Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5395/08.5TBLRA.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS .
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 349.º, 351.º.
D.L. N.º 522/85, 31-12: - ARTIGO 19, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 08.06.2006, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 01.07.2003, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 09.06.2009, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 28.05.02 (JURISPRUDÊNCIA Nº 6/2002 – D.R. I-A, DE 18.07.02).
Sumário :

  I – Adentro do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o legislador nacional perfilhou a doutrina da causalidade adequada, integrante, num primeiro momento, de um nexo naturalístico que constitui matéria de facto, e, num segundo momento, de um nexo de adequação que constitui matéria de direito.

                 II – Tendo sido “quesitada” factualidade integradora da existência daquele primeiro nexo e não tendo a mesma ficado provada, não pode a Relação tê-la por provada com base em presunções judiciais.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 5395/08.5TBLRA.C1.S1[1]

                (Rel. 169)

                            Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “JJ Seguros, S. A.”, entretanto incorporada, por fusão, na “AA – Companhia de Seguros, S. A.”, instaurou, em 07.10.08, na comarca de Leiria (com posterior remessa à comarca de Porto de Mós, julgada territorialmente competente), acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 212 431,94, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

       Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no exercício do direito de regresso que lhe assiste contra o R., em virtude de, na sua qualidade de seguradora, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, ter sido obrigada a despender a peticionada quantia em indemnização às vítimas de acidente de viação em que interveio o veículo por si segurado e a que o R. deu causa por, então, conduzir aquele veículo sob a influência do álcool.

       Contestando, pugnou o R. pela improcedência da acção, para o que impugnou a relevante factualidade alegada pela A.

       Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.).

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 15.03.13) sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu o R. do pedido.

       Por acórdão de 29.10.13, a Relação de Coimbra julgou, com um voto de vencido, improcedente a apelação interposta pela A.

       Daí a presente revista interposta pela apelante, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                    /

1ª – O acórdão recorrido não pode manter-se, uma vez que não efectuou uma correcta apreciação dos princípios legais e das normas em vigor;

2ª – A solução prevista no acórdão ora colocado em crise constitui uma manifesta violação das normas legais aplicáveis, bem como dos princípios jurídicos competentes, mais concretamente do disposto nos artigos 349°, 350º e 351º do Código Civil e, bem assim, do teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2002, de 18 de Julho de 2002, uma vez que os Senhores Juízes Desembargadores não efectuaram uma correcta apreciação da questão jurídica colocada na apelação interposta

3ª – Tal como consta da declaração de voto proferida pelo Senhora Juíza Desembargadora CC, "o apelo que é feito peja A.-recorrente, nas suas alegações de recurso, quanto à impugnação da matéria de facto, não reside numa alteração da matéria de facto com base numa reapreciação da prova gravada, mas antes na consideração de que por recurso a presunções judiciais se mostra possível extrair um facto em consonância com os demais factos provados, o que cabe no objecto da norma processual em apreço";

4ª – Com interesse para o presente recurso, resultaram provados nos autos os seguintes factos:

- No dia 11 de Setembro de 2005, pelas 10.00h, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ...- HC, conduzido pelo R., e três velocípedes a pedal;

- Os ciclistas seguiam atentos à condução e ao trânsito, em fila organizada, uns atrás dos outros e junto à extremidade direita da hemi-faixa de rodagem em que seguiam;

- Ao aproximar-se da curva (referida em G), após ter visto passar dois ciclistas, o passageiro que seguia no veículo do R., no banco traseiro gritou "olha os teus colegas";

- Acto contínuo e reflexamente o R. olhou para o seu lado esquerdo e um pouco para trás;

- Em consequência e, como se encontrava quase em cima da curva, ao voltar-se novamente para a frente, o R. já tinha invadido com a frente do veículo parte da hemi-faixa esquerda;

- O veículo conduzido pelo R. saiu da sua mão de trânsito, passou o eixo da via e invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, por onde circulavam os ciclistas;

- O R., ao ser submetido ao teste de alcoolemia acusou uma TAS de 1,41 g/l de sangue".

5ª – É firme convicção da recorrente que a análise dos elementos existentes nos autos em conjugação com o regime das presunções impunha uma solução de direito diversa, designadamente pela demonstração inequívoca do nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de álcool apresentada pelo R.;

6ª – Na génese do acidente em apreço nos autos, esteve em causa a conduta do R., violadora de uma regra objectiva de cuidado, designadamente o nº 1 do artigo 13º do Código da Estrada e, bem assim, o 291° do Código Penal, ou seja, conduzia o veículo HC com uma TAS de 1,41 g/l no sangue;

7ª – Tem-se defendido que, nas acções de indemnização por facto ilícito, embora caiba ao lesado a prova de culpa do lesante, a posição daquele será frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples);

8ª – Tendo por referência o presente processo, podemos afirmar que o acto de conduzir viaturas é um acto voluntário, ou seja, esta voluntariedade, em princípio, repercute-se em todo o seu desenvolvimento, a menos que um facto anormal, no sentido de excepcional, intervenha no processo;

9ª – Não nos parece que, atendendo à dinâmica do acidente e que resultou provada nos presentes autos, um "simples grito" "olha os teus colegas" pudesse, por si só, determinar que o R., ora recorrido tivesse:

a) – Saído da sua mão de trânsito;

b) – Passado o eixo da via;

c) – Invadido a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário; e

d) – Atropelasse três ciclistas que circulavam nessa hemi-faixa de rodagem, o mais próximo possível da extremidade direita da mesma;

e) – Apenas, porque na sequência desse alerta, "olhou para o seu lado esquerdo e um pouco para trás";

10ª – O conhecimento científico hoje disponível permite-nos aferir que o consumo de álcool diminui os reflexos, bem como a atenção dos condutores. Por isso mesmo, Sinde Monteiro (ln Cadernos de Direito Privado, nº 2, pgs. 29 e segs., escreve "( ... ) de acordo com conhecimentos científicos seguros, a partir de 1,0 g/l (arredondado por razões de segurança para 1.1 g/l) existe uma «quase certeza» de que qualquer condutor, mesmo dotado de particulares capacidades para a condução ou tolerância ao álcool, não está em condições de dominar suficientemente o seu veículo nas hodiernas situações de tráfego (…)”;

(" as variações da capacidade de resistência ou tolerância de pessoa para pessoa situam-se abaixo daquele nível (…)”;

11ª – Nos termos da tabela elaborada pelo Instituto de Engenharia Mecânico, Instituto Superior Técnico, Núcleo de Investigação de Acidentes Rodoviários, "uma taxa entre 0,8 e 1,5 g/l os seus efeitos são particularmente expressivos" (cfr. Declaração de Voto), ou seja, "em tal caso os reflexos são lentos, a capacidade de coordenação psicomotora é muito defeituosa: falhas na coordenação neuromuscular. Lentificação da resposta reflexa. A condução é extremamente perigosa e o indivíduo completamente inapto para a condução. Com 0,9 g/l o risco aumenta 5 vezes e, com 1,20 g/l o risco aumenta 16 vezes";

12ª – Mediante o recurso às presunções judiciais, os factos em apreço nos autos, devidamente apreciados, quer com o recurso às regras científicas, quer com recurso às regras da experiência comum, permitiriam concluir que foi o facto de conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 1,41 g/l que fez com que o R. seguisse sem prestar atenção à condução e ao trânsito; Provocando-lhe um estado de euforia anormal; Diminuindo-lhe a atenção, concentração e reflexos necessários à condução automóvel; Fazendo-o perder o controlo do veículo que conduzia, bem como a noção de velocidade e das distâncias;

13ª – A prova destes factos permitiria concluir pelo nexo de causalidade (a relação de causa-efeito) entre a taxa de álcool no sangue e a condução motivadora do acidente, mediante o recurso a uma presunção judicial, tanto mais que, nenhuma outra          causa, que revestisse excepcionalidade, resultou demonstrada nos autos;

14ª – A conduta do ora R. consubstanciou a prática de actos ilícitos, desde logo por infracção ao Código da Estrada, designadamente a invasão e ocupação da hemi-faixa contrária ao seu sentido de trânsito e a condução sob o efeito de álcool, com uma taxa superior ao legalmente permitido, violando, assim, respectivamente o disposto nos nº/s 1 e 4 do artigo 13º do Código da Estrada e o nº1 do artigo 292º do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 77/2001, de 13.07;

15ª – A correcta apreciação jurídica da questão colocada permitiria aos Senhores Juízes Desembargadores concluir pela verificação e aplicação de uma presunção judicial e, dessa forma, julgar verificado o nexo de causalidade entre a taxa de álcool e o acidente e, dessa forma, concluir pela procedência do pedido formulado pela A., ora recorrente;

Sem prejuízo,

16ª – É, ainda, manifesto que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, ora colocado em crise, se encontra em manifesta contradição, entre outros, com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 6/2002;

17ª – Tendo por referência a dinâmica do acidente, as regras científicas e bem assim, as regras de experiência comum, bem como a evolução jurisprudencial nesta matéria, nunca poderá conceber-se que, quando muito, o acidente em apreço se ficou a dever a uma "mera distracção" do R., ora recorrido;

18ª – É leviano e despropositado considerar que o acidente com tão gravosas consequências, se ficou a dever a um descuido;

19ª – Impõe-se, pois, a interpretação dos factos em apreço nos autos em consonância com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 6/2002 e, dessa forma, tendo por referência os factos, as regras científicas e as regras da experiência comum, se determine que o acidente em apreço nos autos se ficou a dever ao facto de o R. apresentar uma TAS de 1,41 g/l sangue, e, consequentemente, verificados os respectivos pressupostos legais, a procedência do pedido da A.

       Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos moldes peticionados, com todas as consequências legais.

       Contra-alegando, defende o recorrido a manutenção do julgado.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir:

                                                        *

2 – A Relação teve, com relevância para a apreciação e decisão do recurso, por provados os seguintes factos:

                                                      /

1 – No dia 11.09.05, pelas 10H00, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW, de matrícula ...-HC, e três velocípedes a pedal, na EN nº 356, ao km 23,700, Batalha, área da comarca de Porto de Mós (A);

2 – O veículo ...-HC seguia no sentido Fátima – Batalha e era conduzido pelo R., BB, seu proprietário (B);

3 – Os velocípedes a pedal seguiam no sentido Batalha – Fátima e eram conduzidos por DD, EE e FF (C);

4 – Junto com os velocípedes referidos em 1 e 3, seguiam, ainda, mais três velocípedes conduzidos por GG, HH e II (D);

5 – Os ciclistas referidos em 3 e 4 seguiam atentos à condução e ao trânsito, em fila organizada uns atrás dos outros, pela hemi-faixa de rodagem destinada à circulação no sentido Batalha – Fátima (E);

6 – A estrada tem dois sentidos de trânsito, encontrando-se dividida a meio em duas hemi-faixas de rodagem, separadas entre si por dupla linha longitudinal contínua, destinando-se cada uma delas ao trânsito de veículos em cada um dos sentidos (F);

7 – No local referido em 1, a via configura uma curva à direita, seguida de uma recta, atento o sentido de marcha do veículo HC (G);

8 – A estrada tem uma largura de 5,70 metros (H);

9 – O piso é asfaltado e encontrava-se em bom estado de conservação (I);

10 – O R. seguia a velocidade de, aproximadamente, 50 kms/hora (2º);

11 – Os ciclistas circulavam, junto à extremidade direita da hemi-faixa de rodagem em que seguiam (3º);

12 – Ao aproximar-se da curva referida em 7, após ter visto passar dois dos ciclistas, o passageiro que seguia no veículo do R., no banco traseiro, gritou “Olha os teus colegas” (10º);

13 – Acto contínuo e reflexamente, o R. olhou para o seu lado esquerdo e um pouco para trás (11º);

14 – Em consequência do referido em 12 e 13, e como se encontrava quase em cima da curva, ao voltar-se, novamente, para a frente, o R. já tinha invadido, com a frente do veículo, parte da hemi-faixa esquerda (12º);

15 – O R. ainda travou e guinou para a direita (13º), mas, ainda assim, não conseguiu evitar o embate nos restantes ciclistas (14º);

16 – Ao descrever a curva à direita referida em 7, o veículo conduzido pelo R. saiu da sua mão de trânsito, passou o eixo da via e invadiu a hemi-faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, por onde circulavam os ciclistas (J);

17 – O veículo conduzido pelo R. passou pelos dois primeiros ciclistas que seguiam à frente da fila, GG e HH (L);

18 – Embateu ligeiramente no ciclista que seguia em terceiro lugar na fila, II, não lhe provocando qualquer dano ou ferimento (M);

19 – Acto contínuo, embateu frontalmente no ciclista que se encontrava na quarta posição da fila, DD, projectando-o para o solo (N);

20 – Seguidamente, embateu no ciclista EE, projectando-o, igualmente, para o solo (O);

21 – Por fim, embateu no ciclista FF, que ocupava a última posição na fila, projectando-o também para o solo (P);

22 – O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem destinada à circulação no sentido Batalha – Fátima (Q);

23 – O R., ao ser submetido ao teste de alcoolemia, acusou uma TAS de 1,41 g/l de sangue (R);

24 – À data do embate referido em 1, a responsabilidade por acidentes com o veículo ...-HC encontrava-se transferida para “JJ Seguros, S. A.” – actualmente, “AA – Companhia de Seguros, S. A.”, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 90/153936 (S);

25 – Do embate resultaram extensas e graves lesões em EE, que lhe determinaram a morte (T); e

26 – Em consequência do embate referido em 1 e por via do contrato mencionado em 24, despendeu a A. quantias no valor global de € 212 431,94.

                                                  *

3 – Tidas em consideração as conclusões formuladas pela recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, a questão que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se assiste àquela o invocado direito de regresso sobre o recorrido, nos termos previstos no art. 19º, al. c) do – entretanto revogado (art. 94º, al. a), do DL nº 291/07, de 21.08) – DL nº 522/85, de 31.12, contrariamente ao decidido (com um voto de vencido, na Relação) nas instâncias.

       Apreciando:

                                                    *

4I – Tendo em conta que o acidente versado nos autos ocorreu, no dia 11.09.05, impõe-se-nos considerar o disposto na mencionada al. c) do art. 19º do DL nº 522/85, de 31.12, respeitante ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

       Nos termos estatuídos naquela al., e face ao que, ora, releva, “Satisfeita a indemnização, a seguradora…tem direito de regresso…contra o condutor, se este…tiver agido sob a influência do álcool…”

       Havendo grande divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à questão de saber sobre quem impende o ónus de prova da ocorrência do nexo de causalidade adequada entre a condução sob a influência do álcool e o acidente, este Supremo, no Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 28.05.02 (Jurisprudência nº 6/2002 – D.R. I-A, de 18.07.02), decidiu que “A al. c) do art. 19º do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus de prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

       Não bastando, pois, a condução sob o efeito do álcool para ser reconhecido o mencionado direito de regresso, sendo também necessária a prova de que essa condução foi causal do acidente.

                                                        /

II – No Ac. deste Supremo, de 01.07.03, de que foi relator o Ex.mo Cons. Azevedo Ramos e acessível em www.dgsi.pt, expendeu-se, doutamente, entre o mais:

          “No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adoptou a designada doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 563º do CC (…) A propósito deste pressuposto, o STJ tem decidido no sentido de que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada no aludido art. 563º do CC, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano (…) Com efeito, a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado (…) Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, adequado e apropriado para provocar o dano (…) Tal significa que a doutrina da causalidade adequada determina que o nexo da causalidade co-envolva matéria de facto (nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado) e matéria de direito (nexo de adequação: que o facto, em abstracto ou geral, seja causa adequada do dano) (…) Se o nexo de causalidade constitui, no plano naturalístico, matéria de facto, não sindicável pelo STJ, como tribunal de revista, já o mesmo vem a constituir, no plano geral e abstracto, matéria de direito, onde o STJ pode intervir, pois respeita à interpretação e aplicação do referenciado art. 563º do CC (Acs do STJ, de 11.05.00 – BOL. 497º/350, de 30.11.00 – COL/STJ – 3º/150, de 21.06.01 – COL/STJ – 2º/127, e de 15.01.02 – COL/STJ – 1º/36) (…) Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que este Supremo pode conhecer, por ser questão de direito”.

                                                       /

III – Perante o que ficou expendido e que, aqui, se subscreve, atentemos nos arts. da base instrutória que poderiam contender com o estabelecimento do sobredito nexo naturalístico de causalidade entre a TAS de 1,41 g/l de sangue, acusada pelo R. (Cfr. 23 de 2 supra), e o acidente de viação versado nos autos.

       Tais arts. são os seguintes:

                                                                4º

       O referido em R) provocou no R. um estado de euforia anormal?

                                                               5º

       E diminuiu-lhe a atenção, concentração e reflexos necessários à condução automóvel?

                                                               6º

       Fazendo-o perder o controlo do veículo que conduzia, bem como a noção da velocidade e das distâncias?

                                                                7º

       O referido em R) foi causa directa e necessária do referido em J)?

       Ora, todos estes arts. da b. i. obtiveram a resposta de “não provado”, o que significa – sabendo-se que “o referido em J)” (nº16 de 2 supra) de mais não passa que a descrição do culminar do acidente, com saída do veículo automóvel conduzido pelo R. da respectiva hemi-faixa de rodagem e invasão da hemi-faixa de rodagem afecta à circulação em sentido contrário, por onde circulavam os ciclistas/vítimas do acidente – que não se mostra feita a mínima prova do mencionado nexo naturalístico entre o acidente e a TAS acusada pelo R., integrado como deveria ser pelos factos naturais e concretos abrangidos por tais arts.

       Bem ao contrário, provou-se, a tal propósito, que “Ao aproximar-se da curva referida em 7), após ter visto passar dois dos ciclistas, o passageiro que seguia no veículo do R., no banco traseiro, gritou «Olha os teus colegas»”(12 de 2 supra), que “Acto contínuo e reflexamente, o R. olhou para o seu lado esquerdo e um pouco para trás” (13 de 2 supra) e que, finalmente, “Em consequência do referido em 12 e 13, e como se encontrava quase em cima da curva, ao voltar-se novamente para a frente, o R. Já tinha invadido com a frente do veículo parte da hemi-faixa esquerda” (14 de 2 supra).

       Ou seja, não só a recorrente não logrou provar, como era seu ónus (art. 342º, nº1, do CC), que a mencionada TAS acusada pelo R. tivesse interferido, causalmente, na eclosão e verificação do acidente de viação em apreço, como, “ex abundanti” e sem que, em tal quadro, tal fosse necessário para ilibar o R., emergiram provados diferentes factos naturais e concretos, estranhos àquela TAS e que, integrando o sobredito nexo naturalístico, afastam qualquer possibilidade de imputação do dito acidente, em termos de causalidade adequada, à TAS acusada pelo R.

       Tendo, pois, de concluir-se, em sintonia com o entendimento que prevaleceu nas instâncias, que, ao intervir no acidente de viação versado nos autos, o R. não agiu sob a influência do álcool, no sentido que veio a ser fixado pelo sobredito Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

                                                         /

IV – Por outro lado, e ao contrário do que pretende sustentar a recorrente, escudada no voto de vencido do acórdão impugnado, não podem os factos abrangidos pelos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da b. i.  e cuja resposta foi de “não provado” ser havidos por provados com base em presunções judiciais, simples, “hominis” ou “de experiência” (arts. 349º e 351º, ambos do CC).

       Com efeito, como se sustenta no Ac. deste Supremo, de 08.06.06, de que foi relator o Ex. mo Cons. Sebastião Póvoas e acessível em www.dgsi.pt, “A resposta negativa a um quesito significa que o facto não se provou. Tudo se passa como se não tivesse sido alegado, não sendo, outrossim, lícito concluir pela prova em contrário (…) Não pode recuperar-se esse facto pela prova da primeira aparência (presunção simples)”.

       Aliás, em idêntico sentido foi decidido, entre muitos outros, no Ac. deste Supremo de 09.06.09, de que foi relator o Ex. mo Cons. Moreira Camilo e igualmente acessível em www.dgsi.pt, o qual, em II, assim se mostra sumariado:

              “Tendo sido quesitada factualidade integradora da existência de tal nexo” (nexo de causalidade entre o grau de alcoolemia de que o demandado era portador e o acidente) “, e não tendo a mesma ficado provada, não pode a Relação alterar as respostas dadas aos respectivos quesitos com base em presunções judiciais”.

       Tendo, pois, de concluir-se que, como muito bem decidiram as instâncias, a recorrente não almejou provar, como era seu ónus processual, atenta a correspondente natureza constitutiva do respectivo direito (art. 342º, nº1, do CC), que o acidente versado nos autos ficou a dever-se à TAS então acusada pelo R. e condutor do veículo no mesmo interveniente.

       Assim, a acção por si instaurada teria de improceder, como improcedeu, nenhuma censura merecendo, pois, o douto acórdão recorrido.

                                                        *

5Sumário:

                  I – Adentro do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o legislador nacional perfilhou a doutrina da causalidade adequada, integrante, num primeiro momento, de um nexo naturalístico que constitui matéria de facto, e, num segundo momento, de um nexo de adequação que constitui matéria de direito.

                 II – Tendo sido “quesitada” factualidade integradora da existência daquele primeiro nexo e não tendo a mesma ficado provada, não pode a Relação tê-la por provada com base em presunções judiciais.

                                                       *

6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista, mantendo-se, pois, inalterado o decidido nas instâncias.

      Custas pela recorrente.

                                                      

                            Lx  09 /07/  2014                                        

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[1]  Relator: Fernandes do Vale (03/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida