Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
038701
Nº Convencional: JSTJ00004338
Relator: VASCO TINOCO
Descritores: CHEQUE SEM PROVISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198811160387013
Data do Acordão: 11/16/1988
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR N66 IS 1989/03/20, PÁG.1167 A 1168 - BMJ Nº 381, PÁG. 75
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: DL 14/84 DE 1984/01/11 ARTIGO 8 N2 ARTIGO 9.
CPC67 ARTIGO 763 N4 ARTIGO 766 N3.
CCIV66 ARTIGO 9.
CPP29 ARTIGO 668.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC38479 DE 1986/07/02.
ACÓRDÃO STJ PROC38200 DE 1986/03/05.
ACÓRDÃO STJ PROC38304 DE 1986/07/09.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/03/05 IN BMJ N355 PAG299.
ACÓRDÃO STJ DE 1984/11/14 IN BMJ N341 PAG356.
ACÓRDÃO STJ DE 1985/11/20 IN BMJ N351 PAG299.
ACÓRDÃO STJ DE 1985/05/08 IN BMJ N347 PAG294.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/01/30 IN BMJ N353 PAG320.
Sumário :
Nos termos do artigo 9 do Decreto-Lei n. 14/84, o tribunal competente para conhecer do crime de emissão de cheque sem provisão e o da comarca onde se situa o estabelecimento de credito em que o cheque foi inicialmente entregue para eventual pagamento, e não a do estabelecimento bancario sacado ou a da camara de compensação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no pleno do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - O Ministerio Publico, ao abrigo do disposto nos artigos 668 do Codigo de Processo Penal e 763 e seguintes do Codigo de Processo Civil, recorreu para o pleno deste Supremo Tribunal de Justiça do Acordão de 2 de Julho de 1986 (processo n. 38479), que estaria em oposição com o anteriormente decidido no Acordão de 5 de Março de 1986 (processo n. 38200).
Pede se profira assento na orientação desta ultima decisão, isto e, no sentido de que o artigo 9 do Decreto-Lei n. 14/84, de 11 de Janeiro, deve ser interpretado em sentido lato, amplo, de forma a referir-
-se aos estabelecimentos de credito onde os cheques são inicialmente apresentados, mesmo que não sejam o sacado.


Cumpre decidir.


2 - Quanto a oposição de acordãos.


A Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça ja decidiu, no douto acordão a fl. 23, existir a referida oposição.


Isso, porem, não impede que o tribunal pleno decida em sentido contrario (artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil).


Porem, no caso concreto, a oposição e manifesta.


Efectivamente, enquanto o Acordão de 5 de Março de 1986 interpretou a disposição legal citada em sentido amplo, de forma a atribuir competencia ao tribunal em cuja area se situa o estabelecimento bancario onde o cheque sem provisão foi inicialmente apresentado, e não ao da area do estabelecimento bancario sacado (ou da camara de compensação), ja o acordão recorrido entendeu o contrario, atribuindo a mesma disposição um sentido tecnico-juridico restrito.


Os dois acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação e em processos diferentes.


Presume-se o transito em julgado do acordão anterior (artigo 763, n. 4, do Codigo de Processo Civil).


Verificam-se, portanto, os pressupostos para este tribunal pleno emitir assento.
3 - Quanto a questão de direito.


Preceitua o artigo 9 do Decreto-Lei n. 14/84:


O tribunal territorialmente competente para conhecer do crime de emissão de cheque sem provisão e o da comarca onde se situe o estabelecimento da instituição de credito no qual o cheque foi apresentado a pagamento.
O conflito jurisprudencial em apreciação versa sobre o entendimento a dar a expressão "estabelecimento [...] no qual o cheque foi apresentado a pagamento".
Enquanto uns entendem que a esta expressão deve ser dado um sentido lato, amplo, de forma a ser tomado em consideração o estabelecimento de credito onde o cheque foi inicialmente entregue para eventual pagamento, ja outros entendem que se lhe deve, antes, dar um sentido tecnico-juridico restrito, pelo que o relevante sera apenas a apresentação no estabelecimento bancario sacado ou numa camara de compensação.
Integram-se na primeira orientação:


O Acordão de 8 de Maio de 1985 (B. 347, 294);


O Acordão de 30 de Janeiro de 1986 (B. 353, 320);


O Acordão de 5 de Março de 1986 (B. 355, 299);


O Acordão de 9 de Julho de 1986 (processo n. 38304); e


O Acordão de 22 de Outubro de 1986 (processo n. 38304); e integram-se na segunda:


O Acordão de 14 de Novembro de 1984 (B. 341, 356); e


O Acordão de 20 de Novembro de 1985 (B. 351, 299);


Não obstante os doutos argumentos invocados pelos defensores desta ultima orientação, entendemos que a razão esta, antes, com os defensores da outra.


Efectivamente, " a interpretação não deve cingir-se a letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo" (artigo 9 do Codigo Civil).
Ora, como resulta do relatorio do Decreto-Lei n. 14/84, o legislador, em virtude do " aumento preocupante do numero de cheques sem provisão", procurou encontrar "medidas que modifiquem esta situação".
Introduziu, assim, " alterações na tramitação processual [...] visando atingir uma mais eficiente e celere administração da justiça ".
Uma das novas medidas processuais e a obrigatoriedade de o ofendido comparecer em julgamento (artigo 8, n. 2, do Decreto-Lei n. 14/84).
Parece-nos, assim, evidente que o legislador, no artigo


9 citado, conexionou a competencia territorial do tribunal para conhecer da infracção com o lugar do estabelecimento de credito onde o cheque foi apresentado a pagamento, e não com o do local do banco sacado ou o da camara de compensação.


De outra forma, nunca a finalidade visada pelo legislador seria atingida.
Basta pensar so nas hipoteses de entrega no Algarve de cheques sacados sobre bancos do Minho e vice-versa, em que o ofendido, ante a obrigação legal de comparecer a julgamento (certamente com varios adiamentos), quase de certeza preferiria abster-se da denuncia para evitar deslocações a lugares distantes, muitas delas, como se disse, em pura perda.
Quanto as camaras de compensação, basta dizer que apenas existem duas, uma em Lisboa e outra no Porto.


Portanto, a atender-se a estas (e isso seria a hipotese normal e corrente), teriamos que a quase totalidade destes crimes teria de ser julgada naquelas duas cidades.


Não foi isso o que o legislador quis

.
O que se pretendeu foi facilitar e incrementar a luta contra este verdadeiro flagelo, imposta pelas necessidades economicas dos dias de hoje, em que o uso do cheque se vem implantando cada vez mais nos habitos do cidadão comum.
Assim, a expressão citada deve ser entendida num sentido amplo, lato.
Alias, na linguagem comum e segundo o costume mercantil, apresentar a pagamento significa entregar o cheque a um banco intermedio, que providenciara que o sacado reembolse o tomador ou portador do cheque, seu cliente.
Se fosse outra a vontade do legislador, certamente que teria utilizado expressões como " apresentação a pagamento a instituição de credito sacada" ou no " estabelecimento onde esta aberta a conta respeitante ao cheque", etc.


E sintomatico que tal não tenha acontecido.


4 - Assim, decidimos: a) Revogar o douto acordão recorrido, declarando competente o Tribunal de Alcanena; b) Formular o seguinte assento:
"Nos termos do artigo 9 do Decreto-Lei n. 14/84, o tribunal competente para conhecer do crime de emissão de cheque sem provisão e o da comarca onde se situa o estabelecimento de credito em que o cheque foi inicialmente entregue para eventual pagamento, e não a do estabelecimento bancario sacado ou a da camara de compensação". Sem imposto de justiça.

Lisboa 16 de Novembro de 1988

Vasco Lacerda Tinoco - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - Silvino Alberto Villa-Nova - Antonio Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licinio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Augusto Tinoco de Almeida - Julio Carlos Gomes dos Santos - Jose Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - Jose Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Antonio de Almeida Simões - João Alcides de Almeida - Antonio Alexandre Soares Tome - Abel Pereira Delgado - Salviano Francisco de Sousa - Joaquim Jose Rodrigues Gonçalves - Fernando Maria Xavier de Figueiredo Brochado Brandão - Cesario Dias Alves - Mario Sereno Cura Mariano - Jorge de Araujo Fernandes Fugas - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - Jose Saraiva - Jose Isolino Enes Calejo - Jose Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Junior - Mario Augusto Fernandes Afonso - Adelino Barbosa de Almeida - Jose Alexandre Paiva Mendes Pinto - Alberto Baltazar Coelho - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Flavio Parreira da Trindade Pinto Ferreira - João de Deus Pinheiro Farinha - João Solano Viana - Claudio Cesar Veiga da Gama Vieira.