Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1297/11.6TBPBL.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
FORMA DO CONTRATO
NULIDADE
PROVA POR TESTEMUNHAS
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREIRO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
Código Civil (CC): - Artigo 393.º, n.º1
Código de Processo Civil (CPC): - Artigos 4.º, n.º 3, 640.º, 662.º, n.º4, 674.º, n.º 3.
Dec. Lei n.º 12/04, de 9-1, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 18/08, de 29-1, em conjugação com a Portaria nº 1371/08, de 2-12: - Artigo 29.º, n.ºs1 e 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-1-99, BMJ 483º/160;
-DE 1-10-02, CJSTJ, TOMO III, PÁG. 65 (NESTE SENTIDO CFR. AC. DO STJ, DE 11-4-13 (WWW.DGSI.PT);
-DE 25-6-02, CJSTJ, TOMO II, PÁG. 128, E DE 17-6-03, CJSTJ, TOMO II, PÁG. 121;
-DE 22-5-12, CJSTJ, TOMO II, P. 90;
-DE 24-3-13;EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 13-1-15, WWW.DGSI.PT ;
-DE 19-02-15, WWW.DGSI.PT ;
-DE 26-2-15, WWW.DGSI.PT ;
-DE 15-4-15, WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Atento o disposto no nº 4 do art. 662º do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em meios de prova sujeitos a livre apreciação.

2. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto está limitada aos casos em que seja invocada a violação de lei adjectiva ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova (v.g. prova documental ou por confissão) ou que fixe o valor de determinado meio de prova (v.g. acordo das partes, confissão ou documento com força probatória plena).

3. Nos termos do art. 29º, nº 1, do Dec. Lei nº 12/04, de 9-1, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 18/08, de 29-1, em conjugação com a Portaria nº 1371/08, de 2-12, o contrato de empreitada acima de € 16.600,00 deveria ser obrigatoriamente reduzido a escrito.

4. Na falta de redução a escrito por razões imputáveis ao empreiteiro, para além de o contrato de empreitada ser nulo, é insusceptível de demonstração através de prova testemunhal, nos termos do art. 393º, nº 1, do CC.

Decisão Texto Integral:
I - AA, S.A., interpôs revista do acórdão da Relação que julgou procedente a acção que contra ela foi proposta por BB - Tecnologia Industrial em Pavimentos, S.A.

Na acção, a A. alegou que celebrou um contrato de empreitada com a R., tendo realizado os trabalhos que não lhe foram pagos por esta.

Pediu a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 68.641,80 a título de capital, bem como nos juros vencidos e vincendos.

A R. contestou e alegou que o contrato de empreitada referido pela A. foi celebrado com uma terceira entidade, a quem, aliás, pagou o valor facturado.

A acção foi julgada procedente, mas a Relação, no âmbito de recurso que foi interposto pela R., inverteu o resultado e, considerando que não foi feita prova da outorga do contrato de empreitada.

A A. interpôs recurso de revista manifestando a sua oposição quanto aos factos que a Relação considerou provados e não provados.

Cumpre decidir.


II – Matéria de facto

1. No recurso de apelação a R. questionou, além do mais, o facto de ter ficado a constar da sentença de 1ª instância que “entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de empreitada com vista à execução daqueles trabalhos de pavimentação” (os trabalhos cujo preço a A. viera reclamar na presente acção).

Deste modo, a A. impugnou o facto nº 3, onde se referia precisamente que “A A., no âmbito da sua actividade, e na sequência de contrato de empreitada celebrado com a R., procedeu à execução do seguinte …”.

Na enunciação do objecto do recurso de apelação foi dito que “a controvérsia gravita, pois, em torno desta quaestio facti: a conclusão entre a apelada BB, SA, e a apelante do contrato de empreitada alegado como causa de pedir pela primeira”.

Apreciando esta questão, a Relação deixou expresso no acórdão recorrido que, “ponderadas todas as provas, fica, portanto, a dúvida irresolúvel sobre a veracidade do facto alegado pela A. como causa petendi. E, dado que, como se observou, essa dúvida deve ser resolvida contra aquela – parte onerada com a sua prova – sempre haveria que julgar não provado o facto discutido”.

Ou seja, para além de se discorrer sobre a inviabilidade da utilização de prova testemunhal para demonstração de um facto que, de acordo com a lei, exigia a sujeição a documento escrito, a Relação assumiu expressis verbis a falta de prova do facto essencial para a procedência da acção, ou seja, que a A. e a R. tenham celebrado algum contrato de empreitada que constitua fundamento do direito de crédito que vem exigir através da presente acção.

Tal decisão, situa-se no campo da livre apreciação das provas, impedindo a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 662º, nº 4, e 674º, nº 3, do CPC.


2. A matéria de facto provada considerada no presente recurso de revista é a seguinte:

1. A A. dedica-se à indústria de construção civil e obras públicas; colagem, afagamento e polimento de pavimentos industriais em betão; pavimentos industriais, comercialização de endurecedores e fibras.

2. A R. dedica-se à indústria de construção civil e obras públicas.

3. A A., no âmbito da sua actividade, procedeu à execução do seguinte:

Pavimento em betão em obra da Ré (CC (Dep. Vidro) em Avintes, nas descrições, quantidades, preços unitários e respectivos valores, que a seguir se discriminam:

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (30Kg/m3); espalhamento e nivelamento de massame de betão 120 mm de espessura; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Corindo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Na entrada principal, numa área de 210 m2, e ao preço de 7,90 €/ m2, no valor de 1.659,00 €;

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (20Kg/m3); espalhamento e nivelamento de massame de betão 100 mm de espessura; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Quartzo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Nos passeios, numa área de 348 m2, e ao preço de 5,65 €/ m2, no valor de 1.966,20 €;

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (25Kg/m3); espalhamento e nivelamento de massame de betão 110 mm de espessura; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Corindo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Na Estrada 1, Estrada 2 e Estrada 3, numa área de 2.576 m2, e ao preço de 8,20 €/ m2, no valor de 21.123,20 €;

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (25Kg/m3); espalhamento e nivelamento de massame de betão 110 mm de espessura; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Corindo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Na reparação de estrada, numa área de 254 m2, e ao preço de 8,20 €/ m2, no valor de 2.082,80 €;

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (25Kg/m3); espalhamento e nivelamento de massame de betão 110 mm de espessura; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Corindo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Junto aos silos, numa área de 306 m2, e ao preço de 8,20 €/ m2, no valor de 2.509,20 €;

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (20Kg/m3); espalhamento e nivelamento de massame de betão 100 mm de espessura; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Quartzo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Numa área de 523 m2, e ao preço de 5,65€/ m2, no valor de 2.954,95 €;

- Execução de pavimento em betão incluindo fornecimento e aplicação de espuma de dessolidarização; fornecimento e incorporação de fibras de aço RI 410 (20Kg/m3); e fornecimento e aplicação de varões de transmissão de carga; espalhamento e nivelamento de massame de betão; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície Quartzo; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; Numa área de 6.339 m2, e ao preço de 5,65€/ m2, no valor de 35.815,35 €, tudo no valor total de 68.110,70 €.

- Execução de pavimento em betão em obra da Ré (DD), com fornecimento e incorporação de fibras de aço; espalhamento e nivelamento de massame de betão; fornecimento e aplicação de endurecedor de superfície; atalochamento mecânico; acabamento areado fino; abertura de juntas de indução de fendas; respeitante a reparações pontuais, numa área de 94 m2, e ao preço de 5,65€/ m2, no valor de 531,10 €.

4. As facturas supra referidas não foram pagas à A.

5. A A. tem vindo a interpelar a R. constantemente pelos mais diversos meios, no sentido desta proceder ao pagamento da quantia em dívida.

6. A R. pagou à sociedade “EE, Ldª” (EE), a quantia de € 31.717,75, relativamente aos trabalhos supra referidos em 1. a 3.

7. Para a execução dos trabalhos, a R. pediu orçamentos a diversas empresas, entre elas a A. e a EE.

8. Em 10-11-10 a A. remeteu à R. o escrito de fls. 52; na mesma data a R. remeteu à A. o escrito de fls. 53.

9. Em finais de Novembro de 2010 a A. enviou para a R. o original e duplicado da factura nº 10-213 de 24/11/2010; logo que recebeu a factura, a R. devolveu-a à A. por carta de 30/11/2010, de fls. 54, e a A. recebeu a carta com o original e duplicado da factura.


III – Decidindo:

1. Diz o recorrente que o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação.

Trata-se de uma alegação que, além de não ser verdadeira, confunde a falta de fundamentação com o conteúdo da fundamentação, sendo certo que a nulidade do acórdão apenas existe na primeira situação e não quando, porventura, a fundamentação seja escassa.

Ademais, nem esta falha se verifica, pois o acórdão é bem revelador da via que foi trilhada para atingir o resultado que foi declarado, sendo perceptível a qualquer leigo e ainda mais a quem exerce o patrocínio judiciário.

De modo algum se encontra justificação para assacar ao acórdão recorrido a falha que lhe é apontada.


2. O recorrente, nas alegações do recurso de revista limita-se a demonstrar a sua oposição quanto aos factos que a Relação considerou provados e não provados.

Concretamente, insurge-se contra o facto de não ter sido considerada provada pela Relação a existência de um contrato de empreitada e contra o facto – que fora dado como provado pela sentença de 1ª instância e que não foi impugnado, nem sequer subsidiariamente pela A. – de que a R. pagara à sociedade EE, Ldª, o montante das facturas, como consta do ponto 6º.

Em seu entender, os elementos dos autos – testemunhas e documentos – não sustentariam tal decisão, devendo dar-se como provada a existência de um contrato de empreitada, ainda que verbal.

Ora, trata-se de matéria que, como resulta evidente do art. 662º, nº 4, do CPC, é insusceptível de se inscrever num recurso de revista, sendo matéria exclusiva das instâncias.

Este segmento do acórdão recorrido não é susceptível de ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da presente revista, uma vez que apenas conhece de matéria de direito, sendo da competência exclusiva das instâncias a apreciação e fixação da matéria de facto sustentada na livre apreciação das provas.

O Supremo apenas poderia intervir no juízo decisório ínsito no acórdão recorrido se e na medida em que do mesmo decorresse alguma ofensa a disposição expressa que exigisse uma certa espécie de prova para a existência dos factos ou que atribuísse um determinado valor probatório a determinados meios de prova que tivesse sido desconsiderado (art. 674º, nº 3, do CPC).


3. No capítulo da apreciação das provas, a regra contida no nº 3 do art. 674º, em conjugação com o nº 4 do art. 662º, conexas com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo, é a de que este não pode interferir, em regra, na decisão da matéria de facto, por ser da exclusiva competência das instâncias. Tal regra está em consonância com a tramitação processual do recurso de revista, por comparação com o recurso de apelação que integra, como um dos pilares fundamentais, a intervenção da Relação na reapreciação da decisão da matéria de facto, nos termos dos arts. 640º e 662º.

Tal regra não é absoluta, sendo de admitir uma intervenção correctora do STJ quando o acórdão recorrido esteja eivado de erro determinado por uma ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Com efeito, o Supremo não deve ficar indiferente a erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, de modo que pode constituir fundamento de revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixe a respectiva força probatória. Afinal, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspectiva, se integram também na esfera de competências do Supremo, inscrevendo-se a sua correcção nas atribuições do Supremo.

Assim, quando na enunciação da matéria de facto provada ou não provada se constate que as instâncias desrespeitaram norma expressa de direito probatório material, o Supremo, por iniciativa própria ou do recorrente, deve modificar a decisão e ajustá-la ao preceito imperativo violado.

Tal acontece designadamente quando o confronto com os articulados revele que existe acordo das partes quanto a determinado facto, que o facto alegado por uma das partes foi objecto de declaração confessória com força probatória plena que não foi atendida ou que encontra demonstração plena em documento junto aos autos, naquilo que dele emerge com força probatória plena, incluindo a eventual confissão nele manifestada.


4. Na verdade, em tais circunstâncias, confrontamo-nos com verdadeiros erros de aplicação do direito, tornando justificada a “intromissão” do Supremo na delimitação da realidade que será objecto de qualificação jurídica, como questão de direito que realmente é, deve ser considerada (art. 4º, nº 3).

Trata-se de matéria que tem sido objecto de frequentes arestos do Supremo de que são exemplos os seguintes:

- Ac. de 15-4-15 (www.dgsi.pt): existindo um só grau de recurso em matéria de facto, é vedado ao STJ alterar a decisão que vem das instâncias, salvo na medida em que essa alteração se traduza, afinal, no controlo da aplicação de disposições legais que exijam “certa espécie de prova para a existência do facto” ou que fixem “a força de determinado meio de prova”; nesta medida, não cabe nos seus poderes, nem recorrer a presunções judiciais para alterar a decisão de facto, nem controlar as que as instâncias construíram;

- Ac. de 13-1-15 (www.dgsi.pt): o STJ é, organicamente, um tribunal de revista, pelo que a sua competência está confinada a questões de direito, cabendo-lhe o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos que alcançaram por efeito da mesma; o STJ pode, assim, sindicar a decisão da matéria de facto, provinda das instâncias, em duas hipóteses: (i) quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; ou (ii) quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no sistema jurídico português;

- Ac. de 26-2-15 (www.dgsi.pt): não cabe no âmbito do recurso de revista apreciar se a prova produzida por uma das partes foi ou não suficiente para criar dúvida no espírito do julgador, nos termos da chamada contraprova (art. 346º do CC);

- Ac. de 19-02-15 (www.dgsi.pt): tendo a Relação fundado a sua decisão na alteração da resposta que deu à matéria factual na prova testemunhal indicada relativamente a esta facticidade, o STJ está impedido de sindicar o julgamento que a Relação fez sobre este ponto da matéria de facto considerada provada na demanda;

- Ac. de 24-3-13 (www.dgsi.pt): está vedada ao Supremo a apreciação de depoimentos testemunhais, sujeitos à livre apreciação da prova;

- Ac. de 22-5-12, CJSTJ, tomo II, pág. 90: o Supremo poderá censurar a decisão da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais, isto é, decidir se, no caso concreto, era ou não era permitido o uso de tais presunções;

- Ac. de 1-10-02, CJSTJ, tomo III, pág. 65: o erro na apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa não pode, em princípio, ser sindicado pelo STJ; apenas o poderá ser se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força a determinado meio de prova (neste sentido cfr. ainda o Ac. do STJ, de 11-4-13 (www.dgsi.pt);

- Acs. de 25-6-02, CJSTJ, tomo II, pág. 128, e de 17-6-03, CJSTJ, tomo II, pág. 121: o STJ tem intervenção residual limitada a averiguar da observância das regras de direito probatório material e determinar a ampliação da matéria de facto;

- Ac. de 12-1-99, BMJ 483º/160: o STJ só conhece da matéria de facto em dois casos: o primeiro, para a hipótese de o tribunal recorrido ter dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; o segundo, quando tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos vários meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico. É exemplo o caso em que o tribunal decidiu a causa dando como provados (ou como não provados) factos em contrário do que consta de uma confissão judicial escrita. Aqui o Supremo terá então competência para alterar os factos dados como provados com base no desrespeito pela força probatória plena reconhecida à confissão judicial pelo nº 1 do art. 358º do CC.


5. No que respeita ao facto relacionado com a celebração de um contrato de empreitada entre a A. e a R., ainda que verbal, a Relação agiu no uso de poderes que são insindicáveis por este Supremo Tribunal de Justiça, tanto mais que nem sequer é invocada a violação de alguma norma adjectiva relativamente ao modo como a Relação exercer esses poderes no âmbito da apelação que envolveu a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente a esse ponto controvertido.

Por outro lado, não pode este Supremo deixar de confirmar o juízo feito pela Relação no que concerne à restrição dos meios de prova relativamente à demonstração da existência de um contrato de empreitada.

Com efeito, nos termos do art. 29º, nº 1, do Dec. Lei nº 12/04, de 9-1, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 18/08, de 29-1, o concreto contrato de empreitada deveria ter sido obrigatoriamente reduzido a escrito. Incumbência que recaía sobre a A., na sua qualidade de empreiteira, nos termos do nº 2 do referido artigo.

Tais normativos determinam essa formalidade relativamente a contratos de empreitada com valor superior a 10% do valor fixado para as empreitadas de categoria 1, o qual foi fixado pela Portaria nº 1371/08, de 2-12, em € 166.000,00, a que corresponderia, pois, o valor máximo de € 16.600,00,

Se tal tivesse sido observado ter-se-iam evitado, aliás, as dúvidas que vieram a suscitar-se na presente acção e que a Relação resolveu contra a parte onerada com a prova dos factos, tanto mais que, como a Relação concluiu, não existindo documento que tenha formalizado a outorga do contrato, nem sequer era de admitir sobre tal facto a produção e valoração de prova testemunhal, nos termos do art. 393º, nº 1, do CPC.

Assim, para além de este Supremo estar impedido de sindicar o juízo apreciativo que a Relação formulou a partir da reapreciação dos meios de prova que foram apresentados pelas partes, deve ainda ser confirmada a reusa de admissão de prova testemunhal para demonstração da celebração do contrato de empreitada.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista e em ambas as instâncias a cargo da A.

Notifique.

Lisboa, 3-12-15

Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo