aquisição originária dos bens móveis identificados nos autos, não se encontra igualmente alegado e demonstrado nestes autos qualquer factualidade de onde se possa concluir pela efectiva titularidade originária dos aludidos bens pelos aqui AA.
34.ª Com efeito, não alegaram e/ou provaram os AA. nestes autos, a forma como terão adquirido os referidos bens;
35.ª Não resultando, igualmente, da factualidade julgada provada nos autos há quantos utilizavam e tinham em sua posse todos os referidos bens.
36.ª Resultando apenas da matéria de facto provada nos autos a aludida posse pelos AA. entre 30 de Dezembro de 2002 e 31 de Agosto de 2003 (cfr. pontos 3, 7, 8 e 10 dos factos provados);
37.ª De modo que, também por esta razão, nunca poderá proceder a pretensão indemnizatória dos aqui AA.
38.ª Assim, e perante tudo quanto se encontra exposto, a actuação profissional do Réu advogado, Dr. CC, posta em crise nos autos pelos AA., nunca se poderá considerar como “causal” para os pretensos prejuízos sofridos, não comportando a sua actuação qualquer juízo de censurabilidade.
39.ª Na verdade, existindo jurisprudência contraditória quanto à questão sub judice, e não resultando dos autos que o R. advogado dispunha, à data, de informação necessária quer relativamente à forma de aquisição originária (nomeadamente quanto ao início da posse dos bens – o que, igualmente, nestes autos não vem alegado e provado), e bem assim acerca da cadeia sucessiva de transmissões derivadas, não alcança a Recorrente em que medida poderá existir responsabilidade da sua parte.
40.ª Estando em causa uma (pretensa) violação de deveres jurídicos emergentes de um contrato de mandato judicial, estará a mesma integrada na responsabilidade civil contratual prevista nos artigos 798.º e 799.º do Código Civil, sendo certo que, sempre deverão estar igualmente verificados e/ou preenchidos os demais requisitos legalmente previstos, quais sejam: o acto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre aquele acto ilícito e este dano (cfr. artigo 483.º do C.C.).
41.ª Para que um advogado possa ser civilmente responsabilizado, perante um cliente, em decorrência de uma actuação profissional no âmbito de determinado patrocínio, deverá a sua conduta ser considerada culposa, ou seja, merecedora de censura deontológica, no sentido de que deve constituir um “erro de ofício” ou uma “falha indesculpável.
42.ª Não havendo porém responsabilidade “se existirem doutrinas contraditórias e o advogado optar por uma delas…(…)” cfr. Acórdão do STJ de 02.10.2008, disponível in www.dgsi.pt.
43.ª Não se pode responsabilizar um advogado pelo não acolhimento, ou pelo insucesso da pretensão do seu Constituinte, decorrente da solução jurídica por este preconizada para o tratamento do caso em concreto.
44.ª No caso em apreço nos autos, e tal como se concluiu (e bem) na douta sentença proferida nos autos, não foi a conduta processual do réu advogado que determinou a improcedência de tal acção, mas antes uma desconformidade na subsunção dos factos apurados ao direito no âmbito da sentença proferida.
45.ª Razão pela qual, não poderá ser afirmada a existência de ilicitude ou culpa na conduta do Réu advogado, na medida em que a pretensa omissão que lhe é imputada, consubstanciou, em bom rigor, o exercício pleno da autonomia técnica conferida ao advogado no âmbito do exercício da sua profissão;
46.ª Não se encontrando, desde logo, demonstrado e preenchido (salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário), o primeiro requisito legal (a existência de facto ilícito) para que nasça, na esfera jurídica do R. advogado, qualquer obrigação de indemnizar.
47.ª Para além disso, para que seja gerada uma obrigação de indemnizar em decorrência da responsabilidade civil, é necessário que os prejuízos verificados na esfera patrimonial dos lesados, estejam diretamente relacionados com a conduta lesiva, devendo haver um nexo de causalidade adequado entre o ato ilícito (e culposo) e os prejuízos sofridos.
48.ª De facto, tem sido entendimento da jurisprudência maioritária que, caso se verifique, em concreto, a responsabilidade civil profissional do advogado no âmbito de determinado patrocínio, a medida da indemnização a arbitrar deve ser calculada com base na extensão dos danos concretamente verificados, na gravidade da culpa, e por fim, no grau de probabilidade do lesado sair vitorioso, caso a conduta lesiva se não tivesse verificado.
49.ª Deste modo, o montante arbitrado a título de indemnização nunca corresponderá ao valor total da causa.
50.ª Ora, no caso em apreço nos autos, nunca se poderá concluir pela existência de um nexo de causalidade directo entre a conduta profissional do advogado, aqui 1.º Réu, e os pretensos danos sofridos pelos AA..
51.ª Não sendo o direito uma ciência exacta, coexistindo, nos diversos momentos temporais, entendimentos distintos sobre as mesmas matérias, os quais dependerão sempre das opções doutrinárias, jurídicas e jurisdicionais aplicáveis, nunca será possível concluir pela verificação de um nexo causal directo entre determinada actuação/opção técnica adoptada por um advogado, e o resultado final obtido em uma demanda.
52.ª De modo que, s.m.o, ainda que se admitisse in casu que, da actuação profissional do Réu advogado, poderá ter resultado uma diminuição da “chance” e/ou da “oportunidade” dos AA. terem visto a sua pretensão julgada de modo mais favorável (o que não se admite, mas agora se equaciona por mera cautela de patrocínio), sempre será de concluir pela impossibilidade de atribuição aos aqui AA. da totalidade da quantia indemnizatória reclamada nos autos;
53.ª Não obstante, e ainda sem prescindir, sempre se dirá que, Ainda que em abstracto se possa considerar a existência de um erro profissional imputável ao Réu Advogado no âmbito do patrocínio forense assumido perante os Autores – o que, de todo, não se admite mas apenas por mera cautela de patrocínio se refere – a verdade é que a responsabilidade daí decorrente não se encontra transferida para a Seguradora Recorrente.
54.ª De facto, atendendo ao teor do artigo 3.º, alínea a) das Condições Particulares da Apólice em causa nos autos (……….), bem como às normas legais previstas nos artigos 44.º, n.º 2, e 101.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de Abril), não poderá a Recorrente ser responsabilizada pelos pretensos danos e/ou prejuízos reclamados nos autos pelos AA.;
55.ª O que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa razoavelmente vir gerar uma reclamação.
56.ª De facto, a referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da Apólice de seguro dedicado às Exclusões, sendo assim impropriamente designada de “exclusão de pré-conhecimento”, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice;
57.ª Nomeadamente por ser clarificadora da disposição de retroatividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que sejam (ou cujas consequências sejam) ainda desconhecidos pelo segurado aquando da entrada em vigor da apólice de seguro/ início do período seguro.
58.ª Ora, atendendo à matéria de facto julgada provada nos autos, parece à ora Recorrente evidente (salvo melhor e douta opinião em contrário) que o Réu advogado, à data de início do período seguro da apólice n.º ................., garantida pela ora Ré Mapfre, tinha perfeito e efetivo conhecimento da possibilidade de vir a ser responsabilizado, pelos Autores, em decorrência da atuação profissional posta em crise nos autos;
59.ª De facto, e conforme resulta dos pontos 17 a 21 dos factos provados, tendo o Réu advogado sido notificado da sentença proferida nos autos do processo n.º172/06.0TBCTB, em 27 de Julho de 2010, a qual decidiu pela improcedência total daquela acção, e atendendo aos fundamentos constantes da referida decisão, poderia, efetivamente, o Réu razoavelmente prever, em data anterior ao início de vigência do referido contrato de seguro (1.1.2014), que a sua atuação profissional no âmbito do patrocínio forense assumido perante os Autores, poderia (ainda que em tese) gerar uma reclamação, passível de acionar as coberturas e garantias na apólice de seguro de responsabilidade civil profissional, não podendo desconhecer e/ou desconsiderar a existência de tal risco.
60.ª Por outro lado, não sendo aplicável à “exclusão” prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições particulares da apólice, o previsto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como a inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes ao terceiro será irrelevante para a sua aplicação a pretensa natureza obrigatória do contrato de seguro, sendo, consequentemente, despiciendas as considerações vertidas no douto acórdão recorrido sobre esta matéria.
61.ª Assim, e na eventualidade de se considerar que, tal actuação profissional do 1.º Réu consubstancia um verdadeiro erro de ofício, do qual decorre, como tal, um dever de indemnizar (o que, novamente, não se admite, mas agora se equaciona por mero dever de patrocínio), sempre se dirá que, pelo menos desde a referida data de 27 de Julho de 2010, tem o Réu advogado a consciência da possibilidade/razoabilidade de vir a ser responsabilizado pelos aqui AA.
62.ª Concluindo-se assim pela impossibilidade de responsabilização da Seguradora, ora Recorrente, pelos danos decorrentes da atuação profissional do Réu advogado no âmbito do patrocínio assumido perante os AA., nomeadamente por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das condições especiais da apólice, e bem assim do n.º 2 do artigo 44.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L. 72/2008 de 16 de Abril).
63.ª Ainda que assim não se entendesse, sempre deverá a responsabilidade da ora Recorrente ser limitada ao capital seguro de € 150.000,00, com a devida dedução da franquia contratualmente estabelecida, no valor de € 5.000,00, a qual deverá ser sempre suportada pelo segurado (in casu, pelo Réu advogado);
64.ª A proceder a pretensão indemnizatória dos AA. nos presentes autos, sempre deverá ficar a cargo do Réu advogado, enquanto segurado, o pagamento do valor correspondente à franquia contratual prevista na apólice, fixado em € 5.000,00 por sinistro, o que, desde logo, se requer com evidente ganho de economia e celeridade processual, solucionando-se na presente ação todas as questões subjacentes às relações materiais entre sujeitos que se encontram devidamente representados nos autos, na qualidade de partes.
65.ª Considerou, por fim, o douto Acórdão recorrido que, sobre os montantes indemnizatórios considerados devidos aos AA. serão devidos ainda juros de mora, à taxa civil, desde Agosto de 2004, mostrando-se, no entanto, prescritos todos os juros, à excepção dos referentes aos 5 anos antecedentes à propositura desta acção.
66.ª A ora Recorrente Mapfre apenas foi citada para os presentes autos em 27.06.2018, tendo sido este o primeiro momento em que a Recorrente Seguradora se poderia (no limite) considerar “interpelada” para o eventual cumprimento de um pagamento indemnizatório decorrente dos factos em apreço nos autos.
67.ª Nos termos previstos no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil “O devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”;
68.ª Razão pela qual, salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento em contrário, nunca poderiam os pretendidos juros de mora, relativamente à ora Recorrente Seguradora, ser contabilizados – tal como concluiu o douto Acórdão recorrido – em data situada 5 anos antes da primeira interpelação da R. Seguradora.
69.ª Tal entendimento implicaria, in casu, a constituição em mora da ora Recorrente em momento anterior ao início da vigência da apólice de seguro ................., celebrada em 01.01.2014, com a Ordem dos Advogados.
70.ª Estando em causa a apreciação de um (pretenso) acto ilícito e culposo imputado ao Réu advogado no âmbito do exercício da sua actividade profissional no instituto da responsabilidade civil, e, tendo a decisão proferida nos autos apreciado o valor do pretenso dano sofrido pelos aqui AA. – tratando-se assim de uma decisão actualizadora, sempre deverá a douta decisão recorrida ser revogada, igualmente nesta parte, por consubstanciar (salvo o devido respeito) uma violação expressa e/ou incorrecta aplicação do disposto no artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil, devendo os juros de mora ser contabilizados (em caso de alguma eventual e hipotética condenação) a partir da douta decisão final que venha a ser proferida nos autos – tal como resulta da doutrina constante do citado Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2002.

E conclui que “deverá ser concedido provimento ao presente recurso, sendo o douto Acórdão proferido nos autos revogado, repristinando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, absolvendo-se consequentemente a ora Recorrente dos pedidos formulados pelos AA.”.
10. Os Autores/Recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
11. Cumpre apreciar e decidir.

II Delimitação do objeto do recurso
Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- a responsabilidade civil do Réu Dr. CC e o montante indemnizatório;
- a inaplicabilidade das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro;
- os juros de mora.

III Fundamentação
1.As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:
1.1. O réu CC exerce a actividade de advogado.
1.2. A Agro-Ponsul, Lda. tem como atividade a indústria agro-pecuária, de quem AA é seu gerente.
1.3. Até ao acordo referido infra, de 30 de Dezembro de 2002, estavam registados a favor da sociedade autora, na Conservatória do Registo Predial de……, os seguintes prédios:
a. Prédio rústico, denominado “Quinta ……”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 2 da secção “W”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número 403.
b. Prédio rústico, denominado “......”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número ….
c. Prédio rústico, denominado “......”, sito na freguesia de ................. e conceito de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número ….
d. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número ….
1.4. A Agro-Ponsul, em virtude de dificuldades financeira, celebrou, em 30 de Dezembro de 2002, com a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Castelo Branco, CRL, da qual era devedora, um acordo de “dação em pagamento”, pelo qual pagou à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Castelo Branco, CRL a quantia de 668.178,00 €, mediante a entrega da propriedade dos 4 prédios rústicos supra identificados.
1.5. AA e mulher BB procederam à dação em pagamento à mesma Caixa de Crédito dos seguintes bens móveis, para pagamento da quantia de 102.748,00 €: a. Um tractor marca Case, com a matrícula……, equipado com carregador frontal e balde; b. Um Center Pivot, marca RICO, com duas torres e lanço suspenso e respectiva electrobomba; c. Um Center Pivot, marca RICO, com quatro torres e lanço suspenso e respectiva electrobomba; d. Um equipamento de rega para cobertura total; e. Uma sala de ordenha e respectivo equipamento (8+8); f. Um tanque de refrigeração com capacidade para 3.500 litros, de marca Teka, modelo First 3.500.SE, n.° de série …, fabricado em 1997 g. Um corta forragem, rebocado; h. Um corta forragem, automotriz, de quatro linhas; i. Uma grade de discos, equipada para armação em camalhões; j. Dois reboques de transporte de silagem, sem marca ou matrícula.
1.6. A 30 de Dezembro de 2002, AA e BB celebraram com a mesma Caixa de Crédito Agrícola (CCA) um contrato promessa de compra e venda, através do qual aqueles ficaram na posse dos 4 prédios rústicos que a Agro-Ponsul através da dação em pagamento transmitira à CCA e também dos bens móveis que haviam transmitido em pagamento, tendo AA e mulher prometido comprar todos esses bens.
1.7. Os equipamentos, ferramentas e utensílios utilizados na actividade eram uns da sociedade e outros dos autores AA e mulher.
1.8. Os autores AA e mulher mantiveram a fruição dos bens até 31 de Agosto de 2003.
1.9. Nesta data comunicaram à CCA que não tinham conseguido obter capacidade financeira para adquirir a propriedade desses bens, nem terceiro que os comprasse, colocando-os à sua disposição.
1.10. Na propriedade denominada “Quinta da …” estavam (ainda), em Agosto de 2004, os seguintes bens:
i. Tractor agrícola, marca Internacional 633, matrícula ……;

ii. O reboque de dois eixos de marca “Herculano”, adquirido pelos autores AA e mulher em 1998, no estado de usado, pelo valor de 2.000,00 €;
iii. Desensilador, marca Enxaragrícola, adquirido pelo mesmo AA e mulher em 1998, no estado de usado, por 2.750,00 €;
iv. Estrutura de ordenha “Alfa Lavai” — Blue Diamond (16+16), adquirida pela Agro-Ponsul em 2000, no estado de usada, com o valor de 75.000,00 €;
v. 72 Colchões, marca “Alfa Laval”, adquiridos em 2000 pelos autores AA e mulher, em estado de novos, adquiridos pelo valor de 2.880,00 €;
vi. Misturadora de chorume para nitreira, adquirida pelos autores AA e mulher, em estado de nova, em 2000, por 1.900,00 €;
vii. Um equipamento completo de um secador de tabaco, composto de 7 contentores e carris, com máquina de calor marca “GODIOLI BELANTI” e respectivos componentes e acessórios, adquirido pelos autores AA e mulher, em 2000, no estado de novo, pelo valor de 20.000,00 €;
viii. Mesa com tapete rolante para escolher tabaco, adquirida pelos autores AA e mulher, em 1995, no estado de nova, pelo valor de 1.000,00€, e
ix. Prensa para enfardar tabaco, adquirida pelos autores AA e mulher, em 1995, no estado de usado, pelo valor de 1.000,00€.
1.11. No dia 27 de Julho de 2004, a Caixa de Crédito Agrícola vendeu a DD e mulher EE os prédios rústicos identificados supra.
1.12. Os autores, quando tomaram conhecimento desse negócio, contactaram os adquirentes para os informar que eram donos de bens (os referidos em 10.) e solicitaram autorização para a sua remoção.
1.13. Estes negaram tal pretensão, alegando que haviam comprado todos os bens existentes na propriedade à Caixa de Crédito Agrícola.
1.14. Perante tal recusa, os autores solicitaram à Caixa de Crédito Agrícola que fosse marcada data e hora para retirarem dos prédios rústicos que haviam vendido a DD e mulher, os bens que lhes pertenciam, não tendo obtido resposta.
1.15. E até hoje não mais recuperaram a posse de tais bens.
1.16. Os autores AA e BB e Agro-Ponsul, Lda., mandataram o advogado CC para, pela via judicial, obterem a restituição de tais bens.
1.17. Os autores propuseram, em 20 de Janeiro de 2006, acção judicial contra a Caixa de Crédito Agrícola e DD e mulher EE, que correu termos com o nº 172/06.0TBCTB, pelo 3º Juízo da Comarca de ……, na qual pediram o reconhecimento da propriedade dos bens referidos em 10., e a restituição imediata de tais bens aos autores.
1.18. O 1º réu advogado elaborou a alegação que consta da petição inicial nos seus precisos termos.
1.19. Essa acção, por sentença, de 27 de Julho de 2010, foi julgada improcedente, tendo os réus sido absolvidos dos pedidos.
1.20. Nessa sentença foram julgados como provados os seguintes factos:
1) A sociedade autora foi dona, até 30 de Dezembro de 2002, dos seguintes prédios: i. Prédio rústico, denominado “Quinta da …”, sito na freguesia de .......... e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “W’, descrito na Conservatória do Registo Predial de ............. sob o número …, com registo de aquisição a favor desta autora. ii. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número 1209, com registo de aquisição a favor desta autora. iii. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e conceito de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número …, com registo de aquisição a favor desta autora. iv. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número …, com registo de aquisição a favor desta autora.
2) Era nesses prédios que a autora sociedade desenvolvia a sua actividade, na área agro-pecuária, utilizando utensílios, ferramentas e equipamentos, quer próprios, quer dos autores.
3) Devido a dificuldades financeiras, designadamente no pagamento de empréstimos contraídos junto da primeira ré, quer para aquisição dos ditos prédios, quer de diversos equipamentos agrícola, os autores viram-se obrigados a celebrar com esta ré, dois contratos de dação em pagamento.
4) Um celebrado por escritura pública, de 30 de Dezembro de 2002, através do qual a sociedade autora, em pagamento da quantia de 668.178,00 €, deu à 1ª ré os ditos prédios.
5) O outro, celebrado na mesma data, por documento particular e através do qual os primeiros autores, para pagamento da quantia de 102.748,00 €, deram à 1ª ré, os bens móveis: i. Um tractor marca Case, com a matrícula JZ.63.9S, equipado com carregador frontal e balde; ii. Um center pivot, marca RKD, com duas torres e lanço suspenso e respectiva electrobomba; iii. Um center pivot, marca RKD, com quatro torres e lanço suspenso e respectiva electrobomba; iv. Um equipamento de rega para cobertura total; v. Uma sala de ordenha e respectivo equipamento (8+8); vi. Um tanque de refrigeração, com capacidade para 3.500 litros, de marca Teka, modelo First 3.500.SE, n.° de série 351161C, fabricado em 1997; vii. Um corta forragem, rebocado; viii. Um corta forragem, automotriz, de quatro linhas; ix. Uma grade de discos, equipada para armação em camalhões. X. Dois reboques de transporte de silagem, sem marca ou matrícula.
6) Por contrato promessa de compra e venda, celebrado na mesma data, entre os primeiros autores e a primeira ré, aqueles nos termos de tal acordo, ficaram detentores da totalidade dos bens prometidos vender.
7) Os autores, apesar de em 30 de Dezembro de 2002 terem, pelos contratos de dação em pagamento, transmitido a titularidade dos bens móveis e imóveis, mantiveram até 31 de Agosto de 2003, em virtude do contrato promessa referido, a continuidade da exploração agro-pecuária, nos mesmos moldes que até então vinham fazendo.
8) Em virtude de não terem conseguido meios financeiros, nem arranjar para readquirir à 1ª ré os bens entregues por dação em pagamento, no dia 31 de Agosto de 2003, os autores comunicaram tal facto à 1ª ré e colocaram todos os bens objecto dos contratos de dação em pagamento à disposição desta.
9) Contra os primeiros autores foi apresentada queixa-crime, pelo legal representante da 1ª ré, que correu termos pelos serviços do ministério público do Tribunal Judicial de ................., sob o processo 35/03.1GCIDN, que veio a ser arquivado.
10) No dia 27 de Julho de 2004, a primeira ré transmitiu, de forma onerosa, aos segundos réus, os ditos prédios rústicos.
11) Os autores dirigiram à primeira ré, no dia 20 de Setembro de 2004, carta registada com aviso de recepção, solicitando que no prazo de 15 dias lhes fosse marcada data e hora para retirarem o equipamento que agora reclamam e que se encontrava no prédio transmitidos aos segundos réus.
12) Tal missiva não mereceu resposta por parte da primeira ré.
13) Além dos bens móveis objecto do acordo contrato-promessa, ficaram no prédio denominado “Quinta da …”, vários outros móveis adquiridos, a título oneroso, pelos autores, cuja titularidade não foi transmitida para os réus.
14) O que é do conhecimento da 1ª Ré.
15) Designadamente ficaram em tal prédio os seguintes bens: i. Tractor agrícola marca INTERNCIONAL 633, matrícula …… ; ii. Reboque de dois eixos marca ”HERCULANO”; iii. Desensilador marca “ENXARAGRICOLA”; iv. Estrutura de Ordenha marca “ALFA LAVAI” -Blue Diamond” (16+16); v. 72 Colchões marca “ALFA LAVAL”, com respectivas peças de fixação; vi. Misturadora de chorume para nitreira; vii. Um equipamento completo de um secador de tabaco, composto de 7 contentores e carris, com máquina de calor marca “GODIOLI BELANTI” e respectivos componentes e acessórios; viii. Mesa com tapete rolante para escolher tabaco; ix. Prensa para enfardar tabaco.
16) Depois de 13 de Agosto de 2003, os autores retiraram alguns bens que se encontravam na Quinta ………., não incluídos no acordo de dação em pagamento.
17) Os autores não retiram a totalidade dos seus bens, designadamente os referidos em 15.
18) Os autores, tendo tomado conhecimento da transmissão referida em 10), contactaram os 2.°s réus, informando-os de que eram donos dos bens identificados em 15.
19) E solicitaram autorização para a sua remoção.
20) Os 2.°s réus negaram tal pretensão aos autores, argumentando estarem convencidos que o negócio que celebraram com a 1ª ré incluía todos os bens que se encontravam no prédio que adquiriram e qualquer assunto referente a tais bens deveria ser tratado directamente com a 1ª ré.
21) A ré CCAM recebeu dos autores apenas os bens móveis referidos em 5).
22) Em 27 de Julho de 2004, a ré CCAM declarou vender aos réus DD e EE, pelo preço de 71.822,30 €, os bens identificados em 5., o que foi aceite pelos segundos.
1.21. Na fundamentação de tal sentença consta que: “a causa de pedir.... nestas acções ... é o direito de propriedade” “não basta que o autor invoque ser proprietário dos bens reclamados, é necessário, ainda, que ao lado da aquisição derivada, alegue e prove os factos tendentes a demonstrar que o direito transmitido existia na pessoa do transmitente, pelo que terá de alegar e provar a cadeia das sucessivas aquisições dos seus antecessores no domínio, até ao adquirente, a título originário”. “No caso em apreço, tão foi alegado ... uma forma de aquisição derivada de transmissão de direitos e não de constituição de direitos e não dispensava os A.A., uma vez que não gozam de presunção derivada de registo em seu nome ... de alegar e provar os factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, por exemplo”.
1.22. Os autores apelaram da sentença para o Tribunal da Relação de …. confinando o âmbito desse recurso ao tractor agrícola marca “Internacional 633”, com o fundamento da presunção do registo a favor da Agro Ponsul, tendo tal Tribunal Superior julgado o recurso procedente, condenando os réus DD e EE a restituírem-no de imediato à autora.
1.23. O 1º réu advogado aceitou não recorrer da restante decisão de 1ª instância.
1.24. Inconformado com a situação dos bens em causa, o 1º réu propôs uma outra acção declarativa, como mandatário dos mesmos autores, contra DD e mulher, que correu termos com o n.º 1528/12.STBCTB, no Tribunal Judicial de …(J2), pedindo: a. O reconhecimento da propriedade dos autores sobre os bens referido em 10.; b. A condenação dos réus a restituir à Agro Ponsul da estrutura de ordenha para bovinos marca “Alfa Lavai — Blue Diamond (16+16]”; c. A pagar aos primeiros autores a quantia a de 31.530,00 €, correspondente ao valor dos bens referidos em 10., uma vez que a restituição em espécie já não é possível (acrescida de juros); d. E a pagar à AgroPonsul a quantia de 658,63 €, pela utilização do tractor agrícola International, e a quantia de 24.419,18 €, pela utilização da estrutura de ordenha.
1.25. Nessa acção o Ilustre Mandatário, ora Réu, alegou a aquisição por usucapião dos bens identificados no artigo anterior.
1.26. DD e EE contestaram a acção invocando, para além do mais, a excepção de caso julgado.
1.27. Foi, nessa acção, admitida a intervenção provocada da Caixa de Crédito Agrícola que invocou a excepção de caso julgado.
1.28. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, contra o qual recorreram DD e EE, tendo o Tribunal da Relação de ….julgado procedente a excepção de caso julgado relativamente a todos os bens móveis, que transitou em julgado.
1.29. Face a tal decisão os autores desistiram do pedido quanto ao demais, o que foi aceite, tendo o tribunal de 1ª instância declarado a extinção da instância.
1.30. Por acordo, reduzido a escrito, denominado de “Seguro de Responsabilidade Civil”, celebrado com a Ordem dos Advogados de Portugal, titulado pela apólice……. A Mapfre Seguros Gerais, S.A. obrigou-se a segurar a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual e societária, com um limite de 150.000,00 € por sinistros, estabelecendo-se uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados (pontos 4. e 9. das condições particulares).
1.31. A apólice em causa vigorou desde 1.01.2014 até 1.01.2018, estando definido, ao nível do âmbito temporal, o seguinte (ponto 7. das condições particulares):
a. A Seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após a vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente Apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade.
b. Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente Apólice, o Segurador não está obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato.
c. Para os fins supra indicados, entre-se por reclamação a primeira das seguintes: i. Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais. ii. Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão profissional ou negligência, que haja produzido um dano indemnizável à luz da Apólice. iii. Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta conhecida prima facie pelo tomador de seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
1.32. Nos termos do acordo de seguro: b. Ficam excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações … por qualquer facto ou circunstância conhecido do segurado à data do início do período de seguro, e que já tenham gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação (art,3º, a) das condições especiais). C. O Segurado deverá comunicar … ao Corretor ou à Seguradora, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer Reclamação efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. A comunicação referida … deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o reconhecimento da reclamação possa chegar à seguradora no prazo improrrogável de sete dias (art. 10º das condições especiais). d. Se qualquer segurado for titular, individualmente ou através de sociedade de advogados, de outra apólice de responsabilidade civil que providencie cobertura idêntica à da presente apólice, fica estabelecido que esta funcionará apenas na falta ou insuficiência daquela, entendendo-se aquela como celebrada primeira (art. 12º das condições especiais).
1.33. Nos termos de tais apólices consta que: serão as mesmas exclusivamente competentes “para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas i) contra o segurado e notificadas à seguradora, ou ii) contra a seguradora em exercício da acção directa, durante o período de seguro, ou durante o período de ocaso (…)” (art. 4º das condições especiais).
2. E julgaram como não provada a seguinte factualidade
2.1. Em Agosto de 2004: a. O reboque “Herculano” tinha o valor de 2.000,00 €; b. O desensilador, marca Enxaragrícola, tinha o valor de 2.750,00 €; c. Os colchões, marca “Alfa Laval”, tinham o valor de 2.880,00 €; d. A misturadora de chorume para nitreira tinha o valor de 1.900,00 €; e. O equipamento completo de um secador de tabaco tinha o valor de 20.000,00 €; f. A mesa com tapete rolante para escolher tabaco tinha o valor de 1.000,00 €, e g. A prensa para enfardar tabaco tinha o valor de 1.000,00 €.
2.2. O valor dos bens era, à data em que os autores reclamaram a sua entrega, em Agosto de 2004, de 106.530,00 €.
2.3. A decisão de não recorrer de parte da sentença de 1ª instância foi exclusiva do 1º réu.

3. Da responsabilidade civil do Réu Dr. CC e o montante indemnizatório
Com a presente ação, os Autores fundamentam a sua pretensão no desempenho defeituoso do 1.º Réu, advogado de profissão, do mandato que lhe conferiram relativo à propositura de uma ação de reivindicação da propriedade de bens móveis, por o mesmo ter omitido na petição dessa ação factos essenciais e com tal omissão veio a ocorrer a perda parcial da ação, com a consequente perda de parte dos bens que reivindicavam; a responsabilidade da 2.ª Ré resultava do contrato de seguro que esta tinha celebrado com a Ordem dos Advogados.
O Tribunal de 1.ª instância veio a julgar improcedente a ação, por entender que a improcedência da ação referida não era de imputar à conduta omissiva do 1.º Réu.
O Tribunal da Relação de Coimbra veio, no Acórdão sob recurso, concluir pela procedência da ação, considerando que os danos sofridos pelos Autores resultam diretamente da execução defeituosa do mandato por parte do 1.º Réu. Afirma que “…não ocorre na situação dos autos o que é específico da “doutrina da perda de chance”, que é uma causalidade probabilística, em função da qual a indemnização ao lesado haverá depois de variar em função do grau de verosimilhança do nexo causal.
É que pode afirmar-se nos autos – com suficiente probabilidade – um nexo de causalidade entre a execução defeituosa do mandato e a perda da acção pelos aqui AA.”

Ora, encontram-se provados os seguintes factos:
Os Autores AA e BB e Agro-Ponsul, Lda., mandataram o advogado CC para, pela via judicial, obterem a restituição dos bens constantes do ponto 1.10. dos factos provados.
Os Autores propuseram, em 20 de janeiro de 2006, ação judicial contra a Caixa de Crédito Agrícola e DD e mulher EE, que correu termos com o nº 172/06.0TBCTB, pelo 3º Juízo da Comarca de …, na qual pediram o reconhecimento da propriedade dos bens referidos em 10., e a restituição imediata de tais bens aos autores.
O 1º Réu advogado elaborou a alegação que consta da petição inicial nos seus precisos termos.
Essa ação, por sentença, de 27 de julho de 2010, foi julgada improcedente, tendo os réus sido absolvidos dos pedidos.
Na fundamentação de tal sentença consta que: “a causa de pedir.... nestas acções ... é o direito de propriedade” “não basta que o autor invoque ser proprietário dos bens reclamados, é necessário, ainda, que ao lado da aquisição derivada, alegue e prove os factos tendentes a demonstrar que o direito transmitido existia na pessoa do transmitente, pelo que terá de alegar e provar a cadeia das sucessivas aquisições dos seus antecessores no domínio, até ao adquirente, a título originário”. “No caso em apreço, tão foi alegado ... uma forma de aquisição derivada de transmissão de direitos e não de constituição de direitos e não dispensava os A.A., uma vez que não gozam de presunção derivada de registo em seu nome ... de alegar e provar os factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, por exemplo”.
Os Autores apelaram da sentença para o Tribunal da Relação de …. confinando o âmbito desse recurso ao trator agrícola marca “Internacional 633”, com o fundamento da presunção do registo a favor da Agro Ponsul, tendo tal Tribunal Superior julgado o recurso procedente, condenando os réus DD e EE a restituírem-no de imediato à autora.
O 1.º Réu advogado aceitou não recorrer da restante decisão de 1ª instância.
Inconformado com a situação dos bens em causa, o 1.º Réu propôs uma outra ação declarativa, como mandatário dos mesmos Autores, contra DD e mulher, que correu termos com o n.º 1528/12.STBCTB, no Tribunal Judicial de …. (J2), pedindo: a. O reconhecimento da propriedade dos autores sobre os bens referido em 10.; b. A condenação dos réus a restituir à Agro Ponsul da estrutura de ordenha para bovinos marca “Alfa Lavai — Blue Diamond (16+16]”; c. A pagar aos primeiros autores a quantia a de 31.530,00 €, correspondente ao valor dos bens referidos em 10., uma vez que a restituição em espécie já não é possível (acrescida de juros); d. E a pagar à AgroPonsul a quantia de 658,63 €, pela utilização do tractor agrícola International, e a quantia de 24.419,18 €, pela utilização da estrutura de ordenha.
Nessa ação o Ilustre Mandatário, ora Réu, alegou a aquisição por usucapião dos bens identificados no artigo anterior.
DD e EE contestaram a ação invocando, para além do mais, a exceção de caso julgado.
Foi, nessa ação, admitida a intervenção provocada da Caixa de Crédito Agrícola que invocou a exceção de caso julgado.
No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção de caso julgado, contra o qual recorreram DD e EE, tendo o Tribunal da Relação de …. julgado procedente a exceção de caso julgado relativamente a todos os bens móveis, que transitou em julgado.
Face a tal decisão os autores desistiram do pedido quanto ao demais, o que foi aceite, tendo o tribunal de 1ª instância declarado a extinção da instância.

Vejamos se dos factos provados resulta a possibilidade de responsabilizar civilmente o 1.º Réu.

O contrato de mandato é aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (artigos 1154.º e 1157.º do Código Civil).
Quando uma pessoa promete a outra a sua colaboração jurídica, pondo à sua disposição a sua capacidade de agir no mundo do direito, praticando atos jurídicos em nome da mesma, constitui-se entre ambas um vínculo de mandato.
O mandato judicial ou forense configura um contrato de mandato oneroso, com representação (artigos 1157.º, 1158.º e 1178.º, do Código Civil), sendo os advogados constituídos responsáveis, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso, em termos de responsabilidade contratual (artigo 798.º do Código Civil).
No exercício da sua atividade, os advogados devem agir com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão (artigo 6.º, n.º 2, da LOFTJ, então em vigor aquando da instauração da primeira ação).
O advogado deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem artigo 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas, encontrando-se obrigado, nas relações com o cliente, a estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade, devendo, em qualquer circunstância, atuar com diligência e lealdade na condução do processo (artigos 92.º, 95.º e 103.º do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Assim, o advogado deve agir segundo as exigências das “legis artis”, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, de acordo com o dever objetivo de cuidado.

Deste modo, o 1.º Réu, como está provado, estava vinculado para com os Autores, no exercício da sua atividade profissional de advocacia, por força do contrato de mandato forense com representação.

Contudo, o 1.º Réu não se obrigou a garantir a produção de um certo efeito ou resultado, mas antes a uma obrigação de meios: apenas se comprometeu a realizar, prudente e diligentemente, determinado esforço ou atividade do seu saber profissional, para obter um determinado resultado.
Na obrigação de meios: o devedor fica exonerado da sua prestação para com o credor, na hipótese de o cumprimento requerer uma diligência maior do que a prometida, constituindo causa liberatória da sua ação ou omissão, quer a impossibilidade objetiva, quer a subjetiva, a menos que aquele se possa fazer substituir por terceiro no cumprimento, que lhe não sejam imputáveis, nos termos do disposto nos artigos 790.º e 791.º do Código Civil;
não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação, para se considerar demonstrado o não cumprimento, não bastando alegar a perda da ação para que o advogado que patrocinou a causa se considere em falta, sendo, igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento, uma concreta ilicitude da falta de cumprimento, que o advogado não realizou os atos em que, normalmente, se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão;
não obstante o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade contratual, considerando a existência da presunção “tantum iuris” de culpa que incide sobre o devedor, que terá de demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação a seu cargo não procede de culpa sua, atento o disposto nos artigos 798.º, 799.º, n.º1 e 342.º, n.º2, do Código civil, vigora o princípio geral de que o credor deve identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência, objetivamente, devida, pois que a presunção de culpa tende a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor, isto é, reduzir-se-á à culpa, em sentido estrito.
Assim, demonstrando-se que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo mandatário ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou que omitiu a diligência exigível.

Ora, no caso presente, como refere o Acórdão recorrido, o prejuízo de que os Autores pretendem ressarcir-se radicou no comportamento omissivo do 1.º Réu (na primeiro ação que os Autores intentaram) e não de uma menos bem conseguida subsunção dos factos provados nessa ação por parte do juiz.
Os Autores constituíram o 1.º Réu mandatário para que este interpusesse uma ação de reivindicação contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Castelo Branco, CRL e DD e EE, pretendendo que lhe fossem entregues determinados bens móveis.
O Tribunal de 1.ª instância veio a julgar a ação improcedente, com fundamento no facto de os Autores não terem fundamentado a sua pretensão, invocando na sua petição (subscrita pelo 1.º Réu nestes autos) a aquisição originária desses bens mas somente a aquisição derivada.
Foi interposto recurso de apelação, mas somente na parte relativa a um veículo que se mostrava registado em nome da Autora sociedade.
Os Autores vieram a interpor nova ação reivindicando os restantes bens móveis, agora invocando, também, a aquisição originária, mas aqueles Réus invocaram a exceção de caso julgado. Essa exceção foi julgada improcedente na 1.ª instância, mas o Tribunal da Relação veio a julgar procedente a exceção de caso julgado.
Em face de toda esta atividade, os autores intentaram a presente ação, imputando a responsabilidade no prejuízo sofrido, no comportamento omissivo do 1.º Réu.
O Tribunal de 1.ª instância veio a considerar que os factos alegados (naquela primeira ação) pelos Autores na petição subscrita pelo 1.º réu eram suficientes para a procedência da ação e foi pela errada subsunção dos factos ao direito por parte do juiz da primeira ação, não havendo, deste modo, nexo causal entre o comportamento do 1.º Réu e o dano sofrido pelos Autores, absolvendo os Réus do pedido.
O Tribunal da Relação de …… veio a revogar a decisão do Tribunal de 1.ª instância, considerando que os factos alegados eram insuficientes para a procedência da ação.

E não se pode deixar de dar razão ao acórdão recorrido.
Assim, como se afirma no Acórdão recorrido e se concorda:
“Provou-se – ponto 16 e 17 da matéria provada – que depois de 13 de Agosto de 2003 os AA. retiraram alguns bens que se encontravam na Quinta da Várzea, não incluídos no acordo de dação em pagamento, mas não retiraram a totalidade dos seus bens, designadamente os referidos no ponto 10 da matéria de facto. Provou-se também que quando tomaram conhecimento de que no dia 27 de Julho de 2004 a Caixa de Crédito Agrícola tinha vendido a DD e mulher os prédios rústicos, contactaram estes adquirentes para os informar que eram donos de bens (os referidos em 10.) e solicitaram autorização para a sua remoção – factos 11 e 12. Estes negaram tal pretensão, alegando que haviam comprado todos os bens existentes na propriedade à Caixa de Crédito Agrícola – facto 13. Perante tal recusa, os AA. solicitaram à Caixa de Crédito Agrícola que fosse marcada data e hora para retirarem dos prédios rústicos que haviam vendido a DD e mulher os bens que lhes pertenciam, não tendo obtido resposta. E até hoje não mais recuperaram a posse de tais bens.
Note-se, no que respeita a esta última factualidade, que resultou provado na acção de reivindicação – cfr. ponto 11 do ponto 20 - que a carta que os AA dirigiram à (aí) 1ª R. para o acima referido efeito, o foi no dia 20/9/2004.
Do que resulta que DD e mulher recusaram aos AA. a remoção dos bens de que estes se reclamavam proprietários em momento anterior a esta data de 20/9/2004.
Sendo que quando invocaram junto dos AA. que haviam comprado todos os bens existentes na propriedade à Caixa de Crédito Agrícola arrogaram-se implicitamente proprietários desses bens.
Este acto de DD e mulher implicou a aquisição originária de uma nova posse desses bens, a qual se mostra contraditória com a dos AA.
Estes mantiveram a posse desses bens, porque o possuidor não perde a posse ainda que um terceiro constitua uma posse contrária, mesmo contra a vontade do antigo possuidor.
Embora a acabe por a perder, se a nova posse houver durado mais de um ano.
Com efeito, o possuidor perde a posse, nos termos da al d) do nº 1 do art. 1267ºCC, «pela posse de outrém, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano».
Assim, a posse perde-se pela criação de uma nova posse contraditória que persista mais de um ano, resultando do art.º 1282º CC que se o primitivo possuidor não reage contra a nova posse, esta, ao fim de um ano e um dia, se consolida.
Por assim ser, conclui Durval Ferreira (Posse e Usucapião, 2.ª ed., p.327), que «a posse que adquire o novo possuidor é uma “posse em comum ou composse” (art 1403º). E, a posse primitiva que remanesce, é uma “posse em comum, ou composse”, simultaneamente com “a posse em comum ou composse” do novo possuidor», sendo, no entanto, a situação da existência de duas posses, simultâneas e contraditórias, transitória, estando condenada a desaparecer em um ano.
Não há notícia nos autos que os AA. hajam reagido à posse de DD e mulher senão com a interposição da acção de reivindicação, o que sucedeu, como já se viu, em 20/1/2006, sendo pois, indiscutível, que estão já não eram possuidores dos bens em referência”.

Ora, numa ação de reivindicação, a não alegação de uma forma de aquisição originária dos bens para prova da respetiva propriedade (não existindo qualquer presunção legal) configura um erro técnico, um erro profissional, que é motivo de censura, implicando um cumprimento defeituoso do mandato.
- Recorde-se que os Autores, representados pelo 1.º Réu, não interpuseram recurso de apelação daquela primeira sentença na parte respeitante aos bens móveis, com a exceção do bem móvel sujeito a registo, pois este último bem encontrava-se registado em nome de uma dos Autores e beneficiava da presunção resultante do registo; mas, intentou uma outra ação, que teve o desfecho atrás referido, só podendo ser entendido que o 1.º Réu aceitava como boa a fundamentação da decisão que referiu o seu comportamento omissivo -
Desta forma, o 1.º Réu violou, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com os Autores, tendo-se verificado o cumprimento defeituoso da obrigação, o que o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos do disposto nos artigos 798.º e 799.º, n.º 1, do Código Civil.

Preceitua o n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Assim, para que haja obrigação de indemnizar é necessário que se verifique a existência de um facto ou omissão voluntários do agente, de natureza ilícita, ligados por um vínculo de imputação ao autor, a título de dolo ou mera culpa, consubstanciado num dano relacionado com o facto, por um nexo de causalidade adequada.
No que concerne ao nexo de causalidade, o artigo 653.º do Código Civil prescreve que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Deste modo, nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica.

No caso presente, o Acórdão recorrido entendeu que se poderia afirmar – com suficiente probabilidade – um nexo de causalidade entre a execução defeituosa do mandato e a perda da ação pelos Autores, pelo que conclui pela reparação total dos danos sofridos pelos Autores, afastando-se da questão da denominada “perda de chance”, por estarmos em presença de um caso de “alta probabilidade que se converte em razoável certeza (dando lugar à reparação integral do dano final, visto afirmar-se o nexo causal entre o facto e este dano)”.

Ora, não se pode concordar com tal afirmação.
Não há possibilidade de saber se os Autores veriam a ação ser julgada procedente se tivessem sido alegados os factos de aquisição originária dos bens móveis, porquanto os Autores teriam de conseguir provar esses factos se alegados (apesar de, com todo o conjunto de factos alegados e a prova de determinados factos que tinham sido alegados, se possa concluir por uma percentagem significativa da probabilidade de êxito).
Apesar da omissão ilícita do 1.º Réu, importa a verificação de um dano e do correspondente nexo de causalidade entre a conduta omissiva e o dano, sendo certo que resulta do mandato forense uma obrigação de meios para o advogado, que não tem de obter vencimento na causa.
Os danos dos Autores traduziram-se na improcedência parcial da ação (improcedência total na decisão do Tribunal de 1.ª instância e procedência do recurso de apelação – estando em causa somente um dos bens móveis), com a consequente absolvição dos Réus do pedido de restituição dos bens móveis.
Contudo, e como já se referiu, não seria possível saber qual o grau de probabilidade de êxito ou insucesso da ação, se os Autores conseguissem fazer prova dos factos omitidos e relativos à aquisição originária dos bens móveis.
E, se não se pode afirmar o nexo de causalidade adequada entre a omissão ilícita e culposa do 1.º Réu e os danos sobrevindos para os Autores, como se afirma no Acórdão do STJ, de 5 de fevereiro de 2013 (que vimos seguindo de perto) “tal não pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização do profissional que violou os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato”.

Na situação dos autos, estamos, assim, no âmbito do denominado dano pela “perda de chance” ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu no caso concreto, com a omissão do 1.º Réu, que privou os Autores da “chance” de obter um resultado favorável.
A teoria da “perda de chance” ou da oportunidade, ao contrário da teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na medida em que foi o autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do agente danoso por dificuldades probatórias, mas, também, que não comina a reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.
A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, de o facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
A doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar a vítima nos casos em que não se consegue demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que há a constatação de que as probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.
A “chance” ou oportunidade perdida merece a tutela do direito porque, à data da violação ilícita, integra o património jurídico do lesado, o seu património económico e moral, sendo ressarcível por consubstanciar um dano certo, salvo quanto ao seu montante, onde acaba por emergir a perda de uma possibilidade atual, e não de um resultado futuro.
É um dano presente que consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem, um acréscimo patrimonial, sendo, contudo, a perda de “chance” uma realidade atual e não futura, um bem jurídico digno de tutela, embora possa surgir no futuro, reportando-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.

Por outro lado, sendo a vitória judicial incerta, e tendo toda a causa um resultado aleatório, o autor não pode afirmar que a ação judicial, onde ocorreu semelhante omissão do seu mandatário, teria sido, sem ela, julgada, total ou parcialmente, procedente, muito embora com a mesma haja ficado, irremediavelmente, comprometida e, através dela, a obtenção do benefício subordinado que se mostrava inerente ao êxito do procedimento judicial.
Trata-se de uma situação em que não se pode afirmar, com absoluta segurança, que o conteúdo da decisão judicial teria sido distinto, caso não tivesse interferido o aludido facto ilícito, nomeadamente, porque tal dependia ainda do modo como o juiz aprecia determinados factos, interpreta as normas jurídicas pertinentes e procede à subsunção daquela factualidade ao Direito aplicável, mas em que já se sabe, por outro lado, com certeza suficiente, que a vítima perdeu uma oportunidade de obter essa decisão favorável.
Considerando que a oportunidade perdida deve ser avaliada, o mais possível, com referência ao caso concreto, o juiz está obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo, caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo, segundo o prisma de avaliação do juiz da ação “falhada”, por ser aquele que mais se coaduna com a noção de “perda de chance”.

Por outro lado, o artigo 562.º do Código Civil consagra o princípio geral da reconstituição natural, como critério da indemnização dos danos, referindo que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, acrescentando-se no n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível e no n.º3 desta última disposição legal que se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil), sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil). Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil).
O dano da “perda de chance” deve ser avaliado em termos de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida, sendo o grau de probabilidade de obtenção da vantagem perdida que será decisivo para a determinação da indemnização, uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto daquele, pois que a chance foi, irremediavelmente, afastada por causa do ato do lesante, inexiste violação das regras gerais da responsabilidade civil que vigoram no nosso ordenamento jurídico, devendo a indemnização refletir essa diferença, cuja expressão é dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a atribuir ao lesado.
A reparação da perda de uma chance deve ser medida, em relação à chance perdida, e não pode ser igual à vantagem que se procurava.

No caso dos autos, encontram-se provados os seguintes factos:
“1.17. Os autores propuseram, em 20 de Janeiro de 2006, acção judicial contra a Caixa de Crédito Agrícola e DD e mulher EE, que correu termos com o nº 172/06.0TBCTB, pelo 3º Juízo da Comarca de ……, na qual pediram o reconhecimento da propriedade dos bens referidos em 10., e a restituição imediata de tais bens aos autores.
1.18. O 1º réu advogado elaborou a alegação que consta da petição inicial nos seus precisos termos.
1.19. Essa acção, por sentença, de 27 de Julho de 2010, foi julgada improcedente, tendo os réus sido absolvidos dos pedidos.
1.20. Nessa sentença foram julgados como provados os seguintes factos:
1) A sociedade autora foi dona, até 30 de Dezembro de 2002, dos seguintes prédios: i. Prédio rústico, denominado “Quinta da ……”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “W’, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número …, com registo de aquisição a favor desta autora. ii. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo …. da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número … , com registo de aquisição a favor desta autora. iii. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e conceito de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número …, com registo de aquisição a favor desta autora. iv. Prédio rústico, denominado “…”, sito na freguesia de ................. e concelho de ................., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo … da secção “Y”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ................. sob o número …, com registo de aquisição a favor desta autora.
2) Era nesses prédios que a autora sociedade desenvolvia a sua actividade, na área agro-pecuária, utilizando utensílios, ferramentas e equipamentos, quer próprios, quer dos autores.
3) Devido a dificuldades financeiras, designadamente no pagamento de empréstimos contraídos junto da primeira ré, quer para aquisição dos ditos prédios, quer de diversos equipamentos agrícola, os autores viram-se obrigados a celebrar com esta ré, dois contratos de dação em pagamento.
4) Um celebrado por escritura pública, de 30 de Dezembro de 2002, através do qual a sociedade autora, em pagamento da quantia de 668.178,00 €, deu à 1ª ré os ditos prédios.
5) O outro, celebrado na mesma data, por documento particular e através do qual os primeiros autores, para pagamento da quantia de 102.748,00 €, deram à 1ª ré, os bens móveis: i. Um tractor marca Case, com a matrícula JZ.63.9S, equipado com carregador frontal e balde; ii. Um center pivot, marca RKD, com duas torres e lanço suspenso e respectiva electrobomba; iii. Um center pivot, marca RKD, com quatro torres e lanço suspenso e respectiva electrobomba; iv. Um equipamento de rega para cobertura total; v. Uma sala de ordenha e respectivo equipamento (8+8); vi. Um tanque de refrigeração, com capacidade para 3.500 litros, de marca Teka, modelo First 3.500.SE, n.° de série……, fabricado em 1997; vii. Um corta forragem, rebocado; viii. Um corta forragem, automotriz, de quatro linhas; ix. Uma grade de discos, equipada para armação em camalhões. X. Dois reboques de transporte de silagem, sem marca ou matrícula.
6) Por contrato promessa de compra e venda, celebrado na mesma data, entre os primeiros autores e a primeira ré, aqueles nos termos de tal acordo, ficaram detentores da totalidade dos bens prometidos vender.
7) Os autores, apesar de em 30 de Dezembro de 2002 terem, pelos contratos de dação em pagamento, transmitido a titularidade dos bens móveis e imóveis, mantiveram até 31 de Agosto de 2003, em virtude do contrato promessa referido, a continuidade da exploração agro-pecuária


ia, nos mesmos moldes que até então vinham fazendo.
8) Em virtude de não terem conseguido meios financeiros, nem arranjar para readquirir à 1ª ré os bens entregues por dação em pagamento, no dia 31 de Agosto de 2003, os autores comunicaram tal facto à 1ª ré e colocaram todos os bens objecto dos contratos de dação em pagamento à disposição desta.
9) Contra os primeiros autores foi apresentada queixa-crime, pelo legal representante da 1ª ré, que correu termos pelos serviços do ministério público do Tribunal Judicial de ................., sob o processo 35/03.1GCIDN, que veio a ser arquivado.
10) No dia 27 de Julho de 2004, a primeira ré transmitiu, de forma onerosa, aos segundos réus, os ditos prédios rústicos.
11) Os autores dirigiram à primeira ré, no dia 20 de Setembro de 2004, carta registada com aviso de recepção, solicitando que no prazo de 15 dias lhes fosse marcada data e hora para retirarem o equipamento que agora reclamam e que se encontrava no prédio transmitidos aos segundos réus.
12) Tal missiva não mereceu resposta por parte da primeira ré.
13) Além dos bens móveis objecto do acordo contrato-promessa, ficaram no prédio denominado “Quinta da …”, vários outros móveis adquiridos, a título oneroso, pelos autores, cuja titularidade não foi transmitida para os réus.
14) O que é do conhecimento da 1ª Ré.
15) Designadamente ficaram em tal prédio os seguintes bens: i. Tractor agrícola marca INTERNCIONAL 633, matrícula JO-14-48; ii. Reboque de dois eixos marca ”HERCULANO”; iii. Desensilador marca “ENXARAGRICOLA”; iv. Estrutura de Ordenha marca “ALFA LAVAI” -Blue Diamond” (16+16); v. 72 Colchões marca “ALFA LAVAL”, com respectivas peças de fixação; vi. Misturadora de chorume para nitreira; vii. Um equipamento completo de um secador de tabaco, composto de 7 contentores e carris, com máquina de calor marca “GODIOLI BELANTI” e respectivos componentes e acessórios; viii. Mesa com tapete rolante para escolher tabaco; ix. Prensa para enfardar tabaco.
16) Depois de 13 de Agosto de 2003, os autores retiraram alguns bens que se encontravam na Quinta da Várzea, não incluídos no acordo de dação em pagamento.
17) Os autores não retiram a totalidade dos seus bens, designadamente os referidos em 15.
18) Os autores, tendo tomado conhecimento da transmissão referida em 10), contactaram os 2.°s réus, informando-os de que eram donos dos bens identificados em 15.
19) E solicitaram autorização para a sua remoção.
20) Os 2.°s réus negaram tal pretensão aos autores, argumentando estarem convencidos que o negócio que celebraram com a 1ª ré incluía todos os bens que se encontravam no prédio que adquiriram e qualquer assunto referente a tais bens deveria ser tratado directamente com a 1ª ré.
21) A ré CCAM recebeu dos autores apenas os bens móveis referidos em 5).
22) Em 27 de Julho de 2004, a ré CCAM declarou vender aos réus DD e EE, pelo preço de 71.822,30 €, os bens identificados em 5., o que foi aceite pelos segundos.
1.21. Na fundamentação de tal sentença consta que: “a causa de pedir.... nestas acções ... é o direito de propriedade” “não basta que o autor invoque ser proprietário dos bens reclamados, é necessário, ainda, que ao lado da aquisição derivada, alegue e prove os factos tendentes a demonstrar que o direito transmitido existia na pessoa do transmitente, pelo que terá de alegar e provar a cadeia das sucessivas aquisições dos seus antecessores no domínio, até ao adquirente, a título originário”. “No caso em apreço, tão foi alegado ... uma forma de aquisição derivada de transmissão de direitos e não de constituição de direitos e não dispensava os A.A., uma vez que não gozam de presunção derivada de registo em seu nome ... de alegar e provar os factos tendentes a demonstrar a aquisição originária, por via da usucapião, por exemplo”.
1.22. Os autores apelaram da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra confinando o âmbito desse recurso ao tractor agrícola marca “Internacional 633”, com o fundamento da presunção do registo a favor da Agro Ponsul, tendo tal Tribunal Superior julgado o recurso procedente, condenando os réus DD e EE a restituírem-no de imediato à autora.
1.23. O 1º réu advogado aceitou não recorrer da restante decisão de 1ª instância.
1.24. Inconformado com a situação dos bens em causa, o 1º réu propôs uma outra acção declarativa, como mandatário dos mesmos autores, contra DD e mulher, que correu termos com o n.º 1528/12.STBCTB, no Tribunal Judicial de …… (J2), pedindo: a. O reconhecimento da propriedade dos autores sobre os bens referido em 10.; b. A condenação dos réus a restituir à Agro Ponsul da estrutura de ordenha para bovinos marca “Alfa Lavai — Blue Diamond (16+16]”; c. A pagar aos primeiros autores a quantia a de 31.530,00 €, correspondente ao valor dos bens referidos em 10., uma vez que a restituição em espécie já não é possível (acrescida de juros); d. E a pagar à AgroPonsul a quantia de 658,63 €, pela utilização do tractor agrícola International, e a quantia de 24.419,18 €, pela utilização da estrutura de ordenha.
1.25. Nessa acção o Ilustre Mandatário, ora Réu, alegou a aquisição por usucapião dos bens identificados no artigo anterior.
1.26. DD e EE contestaram a acção invocando, para além do mais, a excepção de caso julgado.
1.27. Foi, nessa acção, admitida a intervenção provocada da Caixa de Crédito Agrícola que invocou a excepção de caso julgado.
1.28. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, contra o qual recorreram DD e EE, tendo o Tribunal da Relação de …. julgado procedente a excepção de caso julgado relativamente a todos os bens móveis, que transitou em julgado.
1.29. Face a tal decisão os autores desistiram do pedido quanto ao demais, o que foi aceite, tendo o tribunal de 1ª instância declarado a extinção da instância”.

Destes factos resulta, como atrás já se referiu, acompanhando a decisão recorrida nesta parte, que foi a omissão da alegação de factos que demonstrassem a aquisição originária por parte dos Autores, que conduziu à improcedência da ação e à não devolução dos bens aos Autores, sendo certo que um profissional diligente quando discute a propriedade de bens (móveis ou imóveis) jamais omite essa alegação (a não ser em casos em que se verifique a existência de presunções, o que, no caso presente, só existia em relação ao bem móvel sujeito a registo, tendo os Autores obtido ganho de causa perante o recurso de apelação que interpuseram para o Tribunal da Relação).
O 1.º Réu procurou ultrapassar essa primeira omissão interpondo nova ação e, nesta, alegando factos que conduziriam à aquisição originária por parte dos Autores dos bens móveis, o que não conseguiu em face da invocação da exceção de caso julgado por parte dos Réus daquela segunda ação.
Assim, perante o comportamento omissivo do 1.º Réu (naquela primeira ação), os Autores virem perder-se a probabilidade de obtenção da vantagem que reclamavam.
Por outro lado, e como também se referiu, sendo sempre incerta a decisão judicial em face, nomeadamente, da produção de prova que ao Autores poderiam efetuar, e que fosse suficiente para demonstrar os factos omitidos sobre a aquisição originária dos bens móveis reclamados pelos Autores, sempre se poderia afirmar que perante os factos que os Autores demonstraram nessa ação (os contratos celebrados com a Ré nessa ação, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Castelo Branco, CRL) que a probabilidade da obter decisão favorável se situaria na percentagem de 80%.
Assim, é tendo em atenção esta percentagem que os Autores deverão ver-se ressarcidos.

Deste modo, o Acórdão recorrido (que entendeu que existia um nexo causal direto entre o comportamento do 1.º Réu e o dano sofrido pelos Autores, de que se discorda como se referiu) que condenou a “R. Mapfre a pagar à A. Agro Ponsul Sociedade Agro Pecuária da Quinta da Várzea Lda, a quantia de €75.000,00 no referente à estrutura de ordenha “Alfa Lavai” – Blue Diamond, e a pagar aos AAs. AA e BB, a quantia que se vier a apurar, em liquidação desta decisão, corresponder, em 2004, aos demais bens referidos no ponto 10 da matéria de facto” não pode manter-se, sendo que deve ser reduzido a 80% os valores referidos na decisão.

4. A inaplicabilidade das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro
A Ré Seguradora refere que, mesmo que se possa considerar a existência de um erro profissional imputável ao 1.º Réu, sempre a responsabilidade daí decorrente não se encontra transferida para a Seguradora, invocando o artigo 3.º, alínea a) das Condições Particulares da Apólice em causa nos autos e o disposto nos artigo 44.º, n.º 2, e 101.º da Lei do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril), porquanto à data do início do período seguro (1/01/2014), o Réu Advogado tinha perfeito e efetivo conhecimento da possibilidade de vir a ser responsabilizado pelos Autores, em decorrência da atuação profissional posta em crise nos autos.

Encontram-se provados os seguintes factos:
“1.30. Por acordo, reduzido a escrito, denominado de “Seguro de Responsabilidade Civil”, celebrado com a Ordem dos Advogados de Portugal, titulado pela apólice ............... A Mapfre Seguros Gerais, S.A. obrigou-se a segurar a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual e societária, com um limite de 150.000,00 € por sinistros, estabelecendo-se uma franquia de 5.000,00 € por sinistro, não oponível a terceiros lesados (pontos 4. e 9. das condições particulares).
1.31. A apólice em causa vigorou desde 1.01.2014 até 1.01.2018, estando definido, ao nível do âmbito temporal, o seguinte (ponto 7. das condições particulares):
a. A Seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após a vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente Apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroactividade.
b. Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente Apólice, o Segurador não está obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato.
c. Para os fins supra indicados, entre-se por reclamação a primeira das seguintes: i. Notificação oficial por parte do sinistrado, do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, da intenção de reclamar ou de interposição de qualquer acção perante os tribunais. ii. Notificação oficial do tomador do seguro ou do segurado, ao segurador, de uma reclamação administrativa ou investigação oficial, com origem ou fundamento em dolo, erro, omissão profissional ou negligência, que haja produzido um dano indemnizável à luz da Apólice. iii. Por outra via, entende-se por reclamação, qualquer facto ou circunstância concreta conhecida prima facie pelo tomador de seguro ou segurado, da qual resulte notificação oficial ao segurador, que possa razoavelmente determinar ulterior formulação de um pedido de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.
1.32. Nos termos do acordo de seguro: b. Ficam excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações … por qualquer facto ou circunstância conhecido do segurado à data do início do período de seguro, e que já tenham gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação (art. 3º, a) das condições especiais). C. O Segurado deverá comunicar … ao Corretor ou à Seguradora, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer Reclamação efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. A comunicação referida … deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o reconhecimento da reclamação possa chegar à seguradora no prazo improrrogável de sete dias (art. 10º das condições especiais). d. Se qualquer segurado for titular, individualmente ou através de sociedade de advogados, de outra apólice de responsabilidade civil que providencie cobertura idêntica à da presente apólice, fica estabelecido que esta funcionará apenas na falta ou insuficiência daquela, entendendo-se aquela como celebrada primeira (art. 12º das condições especiais).
1.33. Nos termos de tais apólices consta que: serão as mesmas exclusivamente competentes “para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas i) contra o segurado e notificadas à seguradora, ou ii) contra a seguradora em exercício da acção directa, durante o período de seguro, ou durante o período de ocaso (…)” (art. 4º das condições especiais)”.

Como se refere no Acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 14/12/2016, entendeu que “se está perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”) que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato”.
O n.º 2 do artigo 139.º da Lei do Contrato de Seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril) prescreve que são válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
Escreve Pedro Romano Martinez que “a cláusula em causa afasta a regra geral de delimitação da responsabilidade ao tempo de vigência do contrato (n.º1) que o momento a ter em conta será outro, será o momento: «a) da prática do facto gerador de responsabilidade (action commited basis); «b) da manifestação do dano (loss ocurrence basis); «c) da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (como resulta do n.º3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art.º 44.º/2)”
- Lei do Contrato de Seguro, 2016, p. 449 –

No caso presente, a Ré Seguradora celebrou com a Ordem dos Advogados um contrato de seguro, denominado “Seguro de Responsabilidade Civil, titulado pela apólice n.º...............
E esse contrato vigorou entre 1/01/2014 e 1/01/2018.
Nos termos do acordo: b. Ficam excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações … por qualquer facto ou circunstância conhecido do segurado à data do início do período de seguro, e que já tenham gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação (art.º3º, a) das condições especiais).

Entende a Ré Seguradora que o primeiro Réu já antes do início da vigência do contrato de seguro (1/01/2014), pelo menos desde 27 de julho de 2010, tinha a consciência da possibilidade/razoabilidade de vir a ser responsabilizado pelos Autores.
Ora, a data invocada pela Ré Seguradora, reporta-se à data da sentença proferida no primeiro processo, que julgou improcedente o pedido dos Autores.
Contudo, depois dessa decisão os Autores continuaram a manter o contrato de mandato que celebraram com o 1.º Réu, tendo sido interposto recurso de apelação para o Tribunal ada Relação de Coimbra que julgou procedente o recurso (recurso que se reportava somente ao bem móvel sujeito a registo que os Autores reivindicavam) e mantiveram esse esse contrato quando o 1.º Réu interpôs nova ação.
E, nesta nova ação, os então Réus contestaram e arguiram a exceção de caso julgado, exceção que foi julgada improcedente no Tribunal de 1.ª instância e que veio a ser julgada procedente em recurso de apelação interposto pelos Réus.
Assim, com estes factos, se pode concluir que o 1.º Réu teve a possibilidade de admitir que poderia ser demandado pelos Autores pelo seu comportamento omissivo na primeira ação, quando o Tribunal da relação proferiu o Acórdão o que ocorreu já na vigência do contrato de seguro, pois o mesmo Acórdão foi proferido em 3/11/2015.

Deste modo, a Ré Seguradora não tem razão.

A Ré Seguradora refere, ainda, que a sua responsabilidade deverá ser limitada ao capital seguro (€150 000,00), com a devida dedução da franquia contratualmente estabelecida, no valor de €5 000,00, a qual deverá ser sempre suportada pelo segurado.
No Acórdão recorrido decidiu-se que a franquia não devia ser deduzida.
No ponto 9 das Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil, sob a epígrafe Franquia, prevê-se: Estabelece-se uma franquia de 5.000,00€ por sinistro, não oponível a terceiros lesados.
Assim, e perante esta disposição expressa, só se pode concluir, como o fez o Acórdão recorrido que a seguradora não pode fazer valer perante terceiros lesados, os Autores, essa franquia, mas que só a pode exigir do 1.º Réu.
Deste modo, também nesta questão, a Ré Seguradora não tem razão.

5. Dos juros de mora
O Tribunal da Relação de …. condenou a Ré Seguradora no pagamento “de juros à taxa civil vincendos e vencidos nos 5 anos anteriores à propositura desta acção”.
A Ré Seguradora insurge contra esta condenação.
Prescreve o n.º 1 do artigo 804.º do Código Civil que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
E o n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil preceitua que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
Ora, no caso presente, só com a interpelação judicial, isto é, com a citação a Ré se constituiu em mora, sendo a primeira vez em foi confrontada com o pedido de pagamento da indemnização (aliás, como o 1.º Réu).
Por outro lado, não nos encontramos em presença de qualquer indemnização atualizada pelo que não é aplicável a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º4/2002.
Assim, os juros de mora são devidos desde a citação.

Pelo exposto, o recurso deve proceder parcialmente, condenando-se a Ré Mapfre a pagar à Autora Agro Ponsul Sociedade Agro Pecuária da Quinta da Várzea, Lda. a quantia de €60 000,00 (80% de €75 000,00), no que respeita à estrutura de ordena “Alfa Lavai” – Blue Diamond, e a pagar aos Autores AA e BB, 80% da quantia que se vier a apurar, em posterior liquidação, corresponder, em 2004, aos demais bens referidos no ponto 10 da matéria de facto, sendo uma e outra dessas quantias acrescidas de juros de mora, à taxa civil, desde a citação até integral pagamento.


IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em conceder, parcialmente, a revista, revogando-se, parcialmente, o Acórdão recorrido, condenando-se a Ré Mapfre a pagar à Autora Agro Ponsul Sociedade Agro Pecuária da Quinta da Várzea, Lda. a quantia de €60 000,00 (80% de €75 000,00), no que respeita à estrutura de ordena “Alfa Lavai” – Blue Diamond, e a pagar aos Autores AA e BB, 80% da quantia que se vier a apurar, em posterior liquidação, corresponder, em 2004, aos demais bens referidos no ponto 10 da matéria de facto, sendo uma e outra dessas quantias acrescidas de juros de mora, à taxa civil, desde a citação até integral pagamento.


Custas pelos Autores e pela Ré Mapfre Seguros Gerais, S.A. na proporção, respetivamente de ¼ e ¾.


Lisboa, 17 de novembro de 2020


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)
Fátima Gomes
Acácio das Neves


(com assinatura digital do Relator e declarando, nos termos do artigo 15º-A do Decreto - Lei nº 10-A, de 13 março, aditado pelo Decreto - Lei nº 20/20, de 1 de maio, que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo, Conselheiros Fátima Gomes e Acácio das Neves)